Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 149/2018-T
Data da decisão: 2018-11-16  IMT  
Valor do pedido: € 2.340.000,09
Tema: IMT- Fundo de Investimento Imobiliário. Isenção na aquisição de imóveis. Cessação da vigência da lei. Revogação tácita
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Decisão Arbitral

 

I – Relatório

 

1.            O contribuinte A...- Fundo de Investimento Imobiliário Aberto, com o NIPC..., representado pela sociedade gestora B...- Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliários, S.A. (doravante “Requerente”), apresentou, no dia 26 de Março de 2018, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

2.            A Requerente vem pedir a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade dos actos de liquidação de IMT:

1)            nº..., no montante de € 100.402.51 (cem mil quatrocentos e dois euros e cinquenta e um cêntimos), liquidada e paga em 27.12.2017 e com data limite de pagamento em 28.12.2017;

2)            nº..., no montante de 874.597,51 (oitocentos e setenta e quatro mil quinhentos e noventa e sete euros e cinquenta e um cêntimos), liquidada e paga em 27.12.2017 e com data limite de pagamento em 28.12.2017;

3)            nº..., no montante de € 543.064,57 (quinhentos e quarenta e três mil e sessenta e quatro euros e cinquenta e sete cêntimos), liquidada e paga em 27.12.2017 e com data limite de pagamento em 28.12.2017;

4)            nº..., no montante de € 392.413,21 (trezentos e noventa e dois mil quatrocentos e treze euros e vinte e um cêntimos), liquidada e paga em 27.12.2017 e com data limite de pagamento em 28.12.2017;

5)            nº..., no montante de € 315.979,96 (trezentos e quinze mil novecentos e setenta e nove euros e noventa e seis cêntimos), liquidada e paga em 27.12.2017 e com data limite de pagamento em 28.12.2017;

6)            nº..., no montante de € 113.542,33 (cento e treze mil quinhentos e quarenta e dois euros e trinta e três cêntimos), liquidada e paga em 27.12.2017 e com data limite de pagamento em 28.12.2017.

3.            Essas liquidações, perfazendo um total de € 2.340.000,09 (dois milhões trezentos e quarenta mil euros e nove cêntimos), violariam o art. 1º do Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de Janeiro, pelo que deveriam ser anuladas, e reembolsado o montante de imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios contados desde a data dos pagamentos indevidamente efectuados até à data de emissão das respectivas notas de crédito.

4.            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.

5.            O Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação.

6.            O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 7 de Junho de 2018; foi-o regularmente e é materialmente competente.

7.            Nos termos art. 17º do RJAT, foi a AT notificada, em 12 de Junho de 2018, para apresentar resposta.

8.            A AT apresentou a sua Resposta em 29 de Agosto de 2018.

9.            Nessa resposta a AT alega, em síntese, a total improcedência do pedido da Requerente.

10.          O Despacho Arbitral de 3 de Outubro de 2018 dispensou a reunião prevista no art. 18º do RJAT, estabeleceu prazo para alegações e fixou o dia 27 de Novembro de 2018 como data limite para prolação e notificação da decisão arbitral final.

11.          A Requerente apresentou em 29 de Outubro de 2018 as suas alegações escritas e juntou cópia da decisão arbitral proferida no processo arbitral do CAAD nº 188/2018-T em que foi também Requerente e que teve como objeto atos tributários de natureza análoga aos que ora são objeto de discussão.

12.          A Requerida não apresentou alegações

13.          As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.

14.          A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.

15.          O processo não enferma de nulidades e não subsistem mais questões, prévias ou subsequentes, prejudiciais ou de excepção, que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

II – Fundamentação: a matéria de facto

 

II.A. Factos que se consideram provados e com relevância para a decisão

 

1)            A Requerente representa um Organismo de Investimento Colectivo (OIC) alternativo, imobiliário, aberto sob a forma contratual de Fundo de Investimento Imobiliário Aberto (FIIA), de acordo com a classificação do regime geral dos OIC, aprovada pela Lei 16/2015 de 24 de Fevereiro, constituído mediante autorização da Comissão de Mercado de Valores Imobiliários datada de 6 de Junho de 2005.

