Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 679/2018-T
Data da decisão: 2019-07-05  Selo  
Valor do pedido: € 89.639,09
Tema: IS - Isenção da alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS. Fundo de Investimento Imobiliário.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

Os árbitros Juiz José Poças Falcão (árbitro presidente), Dr. Augusto Vieira e Dr. Arlindo José Francisco (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I – RELATÓRIO

 

  1. Em 22 de dezembro de 2018, A..., S.A. (Requerente), com o número de identificação fiscal..., com sede na Avenida..., ..., ...-... ..., na qualidade de sociedade gestora e em representação do B... (doravante, “Fundo”), com o número de identificação fiscal..., apresentou um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e artigo 10.º, 10.º, n.os 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico de Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAMT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, sendo requerida a ATA - Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT),com vista à pronúncia sobre a ilegalidade parcial das liquidações de Imposto do Selo da verba 17.3.1 da TGIS, que suportou enquanto sujeito passivo de facto, no período de Julho de 2016 a Junho de 2018, pedindo o seguinte:
  • Seja declarada a ilegalidade da decisão de indeferimento (tácito) no âmbito do procedimento de Reclamação Graciosa despoletado pela ora Requerente;
  • Sejam parcialmente anulados os actos tributários de Imposto do Selo, porque ilegais, por manifesto erro nos pressupostos de facto e de direito, no montante de € 89.639,09;
  • Seja reembolsado o montante de Imposto do Selo indevidamente suportado com base nos actos tributários sub judice;
  • Seja a Autoridade Tributária e Aduaneira condenada no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde o momento do pagamento (indevido) do montante de € 89.639,09 até ao reembolso integral da quantia devida e calculados sobre o imposto”.
  1. Entende o Requerente que beneficia da isenção prevista na alínea e) do nº 1 do artigo 7º do Código do Imposto do Selo, por ser “instituição financeira”, enquanto fundo de capital de risco, segundo o direito comunitário e pela razão de que a os juros sobre os quais incidiu o imposto do selo, resultam de operações creditícias que lhe foram conferidas por instituição bancária domiciliada em Portugal.
  2. O pedido de constituição tribunal foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 22 de Dezembro de 2019 e seguiu a sua normal tramitação com a notificação da ATA em 26 do mesmo mês.
  3. O Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, o que foi notificado às partes, não tendo manifestado vontade em recusar tal designação, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
  4. Em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, na alínea c) do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 06 de Março de 2019.

 

