Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 650/2018-T
Data da decisão: 2020-02-10  IMI  
Valor do pedido: € 34.715,27
Tema: AIMI – Terreno para construção.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I. RELATÓRIO

1.            A..., S.A., número de identificação fiscal ..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa (doravante, a “Requerente”), veio nos termos e para os efeitos dos artigos 2.º, n.º 2, alínea a), 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, “RJAT”), em conjugação com o artigo 99.º, alínea a), e o artigo 102.º, n.º 1, alínea f), e n.º 2, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante, “CPPT”), requerer a constituição do tribunal arbitral, com a intervenção de árbitro singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, a “Requerida” ou “AT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade parcial do ato de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante, “AIMI”) com o n.º 2018..., relativo ao ano de 2018, da qual resulta um montante a pagar de €34.715,27, e bem assim, a condenação da Requerida na restituição dessa quantia e respetivos juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento do respetivo reembolso.

2.            De acordo com os artigos 5.º, n.º 2, alínea a), e 6.º, n.º 1, do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou como árbitro o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

3.            O Tribunal Arbitral foi constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), em 28 de fevereiro de 2019, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.

4.            Notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua resposta em 2 de abril de 2019.

5.            A Requerente alega, em síntese, que:

5.1.        Foi notificada do ato de liquidação do AIMI n.º 2018..., relativa ao ano de 2018, concretizado no documento de cobrança n.º 2018....

5.2.        Procedeu ao pagamento do montante de imposto devido nos termos do referido ato de liquidação de AIMI.

5.3.        Considera que o ato de liquidação de AIMI enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante, “Código do IMI”), razão pela qual apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral (doravante, “PPA”).

5.4.        Nos termos dos artigos 15.º e 16.º da Lei Geral Tributária (doravante, “LGT”) e do artigo 3.º do CPPT dispõe de personalidade e capacidade tributárias.

5.5.        É parte interessada no processo, tendo legitimidade para a apresentação do presente PPA, ao abrigo do disposto no artigo 18.º da LGT e no artigo 9.º, n.º 1, do CPPT.

5.6.        Nos termos do n.º 1 e da alínea a) do n.º 2 do artigo 95.º da LGT, a Requerente “tem o direito de impugnar ou recorrer de todo o ato lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos”, podendo nomeadamente reagir contra “a liquidação de tributos”, como sucede no caso sub judice.

5.7.        Sendo a arbitragem um meio alternativo de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, um dos meios ao dispor da Requerente é a formulação do presente PPA, conforme resulta do artigo 1.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

5.8.        Assume a forma jurídica de sociedade anónima de direito português, com sede e direção efetiva em Portugal.

5.9.        Tem por objeto social, entre outras atividades, a atividade imobiliária, i.e., a compra e venda de imóveis.

5.10.      Na prossecução do seu objeto social, é proprietária de diversos terrenos para construção, inscritos na matriz predial urbana da freguesia do ..., do concelho de Lisboa:

(i)           Do terreno para construção correspondente ao artigo matricial U-... da freguesia do ...;

(ii)          Do terreno para construção correspondente ao artigo matricial U-... da freguesia do ...;

(iii)         Do terreno para construção correspondente ao artigo matricial U-... da freguesia do ...;

(iv)         Do terreno para construção correspondente ao artigo matricial U-... da freguesia do ...;

(v)          Do terreno para construção correspondente ao artigo matricial U-... da freguesia do ...;

(vi)         Do terreno para construção correspondente ao artigo matricial U-... da freguesia do ....

5.11.      Os terrenos para construção de que é proprietária encontram-se avaliados nos termos do Código do IMI, sendo que, sempre que existe mais do que uma afetação (comercial, serviços e habitação) associada a cada um dos terrenos para construção, o respetivo valor patrimonial tributário (doravante, “VPT”) foi determinado tendo em conta as respetivas afetações.

5.12.      Nesta sequência, na determinação do VPT previamente realizada por parte da AT de cada um dos terrenos para construção foi tido em consideração as construções finais projetadas para cada um deles (“habitação”, “comércio” ou “serviços”).

5.13.      Na avaliação promovida pela AT, os critérios, os coeficientes e o modelo de determinação do VPT de cada um dos terrenos para construção detidos é distinto no caso de terrenos para construção que se destinam a “habitação” ou a “comércio” e/ou “serviços”.

5.14.      Os terrenos para construção detidos pela Requerente, com a correspondente segregação, em função da afetação associada à construção final projetada para cada um deles, são os seguintes:

 

5.15.      Foi notificada da liquidação de AIMI emitida pelo Serviço de Finanças de Lisboa-..., por referência ao ano de 2018, com o n.º 2018... .

5.16.      Da liquidação de AIMI resultou um montante total a pagar de €213.940,98.

5.17.      Procedeu ao pagamento da totalidade do valor alegadamente devido a título de AIMI, mas, por considerar que a cobrança de parte desse montante carece de base legal, apresentou o presente PPA.

5.18.      Isto porque, na referida liquidação, constatou que foram considerados para efeitos de incidência do AIMI a totalidade dos terrenos para construção, independentemente da respetiva afetação.

5.19.      Contudo, tendo em consideração a legislação aplicável, à data dos factos, considera que a liquidação se encontra incorretamente apurada, pois a mesma deveria ter sido de apenas €179.225,71, i.e., o correspondente à componente habitacional do VPT dos terrenos para construção:

 

5.20.      No caso em apreço, está em causa a liquidação de AIMI quanto a terrenos para construção que compreendem outras afetações que não sejam a “habitacional”, afetações estas (comerciais e serviços) que não se encontram sujeitas a AIMI.

5.21.      O regime do AIMI foi introduzido no ordenamento jurídico português através do artigo 219.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2017 ("OE 2017"), mediante o aditamento ao Código do IMI dos artigos 135.º-A a 135.º-K, os quais estabelecem o respetivo regime jurídico (Capítulo XV do Código do IMI).

5.22.      Na senda do defendido por JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, os fundamentos imediatos, de natureza financeira e axiológica, para a criação deste tributo correspondem, no seu essencial, aos mesmos que estiveram na base de incidência do Imposto do Selo (doravante, “IS”) relativo à verba 28 da Tabela Geral do IS (doravante, a “TGIS”).

5.23.      Neste contexto, o fundamento de natureza financeira prende-se com a pretensão de aumento das receitas fiscais.

5.24.      Por outro lado, no que respeita ao fundamento de natureza axiológica, o mesmo prende-se com a necessidade de “(…) se fazer incidir um maior esforço fiscal sobre os cidadãos que revelam índices de riqueza mais elevados”.

5.25.      A incidência subjetiva do AIMI encontra-se prevista no artigo 135.º-A, n.º 1, do Código do IMI, que estabelece que “[s]ão sujeitos passivos do adiciona/ ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados em território português”.

5.26.      No que diz respeito à incidência objetiva, o artigo 135.º-B, n.º 1, do Código do IMI, estabelece que o AIMI “incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular”. O número 2 do mesmo artigo exclui da incidência do AIMI “(…) os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código”.

5.27.      Apenas se encontram abrangidos pelo regime do AIMI os prédios urbanos afetos a fins habitacionais e os terrenos para construção, tal como definidos no referido artigo do Código do IMI.

5.28.      De acordo com o artigo 6.º, n.º 2, do Código do IMI: “[h]abitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”. O número 3 do referido artigo determina que “[c]onsideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo (…)”.

