Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 154/2018-T
Data da decisão: 2019-03-11  IRC  
Valor do pedido: € 21.770,55
Tema: IRC – Encargos não devidamente documentados e a sua dedutibilidade para efeitos de determinação do lucro tributável.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

 

  1. Relatório

 

 

A - Geral

 

 

  1. A..., S. A., NIPC-..., com sede no ..., ..., ..., ...-... ..., (de ora em diante designada “Requerente”), apresentou, no dia 27.03.2018, um pedido de constituição de tribunal arbitral singular em matéria tributária, que foi aceite, visando, por um lado, e em termos mediatos, a anulação da liquidação adicional do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (de ora em diante IRC), para o ano de 2012, identificado com o número 2017..., no valor de € 208.340,55 (duzentos e oito mil trezentos e quarenta euros e cinquenta e cinco cêntimos) e da demonstração de acerto de contas identificada com o número 2017... (NR Compensação 2017...), no valor de € 21.370,94 (vinte e um mil trezentos e setenta euros e noventa e quatro cêntimos).

 

  1. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (de ora em diante RJAT) o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou o signatário como árbitro, não tendo as Partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.

 

  1. Por despacho de 11.04.2018, a Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida”) procedeu à designação das Senhoras Dra. B... e Dra. C... para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida, tendo a última sido substituída pela Senhora Dr. D..., por despacho de 17.10.2018.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído a 12.06.2018.

 

  1. No dia 14.06.2018 foi notificado o dirigente máximo do serviço da Requerida para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, solicitar produção de prova adicional e juntar aos autos cópia do processo administrativo.

 

  1. No dia 03.09.2018 a Requerida apresentou a sua Resposta e juntou o processo administrativo.

 

 

B – Posição da Requerente

 

 

  1. A Requerente foi objecto de uma inspecção que incidiu sobre o ano de 2012, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2016..., levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de ..., de que resultaram correcções em sede de IRC e retenções na fonte.

 

  1. Consequentemente, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC e da demonstração de acerto de contas referidas em 1.1..

 

  1. Inconformada com os actos a que se aludem em 1.8., a Requerente apresentou reclamação graciosa, que veio a ser indeferida.

 

  1. A Requerente foi depois citada na execução fiscal n. º...2017..., no valor de € 21.564,77 (vinte e um mil quinhentos e sessenta e quatro euros e setenta e sete cêntimos) relativa à falta de pagamento da liquidação adicional supra identificada.

 

  1. No dia 11.10.2017 a Requerente efectuou o pagamento das quantias que lhe eram exigidas no âmbito da execução fiscal mencionada em 1.10., no montante de € 21.834,90 (vinte e um mil oitocentos e trinta e quatro euros e noventa cêntimos).

 

  1. A Requerente entende, porém, que existem vícios que inquinam quer a liquidação adicional ora posta em crise quer o indeferimento da reclamação graciosa oportunamente apresentada.

 

  1. A Requerente entende que houve violação do direito de audição no âmbito do procedimento de inspecção, uma vez que o direito de audição foi relegado para o final do relatório (após já ter retirado todas as conclusões e, inclusivamente, já ter proposto todas as alterações) e a factualidade alegada na pronúncia da Requerente foi completamente esquecida, quando é certo que a Requerida deveria ter atentado em todos os factos que o sujeito passivo decidiu levar para o procedimento, o que no caso vertente, pela leitura que faz, não terá acontecido.

 

  1. Também no procedimento de reclamação graciosa houve violação do direito de audição da Requerente e do princípio de cooperação, encontrando-se o mesmo inquinado por nulidade, por não terem sido inquiridas as três testemunhas arroladas pela Requerente e cuja audição reputava de importância essencial, por haver factos relevantes que apenas poderiam ser demonstrados por prova testemunhal.

 

  1. Entende ainda a Requerente que a decisão da reclamação graciosa padece do vício de falta de fundamentação, porquanto a decisão é omissa quanto às eventuais motivações – se é que as mesmas existiram – para não serem inquiridas as testemunhas oportunamente arroladas.

 

  1. Na contabilidade da Requerente estão evidenciadas como gastos com alojamento facturas que se encontram emitidas em nome de outras sociedades (E..., Lda. e F... Ltda), mas que se reportam a gastos efectivamente por ela suportados.

 

  1. As ditas facturas reportam-se a despesas de alojamento, no estrangeiro, de trabalhadores da Requerente (e não de trabalhadores das sociedades em nome de quem foram emitidas), que foram pagas em dinheiro por encarregados da Requerente, e que foram essenciais para que os seus trabalhadores realizassem as tarefas associadas à prestação de serviços para que a Requerente foi contratada pelos seus clientes.

 

  1. A Requerente deduz, nos recibos de vencimento dos trabalhadores que se encontram deslocados no estrangeiro, a quantia de € 10 (dez euros) por dia para despesas de alojamento que são adiantadas pela empresa, pelo que é neutro o efeito destes gastos na contabilidade da Requerente.

 

  1. As sociedades em nome de quem as facturas foram indevidamente emitidas confirmaram que nenhuma das mencionadas facturas foram evidenciadas nas suas contabilidades.

 

  1. A Requerente termina o seu pedido, solicitando ainda a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do art.º 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).

 

 

C – Posição da Requerida

 

 

  1. Por impugnação, defende-se a Requerida sustentando, primeiro, que não houve violação do direito de audição da Requerente e que essa audição, que não aduziu quaisquer factos novos que pudessem motivar a inflexão do sentido da decisão, foi efectivamente levada em consideração pelos serviços, constando do referido relatório de inspecção, não oferecendo qualquer relevância a circunstância de ser analisada no fim do dito relatório.

 

  1. Quanto à não audição das testemunhas em sede de Reclamação Graciosa, entende a Requerida que poderia ter sido liminarmente indeferida a admissão da prova testemunhal, porque é ao instrutor do processo que cabe decidir quais as provas que reputa pertinentes e adequadas para a prossecução da que entenda ser a correcta subsunção dos factos às normas.

 

  1. Tendo em conta o disposto no art.º 69.º e) in fine do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), entende a Requerida que apesar da decisão de não admitir a prova testemunhal apresentada não carecesse de qualquer fundamentação, porquanto esta resulta claramente do preceito enunciado, o instrutor dos autos de Reclamação Graciosa fundamentou a sua exclusão, considerando serem os documentos “a prova necessária e suficiente para afirmar o acto tributário, ora reclamado”.

 

  1. Tanto a fundamentação do Relatório de Inspecção como o teor do indeferimento da Reclamação Graciosa são claros, suficientes e congruentes, sendo perceptíveis à luz do homem médio e, mais importante, perceptível à leitura da própria Requerente.