  1. O Requerente suporta o seu ponto de vista, em síntese, quanto à ilegalidade dos atos tributários já referidos, no facto de o Fundo aqui representado se inserir no conceito de instituição financeira, conforme previsto na legislação comunitária, reunindo todos os requisitos para beneficiar da isenção a que alude a alínea e) do nº 1 do artigo 7º do Código do Imposto do Selo.
  2.  Cita neste sentido o parecer nº 25/2013 do Centro de Estudo Fiscais e o facto da própria AT,  na análise de pedidos de informação vinculativa, ter vindo a concluir pela aplicação da norma da alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS aos Fundos de Capital de Risco, sendo por isso, os atos de liquidação praticados ilegais, devendo a ATA proceder à sua anulação, com a consequente devolução do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios nos termos dos artigos 43º e 100º da Lei Geral Tributária.
  3. Em 10 de Abril de 2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou Resposta na qual impugnou os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação.
  4. A Requerida suporta o seu ponto de vista, também em síntese, no facto de não existirem quaisquer declarações complementares apresentadas junto da ATA que permitam concluir com rigor que o imposto ora contestado respeite sequer aos valores inscritos nas guias de imposto do selo entregues, correspondentes aos períodos em causa - 2016 a 2018.
  5. Reconhece a AT que o Requerente é uma das entidades que beneficiam da isenção da alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS, por ser “instituição financeira”.
  6. Mas adianta que o “Requerente não faz prova de que estamos perante imposto do selo cobrado nos termos da referida norma de isenção, ... não obstante a referência no ppa aos contratos de empréstimo celebrados entre a Requerente e a instituição bancária, tal documentação não é junto pela Requerente”. Acrescenta que: “... apenas junta uma declaração da entidade bancária, mas sem qualquer suporte documental, sejam as guias de pagamento de IS aí mencionadas, seja outro documento que sustente as operações aí alegadas”.  E quanto aos “... extratos bancários juntos com o ppa não permitem identificar a que ato/operação respeita o pagamento aí referido”. Acrescenta que no caso da “... informação vinculativa junta pela Requerente como documento n.º 5 do ppa foram exatamente solicitados pela AT elementos adicionais que permitissem qualificar as comissões cobradas pelas entidades mutuantes como “diretamente destinadasà concessão de crédito, como sejam os contratos constitutivos dos financiamentos”. Conclui: “... não tendo a Requerente apresentando cópias dos contratos constitutivos dos financiamentos em causa, com a identificação dos prazos e eventuais possibilidades de alterações desses prazos, por forma a identificar claramente a natureza das comissões e juros conexos com tais operações e a sua imputação aos respetivos prazos, não se comprova a aplicação da referida isenção prevista na alínea e) do n.º 1 o artigo 7.º do CIS” e “... que as guias de pagamento de IS, mesmo que tivessem sido juntas, não se revelariam suficientes para comprovar que respeitam a IS relativo àquelas operações/entidade titular do encargo do imposto, porquanto mencionam apenas um valor global”, ou seja “...  não existem quaisquer declarações complementares apresentadas junto da AT que permitam concluir com rigor que o imposto ora contestado respeite sequer aos valores inscritos nas guias de imposto do selo entregues, correspondentes aos períodos em causa - 2016 a 2018”.
  7.  Com os argumentos atrás referidos propugna a AT que o pedido deve ser julgado improcedente.
  8. Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, mesmo que por mera hipótese o imposto viesse a ser anulado, entende a AT que os mesmos não são devidos, porquanto não se verificam as condições previstas na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.

 

 

II. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cfr. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

Conforme despacho de 25 de Abril último, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, admitida a junção de documentos solicitada pelo requerente em 16 /04/2019 e concedido o prazo de 20 dias para alegações.

A Requerida veio, em requerimento de 02/5/2019, dizer que em termos de  alegações,  remetia para o expendido na sua resposta e pronunciou-se sobre os documentos juntos em 25 de Abril último pela requerente, considerando os mesmos insuficientes para a prova pretendida, reiterando que em caos de procedência do pedido não há lugar a pagamento de juros indemnizatórios  e as custas deverão ficar a cargo do Requerente, pois a elas deu azo.

O processo não enferma de nulidades, não tendo sido invocadas quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

  1. Questões a dirimir

 

  1. Se há ou não lugar à declaração de ilegalidade do indeferimento tácito presumido no âmbito da reclamação apresentada contra os atos tributários aqui postos em crise.
  2. Se os atos tributários de liquidação de imposto do selo aqui impugnados, deverão ou não ser declarados ilegais por desconformidade com a norma isentiva da alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS e em caso afirmativo ser anulado o imposto no montante de € 89 639,09.
  3. Se em caso de anulação do imposto referido e sua consequente devolução, a mesma deverá ou não ser acompanhada do pagamento de juros indemnizatórios conforme requerido e a partir de que data.

 

  1. Matéria de facto

 

  1. B..., com o número de identificação fiscal ..., é um fundo especial de investimento imobiliário fechado ou organismo de investimento imobiliário fechado, de duração determinada, constituído por subscrição particular, sendo a respetiva atividade regulada pelo Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro – conforme artigo 15º do pedido de pronúncia arbitral (PPA), artigo 2º da Resposta da AT e documento nº 3 em anexo ao PPA;
  2. A constituição do Fundo foi autorizada por deliberação do Conselho de Mercado de Valores Mobiliários de 16 de Março de 2006, tendo iniciado a sua atividade em 16 de Maio do mesmo ano e tem como objetivo a gestão integrada e profissional do património imobiliário da Associação Nacional das Farmácias e sociedades por ela participadas na perspetiva da criação de condições de rendibilidade, segurança e liquidez – conforme artigos 16º e 17º do PPA e falta de impugnação especificada destes factos pela AT apreciada nos termos do artigo 110º-7 do CPPT;
  3. A administração, gestão e representação do Fundo é feita pela Requerente A..., S.A. NF ... e as funções de entidade depositária são asseguradas pelo Banco C...- conforme artigo 18º do PPA e artigo 3º da Resposta da AT;
  4. No período compreendido entre Julho de 2016 e Junho de 2018, o Fundo suportou, enquanto sujeito passivo de facto (titular do interesse económico nos termos da alínea f) do nº 1 do artigo 3º do CIS) imposto do selo da verba 17.3.1 da TGIS, no montante de 89 639,09 euros, conforme quadro seguinte:

- conforme artigo 24º do PPA, Documentos nº 2 e 4 juntos com o PPA e documento nº 3 junto com o requerimento do Requerente de 16.04.2019, apreciados nos termos do artigo 110º-7 do CPPT.

  1. O imposto suportado pelo Fundo resultou de financiamentos que lhe foram conferidos, no desenvolvimento das suas atividades, pelo C..., através dos contratos de empréstimo n.º ... e n.º... – conforme Documentos nºs 2 e 4 juntos com o PPA, documento nº 3 junto com o requerimento do Requerente de 16.04.2019 e artigo 24º do PPA;
  2. Em 20 de Agosto de 2018 o Requerente apresentou junto da AT uma reclamação graciosa com vista à anulação das liquidações de imposto do selo a que se alude em 4. supra, não tendo obtido qualquer decisão por parte da entidade Requerida – conforme parte inicial do PPA e artigo 4º da resposta da AT;
  3. Em 22 de Dezembro de 2018 o Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral – conforme registo no SGP do CAAD.

 

3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, indicando-se, por cada ponto levado à matéria de facto assente, os meios de prova que se consideraram relevantes, como fundamentação.  

 

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideramos a inexistência de factos não provados.

 

4. Matéria de Direito

 

  1. Presunção de indeferimento tácito

 

De acordo com os factos provados, em 20 de Agosto de 2018 o Requerente apresentou junto da AT uma reclamação graciosa com vista à anulação das liquidações de imposto do selo aqui em causa e no dia 22 de Dezembro de 2018 entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral.

Também ficou provado que a AT não produziu qualquer decisão antes da Requerente entregar o pedido de pronúncia arbitral.

De acordo com o nº 1 do artigo 57º da LGT “o procedimento tributário deve ser concluído no prazo de quatro meses” e nos termos do nº 3 da mesma disposição legal “no procedimento tributário os prazos são contínuos e contam-se nos termos do Código Civil”.

A reclamação graciosa presume-se indeferida para efeito de impugnação judicial após o termo do prazo legal para a decisão pelo órgão competente (artigo 106º do CPPT).

Assim, nos termos da alínea c) do artigo 279º do Código Civil, em 20 de Dezembro de 2018 formou-se a presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa, o que permitiu ao Requerente, em 22 de Dezembro de 2018, apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 102º do CPPT, no prazo de 90 dias (alínea a) do nº 1 do RJAT), contados sobre a data em que se formou o aludido acto silente.

 

  1. A norma isentiva da alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS. A invocada ilegalidade do acto silente de indeferimento tácito e das liquidações de imposto do selo

 

Padecem de desconformidade com a norma isentiva da alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS as liquidações de imposto do selo impugnadas pelo Requerente?

A Requerida, muito embora não se tenha pronunciado no prazo legal sobre a reclamação graciosa, coloca agora, em sede de Resposta ao PPA, como óbice à sua procedência que a Requerente não juntou os contratos de mútuo celebrados com o Banco e que os extractos bancários juntos não permitem identificar a que acto/operação respeita o pagamento que consta das guias de pagamento do imposto do selo.

Mas não se afigura que lhe assista razão. Mesmo sem a junção dos títulos constitutivos dos mútuos bancários, o Documento nº 2 junto com o PPA e que foi junto pela Requerente com a reclamação graciosa, que é uma declaração do banco depositário e mutuante, é clara sobre os elementos essenciais que permitiam à AT, ter uma visão global do imposto do selo que foi cobrado ao Fundo Imobiliário aqui em causa.

