Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 378/2018-T
Data da decisão: 2018-12-07  IMI  
Valor do pedido: € 876,20
Tema: AIMI – Incidência objetiva (artigo 135.º-B, n.ºs 1 e 2, do Código do IMI) - Terrenos para construção; Tempestividade do pedido de pronúncia arbitral.
Versão em PDF

   

DECISÃO ARBITRAL

 

 

I. RELATÓRIO

1. A..., LDA., contribuinte n.º..., com sede na ..., n.º..., ..., ..., freguesia ..., concelho da ..., requereu a constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por «RJAT») e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

2. O pedido de constituição de tribunal arbitral, apresentado em 09 de agosto de 2018, tem por objeto a declaração de ilegalidade parcial do ato de liquidação adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) com o n.º 2017..., praticado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), em 30-06-2017, com referência ao ano de 2017, na parte em que inclui no valor tributável o valor patrimonial tributário do terreno para construção inscrito na matriz predial da União das Freguesias de ... e ..., concelho de ..., sob o artigo ..., no montante de 219 050,00 €, e a consequente anulação parcial do AIMI, no montante de 876,20 € (oitocentos e setenta e seis euros e vinte cêntimos).

 

3. Requer ainda a condenação da Requerida no reembolso do montante indevidamente pago, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) e 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contados desde a data do pagamento indevido do imposto (30-09-2017) até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

4. A Requerente optou por não designar árbitro.

 

5. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 10 de agosto de 2018.

 

6. O signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro do tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, e comunicada a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

7. Em 28 de setembro de 2018, as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

8. Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 19 de outubro de 2018.

 

9. A Requerida foi notificada, por despacho arbitral da mesma data, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, querendo, e solicitar a produção de prova adicional.

 

10. Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do CPPT.

 

11. Em 19 de novembro de 2018, a Requerida apresentou a sua Resposta, defendendo-se por exceção e por impugnação, pugnando, respetivamente, pela procedência da exceção invocada e consequente absolvição do pedido, ou, caso assim não se entenda, pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário de liquidação impugnado.

 

12. Na mesma data juntou aos autos o respetivo PA.

 

13. Por despacho de 20 de novembro de 2018, foi a Requerente notificada para, no prazo de 10 dias, responder, querendo, à matéria de exceção invocada, o que a mesma fez em 27 do mesmo mês.

 

15. Considerando que as Partes não requereram a produção de qualquer prova, para além da documental junta ao processo, o Tribunal Arbitral, face aos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais, ínsitos nos artigos 16.º e 29.º, n.º 2, do RJAT, por despacho de 28 de novembro de 2017, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do mesmo diploma, determinando que o processo prosseguisse com alegações escritas, facultativas, no prazo simultâneo de dez dias.

 

16. Pelo mesmo despacho foi determinado que a decisão arbitral seria proferida até ao termo do prazo a que alude o artigo 21.º/1 do RJAT.

 

17. Em 03 de dezembro de 2018 foram apresentadas alegações escritas por parte da Requerente, tendo a AT apresentado as suas, em 04 do mesmo mês. 

 

 

Posição das Partes

Da Requerente:

Sustenta o seu pedido de pronúncia arbitral, sinteticamente, nos seguintes termos:

Que a liquidação impugnada incidiu sobre o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção de que era proprietária, em 01 de janeiro de 2017, inscritos na matriz predial da União das Freguesias de ..., concelho de ..., sob os artigos ... e ... .

Quanto ao terreno inscrito matricialmente sob o artigo ..., entende que a liquidação não merece qualquer censura, uma vez que o mesmo se destina a fins habitacionais.

Já quanto ao terreno inscrito sob o artigo..., com o valor patrimonial tributário de 219 050,00 €, discorda da liquidação, uma vez que o prédio se destina à construção para a indústria, devendo deste modo interpretar-se extensivamente o n.º 2 do artigo 135-B do CIMI, não fazendo qualquer sentido excluir de tributação os prédios urbanos industriais e não, também, os terrenos para construção destinados a indústria.

Na génese da criação do AIMI estará patente um benefício concedido às empresas e aos empresários em nome individual, pois são estes os detentores de prédios destinados ao comércio, indústria, serviços e outros, pelo que a mera detenção desses imóveis não constitui um fator demonstrador de riqueza nem um indicador suficiente de capacidade contributiva dos titulares desses imóveis.