 

  1. No que respeita ao alegado erro nos pressupostos, a Requerida entende que a argumentação, de facto e de direito, vertida no relatório inspectivo, corresponde a uma correcta leitura da situação de facto e das normas a eles aplicáveis. 

 

  1. No que se refere ao pagamento de juros indemnizatórios, entende a Requerida que o acto de liquidação em causa não enferma de vício que deva ditar a sua anulação/declaração de nulidade, pelo que não se mostram devidos quaisquer juros indemnizatórios.

 

 

D – Conclusão do Relatório e Saneamento

 

 

  1. Por despacho de 27.11.2018, nos termos do n.º 2 do art.º 21.º do RJAT, foi pelo tribunal arbitral prorrogado por dois meses o prazo para a prolação da respectiva decisão.

 

  1. Tendo a Requerente solicitado a inquirição de testemunhas, foi designado o dia 31.01.2019 para a realização da reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, diligência que se efectuou relativamente às três testemunhas que a Requerente apresentou, tendo nessa ocasião sido fixado o dia 25.03.2019 como data para a prolação da decisão arbitral.

 

  1. Tendo as Partes sido convidadas a apresentar, querendo, as suas alegações, foram elas apresentadas pela Requerente e pela Requerida, respectivamente, a 12.02.2019 e 19.02.2019.

 

  1. Nas suas alegações, a Requerente reitera que os gastos com alojamento dos trabalhadores deslocados no estrangeiro foram, por si, efectivamente suportados, conclusão que em seu entender resultou clara do depoimento das três testemunhas inquiridas.

 

  1. A Requerida, por seu turno, reitera nas suas alegações o que anteriormente expendeu e conclui que da inquirição das testemunhas resulta demonstrado que a Requerente não cumpre a lei nem as regras contabilísticas relativamente aos montantes alegadamente pagos aos seus trabalhadores a título de ajudas de custo.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.

 

  1. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março e estão regularmente representadas.

 

  1. O processo não padece de qualquer nulidade.

 

 

  1. Matéria de facto

 

2.1.      Factos provados

 

  1. A Requerente tem como objecto social a importação, exportação e montagem de equipamentos térmicos e respectivos materiais. Representação, comércio e aplicação de materiais de revestimento anti-corrosivos, solos industriais e isolamentos industriais, incluindo a sua importação e exportação de materiais e serviços (certidão permanente que constitui o Anexo 1 ao relatório de inspecção, que consta do PA).

 

  1. A Requerente é uma empresa referenciada que labora na área da instalação e reparação de fornos refractários que opera a nível mundial, tendo no ano em análise prestado serviços em diversos países, tais como, Portugal, Espanha, França, Alemanha, Inglaterra, Holanda, Arábia Saudita, Índia, Brasil e China (pág. 5/25 do relatório de inspecção, que consta do PA).

 

  1. Quando a Requerente é contratada para prestar serviços no estrangeiro tem de fazer deslocar funcionários seus para o local onde as obras são executadas.

 

  1. A Requerente, por razões de segurança e bem-estar dos seus colaboradores e de operacionalidade das obras, diligencia no sentido de proporcionar alojamento aos seus colaboradores deslocados no estrangeiro.

 

  1. Os encarregados de cada obra no estrangeiro têm na sua posse um cartão de débito que utilizam para proceder ao levantamento de dinheiro ou ao pagamento de despesas que têm de ser feitas, incluindo-se nestas as referentes ao alojamento dos trabalhadores da Requerente.

 

  1. A Requerente debitava no recibo de vencimento dos trabalhadores deslocados no estrangeiro € 10 (dez euros) por dia nas ajudas de custo.    

 

  1. A Requerente foi objecto de uma inspecção que incidiu sobre o ano de 2012, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2016..., de 14.03.2016, levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de..., de que resultaram correcções em sede de IRC (relatório de inspecção, que consta do PA).

 

  1. A Requerente foi notificada da liquidação adicional do IRC, para o ano de 2012, identificado com o número 2017..., no valor de € 208.340,55 (duzentos e oito mil trezentos e quarenta euros e cinquenta e cinco cêntimos) e da demonstração de acerto de contas identificada com o número 2017... (NR Compensação 2017...), no valor de € 21.370,94 (vinte e um mil trezentos e setenta euros e noventa e quatro cêntimos) (Documentos n.º 1 e n.º 2, juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. A Requerente, a 10.11.2017, apresentou reclamação graciosa contra a liquidação ora posta em crise (Documento n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. A 30.11.2017, a Requerente foi notificada do projecto de indeferimento da reclamação graciosa ora posto em crise (Documento n.º 4, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. A 15.12.2017, a Requerente exerceu o direito de audição prévia relativamente ao dito projecto de decisão (Documento n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. A Requerente foi notificada do despacho de 21.12.2017 que indeferiu a reclamação graciosa (Documento n.º 6, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. A Requerente foi citada para a execução fiscal n. º ...2017..., no valor de € 21.564,77 relativa à falta de pagamento da liquidação adicional ora posta em crise (Documento n.º 7, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. A Requerente a efectuou o pagamento de 169.872,67 €, soma de diversas dívidas que tinha perante a administração tributária e aduaneira (Documento n.º 8, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Do relatório de inspecção consta o seguinte, dando como provados os factos subjacentes:

 

  1. A Requerente foi contratada para executar em ..., Alemanha, uma obra para a cliente G... GmbH, que tomou o n.º de referência ..., que deu origem à factura n.º 217, de 21.12.2012, com o valor de € 90.576,00 (Documento n.º 9, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Relativamente à obra ... foram pelo funcionário H... preenchidas duas folhas de despesas, datadas de 21.05.2012 e 16.08.2012, numa constando uma rubrica relativa ao alojamento do pessoal e noutra ao alojamento do pessoal A... (Anexo 5 do relatório de inspecção, que consta do PA).

 

  1. A Requerente foi contratada para executar em ..., Suécia, uma obra para a cliente I... A/S, que tomou o n.º de referência ..., que deu origem à factura n.º 64, de 28.05.2012, com o valor de € 70.000,00 (Documento n.º 10, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Relativamente à obra ... foi pelo funcionário H... preenchida uma folha de despesas, datada de 21.05.2012, dela constando uma rubrica relativa ao alojamento do pessoal (Anexo 5 do relatório de inspecção, que consta do PA).

 

  1. A Requerente foi contratada para executar em ..., Holanda, uma obra para a cliente J... B. V. que tomou o n.º de referência ..., que deu origem à factura n.º 167, de 12.11.2012, com o valor de € 71.736,00 (Documento n.º 11, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Da factura n.º 167, de 12.11.2012, com o valor de € 71.736,00 consta que os serviços a que ela se refere foram executados entre o dia 10.09.2012 e o dia 09.11.2012 (Documento n.º 11, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Relativamente à obra ... foram pelo funcionário H... preenchidas duas folhas de despesas, datadas de 10.10.2012 e de 30.10.2012, delas constando uma rubrica relativa ao alojamento do pessoal A... (Anexo 5 do relatório de inspecção, que consta do PA).

