Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 667/2018-T
Data da decisão: 2020-01-02  IMT  
Valor do pedido: € 260.000,00
Tema: IMT – Fundos de Investimento Imobiliário – Isenção na aquisição de imóveis – Artº. 1.º do DL 1/87, 03/01.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Pedro Miguel Bastos Rosado e Raquel Franco, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

A...– FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO ABERTO, doravante designado por “Requerente” ou “FUNDO”, com o número de identificação fiscal ..., domiciliado na Rua ..., ..., ..., em Lisboa, representado pela B...–  SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A., pessoa coletiva número..., com sede na mesma morada, veio, na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado em 25 de maio de 2018, relativamente ao ato de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) emitido sob o número..., ínsito no documento n.º..., de 27 de maio de 2014, no valor de € 260.000,00, requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1 e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações subsequentes.

 

O Requerente deduz pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de IMT acima mencionada, emitida em 17 de maio de 2014, e bem assim da presumida decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa daquele ato, com as legais consequências, nomeadamente a restituição do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios nos termos previstos no artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e no artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

 

Como fundamento da sua pretensão o Requerente alega que a operação sobre a qual incidiu IMT supra identificada beneficia da isenção deste imposto consagrada no artigo 1.º do Decreto-lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, que entende manter-se em vigor à data dos factos, por não ter caducado, nem ter sido revogada, expressa ou tacitamente. Conclui, neste âmbito, que o ato tributário e o indeferimento silente do Pedido de Revisão Oficiosa padecem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

 

O Requerente juntou 7 documentos e não requereu prova testemunhal.

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

 

Em 26 de dezembro de 2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação da AT em 2 janeiro de 2019.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação em 14 de fevereiro de 2019, não se opuseram.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 6 de março de 2019.

                Notificada para efeitos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, a Requerida optou por não apresentar Resposta. Em 29 de abril de 2019, procedeu à junção do processo administrativo (“PA”) respeitante ao procedimento de revisão oficiosa, na sequência do solicitado pelo Tribunal.

 

Em 30 de abril de 2019, o Tribunal determinou a dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por se afigurar desnecessária, bem como a notificação das Partes para apresentação de alegações escritas, facultativas e sucessivas. Foi ainda fixada a data de prolação da decisão arbitral, advertindo-se o Requerente de que até essa data deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

 

Em 21 de maio de 2019, o Requerente produziu as suas alegações finais, nas quais mantém a posição assumida. A Requerida não contra-alegou.

 

Por despachos de 2 de setembro e de 4 de novembro de 2019 foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT.

 

II.            SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer do ato de liquidação de IMT, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

1.            MATÉRIA DE FACTO PROVADA

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

A.           A...– FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO ABERTO, aqui Requerente ou FUNDO, é um organismo de investimento coletivo (“OIC”) imobiliário constituído ao abrigo da autorização emitida em 6 de junho de 2005 pela COMISSÃO DE MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS, tendo iniciado a sua atividade em 15 de julho de 2005, sob a gestão da B...– SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A. – cf. documento 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral (“ppa”).

B.            De acordo com o Regulamento de Gestão do FUNDO, podem integrar o respetivo património “prédios urbanos, ou suas frações autónomas, destinados a arrendamento, promoção ou qualquer outra forma de exploração onerosa legalmente admissível que gere rendimento para o Fundo, bem como para revenda […]” – cf. documento 3 junto com o ppa.

C.            Em 27 de maio de 2014, o Requerente apresentou uma declaração modelo 1 de IMT, manifestando à AT a intenção de adquirir ao C...– FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, titular do número de identificação fiscal..., o prédio urbano sito no Lugar de ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Santo Tirso, sob o artigo..., pelo preço de € 8.000.000,00 – cf. documento 2 junto com o ppa. 

D.           No mesmo dia, 27 de maio de 2014, a AT emitiu a liquidação de IMT ínsita no documento n.º..., reportada à projetada aquisição, no valor de € 260.000,00, calculado por aplicação da taxa de 3,25% ao preço de aquisição, conforme previsto no artigo 17.º, n.º 1, alínea d) do Código do IMT em conjugação com o artigo 49.º, n.º 1 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), na redação em vigor à data dos factos [2014] – cf. documento 2 junto com o ppa.

E.            Em 28 de maio de 2014, o Requerente procedeu ao pagamento do imposto liquidado no valor de € 260.000,00 – cf. documentos 4 e 5 juntos com o ppa.

F.            Em 29 de maio de 2014, o Requerente adquiriu o imóvel identificado no ponto C supra, nas condições anteriormente declaradas à AT, integrando-o no seu património – cf. documento 6 junto com o ppa.

G.           Em discordância com a liquidação de IMT objeto dos autos, o Requerente apresentou, em 25 de maio de 2018, um Pedido de Revisão Oficiosa da mesma, solicitando a respetiva anulação e o reembolso do imposto indevidamente pago – cf. documento 1 junto com o ppa e PA.

H.           Até ao momento, o Requerente não foi notificado da decisão [expressa] ou projeto de decisão do Pedido de Revisão Oficiosa por si submetido – cf. PA.