Não existindo quaisquer dúvidas que o referido terreno se destina a construção para fins industriais, como demonstram os dados da avaliação constantes da respetiva caderneta predial e ainda a planta topográfica e respetiva carta de condicionantes emitidas pela Câmara Municipal de ... .

Além do mais deverá atender-se ao facto de a Requerente ser uma empresa do ramo imobiliário, cuja atividade consiste na construção, compra e venda de propriedades e revenda dos adquiridos para esse fim, sendo que o referido terreno foi vendido à sociedade “B..., SA”, em 11 de abril de 2017, no exercício da referida atividade, ficando consignado, na respetiva escritura, que se destina a construção urbana para fins industriais.

Adotando-se uma interpretação literal do referido n.º 2 do artigo 135-B do CIMI, no sentido de todos os terrenos para construção estarem abrangidos pela incidência do AIMI, esta norma será materialmente inconstitucional, por violar os princípios da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, consagrados, respetivamente, nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3 da CRP, ao considerar facto tributário a titularidade de terrenos para construção de prédios destinados a indústria e não a titularidade dos prédios neles construídos, por consubstanciar um tratamento desprivilegiado dos contribuintes que se encontram na primeira situação, sem justificação material, pois é necessariamente menor a capacidade contributiva indiciada pelo património imobiliário nessa situação, que terá de estar presente, e com aumento, na segunda.

Termina pugnando pela procedência do pedido de pronúncia arbitral e por via disso pela anulação parcial da liquidação impugnada, bem como pelo reembolso da quantia indevidamente liquidada, no montante de 876,20 €, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios, devendo ainda ser declarada a inconstitucionalidade do n.º 2 do art.º 135-B do CIMI, por violação dos princípios da igualdade fiscal e da capacidade contributiva.

 

 

Da Requerida:

Defendendo-se por exceção:

Que a Requerente, em cumprimento do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 10º do RJAT, peticiona, a final: «a) Ser declarada a inconstitucionalidade do n.º 2 do art.º 135-B do CIMI por violação do princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, consagrado nos artigos 13 e 104, n.º 3 da CRP (…). b) Ser considerada ilegal a liquidação impugnada na parte em que inclui no valor tributável o valor patrimonial do terreno para construção com o artigo ... da matriz urbana da União das Freguesias de ... e ..., devendo ser anulado em conformidade na parte respectiva, de harmonia com o disposto no art.º 163, n.º 1 do CPA subsidiariamente aplicável nos termos do art.º 2, alínea c) da LGT. c) Condenar-se a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Impugnante a quantia indevidamente paga no montante de 876,20 €, acrescida dos competentes juros indemnizatórios (…)».

Ao longo do pedido de pronúncia arbitral (ppa) não fez qualquer referência ao despacho que indeferiu a reclamação graciosa.

Que no introito do ppa, a Requerente é contundente e direta, referindo logo o que pretende: «a declaração de ilegalidade parcial do acto de liquidação adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) com o n.º 2017..., emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com referência ao ano de 2017, na parte em que inclui no valor tributável o valor patrimonial do terreno para construção com o artigo ... da matriz urbana da União das Freguesias de ... e ..., no montante de 876,20 €, reclamando da Requerida o reembolso da indicada quantia acrescida de juros indemnizatórios nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, relativamente ao montante a reembolsar, desde a data em que a Requerente efectuou o pagamento até ao integral pagamento do montante que deve ser reembolsado, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril».

Que se mostra (claramente) ultrapassado o prazo legalmente definido para a impugnação do ato tributário da liquidação em dissídio, em sede arbitral, uma vez que o artigo 10.º do RJAT estabelece, quanto a atos de liquidação, que o prazo para apresentar o pedido de constituição do tribunal arbitral é de 90 (noventa) dias, remetendo, quanto ao momento do início de contagem, para aquilo que se mostra preceituado no artigo 102.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT.

Assim o termo inicial do prazo seria o último dia do mês de Setembro de 2017, cfr. n.º 1 do artigo 135.º-H do CIMI, ou seja, in casu, 30 de setembro de 2017.

E tendo o ppa sido apresentado em 09 de agosto de 2018, o mesmo é intempestivo, porque apresentado depois do respetivo prazo legal.

Que «a “tempestividade” do pedido apenas poderia fundar-se na existência de um qualquer meio de impugnação gracioso do acto de liquidação onde tivesse sido prolatada decisão a negar/indeferir, total ou parcialmente, as pretensões aí formuladas pelo sujeito passivo de imposto (naquilo que constituiria um acto de segundo grau)».