 

  1. Anexas à folha de despesas datada de 10.10.2012 referida no número anterior, estão duas facturas, emitidas pela mesma entidade e datadas de 31.08.2012 e 21.09.2012, respeitantes a dormidas ocorridas entre 19.08.2012 a 31.08.2012 e 01.09.2012 a 21.09.2012, respectivamente (Anexo 5 do relatório de inspecção, que consta do PA).

 

  1. A Requerente foi contratada para executar em ..., Suécia, uma obra para a cliente K... AB, que tomou o n.º de referência ..., que deu origem à factura n.º 107, de 31.07.2012, com o valor de € 205.312,50 (Documento n.º 12, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Relativamente à obra ... foi pelo funcionário H... preenchida uma folha de despesas, datada de 16.08.2012, dela constando uma rubrica relativa ao alojamento do pessoal A... (Anexo 5 do relatório de inspecção, que consta do PA).

 

  1. A Requerente foi contratada para executar em ..., França, uma obra para a cliente L..., que tomou o n.º de referência ..., que deu origem à factura n.º 42, de 09.04.2012, com o valor de € 68.402,00 (Documento n.º 13, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Relativamente à obra 1027 foi pelo funcionário H... preenchida uma folha de despesas, datada de 12.04.2012, dela constando uma rubrica relativa ao alojamento do pessoal A... (Anexo 5 do relatório de inspecção, que consta do PA).

 

  1. A Requerente foi contratada para executar em ..., Holanda, uma obra para a cliente J... B. V., que tomou o n.º de referência..., que deu origem à factura n.º 4, de 23.01.2012, com o valor de € 85.456,00 (Documento n.º 14, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Da factura n.º 4 de 23.01.2012, com o valor de € 85.456,00 consta que os serviços a que ela se refere foram executados entre o dia 02.01.2012 e o dia 22.01.2012 (Anexo 5 do relatório de inspecção, que consta do PA).

 

  1. Relativamente à obra ... foi pelo funcionário H... preenchida uma folha de despesas, datada de 14.03.2012, dela constando uma rubrica relativa ao alojamento do pessoal A..., no montante de € 5.454,00 (Anexo 5 do relatório de inspecção, que consta do PA).

 

  1. Anexas à folha de despesas referida no número anterior, estão cinco facturas, todas emitidas pela mesma entidade e datadas de 27.01.2012, 31.01.2012, 06.02.2012, 09.02.2012 e 14.02.2012 respeitantes aos períodos entre 22.01.2012 a 13.02.2012 e no valor apenas de € 3.484,50 (Anexo 5 do relatório de inspecção, que consta do PA).

 

  1. Todas as facturas ou documentos equivalentes anexos às folhas de despesa mencionadas nos pontos 2.1.17 a 2.1.31 foram emitidas em nome da E..., Lda.

 

  1. A E..., Lda. não evidenciou as facturas referidas no ponto anterior na sua contabilidade (Documento n.º 15, junto com o pedido de pronúncia arbitral). 

 

  1. A Requerente foi contratada para executar em ..., Brasil, uma obra para a cliente L... France, que tomou o n.º de referência ..., que deu origem à factura n.º 20, de 29.02.2012, com o valor de € 370.000,00 (Documento n.º 16, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Relativamente à obra ... foi pelo funcionário M... preenchida uma folha de despesas, sem data, dela constando uma rubrica relativa ao alojamento do pessoal A... (Anexo 6 do relatório de inspecção, que consta do PA).

 

  1. A Requerente foi contratada para executar em ..., Brasil, uma obra para a cliente L..., que tomou o n.º de referência ..., que deu origem à factura n.º 49, de 30.04.2012, com o valor de € 403.846,15 (Documento n.º 17, junto com o pedido de pronúncia arbitral)

 

  1. Relativamente à obra ... foram pelo funcionário M... preenchidas duas folhas de despesas, sem data, delas constando uma rubrica relativa ao alojamento do pessoal A... (Anexo 6 do relatório de inspecção, que consta do PA).

 

  1. Ainda relativamente à obra ... foram pelo funcionário N... preenchidas duas folhas de despesas, datadas de 29.10.2012 e 15.11.2012, delas constando uma rubrica relativa ao alojamento do pessoal A... (Anexo 6 do relatório de inspecção, que consta do PA).

 

  1. Todas as facturas ou documentos equivalentes anexos às folhas de despesa mencionadas nos pontos 2.1.35 a 2.1.38 foram emitidas em nome da F..., Ltda.

 

  1. A F..., Ltda. não evidenciou as facturas referidas no ponto anterior na sua contabilidade (Documento n.º 18, junto com o pedido de pronúncia arbitral)

 

2.2.      Factos não provados

 

2.2.1.   Não ficou provado que as facturas anexas à folha de despesas datada de 10.10.2012 no valor global de € 1.897,20, referidas em 2.1.22, respeitam à obra a que se refere a factura n.º 167, de 12.11.2012, com o valor de € 71.736,00 (obra com a referência...), já que as despesas se referem a um período não coincidente com o da execução dos trabalhos.

 

2.2.2.   Não ficou provado que as facturas anexas à folha de despesas datada de 14.03.2012 no valor global de € 3.484,50, referidas em 2.1.31, respeitam à obra a que se refere a factura n.º 4 de 23.01.2012, com o valor de € 85.456,00 (obra com a referência 1017), já que as despesas se referem a um período não coincidente com o da execução dos trabalhos.

 

2.2.3.   Não há mais factos relevantes para a apreciação do mérito da causa que hajam sido dados como não provados.

 

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base na apreciação crítica e valoração dos documentos juntos aos autos pelas Partes, no depoimento objectivo, consistente e credível das testemunhas inquiridas, que se mostraram fiáveis e conhecedoras dos assuntos sobre as quais foram interrogadas e nas posições assumidas pelas Partes nos articulados apresentados.

 

 

  1. Matéria de direito

 

3.1.      Questões a decidir

 

Resulta do que acima se deixou dito que as questões a apreciar são, no fundo, as seguintes: 

  1. A de saber se houve violação do direito de audição da Requerente no âmbito do procedimento de inspecção;
  2. A de apurar se houve violação do direito de audição da Requerente no âmbito da Reclamação Graciosa, por não ter a Requerida inquirido as testemunhas arroladas por aquela arroladas;
  3. A de esclarecer se a decisão da reclamação graciosa é omissa quanto às motivações para que não fossem inquiridas as testemunhas arroladas e se a confirmar-se essa omissão, a dita decisão padece do vício de falta de fundamentação, caso em que estaria inquinada a sua validade;
  4. A de dilucidar se a liquidação impugnada padece do vício de erro nos pressupostos, o mesmo é dizer, se as despesas tituladas por facturas emitidas em nome de entidades terceiras, alegadamente referentes a custos de alojamento dos trabalhadores da Requerente deslocados no estrangeiro e por si efectivamente suportados devem ser, ou não, dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável;
  5. A de divisar se, caso seja julgado procedente o pedido de anulação do acto de liquidação contestado, a Requerente, no âmbito do presente processo arbitral poderá obter a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios relativamente à quantia por si indevidamente entregue para satisfação de prestação tributária ilegalmente exigida.