5.29.      Ainda a respeito dos terrenos para construção, os mesmos podem encontrar-se licenciados ou autorizados para operações de construção afetas a habitação, comércio, indústria ou para serviços.

5.30.      Face ao enquadramento factual exposto, estando em causa terrenos para construção, cumpre analisar qual deverá ser a respetiva base de incidência, para efeitos de AIMI.

5.31.      Através da introdução do AIMI, o legislador pretendeu criar um imposto sobre a fortuna imobiliária.

5.32.      São excluídos da tributação do AIMI os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros”, sendo que as empresas titulares deste tipo de imóveis não são sujeitas a tributação nesta sede.

5.33.      A este propósito, cabe analisar a situação em que as sociedades têm como objeto social a atividade imobiliária. No caso em apreço, os bens imóveis constituem propriedade de empresas que se destinam a transacioná-los, não constituindo, por sua vez, indício de capacidade contributiva. Ao invés, constituem condição necessária ao exercício da respetiva atividade económica, tal como sucede com uma sociedade que detenha qualquer outro tipo de mercadoria que pretenda transacionar no âmbito da sua atividade.

5.34.      Não se encontram sujeitos a AIMI os prédios urbanos afetos a atividades económicas, sendo que a detenção deste tipo de propriedade não se traduz num fator revelador de riqueza, nem um indicador suficiente de capacidade contributiva dos seus proprietários.

5.35.      A ratio legis da norma de exclusão de incidência objetiva prende-se, essencialmente, com não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que detêm imóveis, para efeitos de prossecução do seu objeto social.

5.36.      A preocupação legislativa de “evitar o impacto deste imposto na atividade económica” foi inclusivamente anunciada na Proposta de Lei do OE 2017.

5.37.      A não ser assim, e tal como defende a decisão arbitral do CAAD no processo n.º 603/2017-T, de 27/06/2018, as empresas que se dedicam à comercialização de terrenos para construção ficariam “com uma oneração adicional significativa em relação à generalidade das empresas”, baseando-se num “hipotético índice de capacidade contributiva que não tem necessariamente correspondência com a realidade, pois a imposição da tributação não tem qualquer relação com o rendimento real da actividade desenvolvida pelas empresas e onera-as mesmo que tenham resultados negativos, acentuando-se a tributação, cumulada anualmente, precisamente em situações em que, por inêxito da actividade de comercialização, os terrenos são detidos por vários anos e, por isso, menos justificação haveria para a imposição de uma tributação adicional, privativa deste tipo de empresas”.

5.38.      Na medida em que a sua atividade consiste na compra e venda de imóveis, o seu património, afeto à prossecução da sua atividade económica, no âmbito dos princípios norteadores do ordenamento jurídico português, não deveria ser considerado para efeitos de apuramento do AIMI.

5.39.      A sua posição é corroborada por inúmera jurisprudência arbitral, nomeadamente nos processos n.os 669/2017-T, de 19/09/2017, e 8/2018-T, de 26/06/2018, nas quais os Tribunais Arbitrais explicaram que a “(…) criação do AIMI, como tributo complementar sobre o património imobiliário, visou introduzir na tributação «um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados» (Relatório do Orçamento para 2017, página 60), assim sendo, compagina-se com o objetivo de a tributação do património dever contribuir para a igualdade entre os cidadãos, tal como o disposto no n.º 3 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa. A progressividade tem como corolário, tendencialmente, impor maior tributação a quem tem maior capacidade contributiva”.

5.40.      Nas referidas decisões arbitrais, acrescentou-se que “(…) a exclusão de tributação dos prédios especialmente vocacionados para a atividade produtiva, designadamente os «comerciais, industriais ou para serviços», encontra fundamento constitucionalmente aceitável na obrigação de o Estado promover o aumento do bem-estar económico, que pressupõe bom funcionamento das atividades produtivas e constitui umas das suas incumbências prioritárias no âmbito económico [artigo 81.º, alínea a), da CRP]”.

5.41.      Não obstante “(…) a titularidade de património imobiliário destinado a habitação de valor elevado é um indício tendencialmente seguro de abastança económica, superior à da generalidade dos cidadãos, não se pode considerar que exista indício seguro de superior capacidade contributiva quando se está perante a titularidade de direitos sobre imóveis destinados ao exercício de atividades económicas (comerciais, industriais, prestação de serviços ou afins), pois eles têm de ser adequados ao funcionamento das respectivas empresas, não sendo a sua dimensão e correlativo valor indício de abastança”.

5.42.      Assim, “(…) terá fundamento constitucionalmente aceitável a restrição da incidência do AIMI aos prédios habitacionais e terrenos para construção de prédios habitacionais, que veio a ser consagrada na redação para o n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI (…)”.

5.43.      Uma vez estabelecido que a ratio subjacente à incidência de AIMI apenas se verifica no caso de imóveis afetos à habitação e não no caso de imóveis afetos ao comércio, indústria ou serviços, cumpre analisar a incidência ou exclusão de incidência de AIMI dos terrenos para construção que têm essas afetações.

5.44.      A exclusão de incidência dos terrenos com afetação comercial, industrial ou para serviços é a única interpretação coerente com a opção legislativa plasmada no artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI, que exclui da incidência do imposto os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços”.

5.45.      A este respeito, salienta-se que, na determinação do VPT de cada um dos terrenos para construção pela AT – valor este que serve de base à liquidação do AIMI – foram efetivamente tidas em consideração as construções finais projetadas para cada um deles.

5.46.      Na avaliação promovida pela Requerida, os critérios e os coeficientes utilizados para determinar o VPT de cada um dos terrenos para construção detidos pela Requerente sejam distintos consoante estejamos perante terrenos para construção que se destinam a “habitação” ou se destinam a “comércio” ou “serviços”.

5.47.      Deverá realizar-se uma interpretação extensiva da norma de exclusão presente no artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI.

5.48.      Caso se interprete a norma em apreço de modo exclusivamente literal e, consequentemente, se considere que os terrenos para construção afetos a “comércio, indústria ou para serviços” se encontram incluídos no âmbito de incidência do AIMI, entende a Requerente que a mesma será materialmente inconstitucional.

5.49.      Na senda da jurisprudência arbitral existente nesta matéria, caso se verifique, através da aplicação literal de certa norma jurídica, um tratamento discriminatório, verificando-se a imposição de um encargo que viola o referido princípio da igualdade, deve a desigualdade ser resolvida através da eliminação do encargo face ao sujeito passivo que se encontra a ser ilegal e discriminatoriamente onerado.

5.50.      O princípio da igualdade, enquanto limite à discricionariedade legislativa, não impõe um tratamento igualitário de todas as situações sem a utilização de qualquer critério diferenciador. Mas, o princípio da igualdade implica que sejam tratados de modo igual os que se encontram em situações iguais, e de modo desigual os que se encontram em situações desiguais, de forma a que não sejam criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis.

5.51.      Atenta a melhor interpretação possível a dar ao regime do AIMI, apenas deverá ser sujeito a este imposto o valor patrimonial dos terrenos para construção cuja afetação seja “habitação”. Ou seja, encontrar-se-á excluído da base de incidência o VPT dos terrenos para construção cuja determinação tenha tido como base a afetação “comercial, industrial ou para serviços”, sendo essa a única interpretação coerente com a opção legislativa, plasmada no artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI, que exclui da incidência do imposto os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços”.