2)            Esse Fundo iniciou a sua actividade a 15 de Julho de 2005, cabendo a sua gestão à sociedade anónima "B... - Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliários, S.A.", e integrando o seu património prédios urbanos, ou suas fracções autónomas, destinados à revenda ou à exploração económica, por via do arrendamento ou de outra forma de exploração onerosa.

3)            Em 28 de Dezembro de 2017 a sociedade gestora do Fundo celebrou um contrato de compra e venda e hipoteca com a sociedade comercial anónima C..., S.A., com o NIPC..., mediante o qual a Requerente adquiriu para o Fundo que representa a propriedade plena das fracções autónomas designadas pelas letras: “A”, “B”, “C”, “D”, “E”, “G”, “H”, “J”, “K”, “L”, “M”, “N”, "O”, “P”, “Q”, “R”, “S”, “T”, “U”, V”, “X”, “Y”, “Z”, “AA”, “AB”, “AC”, “AD”, “AE”, “AF”, “AG”, “AH”, “Al”, “AJ” e “AK”, todas do prédio urbano denominado lote número 1 (comercialmente denominado “...”) sito em ..., freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..., e inscrito na respectiva matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ... .

4)            Para efeitos de aquisição desses bens, a Requerente preencheu e entregou as respectivas declarações para liquidação de IMT (Modelo 1), com base nas quais a AT apurou imposto no montante global de € 1.365.000,00 (um milhão trezentos e sessenta e cinco mil euros e sete cêntimos)

5)            No dia 28 de Dezembro de 2017, a sociedade gestora do Fundo celebrou um contrato de compra e venda e hipoteca com a sociedade comercial anónima D..., S.A., com o NIPC..., com base no qual a Requerente adquiriu para o Fundo que representa, a propriedade plena das fracções autónomas do prédio urbano denominado lote 32, sito em ..., freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número..., e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...:

i.             pelo preço de € 1.544.654,00 (um milhão quinhentos e quarenta e quatro mil seiscentos e cinquenta e quatro euros) a fracção autónoma designada pela letra "A";

ii.            pelo preço de € 2.923.616,00 (dois milhões novecentos e vinte e três mil seiscentos e dezasseis euros), a fracção autónoma designada pela letra "B";

iii.           pelo preço de € 256.660,00 (duzentos e cinquenta e seis mil seiscentos e sessenta euros), a fracção autónoma designada pela letra "C";

iv.           pelo preço de € 2.217.529,00 (dois milhões duzentos e dezassete mil quinhentos e vinte e nove euros), a fracção autónoma designada pela letra "E";

v.            pelo preço de € 1.447.910,00 (um milhão quatrocentos e quarenta e sete mil novecentos e dez euros), a fracção autónoma designada pela letra "F";

vi.           pelo preço de € 1.408.202,00 (um milhão quatrocentos e oito mil, duzentos e dois euros), a fracção autónoma designada pela letra "G";

vii.          pelo preço de € 247.636,00€ (duzentos e quarenta e sete mil seiscentos e trinta e seis euros), a fracção autónoma designada pela letra "H";

viii.         pelo preço de € 1.862.681,00 (um milhão oitocentos e sessenta e dois mil seiscentos e oitenta e um euros), a fracção autónoma designada pela letra "I";

ix.           pelo preço de € 1.763.410,00 (um milhão setecentos e sessenta e três mil quatrocentos e dez euros), a fracção autónoma designada pela letra "J";

x.            pelo preço de € 599.957,00€ (quinhentos e noventa e nove mil novecentos e cinquenta e sete euros), a fracção autónoma designada pela letra "K";

xi.           pelo preço de € 457.007,00 (quatrocentos e cinquenta e sete mil e sete euros), a fracção autónoma designada pela letra "L";

xii.          pelo preço de € 270.738,00 (duzentos e setenta mil setecentos e trinta e oito euros) a fracção autónoma designada pela letra "M".

6)            Para efeitos de aquisição desses bens, a Requerente preencheu e entregou as respectivas declarações para liquidação de IMT (Modelo 1), com base nas quais a AT apurou imposto no montante global de € 975.000,02 (novecentos e setenta e cinco mil euros e dois cêntimos).