 

3.2.      Da violação do direito de audição da Requerente no âmbito do procedimento de inspecção

 

Entende a Requerente que houve violação do direito de audição no âmbito do procedimento de inspecção, uma vez que o direito de audição foi relegado para o final do relatório (após já ter retirado todas as conclusões e, inclusivamente, já ter proposto todas as alterações) e a factualidade alegada na pronúncia da Requerente foi completamente esquecida, quando é certo que a Requerida deveria ter atentado em todos os factos que o sujeito passivo decidiu levar para o procedimento, o que, no seu entendimento, não terá acontecido.

 

Não assiste razão à Requerente. Na verdade, do Relatório de Inspecção resulta que o direito de audição foi efectivamente levado em consideração pelos serviços da Requerida, constando dele considerações respeitantes ao exercício desse direito por parte da Requerente. Aliás, do dito Relatório consta uma secção especificamente dedicada à análise do direito de audição, não oferecendo qualquer relevância a respectiva inserção sistemática no dito Relatório. Desde que o Relatório de Inspecção atenda aos argumentos expendidos pelo sujeito passivo, mostra-se preenchido o requisito que a Requerente entende ter sido postergado.

 

Assim, o direito de audição da Requerente no âmbito do procedimento de inspecção não foi violado.

 

3.3.      Da violação do direito de audição da Requerente no âmbito da Reclamação Graciosa

 

Advoga a Requerente que no procedimento de reclamação graciosa houve igualmente violação do direito de audição e do princípio de cooperação, por não terem os serviços da Requerida procedido à inquirição das três testemunhas arroladas pela Requerente e cuja audição era, no entender desta, de importância essencial.

 

Como bem refere a Requerida na sua resposta, é ao instrutor do processo que cabe conduzi-lo, o que implica adoptar no procedimento os actos que entenda serem adequados aos objectivos a atingir, de acordo com os princípios da proporcionalidade, eficiência, praticabilidade e simplicidade, nos termos do art.º 46.º do CPPT. Como impõe o art.º 50.º do mesmo código, o órgão instrutor utilizará todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos, o que igualmente decorre do art.º 72.º da LGT. Caberá ao instrutor do processo eleger os meios de prova que entender mais adequados à descoberta da verdade material. Isto não equivale a dizer que devem ser admitidas todas as diligências probatórias que sejam sugeridas ou oferecidas pelo sujeito passivo. A sua admissibilidade depende de um juízo de adequação e esse juízo cabe ao respectivo instrutor e só a ele.

 

Como é evidente, o esforço probatório está orientado para a descoberta da verdade material e se o instrutor a não alcança, decidindo mal, forçoso é que se aceite a sindicância dessa decisão. Se a administração tributária decide mal é a maldade da decisão que deve ser atacada e no âmbito da impugnação dessa decisão, de novo se procurará aferir da correcta aplicação da lei aos factos, o que sempre passará por reconstituir a almejada verdade material. Assim, cabe nos poderes do instrutor do processo decidir se é ou não necessária, para a correcta aplicação da lei, a inquirição das testemunhas arroladas ou a realização de quaisquer outras diligências probatórias. Isso, pode o instrutor fazer. O que lhe está vedado, neste sentido, é não alcançar a verdade material e, consequentemente, promover uma desadequada aplicação da lei aos factos.

 

Tanto assim é que a alínea e) do art.º 69.º do CPPT assume como regra fundamental do procedimento de reclamação graciosa a limitação dos meios probatórios à forma documental e aos elementos oficiais de que os serviços disponham. Claro está, à luz dos princípios que devem reger o procedimento, como vimos, não se nega ao instrutor o direito de serem ordenadas outras diligências complementares manifestamente indispensáveis à descoberta da verdade material, o que, no caso vertente, parece não ser o caso, pelo que é de aceitar que o instrutor tenha entendido estar na posse de tudo quanto era necessário para decidir bem a reclamação[1].

 

Claro que está que se o contribuinte for de opinião que a decisão da sua reclamação não logra fazer uma correcta aplicação da lei aos factos, desde logo por não ter sido apurada a exigível verdade material, pode reagir contra essa decisão, como de reste fez a Requerente com o presente pedido de pronúncia arbitral. 

 

Assim, entende o tribunal que no procedimento de reclamação graciosa não houve violação do direito de audição nem do princípio de cooperação, por não terem os serviços da Requerida procedido à inquirição das três testemunhas arroladas pela Requerente.

 

3.4.      Da falta de fundamentação decisão da reclamação graciosa

 

Sustenta a Requerente que a decisão da reclamação graciosa padece do vício de falta de fundamentação, porquanto a decisão é omissa quanto às eventuais motivações – se é que as mesmas existiram – para não serem inquiridas as testemunhas por si oportunamente arroladas.

 

Também aqui não assiste razão à Requerente. Na verdade, o documento n.º 4 que acompanha o pedido de pronúncia arbitral é o projecto de indeferimento da reclamação graciosa e nele expressamente se dá conta das razões pelas quais a Requerida não admitiu a realização da prova testemunhal. Pode-se não concordar com a fundamentação apresentada, todavia a discordância de uma fundamentação existente não pode ser assumida como sinónimo de ausência de fundamentação. Do ponto 10 do já mencionado documento n.º 4 consta expressamente a explicação que a Requerida entendeu dar para não admitir a prova testemunhal.

 

Como bem refere a Requerida, citando JOSÉ OSVALDO GOMES, «a fundamentação deve, antes de mais, ser clara, isto é, deve permitir que, através dos seus termos, se possa ter um perfeito conhecimento do processo lógico e jurídico que conduziu à decisão». Tanto a fundamentação do Relatório de Inspecção como o teor do indeferimento da reclamação graciosa são claros, suficientes, congruentes e perceptíveis para a Requerente.

 

Assim, não procede, portanto, o alegado vício de falta de fundamentação da decisão da reclamação graciosa.

 

3.5.      Do erro sobre os pressupostos

 

Do relatório inspectivo consta um ponto III.1.1.2. – Gastos não devidamente documentados – que refere que da análise aos gastos com alojamento suportados pela A... foram detectadas várias facturas em nome de entidades terceiras, a saber E..., Lda e F... Ltda, concluindo-se que “uma vez que os encargos supra referenciados não se encontram devidamente documentados, conforme o disposto na alínea g) do n.º 1 do art.º 45.º do Código do IRC (CIRC), não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável”, pelo que se procedeu a um ajustamento.