I.             Em 21 de dezembro de 2018, não se conformando com a liquidação de IMT supra identificada, o Requerente apresentou junto do CAAD o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.

 

2.            FACTOS NÃO PROVADOS

 

Com relevo para a decisão não existem factos que devam considerar-se não provados. 

 

3.            MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, não contestada pela Requerida, sendo a questão controvertida estritamente de Direito.

 

IV.          FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

 

1.            QUESTÃO DECIDENDA

 

                A questão suscitada é apenas uma e respeita à vigência da norma de isenção de IMT (antes sob a denominação de Sisa) consagrada no artigo 1.º do Decreto-lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, à data dos factos, i.e., no momento da liquidação do IMT relativo à transmissão do imóvel acima identificado, em maio de 2014. Importa igualmente apreciar o pedido dependente de juros indemnizatórios que na situação dos autos é enquadrável no disposto no artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT. 

 

2.            APRECIAÇÃO

 

2.1.        JURISPRUDÊNCIA ARBITRAL

 

É já extensa a lista de decisões arbitrais que, no âmbito do CAAD, versam sobre a matéria da revogação tácita da norma de isenção contida no citado artigo 1.º do Decreto-lei n.º 1/87. Indicam-se, sem preocupações de exaustividade, as seguintes: 544/2016-T, de 28 de abril de 2017, 677/2016-T; de 26 de junho de 2017; 440/2017-T, de 15 de janeiro de 2018; 547/2017-T, de 15 de março de 2018; 622/2017-T, de 24 de maio de 2018; 188/2018-T, de 20 de setembro de 2018; 27/2018-T, de 27 de setembro de 2018; 130/2018-T, de 20 de outubro de 2018; 192/2018-T, de 31 de outubro de 2018; 308/2018-T, de 6 de novembro de 2018; 316/2018-T, de 7 de dezembro de 2018; 260/2018-T, de 14 de dezembro de 2018; 330/2018-T, de 14 de dezembro de 2018; 442/2018-T, de 7 de janeiro de 2019; 474/2018-T, de 22 de janeiro de 2019; 478/2018-T, de 26 de fevereiro de 2019 e 317/2018-T, de 13 de maio de 2019.

Todas estas decisões, sem exceção, se pronunciam no sentido preconizado pelo Requerente de que a evolução legislativa ocorrida desde a aprovação do EBF pelo Decreto-lei n.º 215/89, de 1 de julho, incluindo as sucessivas Leis do Orçamento, até à Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro (LOE 2019), não encerram a revogação tácita (e muito menos expressa) do artigo 1.º do Decreto-lei n.º 1/87, solução que, também aqui, se acompanha, como abaixo explicitado. Por um lado, não se verificou uma alteração passível de ser qualificada como uma “uma sistematização do regime de benefícios fiscais em sede de impostos sobre o património dos fundos de investimento imobiliário, de tal modo que possa pretender-se que em algum momento o legislador criou um novo regime, completo, incompatível com a subsistência do Decreto-Lei nº 1/87”. Por outro lado, não se constata nenhuma norma concreta que se mostre inconciliável com este diploma, pois o artigo 46.º  do EBF, na redação dada pela Lei do Orçamento de 2003, é harmonizável com o artigo 1.º do Decreto-lei n.º 1/87, encontrando-se formada, nos Tribunais Arbitrais, uma jurisprudência, “convergente e sem dissidências, que flui no sentido da manutenção na ordem jurídica do artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de Janeiro após a Lei nº 53-A/2006, de 29 de dezembro”, conforme refere a decisão arbitral 308/2018-T.

 

Neste âmbito, interessa ainda atender ao disposto no artigo 8.º, n.º 3 Código Civil, segundo o qual, “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”. 

 

2.2.        DA NÃO REVOGAÇÃO DA ISENÇÃO DE IMT APLICÁVEL ÀS AQUISIÇÕES DE IMÓVEIS EFETUADAS POR FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO

 

O artigo 1.º do Decreto-lei n.º 1/87, de 3 de janeiro dispunha que “são isentas de Sisa [leia-se de IMT] as aquisições de bens imóveis efetuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respetiva sociedade gestora” (cf. artigo 1.º do Decreto-lei n.º 1/87), sendo a “incidência do IMT [que sucedeu à Sisa] regulada pela legislação em vigor ao tempo em que se constituir a obrigação tributária”, ou seja, com referência ao momento em que ocorrer a transmissão, como esclarece o artigo 5.º, n.ºs 1 e 2 do Código do IMT.

 

É inequívoca a subsunção do quadro fático dos autos aos requisitos objetivos do citado artigo 1.º do Decreto-lei n.º 1/87, pois estamos perante a aquisição de um imóvel que ingressou na esfera patrimonial do Requerente por efeito da sua aquisição pela respetiva sociedade gestora (em representação do FUNDO). E do ponto de vista subjetivo o Requerente é, sem dúvida, um FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO ABERTO, constituído e a operar nos termos do correspondente regime jurídico, sob a supervisão da COMISSÃO DE MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS.