5.52.      O seu entendimento é corroborado por inúmera jurisprudência arbitral do CAAD, nomeadamente nos processos n.os: 668/2017-T, 669/2017-T, 675-2017-T, 677/2017-T, 679/2017-T, 681/2017-T, 686/2017-T, 687/2017-T, 688/2017-T, 694/2017-T e 8/2018-T. Em todas estas decisões arbitrais foi decidido que os terrenos para construção com afetação comercial, industrial ou serviços não se encontram abrangidos pelo artigo 135.º-A do Código do IMI e, consequentemente, não são sujeitos a AIMI.

5.53.      A liquidação do AIMI objeto do PA enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI, na parte em que considera sujeito a AIMI a componente do VPT dos terrenos para construção que tenham sido apurados tendo por base as afetações futuras de “serviços” e “comércio”.

5.54.      Quantos aos juros indemnizatórios, de acordo com o artigo 24.º, n.º 5, do RJAT: “[é] devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

5.55.      O artigo 43.º da LGT determina que são devidos juros indemnizatórios quando se conclua “[…] que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

5.56.      A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (doravante, “STA”) é clara no sentido de que “[h]avendo erro de direito na liquidação e sendo ela efetuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha par base qualquer informação do contribuinte” (cfr. Acórdão do STA proferido no processo n.º 026233, de 12/12/2001).

5.57.      A este propósito, cumpre ainda dar nota de que o “(…) erro imputável aos serviços» a que alude o art. 78.º n.º 1 da LGT compreende não só o erro directamente relacionado com a actividade da Administração (o erro de facto, operacional ou material, mas também o erro de direito” (cfr. Acórdão do STA proferido no processo n.º 0523/06, de 10/01/2007).

5.58.      É evidente que qualquer erro na liquidação será imputável aos serviços, uma vez que, conforme se demonstrou é inequívoca a existência de erro na liquidação do AIMI relativa ao período de 2018.

5.59.      Face o contexto exposto, tendo sido paga, na totalidade, a liquidação de AIMI e dado que houve erro imputável aos serviços da AT na liquidação do tributo, do qual resultou o pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido, a Requerente entende que são devidos juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento do respetivo reembolso.

5.60.      Neste sentido, peticiona o direito ao recebimento dos juros indemnizatórios que se mostrem devidos com o deferimento do PPA, segundo o artigo 43.º da LGT e da alínea a) do n.º 1 do artigo 61.º do CPPT.

5.61.      Nas alegações, reforçou que a ação arbitral deveria ser dada como provada e, consequentemente, anulado parcialmente o ato de liquidação de AIMI e ordenado o reembolso do valor de €34.715,27, pago indevidamente bem como a condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios.

6.            A Requerida sustenta, em síntese, que:

6.1.        O AIMI foi criado pelo artigo 219.º do OE 2017, mediante o aditamento ao Código do IMI dos artigos 135.º-A a 135.º-K, passando a constituir o capítulo XV do código, surgindo assim como uma tributação especial do património de valor elevado destinada a assegurar o financiamento da Segurança Social.

6.2.        O artigo 1.º, n.º 2, do Código do IMI, foi alterado pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para o ano de 2018 passando a ter a seguinte redação: “2 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis, deduzido dos encargos de cobrança e da previsão de deduções à coleta de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), constitui receita do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.”.

6.3.        No Relatório desse Orçamento refere-se:

“(…)

A consignação da tributação progressiva do património imobiliário ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social corresponde ao objetivo do programa do governo de alargar a base de financiamento da Segurança Social, ao mesmo tempo que se introduz um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema. (...) 

A tributação progressiva do património imobiliário 

O adicional ao imposto municipal sobre imóveis introduz na tributação do património imobiliário um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados, com uma taxa marginal de 0,3% aplicada aos patrimónios que excedam os 600.000€ por sujeito passivo.

Para evitar o impacto deste imposto na atividade económica, excluem-se da incidência os prédios rústicos, mistos, industriais e afetos à atividade turística, permitindo-se ainda às empresas a isenção de prédios afetos à sua atividade produtiva até 600.000€. A possibilidade de dedução do montante de imposto pago à coleta relativa ao rendimento predial constitui adicionalmente um incentivo ao arrendamento e utilização produtiva do património. 

Este imposto substitui o anterior imposto do selo de 1% sobre o valor do imóvel acima de 1 milhão de euros. Com uma taxa muito inferior (0,3%) é também mais justo por ter em conta o valor global do património imobiliário e não, isoladamente, o valor de cada prédio.”.

6.4.        O AIMI enquanto tributação especial de património de valor elevado destinada a assegurar o financiamento da Segurança Social incide “sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular” (cfr. artigo 135.º-B, n.º 1, do Código do IMI).

6.5.        À semelhança do regime do IMI são sujeitos passivos do AIMI, os proprietários, usufrutuários ou superficiários dos respetivos prédios, independentemente das suas qualidades de pessoas singulares ou coletivas, equiparando-se a estas “quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis, bem como a herança indivisa representada pelo cabeça de casal” (cfr. artigo 135.º-A, n.os 1 e 2).

6.6.        Na medida em que a modelação do quantitativo a pagar se abstrai da dimensão económica das entidades, designadamente a qualificação como pequena, média ou grande empresa, bem como, por não atingir a totalidade do património líquido das entidades, pode afirmar-se que o AIMI incidente sobre os prédios urbanos de que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários pessoas coletivas e estruturas equiparadas assume a natureza de imposto real (cfr. artigo 135.º-A, n.º 2, do Código do IMI). 

6.7.        Ao contrário do que se visava primacialmente com a verba 28.1 da TGIS, não se pretende onerar a tributação de imóveis de luxo, pois o património imobiliário de valor avultado pode ser constituído por uma pluralidade de imóveis de reduzido valor.

6.8.        Foram expressa e exclusivamente afastados da incidência objetiva do AIMI: “os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros»” (cfr. alíneas b) e d) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 6.º do Código do IMI).

6.9.        Estão sujeitos ao AIMI os prédios afetos à “habitação” e os “terrenos para construção” tal como definidos no referido artigo 6.º do Código do IMI.

6.10.      A lei clara e inequivocamente estabelece a incidência do imposto sobre os “terrenos para construção”, e isto independentemente da afetação potencial que a este venha a caber uma vez que não constam da delimitação negativa de incidência.

6.11.      Ou seja, o legislador não estabeleceu o afastamento da norma de incidência fiscal dos terrenos para construção por motivos relacionados com a sua afetação potencial.  

6.12.      Já no âmbito do IMI a jurisprudência dos tribunais superiores tem vindo a entender que “[n]a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não há lugar à consideração dos coeficientes de afectação (ca) e de qualidade e conforto (cq) supra identificados.”. Neste sentido, vejam-se os acórdãos do STA proferidos nos processos n.os 0765/09, de 18/11/2009, e 0824/15, de 20/04/2016, e os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCA-Sul”) proferidos nos processos n.os 05366/12, de 09/02/2017, e 907/09.0BELRA, de 16/11/2017, referindo este último o seguinte: “(…) 4. O regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção está consagrado no artº.45, do C.I.M.I. O modelo de avaliação é igual ao dos edifícios construídos, embora partindo-se do edifício a construir, tomando por base o respectivo projecto. É que o valor do terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e com determinado valor. 

