Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 238/2018-T
Data da decisão: 2019-03-13  IMT Selo  
Valor do pedido: € 77.643,84
Tema: Isenção; artigo 58.º-D do EBF.
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Nuno Pombo e Paulo Ferreira Alves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

 

DECISÃO ARBITRAL  (consultar versão completa no PDF)

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 08 de Maio de 2018, A..., LDA., NIPC..., com sede na Rua ..., Porto, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto do Selo (“IS”) identificado pelo documento n.º..., no valor de €11.360,00 e do acto de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) identificado pelo documento n.º..., no valor de € 66.283,84, assim como do acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, que teve aquelas liquidações como objecto.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:

i.             Vício de violação de lei, decorrente da violação do artigo 58.º-D do Estatuto dos Benefícios Fiscais;

ii.            Violação dos princípios da boa-fé, da colaboração, da justiça, da razoabilidade, da prossecução do interesse público e da verdade material, ínsitos no artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), nos artigos 4.º, 8.º e 10.º do CPA e nos artigos 55.º e 59.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 3, alíneas i) e m) da Lei Geral Tributária (“LGT”);

iii.           Inconstitucionalidade material do artigo 58.º-D, n.º 1 e n.º 4 do Estatuto do Benefícios Fiscais (“EBF”), por violação do artigo 13.º e artigo 266.º, n.º 1 e 2 da CRP.

 

3.            No dia 09-05-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 28-06-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 18-07-2018.

 

7.            No dia 01-10-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.            No dia 30-11-2018, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foi inquirida a testemunha, no acto, apresentada pela Requerente.

 

9.            Foi prorrogado o prazo a que alude o art.º 21.º, n.º1 do RJAT, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

 

10.          Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pela Requerente, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as suas posições jurídicas.

 

11.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, tal como prorrogado.

 

12.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            A Requerente é uma sociedade por quotas, constituída em 20-08-2015, cujo objecto social consiste em “arrendamento, a compra para revenda, a venda e a construção de prédios rústicos e/ou urbanos ou fracções autónomas, incluindo a constituição e a negociação de imóveis em regime de propriedade horizontal, a gestão de imóveis próprios, a promoção e a negociação de projectos imobiliários, a administração de propriedades, as actividades de consultoria imobiliária, a prestação de serviços de consultoria em diversas áreas de negócio, a detenção de participações noutras sociedades, o turismo no espaço rural e os serviços com este relacionados e, ainda, a caça e repovoamento cinegético, bem como os serviços e actividades com esta relacionadas, designadamente as actividades de caça turística”.

2-            O sócio gerente da Requerente – B... – é, e era em 2016, um cidadão de nacionalidade francesa, que adquiriu em Março de 2016, o estatuto de residente fiscal em Portugal.

3-            O sócio gerente da Requerente encontra-se a residir na cidade do Porto, desde Março de 2016.

4-            O sócio gerente da Requerente sempre cumpriu as suas obrigações fiscais em Portugal.

5-            Em 29-06-2016, a Requerente, representada pelo mencionado sócio gerente, adquiriu por escritura pública de compra e venda os seguintes imóveis:

             Prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo matricial ..., Secção ..., da freguesia de ..., concelho de ...;

             Prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo matricial ..., Secção ..., da freguesia de ..., Concelho de ....

6-            Os referidos prédios foram adquiridos para a prática da actividade agro-silvo-pastoril.

7-            Em 28-06-2016, a Requerente solicitou junto do Serviço de Finanças, as liquidações de IMT e de IS, tendo os referidos impostos sido liquidados, respectivamente, pelos documentos n.º ... e  n.º ... .

8-            A Requerente procedeu ao pagamento da liquidação de IMT, no valor de €66.283,34, e da liquidação de IS, no valor de €11.360,00. 

9-            Em meados de Agosto de 2016, em negociações para a aquisição de um outro prédio rústico situado na freguesia de ..., foi transmitido ao sócio gerente da Requerente, pelo respectivo vendedor, que o prédio objecto de negociação se encontrava inserido numa Zona de Intervenção Florestal (doravante, “ZIF”).