 

Vejamos, pois, o que dispunha a alínea g) do art.º 45.º do CIRC, aplicável à data a que se reportam os factos:

 

Artigo 45.º

Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

1 — Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

(…)

g) Os encargos não devidamente documentados.

 

Importa, pois, à luz do que consta do Relatório Inspectivo (e que esteve na base da correcção que deu origem aos presentes autos), surpreender o sentido e o alcance do conceito de “encargos não devidamente documentados”.

 

Como se viu, o legislador invoca este tipo de encargos para esclarecer que eles não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável. 

 

A determinação do lucro tributável faz-se nos termos do art.º 17.º do CIRC, cuja redacção é a seguinte:

 

Artigo 17.º 
Determinação do lucro tributável


1 — O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.

(…)

3 — De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve:

a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código;

b) Reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.

 

O lucro tributável é, pois, constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período relevante e das variações patrimoniais não reflectidas no dito resultado. Neste sentido, o resultado líquido apresenta uma natureza diferencial e consiste justamente na diferença entre ganhos (ou proveitos) e gastos (ou perdas). Os ganhos, ou rendimentos, nos termos do art.º 20.º do CIRC são os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória da empresa. Por seu turno, nos termos do art.º 23.º do mesmo código, os gastos fiscalmente relevantes são os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação. Aos proveitos, portanto, deduzem-se os gastos para determinação do lucro tributável.

 

Como se viu, nos termos da alínea g) do n.º 1 do art.º 45.º do CIRC, não serão dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os encargos não devidamente documentados.   

 

Do art.º 17.º do CIRC conclui-se ainda que o lucro tributável das pessoas colectivas se determina, sem prejuízo das correcções que devam ser feitas nos termos do mesmo diploma, com base na contabilidade.

 

Vejamos, pois, quais as obrigações contabilísticas impostas pelo CIRC às empresas[2]. Sobre esta matéria rege o art.º 123.º, que prescreve o seguinte:

 

Artigo 123.º

Obrigações contabilísticas das empresas

 

1 — As sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais entidades que exerçam, a título principal, uma actividade comercial, industrial ou agrícola, com sede ou direcção efectiva em território português, bem como as entidades que, embora não tendo sede nem direcção efectiva naquele território, aí possuam estabelecimento estável, são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei que, além dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 17.º, permita o controlo do lucro tributável. 

2 — Na execução da contabilidade deve observar-se em especial o seguinte:

 

a) Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário;

b) As operações devem ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras, devendo quaisquer erros ser objecto de regularização contabilística logo que descobertos.

 

3 — Não são permitidos atrasos na execução da contabilidade superiores a 90 dias, contados do último dia do mês a que as operações respeitam.

4 — Os livros, registos contabilísticos e respectivos documentos de suporte devem ser conservados em boa ordem durante o prazo de 10 anos.

5 — Quando a contabilidade for estabelecida por meios informáticos, a obrigação de conservação referida no número anterior é extensiva à documentação relativa à análise, programação e execução dos tratamentos informáticos.

6 — Os documentos de suporte previstos no n.º 4 que não sejam documentos autênticos ou autenticados podem, decorridos três períodos de tributação após aquele a que se reportam e obtida autorização prévia do director-geral dos Impostos, ser substituídos, para efeitos fiscais, por microfilmes que constituam sua reprodução fiel e obedeçam às condições que forem estabelecidas.  

7 - É ainda permitido o arquivamento em suporte electrónico das facturas ou documentos equivalentes, dos talões de venda ou de quaisquer outros documentos com relevância fiscal emitidos pelo sujeito passivo, desde que processados por computador, nos termos definidos no n.º 7 do artigo 52.º do Código do IVA. 

8 — As entidades referidas no n.º 1 que organizem a sua contabilidade com recurso a meios informáticos devem dispor de capacidade de exportação de ficheiros nos termos e formatos a definir por portaria do Ministro das Finanças. 

9 — Os programas e equipamentos informáticos de facturação dependem da prévia certificação pela Direcção-Geral dos Impostos, sendo de utilização obrigatória, nos termos a definir por portaria do Ministro das Finanças

 

Este artigo integra a secção I (obrigações acessórias dos sujeitos passivos) do capítulo VII (obrigações acessórias e fiscalização) do CIRC e impõe às sociedades comerciais com sede ou direcção efectiva em território português a obrigação de disporem de contabilidade organizada nos termos da lei que, além dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 17.º, permita o controlo do lucro tributável.

 

Estas obrigações contabilísticas, como se pode ver, são finalisticamente orientadas. A contabilidade deve permitir, em última instância, o controlo do lucro tributável. No mesmo sentido dispõe no n.º 2 do art.º 31.º da LGT, que reconhece serem obrigações acessórias do sujeito passivo as que visam possibilitar o apuramento da obrigação de imposto, nomeadamente a apresentação de declarações, a exibição de documentos fiscalmente relevantes, incluindo a contabilidade ou escrita, e a prestação de informações. Também o princípio da colaboração, acolhido pela LGT no art.º 59.º, nomeadamente pelo seu n.º 4, exige, no que respeita aos contribuintes, o cumprimento das obrigações acessórias previstas na lei e a prestação dos esclarecimentos que esta lhes solicitar sobre a sua situação tributária, bem como sobre as relações económicas que mantenham com terceiros.

 

O n.º 1 do art.º 123.º do CIRC impõe que a exigida organização contabilística preencha os requisitos indicados no n.º 3 do artigo 17.º, que são estes:

 

a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código;

b) Reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.

 

Já o n.º 2 do mesmo artigo dispõe que na execução da contabilidade deve observar-se em especial o seguinte:

 

a) Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário;

b) As operações devem ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras, devendo quaisquer erros ser objecto de regularização contabilística logo que descobertos

 

Assim, os lançamentos contabilísticos devem estar apoiados em documentos justificativos da realidade que pretendem retratar[3] e as operações ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras, admitindo-se, ainda assim, a existência de erros, que devem regularizados logo que descobertos.

  

Como facilmente se depreende das normas acabadas de visitar, a lei fiscal impõe algumas exigências formais sobre o tratamento das informações económicas da empresa, atribuindo-lhes, em contrapartida, importantes consequências, desde logo a que resulta na presunção de veracidade da escrita, a que se refere o art.º 75.º da LGT[4]. “Da regularidade formal brota a verdade substancial”[5].

 

À data a que se reportam os factos, dispunha este artigo, no que nos interessa reter, o seguinte:

 

Artigo 75.º

Declaração e outros elementos dos contribuintes

 

1 - Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.