 

II.B. Factos que se consideram não provados

 

Com base nos elementos documentais disponibilizados nos autos e consensualmente aceites pelas partes, verifica-se que, com interesse para a decisão da causa, nada ficou por provar. Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

III – Fundamentação: a matéria de Direito

 

III.A. Posição da Requerente

 

a)            A Requerente começa por alegar que as liquidações de IMT são ilegais por desconsiderarem o estabelecido no artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de Janeiro: “são isentas de Sisa as aquisições de bens imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respectiva sociedade gestora”.

b)           No entender da Requerente, esse regime, que surge no desenvolvimento do Decreto-Lei nº 246/85, de 12 de Julho, que regulamentava a actividade dos fundos de investimento imobiliário, foi mantido em vigor pelo art. 31º, 6 do Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro, que procedeu à reforma da tributação do património, aprovando os novos Códigos do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) e do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT).

c)            Daí deduzindo a Requerente que as aquisições de bens imóveis levadas a cabo por uma sociedade gestora de um fundo de investimento imobiliário com o intuito de os mesmos passarem a integrar esse fundo, tendo o fundo como adquirente, continuam isentas de IMT ao abrigo do regime estabelecido no Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de Janeiro.

d)           Isto também porque não ocorreu qualquer revogação expressa do Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de Janeiro, e este diploma não previa qualquer vigência temporária. Nem aceita que se veja uma revogação tácita na circunstância de o artigo 46º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), introduzido pela Lei do Orçamento de Estado para 2007 (Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro), ter vindo estabelecer uma isenção de IMT para os prédios integrados em fundos imobiliários abertos.

e)           Aplica à hipótese de revogação os critérios constantes do art. 7º, 2 do Código Civil, que restringem as possibilidades de revogação às seguintes circunstâncias: a) Declaração expressa de revogação; b) Incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes; c) A nova lei regular toda a matéria da lei anterior.

f)            Daí conclui que:

a.            a isenção de IMT introduzida no artigo 46º do EBF pela Lei do OE 2007 não procedeu à revogação expressa da isenção prevista no Decreto-Lei nº 1/87;

b.            não há qualquer incompatibilidade entre a regra do Decreto-Lei nº 1/87 e a do art. 46º do EBF, visto que no seu entender se reportam a sujeitos passivos diferentes e incidem sobre momentos distintos – a primeira aos Fundos enquanto adquirentes, a segundo aos Fundos enquanto alienantes (de bens que se encontram na sua esfera patrimonial).

c.            o artigo 46º do EBF não veio regular toda (ou sequer parte) da matéria constante do artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87, vindo, isso sim, introduzir uma nova isenção que subsiste a par com a já existente, que permanece inalterada.

g)            Em apoio do seu entendimento, a Requerente sublinha que as sucessivas alterações ao art. 46º do EBF, entretanto renumerado para art. 49º e depois revogado, nunca fizeram menção do Decreto-Lei nº 1/87 e do seu art. 1º.

h)           Conclui a Requerente que, sendo as isenções – do EBF e do Decreto-Lei nº 1/87 –substancial e estruturalmente diferentes e independentes uma da outra, não podem ser consideradas contrárias, contraditórias ou logicamente inconciliáveis, e, portanto, a isenção de IMT prevista no art. 1º do Decreto-Lei nº 1/87 estava em vigor e aplicava-se às aquisições de imóveis por parte da Requerente.

i)             A Requerente reclama ainda juros indemnizatórios pelo pagamento indevido do imposto, nos termos do art. 100º da LGT, e com fundamento no art. 43º, a da mesma LGT.

j)             Em Alegações, a Requerente retoma os argumentos apresentados no Pedido de Pronúncia Arbitral, para concluir que a interpretação assumida pela AT na sua Resposta padece de erro e que a isenção se mantém em vigor até ao presente.