10-         Na mesma data, o sócio gerente da Requerente teve conhecimento que, por força da inserção em ZIF, as aquisições de imóveis naquela zona poderiam beneficiar de isenção de IS, IMT e IMI.

11-         Os prédios rústicos inscritos na matriz sob o artigo matricial ..., Secção ... e artigo matricial..., Secção..., ambos da freguesia de ..., concelho de ... estavam à data da aquisição pela Requerente, integrados na ZIF de .../... .

12-         Em 15-11-2016, a Requerente solicitou ao Chefe do Serviço de Finanças de ... o reconhecimento da isenção de IMT e IS, ao abrigo do artigo 58.º-D do EBF, referente aos prédios rústicos acima identificados.

13-         Juntamente com o requerimento, a Requerente apresentou comprovativo da inclusão do prédio na ZIF, bem como comprovativo da aprovação do plano de gestão florestal.

14-         Em 28-11-2016, tal requerimento foi objecto de projecto de indeferimento.

15-         Do projecto de indeferimento consta o seguinte:

 

16-         Em 27-12-2016, a Requerente exerceu o direito de audição, nos termos do artigo 60.º da LGT.

17-         Por despacho de 05-01-2017, foi proferido despacho de indeferimento do pedido de reconhecimento das isenções nos seguintes termos:

 

 

18-         Em 10-02-2017, a Requerente apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento do pedido de reconhecimento dos benefícios fiscais.

19-         O recurso hierárquico foi remetido pela Direcção de Finanças de ... para a Direcção de Serviços de IMT em 27-02-2017, para decisão, não tendo, até ao momento da apresentação do pedido arbitral, sido objecto de apreciação.

20-         Em 09-10-2017, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa nos termos do n.º 4 do artigo 78.º da LGT.

21-         Até ao momento da apresentação do pedido arbitral, a Requerente não tinha sido notificada da decisão do pedido de revisão oficiosa.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o Processo Administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

                Em causa na presente acção arbitral está a aplicação da isenção prevista no n.º 2 do artigo 59.º-D do EBF aplicável (versão de 2016), cujo teor é o seguinte:

“Ficam isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis e de imposto do selo, no que se refere à verba 1.1 da tabela geral do imposto do selo, as aquisições onerosas de prédios ou parte de prédios rústicos que correspondam a áreas florestais abrangidas por zona de intervenção florestal (ZIF), nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 127/2005, de 5 de agosto, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 15/2009, de 14 de janeiro, 2/2011, de 6 de janeiro, e 27/2014, de 18 de fevereiro, ou de prédios contíguos aos mesmos, na condição de estes últimos serem abrangidos por uma ZIF num período de três anos contados a partir da data de aquisição.”.

                Os prédios em questão nos autos, cuja aquisição pela Requerente foi tributada em sede de IMT e IS, inserem-se na ZIF de .../... (ZIF n.º ..., processo n.º 62/06-DGRF), que foi publicada em Diário da República, 1ª série, n.º 91 de 12-05-2008.

                A Requerida reconhece que a Requerente reunia os requisitos necessários à concessão do referido benefício fiscal (cfr. ponto 17 dos factos provados e 33.º da resposta).

                Entendeu, todavia, a mesma Requerida que tal benefício não podia ser reconhecido à Requerente, por força do disposto no n.º 4 do referido art.º 59.º-D do EBF que dispõe que:

“As isenções previstas nos n.ºs 2 e 3 são reconhecidas pelo chefe do serviço de finanças da situação dos prédios, mediante requerimento apresentado pelos sujeitos passivos nesse serviço, acompanhado de documento comprovativo da inclusão do prédio na ZIF ou de que o prédio é contíguo a prédio abrangido por ZIF, nas situações previstas no n.º 2, e do documento comprovativo da aprovação do plano de gestão florestal e da situação de contiguidade do prédio, nas situações previstas no número anterior, a apresentar, em qualquer caso, antes do ato ou contrato que originou a transmissão.”.

                Efectivamente, e conforme é reconhecido pela Requerente, o benefício fiscal em causa não foi requerido previamente às liquidações objecto da presente acção arbitral, nem antes do acto ou contrato que originou a transmissão que foi por aquelas sujeita a imposto.