O que ocorreu na situação dos autos, uma vez que a Requerente impugnou administrativamente o ato tributário de liquidação por via da reclamação graciosa, a qual foi indeferida pela AT.

Porém a Requerente não formulou/concretizou ao Tribunal Arbitral qualquer pedido tendente à anulação do despacho de indeferimento proferido no processo de reclamação graciosa, nem sequer contraditou, ao longo do ppa, um único argumento dos alegados pela AT na informação que sustentou tal despacho.

Pelo que «Não o tendo feito, inexiste o apoio que poderia firmar a tempestividade do pedido e, consequentemente, a possibilidade de o Tribunal apreciar o pedido formulado relativamente ao acto de liquidação», uma vez que «(…) estando os poderes de cognição do Tribunal limitados pelo pedido, e não o podendo, como é óbvio exceder, fica o Tribunal impedido de apreciar e declarar relativamente ao pedido concretizado», face ao disposto nos artigos 608.º/2 e 609.º/1 do Código de Processo Civil.

Que este é o entendimento do CAAD conforme, entre outras, as decisões proferidas nos processos n.ºs 26/2013-T, de 05-05-20114; 38/2015-T, de 03-06-2015; 346/2015-T, de 30-10-2015; e 618/2015-T, de 22-04-2016.

Assim, «resultando, clara e inequivocamente do douto requerimento inicial, a impugnação directa do acto de liquidação de AIMI, deve o pedido formulado (conducente à declaração de ilegalidade do acto e, consequentemente à sua anulação proporcional) ser declarado improcedente, por intempestivo e, consequentemente, ser a Entidade Demandada absolvida da instância – cf. alínea e), do n.º 1, do artigo 278º do Código de Processo Civil vigente, aplicável ex vi artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro».

Pelo exposto pugna pela procedência da excepção perentória de intempestividade invocada e consequente absolvição do pedido.

 

Defendendo-se por impugnação, invoca os seguintes argumentos:

Que, como decorre do artigo 135.º-B do CIMI, o AIMI incide sobre os prédios classificados como habitacionais e como terrenos para construção — independentemente da sua afetação potencial (atento o facto de a lei remeter, sem mais, para o artigo 6.º do Código do IMI) — na medida em que os mesmos não constam expressamente na norma de delimitação negativa de incidência, assumindo a natureza de imposto real, na medida em que a modelação do quantitativo a pagar abstrai da dimensão económica das entidades, designadamente a qualificação como pequena, média ou grande empresa, bem como não atinge a totalidade do património líquido das entidades.

Pelo que não se pode qualificar o AIMI como um tributo de natureza pessoal, pois, por uma questão de rigor conceptual importa dizer que não se está perante um imposto pessoal, na linha da construção da doutrina (cf., Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Almedina 2011, pág. 193).

Assim, no que respeita às pessoas coletivas e estruturas equiparadas, o AIMI tem natureza de tributação real, refletindo desta forma a ideia de que os elementos integrantes do património imobiliário detido por estas entidades desempenham, em regra, uma função económica, não representando, por isso, uma mera acumulação de riqueza.

Que, atenta a formulação objetiva consagrada no artigo 135.º-B, n.º 2, do CIMI, foi inquestionavelmente afastada pelo legislador a opção casuística defendida pela Requerente, na qual se trata de invocar elementos de consistência económica muitíssimo variável e contingente, que dependem amplamente do modo de gestão, das situações conjunturais de enquadramento, do tipo de aproveitamento realizado dos prédios, da situação em cada ano dos ativos patrimoniais detidos.

Assim, contrariamente ao que a Requerente pretende, não só não existe na letra da lei um mínimo que permita a interpretação por si propugnada,    como também a ratio legis da exclusão de tributação prevista no n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI não tem o alcance pretendido pela Requerente, porquanto o critério, objetivo como se viu, escolhido pelo legislador – a classificação dos prédios urbanos como industriais, comerciais ou para serviços e outros – o foi exatamente em detrimento de outros que apelassem a verificações casuísticas sobre o destino efetivo dado aos prédios.

Refere a impossibilidade de desaplicação pela AT de norma legal com fundamento em inconstitucionalidade, por a Administração estar obrigada a atuar em conformidade com o princípio da legalidade, cfr. artigos 266.º n.º 2 da CRP, 3.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo e 55.º da LGT.