 

III.B. Posição da Requerida

 

a)            Na sua Resposta, a Requerida mantém o entendimento de que a liquidação controvertida consubstancia uma correcta aplicação do Direito, não enfermando de qualquer vício.

b)           Com efeito, a AT sustenta que, com a alteração introduzida pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, o nº 1 do artigo 46º do EBF passou a prever a isenção do IMT, para além do IMI, que já anteriormente previa; e que isso implicou a revogação do art. 1º do Decreto-Lei nº 1/87.

c)            É que, na sua interpretação, as alíneas a) e j) do art. 88º da Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que alterou o art. 46º do EBF, estabeleceram o regime transitório aplicável: a alínea a) mantendo, nos respectivos termos, o direito aos benefícios fiscais constituídos anteriormente à data da entrada em vigor da alteração; e a alínea j) estabelecendo que aquelas alterações se aplicavam aos fundos que se viessem a constituir após a data de 1 de Novembro de 2006 – significando isto que o novo regime se aplica apenas a prédios integrados após a data da entrada em vigor da lei nova, mesmo que os fundos se houvessem constituído antes da sua vigência; e que portanto o EBF, no que respeita à isenção de IMT, se utilizaria o pressuposto de integração dos prédios no fundo, referindo-se à sua integração futura, e não aos prédios já integrados anteriormente à data da entrada em vigor da lei.

d)           Por outro lado, a Requerida rejeita, como contrária à letra e ao espírito da lei, a interpretação que pretende que o art. 46º, 1 do EBF estabelece uma isenção do IMT às aquisições de prédios em que aqueles fundos figurem como alienantes. A previsão do IMT no art. 46º, 1 do EBF não implicaria, portanto, qualquer alargamento de benefícios fiscais, em relação ao previsto no art. 1º do Decreto-Lei nº 1/87, até porque o seu escopo teria sido somente o de eliminar a utilização abusiva de benefícios fiscais.

e)           Logo, tendo o art. 46º do EBF passado a regular os benefícios fiscais do IMT nas aquisições de imóveis pelos fundos de investimento, regulando, pois, a mesma matéria, daí resultaria a revogação tácita do art. 1º do Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de Janeiro (não estando nenhuma das normas em vigor, já que pela Lei nº 7- A/2016, de 30 de Março, foi revogado o art. 49º do EBF que sucedeu ao art. 46º).

f)            A Requerida não apresentou alegações.

 

IV. Sobre o mérito da causa

 

1.            A questão a decidir é, assim, a de saber se o artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87 foi ou não revogado, designadamente pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro.

2.            Sobre esta questão já se pronunciaram, entre outras, as decisões do CAAD dos processos n.os 544/2016-T, 677/2016-T, 440/2017-T, 547/2017-T, 580/2017-T, 622/2017-T e 188/2018-T. Não perderemos de vista o princípio geral consagrado no art. 8º, 3 do Código Civil: “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito” .

3.            Os n.os1 e 2 do art. 7º do Código Civil estabelecem que: “1. Quando se não destine a ter vigência temporária, a lei só deixa de vigorar se for revogada por outra lei. 2. A revogação pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior.”

4.            Por um lado, não foi prevista vigência temporária para o artigo 1º do Decreto-Lei n.° 1/87, pelo que a eventual cessação da sua vigência só pode resultar de revogação por outra lei, como decorre do nº 1 deste artigo 7º do Código Civil.

5.            Por outro lado, não ocorreu revogação expressa, designadamente antes ou com a aprovação do EBF, pelo Decreto-Lei n.° 215/89, de 1 de Julho. A aprovação do EBF foi precedida de uma reapreciação global dos benefícios fiscais, que foi iniciada pela Lei nº 2/88, de 26 de Janeiro (OE 1989), que no seu artigo 49º revogou vários benefícios fiscais, inclusivamente o previsto no artigo 7º do Decreto-Lei nº 1/87, mas não o previsto no artigo 1º, que aqui está em causa. A lista dos benefícios fiscais expressamente revogados veio a ser completada pelo Decreto-Lei nº 485/88, de 30 de Dezembro, em que também não se inclui o benefício fiscal previsto naquele artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87.