O Banco depositário é o sujeito passivo de direito do imposto (sendo o sujeito passivo de facto, quem suporta o imposto, o próprio Fundo) e a sua declaração não pode deixar de ser um elemento da maior relevância.

Se a AT tinha dúvidas sobre a veracidade do declarado pelo próprio sujeito passivo de direito: o Banco depositário e mutuante (que é quem tem que fazer a liquidação, a cobrança e a entrega nos Cofres do Estado do imposto do selo) será de referir que o regime do artigo 74º da LGT, não afasta o princípio do inquisitório que consiste na realização das diligências necessárias à descoberta da verdade, mesmo que tenham por objeto provar factos invocados pelos interessados (artigo 58º e alínea a) do nº 1 do artigo 54º da LGT).

Verifica-se que a AT nem coloca em causa a autenticidade do documento emitido pelo banco depositário (artigo 374º do Código Civil) pelo que, enquanto documento particular, ele tem a força probatória do nº 1 do artigo 376º do Código Civil.

O argumento aduzido de que no caso da informação vinculativa invocada pelo Requerente, como um precedente em termos de reconhecimento do direito à isenção da alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS, teriam sido pedidos “elementos adicionais”, não pode deixar de ser visto como algo que, em caso de dúvida sobre a prova apresentada pelo Requerente em sede de reclamação graciosa, deveria também ter ocorrido, no caso presente, dentro do prazo legal de decisão do procedimento que é de 4 meses (nº 1 do artigo 57º da LGT).

Alem do mais, configura este Tribunal, que a prova documental apresentada em sede de reclamação graciosa, mormente emitida pelo banco mutuante (que é também o depositário do Fundo), é suficiente para preencher o ónus que recai sobre o autor da reclamação graciosa, sendo que as guias de pagamento dos impostos retidos na fonte pelas entidades bancárias, discriminam o imposto em função das verbas da TGIS.

Por último, não se vislumbra que utilidade, em concreto, se possa retirar da junção dos próprios títulos constitutivos das dívidas bancárias, devidamente identificados na reclamação graciosa e no pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista apurar “os prazos, alteração dos prazos e imputação de juros e comissões aos prazos” uma vez que o que aqui está em causa não será, no plano imediato, a correcta ou incorrecta liquidação do imposto do selo em termos quantitativos, função que comete ao sujeito passivo de direito (e como tal seria o primeiro a ser responsabilizado), no caso a entidade bancária mutuante nos termos das alíneas b) e e) do artigo 2º do CIS, mas tão-só apurar, o quantum do imposto que foi efectivamente suportado pelo sujeito passivo de facto (alínea f) do nº 3 do artigo 3º do CIS).  E para esta informação não se vislumbra que outra entidade, para além do facultada pelo banco mutuante que também é o banco depositário, poderia ser mais qualificada e adequada.

Será ainda de realçar que a própria AT refere, quanto ao aspecto fulcral aqui em causa, ou seja, se os Fundos de Investimento Imobiliário devem considerar-se “instituições financeiras”, o seguinte: “efetivamente tem a Requerente razão quando afirma que a AT tem entendido que os fundos de investimento imobiliário são qualificados como instituição financeira, nos termos da legislação comunitária, e como tal estarão isentos de imposto do selo ao abrigo da alínea n) (pretender-se-ia dizer alínea e)) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, relativamente às comissões cobradas quando diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade exercida pelas instituições de crédito aí referidas”.

Naturalmente, se a AT refere que os Fundos beneficiam de isenção nas “comissões”, por paridade de razão também beneficiam nos juros e na utilização de crédito, que são factos tributários sujeitos a imposto do selo, expressos na norma isentiva.

Em face do exposto, dúvidas não parecem existir de que, face à prova produzida pelo Requerente, relativamente ao imposto do selo liquidado e cobrado pela entidade mutuante enquanto sujeito passivo de direito, suportado pelo Fundo aqui em causa, no âmbito dos dois contratos de mútuo identificados no ponto 4 do factos provados, da verba 17.3.1 da TGIS, o mesmo não deveria ter sido liquidado e cobrado, uma vez que esses juros beneficiavam da isenção prescrita na alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS. Trata-se de uma isenção objectiva que é aplicável às operações elencadas na norma, ocorridas entre “instituições financeiras”.