Será essa expectativa de produção de uma riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património e a riqueza do proprietário do terreno para construção, logo que o imóvel em causa passa a ser considerado como terreno para construção. Por essa razão, quanto maior for o valor do prédio a construir, maior é o valor do terreno para construção que lhe está subjacente (cfr.artº.6, nº.3, do C.I.M.I.).

5.            Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não há lugar à consideração dos coeficientes de afectação (ca) e de qualidade e conforto (cq) supra identificados.

6.            Não é aplicável, na fórmula de avaliação dos terrenos para construção, também o coeficiente de localização, de acordo com a sua definição constante do mesmo artº.42, do C.I.M.I. O que significa que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação a fórmula matemática consagrada no artº.38, do mesmo diploma.”.

6.13.      Atento o facto de a lei remeter, sem mais, para o artigo 6.º do Código do IMI, e por não constar expressamente na norma de delimitação negativa de incidência conclui-se, inequivocamente, que a sujeição dos terrenos para construção e dos prédios classificados como habitacionais à norma de incidência do AIMI é efetuada independentemente da sua afetação potencial, bem como da natureza e especificidades do seu titular.

6.14.      As opções do legislador foram balizadas pela necessidade de mitigar o impacto desta tributação sobre o exercício empresarial das atividades económicas em geral, o que veio a acontecer através da exclusão dos prédios urbanos com fins industriais, comerciais e de serviços, e “outros”, “… com o propósito de não onerar em termos fiscais a competitividade das empresas, especialmente, nos mercados internacionais” (cfr. JOSÉ MARIA PIRES, O Adicional ao IMI e a tributação pessoal do património, Almedina, 2017, p. 50).

6.15.      Apesar de ter afastado da incidência os prédios urbanos classificados como “industriais, comerciais ou de serviços” e “outros”, o legislador optou expressamente por manter outros prédios que também integram o ativo das empresas, como sejam os classificados como habitacionais ou os terrenos para construção. 

6.16.      Assim, os prédios que integram o ativo das empresas classificados como habitacionais ou terrenos para construção não estão incluídos na disposição de delimitação negativa por exclusão do âmbito de aplicação.  

6.17.      O legislador não garantiu, nem pretendeu garantir, em todos e quaisquer casos que não fosse atingido “o património imobiliário afeto ao exercício de qualquer atividade económica”.

6.18.      A supressão dessa alusão à afetação dos imóveis no texto final da lei, revela inequivocamente a intenção do legislador no sentido de lhe retirar qualquer relevância para efeitos de exclusão de tributação. O critério adotado pretende ser universalmente objetivo, induzindo maior uniformidade e igualdade no tratamento dos prédios alvo da tributação, em detrimento de outros critérios que apelassem a verificações casuísticas sobre o destino efetivo dado aos prédios.

6.19.      Na versão final aprovada e que se encontra em vigor foi expressamente estabelecida a delimitação da incidência e da exclusão de incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do Código do IMI, quando há, pois, que respeitar a opção do legislador.

6.20.      Na falta de outros elementos “o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento.”.

6.21.      Acresce ainda que não há razão para concluir que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como tem de se presumir, por força do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil (doravante, “CC”), pelo contrário, a questão foi devidamente ponderada, tendo sido abandonada na redação final. 

6.22.      Ao contrário do alegado pela requerente não se verifica qualquer ilegalidade na aplicação do AIMI.

6.23.      Quanto à alegada violação do princípio da igualdade, a tributação em sede de AIMI que não efetue “uma interpretação extensiva da norma exclusão prevista no n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI, no sentido de excluir da incidência de AIMI também os terrenos destinados à construção de prédios classificados como «comerciais, industriais ou para serviços»” acarreta a violação do princípio da igualdade.

6.24.      O artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (doravante, “CRP”) proclama o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei e o artigo 104.º, n.º 3, da CRP, estabelece que “a tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos.”. 

6.25.      O princípio da igualdade determina que se trate por igual o que for necessariamente igual e de forma diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo, porém, a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, i.e., as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante.

6.26.      Os terrenos para construção, não são meros “bens imóveis (…) propriedade de empresas que se destinam a transacioná-los”, i.e., não são meramente instrumentais ao exercício da atividade económica, ao contrário, integram o próprio núcleo da atividade económica, com valor económico intrínseco e, normalmente, cotação no mercado imobiliário, i.e., podem ser vendidos, trocados, dados como garantia de obrigações e evidenciam obviamente uma determinada capacidade económica.

6.27.      A tributação consubstanciada no AIMI traduz-se numa imposição específica sobre o património (cfr. artigo 4.º, n.º 1, da LGT) e não sobre o rendimento. Assim, bem se compreende, então, a solução legislativa de sujeitar a tributação todos os sujeitos passivos em atenção à titularidade das situações jurídicas relevantes sobre os prédios urbanos identificados na incidência objetiva, com independência da estruturação jurídica ou económica que possam possuir esses sujeitos passivos.

6.28.      No campo da tributação patrimonial, a regra da uniformidade o que impõe é uma igualdade horizontal, ou seja, que todos os que são titulares da mesma forma de riqueza sejam tributados da mesma maneira (cfr. SOUSA FRANCO, Finanças públicas e direito financeiro, vol. II, 4.ª ed., p. 181). Assim, qualquer dissertação sobre a situação das empresas comercializadoras de terrenos para construção, sobre o êxito ou inêxito da atividade comercial que desenvolvem ou mesmo sobre a espécie de ativos imobiliários que detêm, não releva in casu.

6.29.      Porquanto se trata aí de invocar elementos de consistência económica muitíssimo variável e contingente, que dependem amplamente do modo de gestão, das situações conjunturais de enquadramento, do tipo de aproveitamento realizado dos prédios, da situação em cada ano dos ativos patrimoniais detidos, tudo impedindo a configuração de qualquer base uniforme capaz de conduzir à afirmação de que a solução normativa objeto do AIMI conduz a uma discriminação negativa injustificada dessas empresas, tanto mais quando estão em causa componentes prediais limitadas do património do sujeito passivo. 

6.30.      Como qualquer imposto sobre o património, o AIMI está dissociado de uma eventual realização de lucro com a venda dos bens imóveis, bem como da existência, ou não, de situação líquida negativa ou positiva, relevando, para a economia do imposto, apenas o valor patrimonial dos terrenos.

6.31.      Quanto aos terrenos para construção, estes não se reconduzem a meros direitos de construção, de coisas futuras, e todos eles são bens autónomos, que, até, pela sua natural escassez, têm sempre valor económico intrínseco e, normalmente, cotação no mercado imobiliário, i.e., podem ser vendidos, trocados, dados como garantia de obrigações.

6.32.      Ainda que os imóveis tributados possam revelar-se instrumentais da atividade económica, temos que os mesmos são idóneos a indicar que aquela pessoa coletiva é titular de bens que, em si mesmos, evidenciam uma específica abastança face aos demais proprietários imobiliários.

6.33.      A circunstância de um dado bem valer como “factor de produção de riqueza” não é suficiente para contrariar a constatação de que o correspondente titular detém um imóvel apenas acessível a detentor de peculiar capacidade contributiva e, assim, capacitado para suportar uma contribuição adicional para o desejado financiamento do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.

6.34.      Apenas seria possível entender-se de modo diverso caso a específica qualidade do sujeito passivo e/ou a sua natureza estivesse projetada no critério normativo em sindicância.