6.            Após a aprovação do EBF, também não existe qualquer lei que revogue expressamente aquele artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87. Designadamente, a revogação expressa foi proposta pelo Governo no artigo 81º, 3, da Proposta de Orçamento do Estado para 2007 (Proposta de Lei nº 99/X), numa lista de benefícios fiscais a revogar, mas não foi incluída na lei do Orçamento aprovada (Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro), embora tenha sido mantida a revogação expressa de outros benefícios fiscais, no seu artigo 87º.

7.            É, assim, inequívoco que não se pretendeu revogar expressamente o artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87.

8.            Não existindo revogação expressa, a revogação daquele artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87 apenas poderá resultar de revogação tácita, resultante de “incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior”.

9.            Quanto à revogação tácita, comecemos por registar que o EBF, na sua redacção inicial, não incluía qualquer norma sobre impostos sobre o património relativos a fundos de investimento imobiliário, pelo que não se pode entender que tenha regulado toda a matéria da “lei anterior”.

10.          O Decreto-Lei nº 189/90, de 8 de Junho, aditou ao EBF o artigo 56º, nele estabelecendo que “ficam isentos de contribuição autárquica os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário”. A Lei nº 39-B/94, de 27 de Dezembro, alterou a redacção deste artigo para “ficam isentos de contribuição autárquica os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário e equiparáveis, em fundos de pensões constituídos de acordo com a legislação nacional e em fundos de poupança-reforma”. Com a renumeração operada pelo Decreto-Lei nº 198/2001, de 3 de Julho, a este artigo 56° passou a corresponder o artigo 46°.

11.          A Lei n° 32-B/2002, de 30 de Dezembro, deu ao artigo 46° a seguinte redacção: “Ficam isentos de contribuição autárquica os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário e equiparáveis, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”.

12.          Com a Lei n° 53-A/2006, de 29 de Dezembro, o artigo 46° do EBF passou a abranger benefícios fiscais em sede de IMT, relativos a prédios integrados em fundos de investimento imobiliário. A redacção passou a ser a seguinte: “1 - Ficam isentos de imposto municipal sobre imóveis (IMI) e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional. 2 - Os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles não beneficiam das isenções referidas no número anterior, sendo as taxas de IMI e de IMT reduzidas para metade.”

13.          Com o Decreto-Lei n° 108/2008, de 26 de Junho, este artigo 46° do EBF foi renumerado como artigo 49º, e este foi sucessivamente alterado pela Lei n° 3-B/2010, de 28 de Abril, pela Lei n° 55-A/2010, de 31 de Dezembro, pela Lei n° 83-C/2013, de 31 de Dezembro, e veio a ser revogado pela Lei n° 7-A/2016, de 30 de Março.

14.          Em qualquer das redacções referidas, o artigo 49º apenas se reporta a prédios integrados em fundos de investimento imobiliário, não se referindo ao IMT relativo à sua aquisição. Neste contexto, não se pode entender que tenha ocorrido revogação tácita do artigo 1º do Decreto-Lei n° 1/87, já que não foi regulada por qualquer lei posterior toda a matéria nele prevista, designadamente a que respeita a benefícios relativos a aquisição de imóveis por fundos de investimento imobiliário.

15.          Por outro lado, não se encontra qualquer norma que seja incompatível com aquele benefício fiscal, devendo reconhecer-se que, enquanto a isenção de IMT prevista no nº 1 do Decreto-Lei n° 1/87 se aplica às situações em que o Fundo se encontra na qualidade de adquirente, a isenção do artigo 46.° do EBF se aplica a situações em que o Fundo se encontra na posição de alienante, vendendo imóveis que já integram o seu património – sendo, portanto, que as aquisições de imóveis efectuadas para um fundo de investimento a que se refere o artigo 1º do Decreto-Lei n° 1/87 não se subsumem à previsão do artigo 46.° do EBF.

16.          Para além disso, a existência de benefícios relativos à aquisição de imóveis concomitantemente com benefícios relativos à sua transmissão está prevista expressamente no regime de incentivos à reabilitação urbana, nas alíneas b) e c) do artigo 45º do EBF, na redacção introduzida pela Lei nº 114/2017, de 29 de Dezembro (e já estava anteriormente prevista no nº 2 do artigo 45º e no nº 8 do artigo 71°), o que demonstra que, na perspectiva legislativa, não há qualquer obstáculo à cumulação de benefícios.