2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:

a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;

b) O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações;

 

Como é evidente, a presunção que a disposição acima reproduzida consagra reveste-se de uma importantíssima relevância probatória[6], já que ela permite, por um lado, dispensar o contribuinte de demonstrar que não obteve nenhum outro rendimento para além dos declarados e, por outro, libertá-lo de provar que todos os custos registados nas suas contas foram efectivamente por si suportados[7]. Esta presunção, insista-se, depende de estar a contabilidade ou escrita do sujeito passivo organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal[8]

 

A alínea a) do n.º 2 do art.º 75.º da LGT expressamente refere que a presunção referida no n.º 1 não se verifica quando a contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo. Note-se que para o decaimento ou degradação desta presunção não releva qualquer omissão, erro ou inexactidão, mas apenas aqueles que fundadamente sugiram que a contabilidade ou escrita do sujeito passivo não reflecte ou impede o conhecimento da sua real matéria tributável. Também aqui se detecta um afloramento dos estruturantes princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real.

 

A lei fiscal, por manifesta inspiração constitucional, desde logo a que resulta do disposto no n.º 2 do art.º 104.º da Lei Fundamental[9], é dominada, como não podia deixar de ser, pelo princípio da capacidade contributiva. Este domínio, todavia, não se basta com uma mera enunciação vazia de significado. Está inerente a este princípio o carácter real da riqueza ou do rendimento. Para que esta realidade possa ser atingida é importante que se fixem critérios de determinação da matéria colectável que permitam alcançá-la[10]. Claro está que o princípio da capacidade contributiva é uma declinação de um outro princípio igualmente estruturante do nosso sistema tributário: o da igualdade fiscal, que teve sempre ínsita a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os contribuintes se acham adstritos ao dever fundamental de pagar impostos, e da uniformidade, ao exigir que esse dever seja aferido, relativamente a todos, por um único critério, o da capacidade contributiva[11].  

 

A par dos princípios da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, importa dar ainda destaque a princípios contabilísticos[12] que pontificam na arte da escrituração[13]. O plano oficial de contabilidade mencionava as características qualitativas da informação financeira, nomeadamente, a da fiabilidade, que impunha que essa informação mostrasse apropriadamente as operações e outros acontecimentos que tivesse por finalidade representar, de acordo com a sua substância e realidade económica e não meramente com a sua forma legal, sendo esta prevalência da substância sobre a forma, aliás, um dos princípios contabilísticos indicados[14]. O Sistema de Normalização Contabilística, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho, consagra o dever de as demonstrações financeiras apresentarem apropriadamente a posição financeira, o desempenho financeiro e os fluxos de caixa de uma entidade, o que implica a representação fidedigna, isto é, digna de fé, dos efeitos das transacções e outros acontecimentos financeiramente relevantes. No fundo, a actividade de registo e descrição contabilística deve estar orientada para a obtenção de resultados reais[15].

 

A guarida que deve ser conferida à verdade material, admite a possibilidade de correcção de erros, mesmo nos casos em que o lançamento de um registo contabilístico se faça na base de suportes documentais marcados pela insuficiência.

 

Tomar a contabilidade e a escrita, unicamente quanto aos dados que servem positivamente à construção de um certo entendimento sobre a qualificação da situação tributária, omitindo ou rejeitando aqueles que constituem efeito negativo ou impeditivo desse entendimento, não considerando o carácter unitário da contabilidade, recusando o que dela resulta porque foi feito um lançamento com o qual a administração tributária não concorda ou porque falta um dado que, no seu entender, a suporte, pode constituir um erro grave de percepção sobre a instrumentalidade probatória dos registos contabilísticos[16]

 

Como vimos, a alínea g) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC socorria-se da expressão “encargos não devidamente documentados” e a alínea a) do n.º 2 do artigo 123.º do mesmo diploma expressamente refere que os lançamentos contabilísticos devem estar apoiados em documentos justificativos. Ora, esta exigência, compreendida à luz das considerações supra apontadas, sugere que se elabore sobre o conceito de “documento justificativo”.

 

A doutrina classifica os documentos justificativos como de fonte externa – os emitidos por entidades terceiras, os fornecedores, no caso de aquisição de bens e de serviços – e os de origem interna – produzidos pelo próprio contribuinte com o propósito de justificar a venda de bens ou a prestação de serviços[17]. A inexistência de um documento externo quando ele devesse existir afecta, como não pode deixar de ser, o valor probatório da contabilidade, não podendo essa falta, por princípio, ser colmatada por um documento de fonte interna. Contudo, o que acaba de dizer-se não equivale a sustentar que a ausência desse documento é, no âmbito da determinação do lucro tributável, absolutamente irremediável[18]. Quando falte o meio justificativo normal, não pode o contribuinte valer-se do valor probatório da escrita, pelo que lhe caberá o ónus de fazer prova da veracidade da operação subjacente[19], nas suas várias componentes[20]. O que é dito a propósito da ausência de documento é igualmente válido, por maioria de razão, nos casos em que o documento existe ainda que se mostre insuficiente ou deficientemente emitido.     

 

Chame-se de novo a atenção para a circunstância de as normas aplicáveis à questão que nos ocupa nos presentes autos não conhecerem, à data a que se reportam os factos, a redacção com que hoje as lemos. Um dos temas que preocupou a Comissão para a reforma do IRC, que veio a ser consagrada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, foi justamente o da clarificação das condições de dedutibilidade dos gastos, pretendendo-se eliminar divergências interpretativas, e consequente litigância, sobre a questão da prova documental dos gastos contabilizados. Este esforço de clarificação traduziu-se em alterações legislativas, de natureza inovadora.     

 

Hoje, e depois das alterações de redacção ocorridas, que não apenas clarificaram como sobretudo apertaram a malha do cumprimento das obrigações acessórias, consagra-se, no n.º 3 do art.º 23.º do CIRC, o razoável princípio de que os gastos dedutíveis devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.

 

Como é evidente, uma factura, emitida nos termos do Código do IVA, com todos elementos que hoje constam do n.º 4 do art.º 23.º do CIRC, é, também para efeitos de dedução de gastos em sede de IRC, um documento justificativo[21]. Problema diverso, e é aquele que agora nos cumpre dilucidar, é saber se pode haver “documentos justificativos” que não sejam, em sentido próprio, facturas ou, dizendo de outro modo, saber se poderão ser admitidos outros documentos, independentemente do respectivo suporte, que demonstrem, em termos materiais, a existência das operações objecto de registo contabilístico[22]. A resposta, à luz das normas hoje em vigor e, por maioria de razão, das que vigoravam à data a que se reportam os factos, só pode ser positiva.