                O que cumpre apurar, então, é a legalidade daquelas liquidações

                Vejamos.

*

                Como se refere, por exemplo, no Ac. do TCA-Sul de 02-07-2013, proferido no processo 06629/13:

“1. De acordo com a lei, os benefícios fiscais devem considerar-se medidas de carácter excepcional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da tributação que impedem (cfr. artº.2, nº.1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo dec.lei 215/89, de 1/7).

2. Do ponto de vista jurídico, e na óptica da relação jurídica de imposto, os benefícios fiscais consubstanciam, antes de mais, factos que estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação tributária ou, pelo menos, de que a mesma surja em plenitude. Na verdade, enquanto facto impeditivo, o benefício fiscal traduz-se sempre em situações que estão sujeitas a tributação, isto é, que são subsumíveis às regras jurídicas que definem a incidência objectiva e subjectiva do imposto. E, precisamente porque o benefício fiscal constitui um facto impeditivo da tributação-regra, a sua extinção ou falta de pressupostos de aplicação tem por efeito imediato a reposição automática dessa mesma tributação, como estabelece o artº.12, nº.1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.”.

                E, conforme se refere no art.º 5.º, n.º 1, do EBF, “Os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimento; os primeiros resultam directa e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento.”.

                No caso, e tal não é contestado pela Requerente, estamos perante um benefício fiscal dependente de reconhecimento, como decorre do n.º 4 do art.º 59.º-D do EBF, atrás transcrito, que refere que as isenções em causa “são reconhecidas pelo chefe do serviço de finanças da situação dos prédios, mediante requerimento apresentado pelos sujeitos passivos” .

                Neste cenário, não se pode, senão, concluir pela legalidade das liquidações contra as quais a Requerente se insurge.

                Com efeito, à data em que as liquidações em crise foram emitidas, o benefício fiscal que a Requerente pretende fazer valer não estava reconhecido nem, sequer, requerido.

                Deste modo, fica claro que as liquidações em causa respeitaram as normas legais aplicáveis no momento em que se formaram, à luz da situação de facto então existente, sendo que, como se referia já no Ac. do STA de 03-04-2003, proferido no processo 02046/02 , “O princípio "tempus regit actum" manda aferir a legalidade do acto administrativo pela situação de facto e de direito existente à data da sua prolacção.”

                É certo que a Requerente afirma reunir os pressupostos materiais para o deferimento do benefício fiscal que pretende, o que, como se referiu, não é contestado pela Requerida.

                No entanto, estando em causa um benefício fiscal dependentemente de reconhecimento, a questão da legalidade ou não do indeferimento de tal benefício não pode ser apreciada em sede de processo de impugnação das liquidações de imposto.

                Efectivamente, como se explica no Ac. do STA de 18-11-2015, proferido no processo 0459/14, “No caso dos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento, a impugnação do acto que recair sobre o pedido de reconhecimento é autónoma em relação à impugnação do acto de liquidação, não podendo a questão do direito ao benefício ser discutida no processo de impugnação.”.

                No mesmo sentido, o acórdão do mesmo Alto Tribunal de 22-03-2018, proferido no processo 01263/16, refere que “no caso dos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento a impugnação do acto que recair sobre o pedido de reconhecimento é autónoma em relação à impugnação do acto de liquidação, não podendo a questão do direito ao benefício ser discutida no processo de impugnação.”.

                Ou seja, no caso dos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento, o acto de reconhecimento ou não reconhecimento do benefício é autónomo dos actos de liquidação com ele relacionados, e deve ser objecto de processo autónomo onde a respectiva legalidade seja apreciada, sendo certo que, tratando-se o acto de (in)deferimento de benefícios fiscais de um acto que não comporta, em si, a liquidação de qualquer imposto, ou a apreciação da legalidade de qualquer acto de liquidação, a forma processual própria não é o processo de impugnação judicial.