Em face do exposto terá que proceder na totalidade o pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Direito ao reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

O Requerente formula o pedido de reembolso do valor de € 86 639,09 euros, relativos ao Imposto do Selo pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.

O artigo 24.º, n.º 1, al. b) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), estatui que em caso de procedência da decisão arbitral que a AT deve: “(…)restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

No caso concreto, na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago ilegalmente, por força dos artigos 24.º, n. º1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

Assim sendo, o Requerente deve ser reembolsado do imposto que suportou ilegalmente.

O Requerente formulou ainda um pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, por isso há que apurar se tem direito aos mesmos.

O artigo 43.º, n.º 1, da LGT dispõe que: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

Por outras palavras, são três os requisitos do direito aos referidos juros: i) a existência de um erro em acto de liquidação de imposto imputável aos serviços; ii) a determinação de tal erro em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial e iii) o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Deste modo, é logo possível formular uma questão: é admissível determinar o pagamento de juros indemnizatórios em processo arbitral tributário? A resposta será afirmativa.

Com efeito, o artigo 24.º, n.º 5 do RJAT dispõe que: “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

Refere o nº 1 do artigo 43º da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido

No caso destes autos, o erro imputável aos serviços da AT verificou-se no momento em que, omitindo o dever de decidir a reclamação graciosa, se permitiu que, na ordem jurídica, se formasse a presunção de indeferimento tácito, numa situação em que a liquidação e pagamento do imposto do selo, nem era sequer da responsabilidade do Fundo e da respectiva sociedade gestora, mas sim da entidade bancária mutuante, sujeito passivo de direito, que efectuou a sua liquidação e a entrega nos Cofres do Estado, com o seu débito ao Fundo, aqui sujeito passivo de facto.

Não pode, pois, falar-se em erro imputável ao contribuinte (o Fundo e a sua sociedade gestora) pois que nenhum facto foi apurado que nos permita concluir nesse sentido.

Revertendo a interpretação atrás referida para o caso concreto, se a reclamação graciosa foi formulada no dia 20 de Agosto de 2018 e a formação da presunção do indeferimento tácito ocorreu em 20 de Dezembro de 2018, apenas são devidos juros indemnizatórios a partir do dia 21 de Dezembro de 2018, porque só nesta data a AT, permitiu que se formasse o acto silente de indeferimento de uma pretensão que merecia ser deferida.

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de imposto do selo e bem assim do acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente (€ 86 639,09 euros), à taxa dos juros legais (artigos 35.º n.º 10, e 43.ºn.º 4, ambos da LGT).

 

IV. DECISÃO

 

 Termos em que, com os fundamentos expostos:

  1. Julga-se procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando-se em desconformidade com a norma da alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS, o acto de indeferimento tácito do pedido de reclamação graciosa apresentada em 20 de Agosto de 2018, que se presumiu ocorrer em 20 de Dezembro de 2018, a que se alude em 6. dos factos provados e bem assim os actos tributários de liquidação de Imposto do Selo, levados a efeito pelo C... e a que se alude em 4. dos factos provados, no valor total de € 86 639,09;
  2. Anulam-se a liquidação e a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa.
  3. Condena-se a Requerida a reembolsar ao Requerente a quantia de € 86 639,09;
  4. Julga-se procedente o pedido de pagamento, ao Requerente, de juros indemnizatórios, contados à taxa legal, com termo inicial desde 21 de Dezembro de 2018 e até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

V - VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 86 639,09 €, nos termos do artigo 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

VI – CUSTAS

Custas a suportar pela Requerida, no montante de 2 754,00 €, conforme o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

Notifique.

Lisboa, 05 de Julho de 2019

Tribunal Arbitral Colectivo,

_______________________________________

José Poças Falcão

(Presidente)

 

 

Augusto Vieira

(vogal)

 

__________________________________________

Arlindo José Francisco

(Vogal)