 

“É relativamente frequente o sujeito passivo não dispor do documento que, por princípio, deveria comprovar a existência do custo (…) ou, tendo-o, este sofra de irregularidades formais. (…) “o sujeito passivo deve ser admitido a complementar a prova da existência do custo através do recurso a quaisquer meios admitidos em direito. É que a não-aceitação, por razões de índole meramente formal, da dedutibilidade de um custo que efectivamente foi suportado, corresponderia à tributação por um lucro que não existe, a um imposto a que não subjaz a correspondente capacidade contributiva”[23].  Vale ainda a pena atentar nas “linhas de força”, como lhes chama RUI DUARTE MORAIS, da jurisprudência dos tribunais portugueses sobre esta matéria. Uma é a de que “a falta de determinados requisitos formais do documento justificativo não implica, necessariamente, a sua desconsideração enquanto meio de prova”. Outra, a de que “as insuficiências da prova documental (…) e/ou as dúvidas que o negócio subjacente à sua emissão suscitem podem ser esclarecidas através do recurso a outros meios de prova, nomeadamente a testemunhal”. Por último, esta: “o princípio da dedutibilidade dos custos efectivamente suportados pelo sujeito passivo tem que ser temperado com as exigências de prevenção e combate da evasão fiscal”[24]

 

Em sede de IRC, o documento justificativo dos custos, para efeitos da sua dedução, não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, uma vez que a exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova[25]. Aliás, em bom rigor, mais do que falar-se em documento, deve falar-se em documentos e mais meios de prova, porquanto a demonstração da efectividade de um gasto não dispensa a existência de um documento, mas, como se procurou demonstrar, não se cinge a ele.

 

Assim, descendo agora ao caso que cumpre concretamente apreciar, não deixa de parecer precipitada a conclusão expressa no Relatório da Inspecção de que “uma vez que os encargos supra referenciados não se encontram devidamente documentados, conforme o disposto na alínea g) do n.º 1 do art.º 45.º do CIRC, não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável”. Na verdade, o juízo que incumbiria à administração tributária e aduaneira realizar não é apenas o relativo às características externas do documento em análise. Ainda que se conclua que o documento em causa não preenche os requisitos de que depende a força probatória oferecida pela contabilidade, por nele não constarem os elementos de identificação essenciais (data, descrição, valores, identificação do fornecedor e do comprador)[26], a decorrência dessa conclusão só deverá ser a de não se poder aceitar, desacompanhado de outros meios de prova, o dito documento para efeitos de dedução dos encargos para efeitos de determinação do lucro tributável[27].

 

Note-se que o que em derradeira instância está em causa é a dedutibilidade dos encargos propriamente dita e não a mera apreciação formal das características externas de um documento isolado[28].

 

O Parecer do Chefe de Equipa que realizou a inspecção foi este:

 

No caso vertente importa, pois, saber se há algum documento, ainda que insuficiente ou deficientemente emitido que procure justificar o gasto relativo ao alojamento dos trabalhadores deslocados e, em caso afirmativo, se há dúvidas sobre se efectivamente a Requerente suportou os ditos custos de alojamento.

 

Não pode entender-se que não há documento, já que temos as folhas de despesas e as facturas e documentos equivalentes a elas anexos. Documentos, portanto, há. Cumpre igualmente concluir que os ditos documentos estão insuficientemente e/ou deficientemente emitidos, razão por que não podem, em si mesmo, de per si, beneficiar da presunção de verdade associada a uma contabilidade formalmente irrepreensível.

 

Contudo, este juízo, como procurámos ter demonstrado, não implica necessariamente que sejam pura e simplesmente desatendidos os encargos que esses documentos, mais mal do que bem, procuram representar. Ora, se os documentos, por si mesmos, isoladamente, não cumprem cabalmente a sua vocação probatória, não vemos razões atendíveis para impedir que a relação jurídico-tributária gravite ainda, como deve acontecer sempre, em torno da verdade material, o mesmo é dizer da real capacidade contributiva do contribuinte[29].

 

É que admitir que a Requerente opera no estrangeiro, que presta serviços aos seus clientes fora do país, implica aceitar como plausível e até razoável a deslocação de trabalhadores e a necessidade de eles pernoitarem fora de casa durante o período em que estão ausentes de Portugal, ao serviço da Requerente. É evidente que os trabalhadores estão no estrangeiro e que, portanto, dormem também no estrangeiro, sendo a pernoita desses trabalhadores deslocados onerosa. Do acervo probatório, documental e testemunhal, que foi carreado para os autos resulta com meridiana clareza que a Requerente tem ao seu serviço trabalhadores no estrangeiro, através dos quais presta fora do país os serviços para que foi contratada, disponibilizando-lhes alojamento, que os encarregados pagam, sendo do mesmo passo descontado no vencimento de cada um desses trabalhadores o valor diário de € 10 para fazer face a esse pagamento. Poderá até duvidar-se da praticabilidade do procedimento adoptado pela empresa, contudo, não se deverá, por razões apenas formais, ficcionar rendimento onde ele manifestamente não existe, ficção que se imporia caso se vedasse liminarmente a dedução de custos insuficientemente ou deficientemente documentados[30], mas indiscutíveis, na sua existência e quantificação, à vista de outros meios de prova, como parece fazer a Requerida.

 

Assim, do depoimento das testemunhas, das folhas de despesas e das facturas ou documentos equivalentes a elas anexos resulta demonstrado, com duas excepções, que a Requerente suportou efectivamente os custos associados ao alojamento dos seus trabalhadores deslocados no estrangeiro e o fez pelos valores declarados e constantes da sua contabilidade.

 

Mencionam-se duas excepções porque embora se aceite o princípio supra referido, não pode deixar de haver uma mínima correspondência documental no que respeita aos factos alegados, sendo certo que incumbe à Requerente, atenta a insuficiência ou deficiência dos documentos de suporte da escrita, das facturas, o ónus de demonstrar que suportou efectivamente os custos invocados.

 

Ora, na leitura que faz este tribunal, não ficou provado que as facturas anexas à folha de despesas datada de 10.10.2012 no valor global de € 1.897,20, referidas em 2.1.22, respeitam à obra a que se refere a factura n.º 167, de 12.11.2012, com o valor de € 71.736,00 (obra com a referência...), já que as despesas se referem a um período não coincidente com o da execução dos trabalhos. O mesmo acontece com as facturas anexas à folha de despesas datada de 14.03.2012 no valor global de € 3.484,50, referidas em 2.1.31, que respeitam à obra a que se refere a factura n.º 4 de 23.01.2012, com o valor de € 85.456,00 (obra com a referência ...).

 

Consequentemente, dos invocados custos com alojamento no montante de € 57.301,47 (cinquenta e sete mil trezentos e um euros e quarenta e sete cêntimos) não podem ser dados como provados € 5.381,70 (cinco mil trezentos e oitenta e um euros e setenta cêntimos), mas os outros devem ter-se por demonstrados, atentos os elementos disponíveis e a que a Requerida, na fase administrativa, querendo, poderia ter acedido.