                Como se refere no primeiro dos acórdãos do STA acima referidos, citando o Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, “«[…] a decisão do pedido de reconhecimento, como acto administrativo com repercussões na esfera jurídica do interessado, é passível de impugnação contenciosa imediata, nos termos do disposto no art. 95.º, n.º s 1 e 2, alínea f), da LGT. A impugnação contenciosa, a efectuar através de acção administrativa especial [art. 97.º, n.ºs 1, alínea p), e 2 do CPPT], deverá ser efectuada no prazo de três meses, se se tratar de impugnação de acto expresso [art. 58.º, n.º 1, alínea b), do CPTA], ou de um ano, se se tratar de situação de inércia da Administração em se pronunciar sobre o pedido de reconhecimento [neste caso através de pedido de condenação à prática de acto devido [art. 69.º, n.º 1, do mesmo Código]. Nestes casos de benefícios fiscais dependentes de reconhecimento, a impugnação do acto que recair sobre o pedido de reconhecimento é autónoma em relação à impugnação do acto de liquidação, não podendo a questão do direito ao benefício ser discutida no processo de impugnação».” .

                Ora, o processo arbitral arbitrário, como é consabido, está configurado como um meio alternativo ao processo de impugnação judicial nos tribunais tributários, sendo, por isso, os tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD absolutamente incompetentes para conhecer de qualquer matéria cuja forma processual adequada não se reconduza àquele processo, designadamente e no que para o caso importa, de qualquer matéria que haja de ser conhecida em sede de acções administrativas em matéria tributária.

                Deste modo, está vedada a este Tribunal arbitral, qualquer possibilidade de convolação da presente acção arbitral, ou de cumulação do pedido de apreciação da legalidade da liquidação com a apreciação da legalidade do indeferimento do reconhecimento do benefício fiscal pretendido pela Requerente.

                Neste quadro, ou seja, tendo-se que dar como assente que à Requerente não foi reconhecido pela AT o direito ao benefício fiscal em questão, e não sendo a este Tribunal arbitral lícito questionar a legalidade ou não de tal não reconhecimento, não se poderá, como se referiu já, concluir de outro modo que não seja pela legalidade das liquidações sub iudice.

                Dito de outro modo, não se verifica qualquer vício de violação de lei, decorrente da violação do artigo 58.º-D do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na medida em que o benefício ali previsto não é de natureza automática, não foi objecto de reconhecimento, e a este Tribunal arbitral não é lícito conhecer dos vícios do acto de indeferimento do pedido de reconhecimento apresentado pela Requerente, que deveriam ter sido objecto de processo autónomo e que não é da competência da jurisdição dos Tribunais arbitrais a funcionar sob a égide do CAAD, conforme decorre, cristalinamente e para além do mais do disposto no art.º 2.º, n.º 1, do RJAT.

                Daqui não resulta qualquer violação de normas constitucionais, designadamente dos dos artigos 13.º e 266.º da CRP, ou legais, nomeadamente dos artigos 4.º, 8.º e 10.º do CPA, e 55.º e 59.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 3, alíneas i) e m) da LGT, ou de quaisquer outras, na medida em que pelo ordenamento jurídico são garantidos à Requerente os meios próprios, proporcionais e adequados para fazer valer os seus direitos, designadamente a impugnação do pedido de concessão do benefício fiscal por ela pretendido, cabendo-lhe o ónus de os utilizar devidamente.

                Concretamente, tendo optado por apresentar recurso hierárquico do acto de indeferimento do benefício fiscal em causa, assiste-lhe o direito de, dentro dos requisitos processuais aplicáveis, reagir quer contra o indeferimento daquele recurso hierárquico, quer contra a inércia da AT em decidi-lo.

                Não pode é este Tribunal substituir-se, desde logo porque está vinculado à aplicação do direito constituído (cfr. art.º 2.º/2 do RJAT), aos meios próprios, previstos no ordenamento jurídico, para a Requerente fazer valer os direitos que entende assistirem-lhe.

                Face a todo o exposto, nada mais resta que concluir pela total improcedência do pedido arbitral.

 

*

 

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, absolver a Requerida do pedido, condenando-se a Requerente nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 77.643,84, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 13 de Março de 2019

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Nuno Pombo)

 

O Árbitro Vogal

(Paulo Ferreira Alves)