6.35.      A detenção de património imobiliário de valor elevado, independentemente da afetação ou não a atividade económica, é tendencialmente reveladora de elevada capacidade contributiva, obviamente superior à que é de presumir existir quando seja detido património de valor reduzido ou quando ele não exista.

6.36.      Não foi com base na atividade a que estão afetos os imóveis que veio a ser definida a exclusão de incidência, já que na versão aprovada se determinou aquela exclusão com base apenas nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do Código do IMI, sem qualquer alusão à afetação ou ao modo de funcionamento das pessoas coletivas.

6.37.      Não se vê que a tributação do património imobiliário da Requerente afronte o princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva apenas porque a titularidade de bens imóveis constitui o próprio objeto ou contribui diretamente para o desenvolvimento da sua atividade económica.

6.38.      Não se afigura, pois, que a incidência de AIMI sobre os imóveis da titularidade de empresas que exercem a sua atividade no setor imobiliário, nomeadamente de terrenos para construção adquiridos com o intuito de neles promover edificações destinadas a venda, seja discriminatória ou que estas empresas devam merecer um tratamento mais vantajoso do que o concedido à generalidade dos proprietários de prédios urbanos.  

6.39.      O AIMI incide sobre o património imobiliário que possua as características indicadas no artigo 135.º-B do Código do IMI, isto é, sujeitando toda e qualquer entidade que seja titular de direitos reais sobre prédios urbanos de acordo com a realidade objetiva e não meramente potencial no momento da verificação do ato tributário.

6.40.      Nas situações em que a titularidade dos imóveis participa diretamente no desenvolvimento da atividade económica não deixa de ser, ainda assim, inegável o acervo patrimonial indicador de determinada capacidade económica dessa entidade, distinguindo-se apenas dos restantes proprietários pela natureza, singular ou coletiva. Se assim não fosse, isso sim seria inconstitucional por violação do princípio da igualdade por tratamento preferencial aos proprietários que fossem pessoas coletivas em detrimento dos proprietários pessoas singulares, tratando de forma desigual situações idênticas, sem nenhuma razão ou justificação material legitimadora dessa opção legislativa.

6.41.      Mesmo os imóveis destinados ao desenvolvimento da atividade económica não deixam de evidenciar, obviamente, a capacidade contributiva do seu titular, capacidade essa que é real, mensurável e inquestionável independentemente do destino que o seu titular lhe queira dar.

6.42.      No que se refere ao pagamento de juros indemnizatórios previstos no artigo 43.º da LGT entende-se não enfermarem os atos impugnados de qualquer vício que determine a sua anulação. 

6.43.      Sem conceder, sempre se dirá que os mesmos não são devidos já que a AT, na qualidade de órgão da Administração Pública, não tem competência para decidir da não aplicação de normas relativamente às quais sejam suscitadas dúvidas de legalidade ou constitucionalidade, o que, por sua vez determina, a falta de suporte legal para o pedido de juros indemnizatórios.

6.44.      A AT está vinculada ao cumprimento e obediência à lei, não podendo decidir em sentido diverso ou afastando a sua aplicação, pelo que nenhum erro lhe pode ser assacado face à sua impossibilidade de decidir de forma diferente da que decidiu.

6.45.      Em conformidade com a doutrina consolidada dos tribunais superiores, caso venha a decidir-se pela ilegalidade parcial do ato impugnado, não são devidos juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.  

6.46.      Após convite para apresentação de alegações escritas, a Requerida não apresentou alegações.

7.            Em 24 de outubro de 2019, atenta a complexidade da questão, foi prorrogado o prazo de decisão por um período de 2 meses e, novamente, em 27 de dezembro de 2019.

 

II. MATÉRIA DE FACTO

 

A.1. Factos dados como provados

8.1.        A Requerente é uma sociedade anónima de direito português com sede e direção efetiva em Portugal;

8.2.        O seu objeto social é, entre outras atividades, a atividade imobiliária (compra e venda de imóveis);

8.3.        Nesta medida, a Requerente é proprietária dos seguintes imóveis:

i.             Do terreno para construção com o artigo matricial n.º U-... da freguesia do ...;

ii.            Do terreno para construção com o artigo matricial n.º U-... da freguesia do ...;

iii.           Do terreno para construção com o artigo matricial n.º U-... da freguesia do ...;

iv.           Do terreno para construção com o artigo matricial n.º U-... da freguesia do ...;

v.            Do terreno para construção com o artigo matricial n.º U-... da freguesia do ...;

vi.           Do terreno para construção com o artigo matricial n.º U-... da freguesia do ... .

8.4.        Relativamente ao artigo matricial n.º U-..., a Caderneta Predial Urbana (“CPU”) indica um terreno para construção com o tipo de coeficiente de localização: Habitação;

8.5.        Quanto ao artigo matricial n.º U-..., a CPU indica terreno para construção com o tipo de coeficiente de localização: Habitação;

8.6.        Quanto ao artigo matricial n.º U-..., a CPU indica terreno para construção com o tipo de coeficiente de localização: Habitação;

8.7.        Quanto ao artigo matricial n.º U-..., a CPU indica terreno para construção com o tipo de coeficiente de localização: Habitação;

8.8.        Quanto ao artigo matricial n.º U-..., a CPU indica terreno para construção com o tipo de coeficiente de localização: Habitação;

8.9.        Por fim, quanto ao artigo matricial n.º U-..., a CPU indica terreno para construção com o tipo de coeficiente de localização: Serviços;

8.10.      Em todas as CPUS os imóveis estão classificados como terrenos para construção;

8.11.      Não se encontram edificadas quaisquer construções nos referidos terrenos.

8.12.      A Requerente foi notificada da liquidação de AIMI emitida pelo Serviço de Finanças de Lisboa-..., por referência ao exercício fiscal de 2018, com o n.º 2018..., de 30 de junho de 2018;

8.13.      Da liquidação de AIMI resultou um montante total a pagar de €213.940,98;

8.14.      A Requerente procedeu ao pagamento da totalidade do montante devido a título de AIMI, mas, por considerar que a cobrança de parte desse montante carece de base legal, apresentou o presente PPA.

 

A.2. Factos dados como não provados

9.            Não existem factos relevantes para a decisão que não tenham sido considerados provados.

 

A.3. Fundamentação na matéria de facto provada e não provada

10.1.      Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

10.2.      Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

10.3.      Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental e o Processo Administrativo junto aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

10.4.      Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada. 

 

III. DO DIREITO

 

Do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis

11.1.      Para além do disposto acima, em causa no presente aresto está a interpretação do artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI, cuja redação se transcreve: “2 – São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.”.