E da inexistência de violação dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva.

Termina pugnando pela total improcedência do pedido de pronúncia arbitral e absolvição da Requerida, uma vez que a liquidação controvertida consubstancia uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei por erro nos pressupostos.

Porém, se assim não se entender, requer que seja determinada a notificação ao Ministério Público da decisão arbitral que vier a ser proferida, por apelo ao disposto no artigo 280.º, n.º 3 da CRP e no artigo 72.º, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional.

 

Resposta da Requerente à exceção perentória da intempestividade do pedido de constituição de tribunal arbitral, invocada pela Requerida

Que não assiste razão à Requerida na medida em que a Requerente, inicialmente, apresentou reclamação graciosa da nota de liquidação de AIMI no Serviço de Finanças da ..., em 27 de Dezembro de 2017, que deu origem ao Processo de Reclamação Graciosa n.º ...2018..., o qual foi indeferido por despacho notificado pelo ofício n.º 2018..., de 21 de maio de 2018, registado em 23 do mesmo mês (registo n.º RD...pt).

Sendo na sequência de tal indeferimento, que a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem aos presentes autos.

Que nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do D.L. n.º 10/2011, o pedido de constituição do tribunal arbitral é apresentado no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico.

Assim o termo inicial do prazo para apresentar o pedido de constituição de tribunal arbitral ocorreu em 25 de maio de 2018, ou seja no dia seguinte ao da assinatura do aviso de receção da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, e o respetivo termo final em 23 de agosto de 2018.

Deste modo, sendo o ppa apresentado em 09 de agosto de 2018, o mesmo é tempestivo.

Para a Requerente, a exceção invocada pela Autoridade Tributária constitui um claro e manifesto abuso de direito, pois é do seu perfeito conhecimento quer o teor da reclamação graciosa apresentada, quer da data da sua apresentação e indeferimento, aliás o que a mesma refere, por mais de uma vez, na sua Resposta, o que demonstra conhecimento direto de tal facto.

Deste modo pugna pela improcedência da exceção perentória da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral invocada pela Requerida.

 

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

Factos provados:

Com relevo para a apreciação e decisão da questão de mérito suscitada, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

1. A Requerente é uma sociedade por quotas, cujo objeto social consiste na construção, compra e venda de propriedades e revenda dos adquiridos para esse fim (CAE principal 41200-R3).

 

2. Em 01 de janeiro de 2017 era proprietária de dois terrenos para construção, inscritos na matriz da União das Freguesias de ... e ..., concelho de ..., sob os artigos ... e ..., com os valores patrimonais tributários de 219 050,00 € e 22 450,00 €, respetivamente.

 

3. O terreno inscrito matricialmente com o artigo ... destina-se a construção para fins habitacionais.

 

4. Enquanto o terreno com o artigo matricial ... destina-se a construção para fins industriais.

 

5. Em 30 de junho de 2017 a AT procedeu à liquidação de AIMI, no montante de 966,00 €, incidindo sobre o valor tributável de 241 500,00 €, correspondente ao somatório dos valores patrimoniais tributários dos dois terrenos para construção.

 

6. O termo do prazo para pagamento voluntário ocorreu em 30 de setembro de 2017.

 

7. Tendo a Requerente efetuado o pagamento nessa data.

 

8. Em 27 de dezembro de 2017 a Requerente deduziu reclamação graciosa, a qual deu origem ao Processo de Reclamação Graciosa n.º ...2018..., tendo por objecto a liquidação ora impugnada.

 

9. A reclamação foi indeferida por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de ..., de 16 de maio de 2018, notificado à Requerente através do ofício n.º 2018..., de 21 de maio de 2018, registado em 23 do mesmo mês com o n.º RD...pt.

10. Em 09 de agosto de 2018, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade parcial do ato de liquidação antes referido.

 

 

Factos não provados

Não há factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

 

Motivação

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123º, nº 2 do CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607º, nº 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nas posições assumidas pelas partes.

 

 

III – SANEAMENTO

1. As Partes têm personalidade e capacidades judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

2. O processo não enferma de nulidades.

 

3. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

 

IV - Questões a decidir:

- Da (in)tempestividade do pedido de constituição do tribunal arbitral;

- Da (i)legalidade da liquidação impugnada; e

- Do pedido de reembolso do AIMI (in)devidamente pago, no montante de 876,20 €, e condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

V - Matéria de Direito (fundamentação)

Da (in)tempestividade do pedido de pronúncia arbitral

Nos termos da alínea a), n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.