 

Assim, o prédio em causa foi integrado no património de um fundo de investimento imobiliário – o Requerente – que se constituiu de acordo com a legislação nacional e que operava de acordo com essa mesma legislação, preenchendo-se nas duas dimensões, objetiva e subjetiva, a hipótese da isenção consagrada no artigo 1.º do Decreto-lei n.º 1/87.

 

Conforme acima assinalado, a questão suscita-se em relação à vigência da norma de isenção invocada à data dos factos [2014], nomeadamente quanto a saber se a mesma foi (tacitamente) revogada com a alteração introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, no artigo 46.º do EBF (depois 49.º), que passou a conter benefícios fiscais de IMT para as aquisições de imóveis por fundos de investimento .

 

Sobre a cessação de vigência da lei, que inclui a revogação, dispõe o artigo 7.º do Código Civil nos seguintes termos:

“Artigo 7.º

Cessação da vigência da lei

1. Quando se não destine a ter vigência temporária, a lei só deixa de vigorar se for revogada por outra lei.

 2. A revogação pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior.

 3. A lei geral não revoga a lei especial, exceto se outra for a intenção inequívoca do legislador.

 4. A revogação da lei revogatória não importa o renascimento da lei que esta revogara.”

 

Neste quadro, a revogação pode ser expressa, quando a nova lei indica as normas que pretende eliminar, ou tácita, quando a lei antiga é incompatível com a nova, ou quando esta última estabelece um novo regime, completo, que regula toda a matéria da lei anterior. Na situação concreta, não se encontra norma que tenha colocado termo à vigência do Decreto-lei n.º 1/87, pelo que a questão a resolver é, como acima referido, a de saber se ocorreu a sua revogação tácita.

 

No uso da autorização legislativa dada pela Lei n.º 26/2003, de 30 de julho, foi publicado o Decreto-lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, que aprovou o Código do IMT. As referências à Sisa passaram a considerar-se efetuadas para o novo imposto, o IMT, conforme preceitua o artigo 28.º, n.º 2 do Decreto-lei n.º 287/2003. Por seu turno, o artigo 31.º, que revogou o Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41969, de 24 de novembro de 1958 (n.º 3), determinou no seu n.º 6 a manutenção dos benefícios fiscais “respeitantes ao imposto municipal de sisa estabelecidos em legislação extravagante […] e no Estatuto dos Benefícios Fiscais que passam a ser reportados ao IMT”.

 

Como fundamenta a decisão arbitral n.º 308/2018-T:

 

“Até este momento parece seguro que os fundos de investimento imobiliário gozavam de isenção de IMT nas aquisições de imóveis.

Em 2006 a Lei 53-A/2006, de 29 de dezembro, alterou o artigo 46º nº 1 do EBF, o qual passou a dispor que ficavam isentas de IMT «as transmissões onerosas de imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário (…)».

Os imóveis integrados num fundo não são senão os que esse fundo já tenha adquirido – o que leva à conclusão de que, desta feita, a isenção se referia à alienação e não à aquisição.

O artigo 81º nº 3 alínea e) da Proposta de Lei nº 478/2006, de 13 de outubro – proposta de Lei de Orçamento para 2007 -, revogava expressamente o Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de janeiro, mas tal revogação não veio a ser consagrada na Lei do Orçamento para 2007 – Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro.

É certo que o não acolhimento, pela Lei do Orçamento para 2007, daquela proposta, não constitui argumento definitivo, porquanto pode ter dois sentidos.

Um, é que o legislador não quis revogar o Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de janeiro, por pretender mantê-lo em vigor.

Outro, é que o legislador entendeu não revogar expressamente o dito Decreto-Lei nº 1/87 por considerar que ele já não estava então em vigor, o que tornaria redundante (e mesmo errónea, como técnica legislativa) a revogação.

Mas esta segunda hipótese não é plausível e não favorece a tese da AT: é que foi na Lei do Orçamento para 2007 que o legislador alterou o artigo 46º nº 1 do EBF, consagrando a (nova) isenção de IMT para os fundos de investimento imobiliário «constituídos e que operem de acordo com a legislação nacional».

Ou seja: se o legislador, ao estabelecer o novo benefício fiscal, quisesse extinguir o anterior, por substituição, era o momento adequado para dizer que ficava revogado o Decreto-Lei nº 1/87.

É que os dois benefícios são distintos um do outro, pelo que se não concebe que o da Lei de 2006 substituísse, sem mais, o do Decreto-Lei de 1987.

O legislador de 1987 isentou (numa leitura atualista) de IMT «(…) as aquisições de bens imóveis efetuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respetiva sociedade gestora».

O de 2006 isentou de IMT «as transmissões onerosas de imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário (…)».

Enquanto que em 1987 se falava de aquisições, não abrangendo, claramente, as alienações, em 2006 fala-se em transmissões (que tanto podem ser aquisições como alienações), sendo pela aposição do vocábulo «integrados em» que se conclui que a referência se limita a alienações. Aquilo que já está “«integrado em» não pode mais ser adquirido, mas só alienado, pelo «integrador»; reflexamente, aquilo que ainda não está «integrado em» não pode ser alienado por quem o não integra, só pode ser adquirido para passar a estar «integrado em».