17.          Não há, pois, incompatibilidade de benefícios à aquisição de imóveis com benefícios à sua transmissão, pelo que o regime do referido artigo 46° não é incompatível com a manutenção da isenção à aquisição de imóveis por fundos de investimento imobiliário.

18.          Concluir-se-á que o artigo 46.º do EBF não regula toda a matéria de isenções de fundos de investimento imobiliário, sendo perfeitamente aceitável que tenha introduzido uma nova isenção que não revoga tacitamente a anteriormente existente. Como se concluiu numa anterior decisão arbitral, “as isenções em análise são substancial e estruturalmente diferentes e independentes uma da outra, não podendo, de modo algum, ser consideradas contrárias, contraditórias ou logicamente inconciliáveis. E muito menos poderão ser tidas como jurídica e economicamente incompatíveis. Uma conserva a sua utilidade própria independentemente do que venha a suceder à outra” .

19.          Impõe-se a conclusão de que o artigo 1º do Decreto-Lei n° 1/87, de 3 de Janeiro, não foi tacitamente revogado, nem globalmente revogado , nem estava revogado ao tempo em que foram efectuadas as aquisições em causa (sem esquecer que, de acordo com o artigo 5º, 1 do Código do IMT, a incidência do IMT é regulada pela legislação em vigor ao tempo em que se constituir a obrigação tributária, estabelecendo o nº 2 que esta se constitui no momento em que ocorrer a transmissão). Uma conclusão reforçada pelo facto, já aludido, de ter sido incluída na proposta de Orçamento do Estado para 2007 a revogação expressa do Decreto-Lei n° 1/87, e a proposta não ter sido aprovada, corroborando a conclusão de que não se pretendeu revogar o seu artigo 1º.

20.          Consequentemente, as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163º, 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2º, c), da LGT.

 

V – Sobre os juros indemnizatórios

 

1.            Para lá da declaração da ilegalidade da liquidação, o Requerente peticiona ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, matéria que se insere no âmbito das competências deste Tribunal, conforme expressamente prevê o nº 5 do artigo 24º do RJAT.

2.            O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43º, 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, e do artigo 61º, 4, do CPPT, em que se estabelece que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

3.            Determinada a ilegalidade da liquidação e a sua consequente anulação, e encontrando-se paga a dívida tributária indevida, o direito a juros indemnizatórios subsiste, sempre que tal decorra de erro imputável aos serviços da AT, conforme prevê o nº 1 do artigo 43º da LGT.

4.            No presente caso, está-se perante uma liquidação determinada pela AT e que veio a revelar-se legalmente injustificada, não por qualquer acto ou procedimento do Requerente, mas por um entendimento erróneo sobre os pressupostos da liquidação – um entendimento sustentado pela própria AT.

5.            Considera-se por isso verificado um erro imputável aos serviços, com a consequente obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do art. 43º, 1 e 2, da LGT e do art. 61º do CPPT.

6.            São, portanto, devidos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva, sobre a importância indevidamente liquidada e paga, contados a partir do dia seguinte ao do pagamento indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

 

VI. Decisão

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, quanto à anulação das liquidações;

 

b) Anular as liquidações n.os...; ...; ...; ...; ...; e ...;

 

c) Julgar procedente o pedido de restituição à Requerente das quantias pagas, no montante total de € 2.340.000,09 (dois milhões trezentos e quarenta mil euros e nove cêntimos), e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar este pagamento;

 

d) Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar, à Requerente, juros calculados sobre estas quantias até ao seu reembolso, nos termos dos artigos 43°, 4, e 35º, 10, da LGT, artigo 559º do Código Civil e Portaria n° 291/2003, de 8 de Abril.

 

VIII. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 2.340.000,09, nos termos do disposto no art. 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

IX. Custas

 

Custas a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, dado que o presente pedido foi julgado procedente, no montante de €30.294,00, nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Lisboa, 16 de Novembro de 2018

 

Os Árbitros

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

Mariana Vargas

 

Fernando Araújo