Como refere Jorge Lopes de Sousa, in «Guia da Arbitragem Tributária», Almedina, 2013, pp. 121/122): «(…) Embora na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT apenas se faça referência explícita à competência dos tribunais arbitrais para declararem a ilegalidade de atos de liquidação, atos definidores da quantia a pagar pelo contribuinte, essa competência estende-se também a atos de segundo e terceiro grau que apreciem a legalidade desses atos primários, designadamente atos de indeferimento de reclamações graciosas e atos de indeferimento de recursos hierárquicos interpostos das decisões destas reclamações. (…) Aliás, é inequívoco, pelo que se disse em relação às decisões de indeferimento de reclamações graciosas e recursos hierárquicos, que se incluem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos atos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de atos de segundo grau, que são objecto imediato da pretensão impugnatória (…) apreciação da legalidade de atos primários através da apreciação da legalidade de atos primários através da apreciação da legalidade de atos de segundo grau é patente na referência que no artigo 2.º do RJAT se faz a atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, pois, relativamente a esses atos, é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o ato de segundo grau que aprecia a legalidade do ato de liquidação, ato aquele que, se o confirma, tem de ser anulado, para se obter a declaração de ilegalidade do ato de liquidação.»

Do exposto resulta que o contribuinte poderá lançar mão do pedido de pronúncia arbitral para impugnar a liquidação de tributos (atos primários) bem como para reagir de atos de indeferimento que apreciem a legalidade desses atos proferidos em processos de reclamação graciosa e em pedidos de revisão de atos tributários, previstos, respetivamente, nos artigos artigo 68.º e ss do CPPT e 78.º da LGT (atos de segundo grau) ou ainda em recursos hierárquicos previstos no artigo 66.º do CPPT (atos de terceiro grau), sendo que, nos casos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta, o pedido de pronúncia arbitral será obrigatoriamente precedido de reclamação graciosa (reclamação prévia necessária), nos termos dos artigos 131.º/1, 132.º/3 e 133.º/2 do CPPT, exceto quanto estiver exclusivamente em causa matéria de direito e a autoliquidação ou a retenção na fonte tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, cfr. artigos 131.º/3 e 132.º/6 do mesmo código.    

Nos termos da alínea a), n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico.

Deste modo, face ao disposto no n.º 1 do artigo 102.º deste código (o n.º 2 foi revogado pela alínea d) do artigo 16.º da Lei n.º 82-E/2014, de 31-12), o prazo para apresentar o pedido de constituição de tribunal arbitral conta-se do termo do prazo para pagamento voluntário do AIMI, cfr. alínea a), n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, ou da notificação do ato de indeferimento da liquidação impugnada proferida num dos meios de reação administrativa referidos (reclamação graciosa, pedido de revisão dos atos tributários ou recurso hierárquico).

Porém do pedido de pronúncia arbitral não consta que a Requerente tivesse lançado mão de nenhum destes meios de reação administrativa e do indeferimento dos mesmos estar a litigar.

Ademais de acordo com o introito do ppa, este tem em vista a declaração de ilegalidade parcial do ato de liquidação adicional ao IMI,  “Visando a declaração de ilegalidade parcial do acto de liquidação adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) com o n.º 2017..., emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com referência ao ano de 2017, na parte em que inclui no valor tributável o valor patrimonial do terreno para construção com o artigo ... da matriz urbana da União das Freguesias de ... e ..., no montante de 876,20 €, reclamando da Requerida o reembolso da indicada quantia acrescida de juros indemnizatórios (…)”.

Também o petitório se reduz à ilegalidade da liquidação impugnada, cfr. alínea b), além da declaração de inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 135-B do CIMI e da condenação da AT no reembolso do montante indevidamente liquidado, acrescido de juros indemnizatórios, nada se peticionando sobre o ato de indeferimento proferido no processo de reclamação graciosa n.º ...2018... que correu termos no Serviço de Finanças de..., e que o pedido de pronúncia arbitral não refere, pelo que de tal indeferimento o Tribunal Arbitral não pode conhecer já que o âmbito dos seus poderes de cognição está limitado ao pedido.

Com efeito nos termos do n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil (CPC) “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (…); não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” (conhecimento “ultra petita”).