11.2.      A questão em análise tem vindo a ser tratada de forma fragmentada na jurisprudência do CAAD existindo, no essencial, duas posições divergentes:

(a)          Por um lado, a posição de quem defende que os terrenos para construção que se destinem a fins “comerciais, industriais, ou serviços” ou “outros” estão excluídos de tributação em sede de AIMI. Esta posição encontra-se alicerçada, nomeadamente, na unidade do sistema jurídico, exigida pelo princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica. Para os defensores desta tese, a unidade do sistema jurídico conduz a uma interpretação extensiva da exclusão prevista no artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI, relativamente aos terrenos para construção. Assim, esta orientação jurisprudencial parece defender que existe uma inconstitucionalidade material quando não se sujeita a AIMI os edifícios destinados a comércio, indústria ou serviços, mas se tributa os terrenos que se destinam à construção de edifícios com esses mesmos fins. A oneração de alguns contribuintes em detrimento de outros constitui, portanto, para os defensores desta tese, uma violação do princípio da igualdade;

(b)          Por outro lado, há quem entenda que a norma de sujeição do AIMI é aplicável aos prédios urbanos classificados como “habitacionais” e aos “terrenos para construção”, independentemente da sua afetação potencial. Os defensores desta tese, por seu turno, salientam que a extensão do artigo 135.º-B, n.º 2, a terrenos para construção não é correta dado que não se verifica uma identidade entre os terrenos para construção e os prédios construídos da perspetiva da teleologia da norma de exclusão.

11.3.      Perante as diferentes posições, perfilhamos, genericamente, a segunda, por ser, na opinião deste Tribunal, e como seguidamente se demonstra, a posição mais coerente com a letra e o espírito da lei.

11.4.      Com efeito, no que respeita à incidência subjetiva, são sujeitos passivos do AIMI as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietárias, usufrutuárias ou superficiárias de prédios urbanos situados em território português (cfr. artigo 135.º-A, n.º 1, do Código do IMI).

11.5.      O AIMI incide sobre a soma dos VPTs dos prédios de que sejam titulares as pessoas singulares ou coletivas (cfr. artigo 135.º-B, n.º 1, do Código do IMI).

11.6.      No entanto, encontram-se excluídos do seu âmbito de aplicação os prédios rústicos, os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros” tal como definidos no artigo 6.º do Código do IMI e os prédios isentos ou não sujeitos a IMI no ano anterior (cfr. o disposto nos artigos 135.º-B, n.º 2, e 135.º-C, n.º 3, alínea a), ambos do Código do IMI).

11.7.      A este respeito importa reiterar que a classificação como “comerciais, industriais ou para serviços”, bem como a classificação como “outros” é a que resulta do próprio Código do IMI, em particular, do artigo 6.º deste Código.

11.8.      Este ponto é de particular relevo, uma vez que a classificação de prédios urbanos resultante do artigo 6.º do Código do IMI prevê expressamente a existência de “terrenos para construção” (artigo 6.º, n.º 1, alínea c)), sendo estes, contudo, deixados de fora da exclusão de incidência prevista no artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI, não se fazendo qualquer referência à afetação futura ou potencial de um terreno para construção, como fator de relevo na exclusão destes de tributação.

11.9.      Com efeito, o legislador classificou os prédios urbanos em quatro espécies: (i) habitacionais; (ii) comerciais, industriais ou para serviços; (iii) terrenos para construção; e (iv) outros (cfr. artigo 6.º, n.º 1, do Código do IMI).

11.10.    Nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 2, do Código do IMI, os prédios urbanos comerciais, industriais ou para serviços “são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.” (sublinhados nossos).

11.11.    Já os terrenos para construção consistem nos “terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos.” (cfr. artigo 6.º, n.º 3, do Código do IMI).

11.12.    Para efeitos de AIMI, são, assim, sujeitos a tributação os prédios urbanos que sejam classificados como habitacionais e terrenos para construção.

11.13.    Ora, a interpretação da norma deve dispor de um mínimo de correspondência com a letra da lei.

11.14.    Com efeito, nos termos do artigo 9.º, n.º 2, do CC, aplicável por força do artigo 11.º, n.º 1, da LGT: “[n]ão pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.”.

11.15.    Assim, se o legislador tivesse querido excluir do AIMI os prédios potencial ou futuramente aptos a desenvolver uma atividade económica de natureza comercial, industrial, de serviços, teria adotado uma formulação que permitisse atribuir esse alcance à norma.

11.16.    Assim, concluímos que o legislador não quis excluir esses prédios do âmbito de aplicação objetivo do AIMI.

11.17.    Ou seja, o critério utilizado para circunscrever os prédios excluídos prende-se com as tipologias previstas no artigo 6.º e não com a afetação potencial dos prédios à atividade económica do sujeito passivo.

11.18.    Assim, apesar da Requerente deter os prédios no âmbito da sua atividade económica, do elemento literal do artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI, não parece decorrer, por si só, a sua não tributação em sede de AIMI.

11.19.    Em todo o caso, o intérprete deve recorrer a outros elementos de interpretação para além do elemento literal, nomeadamente aos elementos histórico e teleológico, pelo que continuaremos a nossa análise.

11.20.    Ora, o AIMI foi criado pelo artigo 219.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2017, doravante, “OE 2017”), tendo entrado em vigor no dia 1 de janeiro de 2017, e sido aditado ao Código do IMI nos artigos 135.º-A a 135.º-L.

11.21.    Do Relatório do OE 2017 pode-se retirar que “[o] adicional ao imposto municipal sobre imóveis introduz na tributação do património imobiliário um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados, com uma taxa marginal de 0,3% aplicada aos patrimónios que excedam os 600.000€ por sujeito passivo. Para evitar o impacto deste imposto na atividade económica, excluem-se da incidência os prédios rústicos, mistos, industriais e afetos à atividade turística, permitindo-se ainda às empresas a isenção de prédios afetos à sua atividade produtiva até 600.000€. A possibilidade de dedução do montante de imposto pago à coleta relativa ao rendimento predial constitui adicionalmente um incentivo ao arrendamento e utilização produtiva do património. Este imposto substitui o anterior imposto do selo de 1% sobre o valor do imóvel acima de 1 milhão de euros. Com uma taxa muito inferior (0,3%) é também mais justo por ter em conta o valor global do património imobiliário e não, isoladamente o valor de cada prédio.” (Relatório OE 2017 do Ministério das Finanças, pp. 57 e 60) (disponível em https://www.dgo.pt/politicaorcamental/OrcamentodeEstado/2017/Proposta%20do%20Or%C3%A7amento/Documentos%20do%20OE/Rel-2017.pdf) (negrito e sublinhado nossos).

11.22.    Ora, a preocupação expressa no Relatório do OE para 2017 refere-se a uma “utilização produtiva do património” e não ao seu potencial produtivo.

11.23.    Embora em termos diversos dos acima descritos, parece também resultar do artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI, uma preocupação extrafiscal que se traduz num “incentivo”, para utilizar as palavras do referido relatório, a uma utilização efetiva e produtiva dos prédios na atividade comercial, industrial ou de serviços.

11.24.    Assim, pese embora nos termos do artigo 9.º, n.º 2, do CC, a interpretação não se deva cingir única e exclusivamente à letra da lei “mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, não se concede, assim o entende este Tribunal, uma permissão ao intérprete para retirar sentidos da norma não pretendidos pelo legislador, mas antes dissipar alguma imperfeição da letra da lei, adequando-a, nomeadamente, ao pensamento legislativo (cfr. artigo 9.º do CC).

11.25.    No caso concreto, cumpre assumir, nos termos do artigo 9.º, n.º 3, do CC, que o legislador expressou corretamente o seu pensamento.

11.26.    Desta feita, conclui-se que os terrenos para construção detidos pela Requerente são sujeitos a AIMI não se encontrando excluídos da respetiva incidência objetiva do tributo.

11.27.    Repare-se que, enquanto a exclusão de tributação relativa a prédios construídos e classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” ou como “outros” se traduz num incentivo à construção e exploração efetiva de uma atividade económica, o mesmo não acontece com a exclusão de um terreno para construção que, por si só, não tem associado um incentivo à edificação (podendo mesmo resultar num desincentivo à construção).