Parece, pois, claro, não só que o legislador de 1987 beneficiou as aquisições pelos fundos de investimento imobiliário, como que o legislador de 2006 bafejou as alienações por esses mesmos fundos.

Um e outro benefício, distintos que são, não se excluem reciprocamente, não se contrariam, não são antinómicos, podem ser aplicados ambos sem nenhuma incoerência.

E não se pode pretender que o legislador de 2006, ao consagrar um benefício atinente às alienações, estabeleceu um regime completo dos benefícios fiscais a favor dos fundos de investimento imobiliário e revogou, com esse integral tratamento da matéria, o benefício vigente desde 1987.

Em súmula, o legislador da Lei nº 53-A/2006, ao rejeitar a proposta do Governo de revogar expressamente o Decreto-Lei nº 1/87, sabia que

- esse Decreto-Lei estava em vigor;

- o benefício que, pelo artigo 82º, introduzia no artigo 46º do EBF, era cumulável com o do artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87;

- a Lei nº 53-A/2006 não continha um regime integral dos benefícios fiscais atribuídos aos fundos de investimento imobiliário;

Portanto, não pode concluir-se, a partir daquela rejeição da proposta do Governo, senão que quis manter o benefício atribuído pelo Decreto-Lei nº 1/87.”

 

No mesmo sentido, já se havia pronunciado a decisão arbitral n.º 544/2016-T, que se compulsa, em situação idêntica à sub iudice:

 

“Foi pelo Decreto-Lei n.º 246/85, de 12 de julho que se regulamentou a atividade dos fundos de investimento. Por seu turno, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, é expressamente reconhecido o «importante contributo que este novo tipo de instituições financeiras poderá trazer à formação das poupanças e à sua mobilização para investimentos no sector imobiliário. Acrescem os efeitos positivos que por essa via se induzirão nas indústrias da construção e no mercado de arrendamento de imóveis para habitação e para escritórios.» Assim, e na perspetiva do legislador tornou-se «necessário, no sentido de estabelecer condições para criação de fundos de investimento com estas características, definir um quadro fiscal adequado.»

Com este objetivo em mente, o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, determinou que:

«são isentas de Sisa as aquisições de bens imóveis efetuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respetiva sociedade gestora».

[…] De acordo com o teor literal desta norma, as aquisições de bens imóveis levadas a cabo com o intuito de passarem a integrar um fundo de investimento imobiliário estariam isentas de Sisa.

Mais tarde, o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, procedeu à reforma da tributação do património, aprovando o CIMI, e o CIMT, publicados, respetivamente, nos seus anexos I e II.

Dali em diante, no que respeita às remissões, determinou o artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, que:

1 - Todos os textos legais que mencionam Código da Contribuição Autárquica ou contribuição autárquica consideram-se referidos ao Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) ou ao imposto municipal sobre imóveis (IMI).

2 - Todos os textos legais que mencionem Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, imposto municipal de sisa ou imposto sobre as sucessões e doações consideram-se referidos ao Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), ao Código do Imposto do Selo, ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e ao imposto do selo, respetivamente. (sublinhado nosso)

Além disso, o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, incluiu ainda uma norma de revogação, no seu artigo 31.º, cujo n.º 6 dispunha:

«Mantêm-se em vigor os benefícios fiscais relativos à contribuição autárquica, agora reportados ao IMI, bem como os respeitantes ao imposto municipal de sisa estabelecidos em legislação extravagante ao Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41969, de 24 de novembro de 1958, e no Estatuto dos Benefícios Fiscais, que passam a ser reportados ao IMT.» (sublinhado nosso)

Assim, de acordo com o teor literal dos artigos 28.º e 31.º, n.º 6 do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, as isenções ao imposto de Sisa deveriam considerar-se reportadas ao IMT, pelo que as aquisições de bens imóveis levadas a cabo por uma sociedade gestora de um fundo de investimento imobiliário com o intuito de os mesmos passarem a integrar esse fundo continuariam isentas de IMT (aquela isenção de sisa prevista no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro). A isenção existiria sempre que o fundo se encontrasse na posição de adquirente do imóvel.

Refira-se que esta isenção tinha uma finalidade clara e inteiramente assumida pelo legislador tributário. Em causa estava o objetivo, de natureza social e económica, de definição de um quadro fiscal suscetível de incentivar a criação de fundos de investimento com capacidade para mobilizar as poupanças para a realização de investimentos no sector imobiliário, estimulando, desse modo, as indústrias da construção e o mercado de arrendamento de imóveis para habitação e para escritórios.

O artigo 82.º da Lei n.º /2006 de 29 de dezembro (LOE de 2007), veio alterar o artigo 46.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), passando a prever, a par da isenção da Contribuição Autárquica (IMI) para os prédios integrados em fundos imobiliários abertos, uma isenção de IMT para esses mesmos prédios. Assim, os prédios integrados nos fundos mistos ou fechados, verificadas certas condições, gozariam de uma redução de taxa para metade (artigo 46.º, n.º 2 do EBF). No entanto, o referido artigo 82.º da LOE de 2007 não fez qualquer referência à isenção de Sisa (IMT) constante do o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro.