Sendo que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diversos do que se pedir, cfr. n.º 1 do artigo 609.º do CPC.     

Como refere José Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil”, Anotado, Coimbra Editora, Volume 2º, 2ª Edição, pág. 681: «Limitado pelos pedidos das partes, o juiz não pode, na sentença, deles extravasar: a decisão, seja condenatória, seja absolutória, não pode pronunciar-se mais do que o que foi pedido ou sobre coisa diversa daquela que foi pedida».

Transcrevemos o seguinte excerto da decisão arbitral de 30-06-2015, proferida no Processo n.º 38/2015-T, que acompanhamos: «O objecto do pedido, expressamente delimitado pelo Requerente, é a invocada ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRS e não o indeferimento da reclamação graciosa apresentada. De referir, aliás, que em momento algum da petição ou do requerimento apresentado, o Requerente faz qualquer apreciação ao indeferimento e seus fundamentos, não tendo formulado qualquer pedido sobre tal acto tributário. Este tribunal teve conhecimento da existência de uma reclamação graciosa apenas e só porque o Requerente juntou cópia da decisão de indeferimento sem que, contudo, dela tenha retirado qualquer efeito legal ou jurídico. Tal documento é junto ao processo mas nenhuma menção é feita ao mesmo e ao seu conteúdo ao longo da petição inicial. Estando os poderes cognitivos do tribunal delimitados pelos factos alegados pelas partes, não pode o juiz decidir sobre questões não suscitadas pelas mesmas, nem condenar em objecto diferente ou em quantidade superior ao pedido. Salvo questões de conhecimento oficioso, tem que haver identidade entre a causa de pedir e a causa de julgar, não podendo estas diferir. Nessa medida, tendo os presentes autos como objecto a liquidação adicional de IRS do ano de 2012, efectuada em Fevereiro de 2014, não pode este tribunal deixar de concordar com a Requerida e concluir que o pedido de pronúncia arbitral, apresentado a 23/01/2015, é extemporâneo. O prazo de 90 dias para requerer pronúncia arbitral teve início a 25/04/2014, após o termo do prazo para pagamento voluntário, pelo que estaria integralmente cumprido a 23/01/2015, data de entrada do pedido de pronúncia arbitral [cfr. alínea a) do n.º 1 do art. 102.º do CPPT por remissão da alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT].»

Deste modo, não obstante se encontrar provado que a legalidade do ato impugnado foi objeto de reclamação graciosa (Processo n.º ...2018...), a qual foi indeferida por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de..., de 16 de maio de 2018, notificado à Requerente através do ofício n.º 2018..., de 21 de maio de 2018, registado em 23 do mesmo mês com o n.º RD...pt, cfr. pontos 8 e 9 do probatório, o Tribunal Arbitral não pode da mesma conhecer.

Assim, consistindo a liquidação impugnada em AIMI do ano de 2017, o termo do respetivo prazo para pagamento voluntário ocorreu em 30 de setembro de 2017, cfr. n.º 1 do artigo 135.º-H do CIMI, pelo que, nos termos do alínea b) do artigo 279.º do Código Civil, conjugado com a alínea a), n.º 1 do artigo 102.º do CPPT e alínea a), n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, o termo inicial ou dies a quo para a apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral ocorreu em 01 de outubro de 2017, sendo que o respetivo termo final ou dies ad quem ocorreu em 29 de dezembro de 2017.

Deste modo o pedido de constituição do tribunal arbitral é extemporâneo já que foi apresentado, apenas, em 09 de agosto de 2018, ou seja, já depois do termo legal do respetivo prazo.  

Assim, julga-se procedente a exceção perentória de intempestividade do pedido de constituição do tribunal arbitral, ficando prejudicada a preciação das restantes questões suscitadas nos autos.

 

***

 

VI - Decisão

Em face do exposto, decide-se:

  1. Julgar procedente a exceção perentória de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral;
  2. Julgar improcedente o pedido arbitral, dele se absolvendo a Requerida.
  3. Julgar prejudicado o conhecimento das questões de mérito; e
  4. Condenar a Requerente no pagamento das custas no montante de 306,00 €.

 

Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de 876,20 €.

 

Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em 306,00 €, nos termos da Tabela I, anexa ao RCPAT, a cargo da Requerente.

 

Notifique.

Lisboa, 07 de dezembro de 2018.

 

 

 

O Árbitro,

 

 

(Rui Ferreira Rodrigues)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.