11.28.    Com efeito, os terrenos para construção podem manter este enquadramento, i.e., não ser afetos a atividades materialmente comerciais, industriais, de serviços ou outras, durante um período longo ou, até mesmo, indeterminado.

11.29.    Assim – caso o critério não fosse o da sua recondução à categoria de prédio urbano classificado como comercial, industrial, serviços ou outros – o prédio não seria sujeito a tributação sem estar afeto a uma utilização produtiva.

11.30.    Mais, do ponto de vista jurídico, a alteração da afetação de um terreno para construção poderá ser efetuada com relativa simplicidade, o que poderia conduzir a situações de não tributação por força de uma mera afetação potencial, seguida de uma alteração da classificação, sem que esta passasse a ser, obrigatoriamente, reconduzível às categorias de prédios “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros”.

11.31.    O mesmo não acontecerá com um prédio construído afeto a comércio, indústria ou serviços, cuja alteração da afetação implicará, em princípio, obras mais ou menos profundas e/ou alteração do licenciamento.

11.32.    Como decorre do acórdão arbitral proferido no processo n.º 654/2017-T, de 03/09/2018, “[n]ão se contestando que sob o ponto de vista de política fiscal a solução pudesse ter sido diferente, e ressalvado o muito respeito por outras opiniões, julga-se que a exclusão de tributação da totalidade ou parte dos “terrenos para construção” não foi a solução adoptada, já que o n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI apenas prevê a exclusão de tributação relativamente ao AIMI dos prédios urbanos classificados “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros”, precisamente nos termos das alíneas b) e d), do n.º 1 do artigo 6.º, o que conduz, inevitavelmente, à tributação dos prédios previstos nas duas restantes alíneas desse mesmo artigo 6.º do CIMI, ou seja, prédios urbanos, classificados como “habitacionais” (al. a)) ou como “terrenos para construção” (al. c)). Abrangidos pela tributação em causa, nos termos da letra da lei, estão todos os prédios urbanos classificados como “habitacionais” e todos os prédios urbanos classificados como “terrenos para construção”, e não apenas alguns deles, sendo que caso o legislador, na sua norma de exclusão de tributação, pretendesse excluir uma parte dos prédios referidos nas alíneas a) e c), do nº. 1 do artº. 6º. do CIMI, teria tido todas as possibilidades de o fazer. Do mesmo, poderia o legislador ter alterado as espécies de prédios urbanos previstas no artigo 6.º do CIMI, por exemplo, sub-dividindo os terrenos para construção consoante os fins a que os mesmos se destinassem, o que não aconteceu. Relativamente à possibilidade de interpretação extensiva da exclusão consagrada no referido n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI, em ordem a abranger os terrenos para construção não destinados a habitação – solução adoptada nas decisões que acolheram pretensões semelhantes à da Requerente, ora em apreço – julga-se, sempre ressalvado o respeito devido a outros entendimentos, que não será de acolher. Assim, e desde logo, crê-se que não se verifica a identidade de situações à luz dos critérios juridicamente relevantes, necessária a operar a referida extensão da cláusula de exclusão da sujeição objectiva, ou seja, não se afigura que os terrenos para construção se encontrem numa situação idêntica à dos prédios construídos, do ponto de vista da teleologia daquela cláusula de exclusão. De um ponto de vista teleológico, tal cláusula terá subjacente, em primeira linha, o propósito de onerar com o AIMI os prédios afectos, ou susceptíveis de afectação imediata, a processos produtivos, não se revestindo os terrenos para construção, de tais características, dado que enquanto um prédio construído estará, ou será susceptível de ser imediatamente, afectado a processos produtivos, os terrenos para construção não se encontram em tal situação. (…) Efectivamente, os prédios já construídos possuem uma realidade material correspondente à tipologia que lhes cabe. Ou seja, a um prédio construído e licenciado para, ou que tenha como destino normal, o comércio, a indústria ou serviços, corresponderá a uma realidade material adequada tais finalidades e, para o que interessa, objectivamente distinta de um prédio construído e licenciado, ou com destino normal, para habitação. Os terrenos para construção, por seu lado, distinguem-se dos restantes terrenos num plano meramente jurídico, ou seja, em função de uma actuação de um ente público (concessão de licença ou autorização, admissão de comunicação prévia ou emissão de informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção – cfr. art.º 6.º/3 e 37.º/3 do CIMI) ou dos proprietários (declaração de finalidade no título aquisitivo; cfr. art.º 6.º/3 do CIMI), às quais a Lei atribui determinados efeitos jurídicos. Deste modo, em função da apontada diferenciação material, a alteração da afectação de um terreno para construção, do ponto de vista das notas relevantes para a problemática em causa, poderá ser simples, bastando, por exemplo, uma mera declaração no título aquisitivo, a apresentação e admissão de uma comunicação prévia, ou a apresentação e aprovação de um pedido de informação prévia. Já a alteração da finalidade de um edifício construído, de habitação para comércio/indústria/serviços, ou vice-versa, implicará, sob um ponto de vista da normalidade, a realização de obras mais ou menos profundas (e necessários licenciamentos). Acresce ainda que um prédio construído tem incorporado um valor significativo correspondente à construção, que, mesmo nos casos em que não esteja concretamente afectado à utilização intendida, constituirá um incentivo natural à sua exploração económica uma vez que, sempre de um ponto de vista da normalidade, um imóvel construído não só não gerará rendimentos, como se desvalorizará (em função da sua degradação) pela sua não utilização. Já um terreno para construção, não só não incorpora, de per si, qualquer incentivo natural para a sua edificação e subsequente afectação a uma actividade produtiva, como, também de um ponto de vista de normalidade, poderá ocorrer precisamente o contrário, ou seja, em função de determinadas condições de mercado que criem expectativas de ganhos meramente especulativos, poderão existir incentivos para os respectivos proprietários manterem a sua condição de terrenos não edificados.” (cfr. Acórdão arbitral do CAAD proferido no processo n.º 654/2017-T, de 03/09/2018) (negritos e sublinhados nossos).

11.33.    No mesmo sentido, veja-se – a título exemplificativo – os acórdãos arbitrais do CAAD proferidos nos processos n.ºs 664/2017-T, de 26/06/2018; 667/2017-T, de 05/09/2018; 676/2017-T, de 16/07/2018; 303/2018-T, de 03/06/2019; 46/2019-T, de 08/07/2019; 568/2018-T, de 11/09/2019.

11.34.    Sem prejuízo de se considerar que a tributação de apenas algum património (no caso concreto o património imobiliário) – contrariamente à tributação do património global - colocar o princípio da capacidade contributiva em tensão, não parece a este Tribunal que a tributação de prédios para construção seja o elemento determinante para considerar a existência de uma inconstitucionalidade.

11.35.    Entendemos, com efeito, que, para efeitos de aplicação do princípio da igualdade, os terrenos para construção com afetação potencial de comércio, indústria e serviços não se assemelham aos prédios construídos já afetos a esses fins.

11.36.    Em suma, o princípio da igualdade implica, por um lado, que sejam tratados de forma igual todos aqueles que se encontrem em situação igual e, por outro, recebam um tratamento diferente os que se encontrem em situação desigual. Contudo, no caso em apreço, os prédios “comerciais, industriais ou para serviços” não parecem estar numa situação comparável com os “terrenos para construção”.