Por conseguinte, a questão que se coloca, na sequência do que se disse supra, prende-se com a problemática de saber se a isenção de IMT introduzida no artigo 46.º do EBF pela LOE de 2007 veio ou não revogar – e, se sim, expressa ou tacitamente – a isenção de Sisa (IMT) constante do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro – que, até então, ninguém duvidou manter-se. Esta questão é pertinente na medida em que, nos termos do artigo 7.º, n.º 1 do Código Civil, a regra geral em matéria de cessação da vigência da lei é que «quando se não destine a ter vigência temporária, a lei só deixa de vigorar se for revogada por outra lei.»

Ora, o Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, não contém qualquer indicação de que o seu artigo 1.º pretendia ter uma vigência temporária, pelo que, admitindo-se a sua não revogação por outra lei, a isenção dali constante, permanecerá – ainda hoje – em vigor. E a resposta a esta questão responderá à que ora se trata nos presentes autos: a de saber se o ato de liquidação da Administração Tributária padece, ou não, de um vício de violação de lei, por desconsideração de uma norma de isenção de imposto.

Ora, recuperando o que se disse supra, para determinar se houve ou não revogação da norma constante do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, que prevê uma isenção de Sisa (IMT), importa atentar ao disposto no artigo 7.º, n.º 2, do Código Civil que se ocupa do conceito de revogação da lei. Aí se dispõe que

«a revogação pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior.»

A existência de regras de reconhecimento, orientadas para a identificação clara e precisa das normas que se encontram em vigor no ordenamento jurídico e das que já foram expressa ou tacitamente revogadas, reveste-se do maior significado, desde logo do ponto de vista do princípio da legalidade, designadamente na sua dimensão de legalidade tributária, afirmando a exigência de segurança jurídica e proteção da confiança ínsita no princípio constitucionalmente estruturante do Estado de direito. Os cidadãos, os agentes económicos e os operadores jurídicos devem poder saber com certeza quais as normas que estão e quais as que não estão em vigor no ordenamento jurídico. O artigo 7.º do Código Civil estabelece então três critérios alternativos de revogação, cujo preenchimento ou não tem relevantes implicações no caso concreto.

Importa pois aferir se ocorreu alguma das três alternativas que, segundo o artigo 7.º, n.º 2 do Código Civil, conduziram à revogação do artigo 1.º do Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de janeiro, a saber:

a) a declaração expressa de revogação;

b) a incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes; ou

c) a circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior.

Relativamente ao primeiro aspeto, em vão se procurará no artigo 46.º do EBF, na redação que lhe foi dada pelo artigo 82.º da LOE de 2007, uma qualquer norma de revogação expressa do artigo 1.º do Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de janeiro. Assim conclui-se que não houve qualquer declaração expressa de revogação pelo que a haver revogação ela só poderia acontecer pela verificação de qualquer das restantes condições.

De incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes, que configura a segunda alternativa do artigo 7.º, n.º 2 do Código Civil, também não se pode falar. Bem pelo contrário, uma leitura conjunta da nova disposição do artigo 46.º do EBF e da regra precedente do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro, permite razoavelmente concluir que a partir da entrada em vigor da nova redação do artigo 46.º do EBF passariam a estar isentas do IMT, não apenas as aquisições de bens imóveis levadas a cabo por sociedades gestoras de fundos de investimento imobiliário com o intuito de as mesmas passarem a integrar esses fundos – tal como estabelecido na regra precedente – como também os prédios integrados nos fundos imobiliários – tal como estabelecido naquele artigo 46.º do EBF. Por outras palavras, a isenção de IMT valeria doravante quer para imóveis adquiridos para virem a integrar fundos imobiliários, como até então se estabelecia, quer para esses mesmos imóveis se e enquanto integrados em fundos imobiliários, nos termos do artigo 46.º do EBF.

No primeiro caso, a isenção seria aplicável sempre que o fundo se encontrasse na posição de adquirente do imóvel. No segundo caso a isenção seria aplicável sempre que o fundo se encontrasse na posição de alienante do imóvel. Assim, é forçoso concluir-se pela inexistência de uma incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes.

Abra-se aqui um parêntesis quanto à distinção entre imóveis a integrar no fundo e imóveis integrados no fundo, a qual reveste, ao que se crê, grande relevância no caso sub judice. Nos termos do artigo 22.º, n.º 1 do CIMT, a liquidação do IMT precede o ato ou facto translativo dos bens, devendo ser efetuada no momento da celebração do contrato-promessa de compra e venda com tradição do imóvel. Nesse momento, os bens adquiridos pelo sujeito passivo ainda não estavam integrados no fundo de investimento imobiliário. Com efeito, a sociedade gestora do fundo de investimento imobiliário pretendia adquirir o bem imóvel em causa precisamente para o vir a integrar no respetivo fundo. Daí que ela pudesse reclamar a isenção prevista no artigo 1.º do Decreto-Lei n. º 1/87, de 3 de janeiro, e não a do artigo 49.º do EBF, na medida em que vale unicamente para bens imóveis integrados no fundo imobiliário, realidade que só se consumaria depois da celebração do contrato promessa de compra e venda com a tradição da coisa.

Não obstante as diferenças estruturais que separam ambas as isenções, a verdade é que em ambos os casos as sociedades gestoras de fundos de investimento são colocadas numa posição economicamente vantajosa: ou porque não têm que pagar o IMT quando adquirem imóveis para os integrar no respetivo fundo de investimento imobiliário, ou porque os podem colocar no mercado mais facilmente em virtude de o prospetivo adquirente estar isento de IMT. As novas disposições e as regras precedentes não só são inteiramente compatíveis como criam um regime fiscal especialmente apetecível para as sociedades gestoras de fundos imobiliários.

Compreende-se bem a isenção de IMI a favor dos imóveis integrados em fundos imobiliários, na medida em que isso os liberta do pagamento deste imposto anual sobre o património imobiliário, prevista no artigo 46.º do EBF antes da redação que lhe foi dada pela Lei LOE de 2007. No entanto, também não é negligenciável a utilidade de que a isenção de IMT, acrescentada por este diploma, se revista no caso das transações de imóveis integrados em fundos imobiliários.

Com efeito, apesar de, nos termos do artigo 4.º do CIMT, o IMT dever ser suportado pelo adquirente do bem imóvel – que na generalidade dos casos será alguém inteiramente alheio à atividade de investimento imobiliário – a verdade é que esta isenção coloca os fundos de investimento imobiliário numa posição economicamente favorável e competitiva no seio do mercado imobiliário, na medida em que lhes permite escoar os seus bens imóveis mais facilmente, a um preço mais atrativo do ponto de vista do consumidor, porque está isento de IMT ou beneficia de uma redução de taxa.

Por esse motivo, a isenção do atual artigo 49.º do EBF, mesmo na sua versão atenuada de redução das taxas de IMT para metade, constitui um suplemento não despiciendo e não redundante relativamente à isenção estabelecida pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro. Trata-se de uma isenção estrutural e teleologicamente distinta desta última, cuja introdução e manutenção na ordem jurídica assenta numa distinta valoração de política fiscal.

E tanto assim é que chegou a existir uma proposta de lei do Governo dirigida à Assembleia da República, a PL 478/2006, de 13 de outubro de 2006, para aprovação do Orçamento do Estado, onde se previa a inserção de um artigo 81.º, n.º 3, alínea e) em que expressamente se revogava o Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro. Proposta essa que não foi objeto de aprovação.

De resto, a possibilidade de coexistência jurídico-normativa de isenções de IMT nos momentos da aquisição e de alienação de um imóvel está longe de constituir uma solução anómala ou sistemicamente disfuncional. Tal coexistência pode ser encontrada hoje no próprio EBF, em matéria de prédios urbanos destinados a reabilitação, verificados determinados pressupostos. Com efeito, o artigo 45.º, n.º 2 determina que «Ficam isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis as aquisições de prédios urbanos destinados a reabilitação urbanística, desde que, no prazo de três anos a contar da data de aquisição, o adquirente inicie as respetivas obras.»

Paralelamente, o artigo 71. º, n.º 8 do EBF dispõe que «São isentas do IMT as aquisições de prédio urbano ou de fração autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente, na primeira transmissão onerosa do prédio reabilitado, quando localizado na ‘área de reabilitação urbana». Também aqui uma isenção ao IMT no momento da aquisição do imóvel a reabilitar coexiste com a isenção no momento da alienação do imóvel reabilitado, num quadro de complementaridade jurídica pleno de racionalidade económica e social.

Solução estruturalmente idêntica pode encontrar-se também no artigo 8. º, n.º 7 do Regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH), aprovado pelo artigo 102.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro – Capítulo X, onde se dispõe que ficam isentos do IMT «a) As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1; b) As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.»

Por fim, também atendendo ao último dos critérios do artigo 7.º, n.º 2 do Código Civil se dirá que a simples introdução da isenção do artigo 46.º do EBF dificilmente poderá ser interpretada como uma medida de revogação e substituição da isenção criada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro. Por um lado, resulta das considerações precedentes que o artigo 46.º do EBF não veio regular toda a matéria constante do artigo 1.º do Decreto-Lei nº 1/87. Em rigor, é introduzida uma nova isenção para além da já existente, a qual permanece intocada. Por outro lado, o EBF não tem o monopólio dos benefícios fiscais, podendo os mesmos ser consagrados e subsistir em legislação avulsa. Pense-se, por exemplo, nos benefícios fiscais constantes do Código Fiscal do Investimento.

Não se preenche, por isso, o último dos critérios que, nos termos do artigo 7.º, n.º 2 do Código Civil, sinalizam alternativamente a presença de uma revogação. Com efeito, para além do distinto teor literal, as duas isenções em discussão são estruturalmente diferentes, económica e fiscalmente compatíveis, e, em rigor, complementares. E mesmo que se entenda que o EBF constitui lei geral em matéria de benefícios fiscais, o artigo 7.º, n.º 3 do Código Civil dispõe que «a lei geral não revoga a lei especial, exceto se outra for a intenção inequívoca do legislador». Sendo certo que nenhum dado de facto ou de direito permite discernir uma intenção inequívoca do legislador no sentido da revogação da isenção do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro.