11.37.    Mas mais, parece existir um objetivo extrafiscal de incentivo à atividade produtiva, pelo que um juízo de inconstitucionalidade deveria assentar na desproporcionalidade da medida, o que não parece verificar-se nos termos já explicados supra.

11.38.    Em linha com a tese de que o artigo 135.º-B do Código do IMI não é inconstitucional segue a jurisprudência mais recente do Tribunal Constitucional (doravante, “TC”), designadamente, a título de exemplo, o acórdão n.º 299/2019, de 21/05/2019: “[e]fetivamente, o n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI contém norma de não sujeição tributária (ou de desagravamento fiscal stricto sensu), na modalidade de exclusão tributária, espécie acolhida no n.º 2 do artigo 4.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, alterado por último pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro), e definida como medida estrutural de caráter normativo que estabelece delimitações negativas expressas da incidência. Em virtude dessa norma, excluem-se do âmbito de incidência objetiva do AIMI – a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos de que o sujeito passivo seja titular – os prédios urbanos classificados pela lei fiscal como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros», o que introduz, como é próprio da tipologia normativa, uma desigualdade de tratamento entre os sujeitos passivos do tributo: enquanto os titulares de prédios urbanos habitacionais e de terrenos para construção (referidos nas alíneas a) e c) do artigo 6.º do CIMI) são obrigados ao AIMI, os titulares dos prédios com fins comerciais, industriais, para serviços ou outros, cujo destino normal não seja a habitação ou construção (referidos nas alíneas b) e d) do artigo 6.º do CIMI), não estão  obrigados a tal adicionamento.

(…) A introdução da referida diferenciação na estrutura interna do AIMI assenta eminentemente em razões de política económica: proteger a atividade económica das empresas titulares de prédios urbanos. De facto, foi através de razões de índole extrafiscal que o legislador justificou na Proposta de Lei n.º 37/XIII a norma de exclusão tributária, referindo que com ela se pretende «evitar o impacto deste imposto na atividade económica». A prossecução desse objetivo – a proteção da economia – na modulação de um tributo sobre o património é constitucionalmente legítima, por votada à realização de incumbência prioritária do Estado: a promoção das estruturas económicas (artigos 9.º, alínea d), e 81.º, alínea a) da Constituição), o que pressupõe o bom funcionamento das atividades económicas.” (cfr. acórdão do TC proferido no acórdão n.º 299/2019, de 21/05/2019, disponível em: https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190299.html).

11.39.    A perfilhar a mesma tese, o acórdão do TC n.º 307/2019, de 29/05/2019: “[a]ssim sendo, nem o termo eleito para comparar as situações jurídico-subjetivas – a utilização potencial dos prédios urbanos – comporta relevo no núcleo problemático em equação, nem os titulares das duas tipologias de prédios urbanos postas em confronto – terrenos para construção com fins de comércio, indústria, serviços ou afins, por um lado, e prédios construídos classificados, de acordo com o artigo 6.º do Código de IMI, como «comerciais, industriais ou para serviços» ou «outros», por outro - estão em posição equiparável, de acordo com o facto tributário e a estrutura de incidência objetiva do AIMI, pelo que não se encontra, também neste ponto, fundamento para suportar um juízo de inconstitucionalidade da norma questionada, na específica hipótese em apreciação.»” (cfr. acórdão do TC proferido no acórdão n.º 307, de 29/05/2019, disponível em: https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190307.html).

11.40.    No mesmo sentido, decidiu o STA no acórdão proferido no processo n.º 02143/18.5BEPRT, de 17/12/2019: “(…) a tese sufragada pelo Tribunal constitucional é, essencialmente, a de que não existe violação do princípio da igualdade por três razões: i) primeiro, porque a questão da desigualdade tem de ser analisada entre os grupos homogéneos e não entre a universalidade dos titulares de bens imóveis, uma vez que a incidência do imposto se baseia (como destaca a Recorrente) na desoneração de uma parte dos imóveis, ou seja, na isenção reconhecida aos ‘prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros»’ e, nessa medida, «a norma de exclusão tributária, porque cria situações de favorecimento fiscal, para além da necessidade de assegurar o respeito pelo princípio da proporcionalidade, em função dos fins que se propõe atingir, deve assegurar que o critério do desagravamento fiscal se aplique a realidades que se mostrem iguais à luz desse critério (…) Assim, na primeira tipologia, a relação de igualdade estabelece-se através de um juízo de comparação dos contribuintes à luz do critério da capacidade contributiva; na norma de não incidência, a relação de igualdade estabelece-se através de um juízo de comparação dos contribuintes à luz do critério da capacidade contributiva; na norma de não incidência, a relação de igualdade estabelece-se através do confronto das pessoas ou situações à luz do critério distintivo ou tertium comparationis de que o legislador se serviu por razões extrafiscais»; ii) segundo, porque a diferenciação decorrente da mencionada norma de incidência consubstancia uma medida de política económica («evitar o impacto deste imposto na atividade económica») ínsita na estrutura interna do tributo e «[P]ara prosseguir aquele objetivo de política económica, é patente que a exclusão tributária não se apresenta inadequada, desnecessária ou excessiva, já que o desagravamento tributário constitui um dos instrumentos de política fiscal com aptidão e capacidade para prosseguir o objetivo de proteção e estímulo das atividades económicas visadas. Com efeito, a proteção do comércio, assim como das indústrias, dos serviços ou outras atividades económicas, é um interesse extrafiscal que se pode revelar de maior grandeza do que os ganhos obtidos por via da arrecadação da receita do AIMI (…) Não significa isso, porém, que o legislador se tenha proposto afastar a tributação em AIMI de todas as atividades económicas, ou que o tenha feito em função da natureza dos sujeitos passivos, visando afastar o impacto do tributo nas entidades cujos ativos integrem prédios urbanos, mormente nos sujeitos de natureza empresarial.»; e iii) terceiro, porque o «racional da delimitação da incidência do imposto em pauta não decorre da atividade económica exercida pelo sujeito passivo, mas sim, tal como no IMI, da afetação social do prédio urbano», o que explica que a isenção abranja todos os prédios com afetação comercial e para serviços (para não onerar as actividades económicas) e não apenas aqueles de valor inferior a 600.000,00€.”, concluindo que “[c]omo resulta da interpretação sufragada no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 299/2019, tirado em Plenário e por unanimidade, o artigo 135.º-B, n.º 2, do CIMI não enferma de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade nem por violação do princípio da capacidade contributiva.” (cfr. acórdão do STA processo n.º 02143/18.5BEPRT, de 17/12/2019, disponível em: http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0fc38ffbfcc2e97f802584f000404193?OpenDocument&ExpandSection=1&Highlight=0,AIMI#_Section1).  

 

B.3. Dos juros indemnizatórios

11.41.    A Requerente formula pedido de restituição das quantias arrecadadas pela Requerida, bem como o pagamento de juros indemnizatórios.

11.42.    Não sendo de julgar procedente o PPA, não se pode concluir pela existência de pagamentos indevidos e, consequentemente, não se justifica a anulação das liquidações nem o pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

 

IV. DA DECISÃO

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)            Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Condenar a Requerente nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em €34.715,27 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.836,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento. 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 10 de fevereiro de 2020.

 

O Árbitro,

(Leonardo Marques dos Santos)