A este respeito, poder-se-á ainda atentar às sucessivas alterações de que foi sendo alvo a norma constante do artigo 46.º do EBF. Com efeito, a redação do artigo 46.º do EBF foi sofrendo várias vicissitudes e alterações ao longo do tempo, designadamente:

             a previsão, no artigo 88.º da Lei n.º 53-A/2006, de 31 de dezembro (LOE de 2007), de um regime transitório para fundos mistos ou fechados em determinadas circunstâncias;

             a renumeração do artigo 46.º do EBF, que passou a 49.º, efetuada pelo artigo 109.º da Lei n.º 2-B/2010, de 28 de abril (LOE de 2010), que reserva a isenção do IMT a fundos de investimento imobiliário abertos;

             a extensão da isenção do IMT a fundos fechados de subscrição pública efetuada pelo artigo 119.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (LOE de 2011);

             a substituição da isenção de IMT dos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública por uma redução para metade das taxas de IMT, operada pelo artigo 206.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (LOE de 2014), acompanhada por um regime transitório no artigo 209.º.

Todas as vicissitudes e alterações mencionadas tiveram como objeto a isenção de IMT respeitante a imóveis integrados em fundos imobiliários, tal como consagrada no EBF.

Não existe nenhum texto-prova (dicta probandi) que permita concluir que as mesmas se reportavam à isenção – criada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, e factualmente sustentada pela legislação subsequente – para as aquisições de imóveis levadas a cabo por sociedades gestoras de fundos de investimento imobiliário para os mesmos virem a integrar estes fundos.

As isenções em análise são substancial e estruturalmente diferentes e independentes uma da outra, não podendo, de modo algum, ser consideradas contrárias, contraditórias ou logicamente inconciliáveis. E muito menos poderão ser tidas como jurídica e economicamente incompatíveis. Uma conserva a sua utilidade própria independentemente do que venha a suceder à outra.

A introdução e evolução do regime do artigo 46.º (e depois 49.º) do EBF, respeitante à isenção e redução de taxa de IMT para as transações envolvendo bens imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário tem o seu próprio efeito útil e em nada afeta o efeito útil da isenção criada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, em matéria de aquisições de bens imóveis a integrar em fundos imobiliários, pelo que não há nenhum motivo para concluir que a posterior revogou ainda que tacitamente a anterior.

Não admira, por isso, que, em 2009, o Estudo da Política Fiscal, Competitividade, Eficiência e Justiça do Sistema Fiscal – Subgrupo 3 Tributação do Património, sob a coordenação do Professor Doutor Sidónio Pardal, tenha vindo a concluir pela vigência da isenção da Sisa (IMT) criada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, surgindo o mesmo incluído na lista de Síntese dos Benefícios Fiscais e Desagravamentos Estruturais Vigentes em Sede de IMT e de IMI (a páginas 81). Esta conclusão não foi infirmada por uma recente e criteriosa análise da evolução do regime dos fundos de investimento imobiliário, a qual, pelo contrário, corroborou o entendimento segundo o qual o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, nunca chegou a ser revogado (apesar de se ter contemplado essa hipótese na proposta de lei para o Orçamento do Estado para 2007), pelo que os FII, independentemente da sua tipologia, mantêm a isenção em sede de IMT na aquisição de imóveis.

Por tudo o exposto, dúvidas não subjazem de que a isenção de Sisa prevista o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, e que passou a reportar-se ao IMT, nos termos dos artigos 28.º e 31.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, que aprovou o CIMT, se mantém, ainda, em vigor, pelo que, estão isentas de IMT as aquisições de bens imóveis efetuadas para um fundo de investimento imobiliário pela sua respetiva sociedade gestora, ou seja, levadas a cabo com o intuito de as mesmas passarem a integrar o próprio fundo.”

 

Convém notar que o artigo 1.º do Decreto-lei n.º 1/87 vigorou até à sua revogação pelo artigo 319.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro (LOE 2019), ou seja, segundo entendemos, o legislador considerou que aquele não tinha sido, até então, revogado, expressa ou tacitamente. Em consequência, o benefício da isenção estava em vigor quando ocorreu a aquisição do imóvel subjacente à liquidação de IMT ora impugnada pelo Requerente, que, por esse motivo, é ilegal.

 

Como afirmado na decisão arbitral n.º 317/2018-T, admitir o contrário seria imputar ao legislador de 2018 um erro palmar, revogando expressamente uma norma já então inexistente no ordenamento jurídico.

 

                À face do exposto, conclui-se pela vigência do artigo 1.º do Decreto-lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, à data dos factos (2014) , com a consequente isenção de IMT da operação de aquisição do imóvel supra identificado por parte do Requerente, pelo que o correspondente ato de liquidação do imposto padece de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito e deve, por essa razão, ser anulado, em conformidade com o disposto no artigo 163.º, n.º 1 do novo Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.  Ilegal e anulável é também o ato silente de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa deduzido contra o mencionado ato tributário.

 

2.3.        JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

Quando está em causa a errada interpretação e aplicação pela Requerida de normas de incidência tributária, tem sido pacificamente entendido que os Tribunais Arbitrais Tributários  têm competência para proferir pronúncias condenatórias em moldes idênticos aos que são admitidos em processo de impugnação judicial, incluindo portanto as que derivam do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT, estes últimos aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

                De harmonia com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

 

Ainda de acordo com o artigo 24.º, n.º 5 do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que o Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

O direito a juros indemnizatórios depende do preenchimento dos pressupostos constitutivos previstos nas normas tributárias mencionadas, sendo imprescindível que o Requerente tenha previamente procedido ao pagamento do imposto relativamente ao qual reclama a contagem de juros, circunstância que ficou comprovada nos presentes autos arbitrais. Acresce ter ficado demonstrado que o ato tributário padece de erro de direito imputável à AT que não deveria ter procedido à liquidação de IMT.

O mencionado artigo 43.º da LGT reconhece, no seu n.º 1, o direito a juros indemnizatórios quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços. In casu, o Requerente não apresentou reclamação graciosa nem impugnação judicial, tendo apresentando, antes, Pedido de Revisão Oficiosa, nos termos do artigo 78.º da LGT.

 

O Pedido de Revisão Oficiosa apresentado no prazo da reclamação graciosa, a que alude o artigo 78.º, n.º 1 da LGT, é equivalente a esta, como se entendeu nos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de julho de 2006, processo n.º 0402/06, e de 15 de abril de 2009, processo n.º 065/09. No entanto, o Requerente apresentou o Pedido de Revisão Oficiosa cerca de 4 anos após o ato de liquidação de IMT, em 25 de maio de 2018, muito além do prazo de 120 dias previsto para reclamação graciosa no artigo 70.º, n.º 1 do CPPT, com remissão o seu artigo 102.º, n.º 1 do CPPT, não sendo por essa razão aplicável a referida equiparação.

 

Nestas circunstâncias, o direito a juros indemnizatórios resulta da disciplina específica instituída pelo artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT que dispõe serem os mesmos devidos apenas se “a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à AT.”

 

Na situação vertente, a AT não chegou a pronunciar-se sobre o Pedido de Revisão Oficiosa, na sequência do que o sujeito passivo enveredou pela via contenciosa arbitral. No entanto, apesar de não existir resposta expressa por parte da AT [literalmente não ocorreu a revisão do ato tributário], o princípio da igualdade impõe um tratamento semelhante entre os contribuintes cujos pedidos de revisão obtêm êxito (para além de um ano) junto da AT e os que obtêm idêntico resultado junto do Tribunal. Como argumenta a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, “em qualquer dos casos, a demora de mais de um ano é imputável à Administração e deriva da prática de ato ilegal: ou porque tardou a dar razão ao contribuinte ou porque não lha deu e veio a revelar-se que o devia ter feito. Nestes casos, o direito de indemnização deriva da prática de ato ilegal e não do incumprimento de um prazo procedimental para os serviços decidirem favoravelmente a pretensão do contribuinte, já que o prazo de um ano fixado nesse normativo nem sequer coincide com o prazo de quatro meses que a LGT fixa para a emissão de decisão (art. 57.º, n.º 1)” – cf. Acórdão (do Pleno da Secção de Contencioso Tributário), de 3 de julho de 2019, processo n.º 04/19.0BALSB e jurisprudência aí citada.

 

Assim, à face do disposto no artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT e em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, tratando-se de um Pedido de Revisão Oficiosa apresentado por iniciativa do contribuinte, aplica-se o regime especial de contagem do prazo de juros indemnizatórios, que se inicia decorrido um ano após a apresentação do Pedido (e não nos termos do disposto no artigo 61.º, n.º 5 do CPPT, desde a data do pagamento do imposto indevido).

 

Como, no caso concreto, o Pedido de Revisão Oficiosa foi submetido em 25 de maio de 2018, são devidos juros a partir de 1 ano após essa data – no mesmo sentido vide ainda o recente Acórdão (também do Pleno) do Supremo Tribunal Administrativo, de 23 de outubro de 2019, processo n.º 021/19.0BALSB. Procede, nestes termos, o pedido dependente de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, calculados à taxa legal sobre a quantia de € 260.000,00, contados a partir de 25 de maio de 2019. 

 

* * *

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – cf. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

V.           DECISÃO

 

                Em face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:

 

(a)          Julgar procedente o pedido de anulação do ato tributário de liquidação de IMT supra identificado e, bem assim, do indeferimento (silente) do Pedido de Revisão Oficiosa que o tinha por objeto;

(b)          Condenar a AT à restituição à Requerente do IMT pago no valor de € 260.000,00;

(c)          Condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios devidos sobre essa quantia contados a partir de 25 de maio de 2019.

 

 

VI.          VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 260.000,00, correspondente ao valor da liquidação de IMT impugnada – cf. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

VII.         CUSTAS

 

                Custas no montante de € 4.896,00, a cargo da Requerida (AT), em razão do decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 2 de janeiro de 2020

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

Alexandra Coelho Martins

Pedro Miguel Bastos Rosado

Raquel Franco