 

Solução menos cristalina aparenta ter, apesar de tudo, o problema das facturas ou documentos equivalentes emitidos em nome da F... Ltda., relativamente às obras executadas no Brasil. Como se disse, a questão da dedutibilidade de custos não devidamente documentados implica sempre que se sopesem os interesses em presença, de um lado, a verdade material e, do outro, o combate à fuga e à evasão fiscais, a que estão indiscutivelmente associadas as exigências de natureza formal e de documentação dos custos. Como parece claro, não pode admitir-se que os mesmos encargos sejam relevados na contabilidade de mais de uma entidade. Na verdade, só poderão sê-lo naquela que efectivamente suportou a despesa. Por isso sentiu a Requerente necessidade de solicitar às entidades em nome de quem foram emitidas as facturas dos encargos de alojamento suportados pela Requerente e respeitantes aos seus trabalhadores, declarações comprovativas de que elas não relevaram esses documentos nas suas escritas. Ora, não se duvida que se torna mais fácil às autoridades tributárias portuguesas, querendo, confirmar o declarado por entidades residentes fiscais em Portugal. Contudo, não deve perder-se de vista que as entidades que emitiram os documentos são estrangeiras, sujeitas eventualmente a deveres de facturação diversos dos que conhecemos em Portugal, não havendo razões para crer que as obras no Brasil tivessem sido executadas na base de princípios organizativos diversos daqueles que se usaram nas obras na Europa. Assim, não parece ao tribunal razoável dispensar às obras realizadas no Brasil um entendimento diverso daquele que usou nas que foram executadas na Europa.       

 

Assim, tendo-se chegado na situação concreta à conclusão, inequívoca, de que os gastos foram efectivamente incorridos pelo Requerente no exercício da sua actividade, estão suportados por documentos (embora não por faturas) e que inexiste risco de fraude afigura-se que os mesmos se devem considerar dedutíveis[31].

 

Logo, é de deferir parcialmente o pedido de pronúncia arbitral, porquanto este tribunal sufraga o entendimento de que deve ser admitida a dedução dos custos de alojamento no montante de € 51.919,77 (cinquenta e um mil novecentos e dezanove euros e setenta e sete cêntimos), para efeitos a determinação do lucro tributável da Requerente no exercício de 2012.

 

3.6.      Dos juros indemnizatórios

 

A alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º do RJAT dispõe que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está de harmonia com o previsto no art.º 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.

 

Não se ignora que a autorização legislativa concedida ao Governo pelo art.º 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, na base da qual foi aprovado o RJAT, determina que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária. Ainda que as alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT fundem a competência dos tribunais arbitrais em “declarações de ilegalidade”, parece razoável o entendimento segundo o qual se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo certo que nos processos de impugnação judicial, para além da anulação de actos tributários, podem ser apreciados pedidos de indemnização, desde logo relativos a juros indemnizatórios.

 

Com efeito, o princípio da cognoscibilidade dos pedidos de indemnização, em reclamação graciosa ou em processo judicial, justifica-se sempre que o dano que se pretende ver ressarcido resulte de facto imputável à Administração Tributária e Aduaneira. Aliás, nos termos do n.º 5 do art.º 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para as manifestações desse princípio que encontramos no n.º 1 do art.º 43.º da LGT e no art.º 61.º do CPPT.

 

Assim, justifica-se a apreciação do pedido de pagamento de juros indemnizatórios feito pela Requerente.

 

São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Ora, tendo a Requerente pago o tributo que pela liquidação reclamada e ora parcialmente anulada lhes foi, por erro imputável aos serviços, exigido, tem ela direito não apenas ao reembolso de tudo quanto pagou em excesso, mas ainda a perceber juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento do excesso, até ao seu integral reembolso. 

 

 

  1. Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, condenando a Requerida a considerar, para efeitos de determinação do lucro tributável da Requerente no exercício de 2012, a dedutibilidade das despesas de alojamento, no montante de € 51.919,77 (cinquenta e um mil novecentos e dezanove euros e setenta e sete cêntimos) que a Requerida havia considerado insusceptíveis de dedução e consequentemente anular parcialmente o acto de liquidação identificado com o número 2017..., no valor de € 208.340,55 (duzentos e oito mil trezentos e quarenta euros e cinquenta e cinco cêntimos);
  2. Julgar ainda parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral no que respeita à anulação do acto de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra o acto tributário de liquidação adicional; e
  3. Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, sendo eles contados sobre o montante indevidamente pago, desde a data do pagamento da prestação tributária indevida até ao seu integral reembolso;

 

 

  1. Valor do processo

 

Quando seja impugnado um acto de liquidação, o valor da causa é o da importância cuja anulação se pretende, que corresponde à utilidade económica do pedido. Assim, de harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 306.º do CPC, no art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 21.770,55 (vinte e um mil setecentos e setenta euros e cinquenta e cinco cêntimos), montante que a Requerente indicou como valor da causa e que não foi contestado pela Requerida.

 

 

  1. Custas

 

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar pelas Partes na proporção do respectivo decaimento: 9,4% (nove vírgula quatro por cento) pela Requerente e 90,6% (noventa vírgula seis por cento) pela Requerida.

 

Lisboa, 11 de Março de 2019

 

 

O Árbitro

 

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(Nuno Pombo)

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 131.º do CPC, aplicável por remissão da al. e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT e com a grafia anterior ao dito Acordo Ortográfico de 1990.



[1] SUZANA FERNANDES DA COSTA, Da Relação entre Contabilidade e Fiscalidade, SFC Advogados, 2016, pág. 285.

[2] Cfr. JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 2ª ed., Almedina, 2003, págs. 240 e segs..

[3] Cfr. VÍTOR FAVEIRO, O Estatuto do Contribuinte – a Pessoa do Contribuinte no Estado Social de Direito, Coimbra Editora, 2002, págs. 511 e segs..

[4] SUZANA FERNANDES DA COSTA, Da Relação entre Contabilidade e Fiscalidade, SFC Advogados, 2016, págs. 43 e segs e 291 e segs..

[5] Cfr. TOMÁS MARIA CANTISTA DE CASTRO TAVARES, Da Relação de Dependência entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 396, pág. 115.

[6] Cfr. SUZANA FERNANDES DA COSTA, Da Relação entre Contabilidade e Fiscalidade, SFC Advogados, 2016, págs. 294 e segs..

[7] Cfr. J. L. SALDANHA SANCHES, A Quantificação da Obrigação Tributária – Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação Administrativa, LEX, 2000, págs. 259 e segs..

[8] A Lei n.º 80-C/2013, de 31 de Dezembro, alterou a redacção do n.º 1 do art.º 75.º da LGT, que depois dela passou a ler-se assim: “1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”. Note-se que a parte final do preceito (“sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”) não constava da redacção em vigor à data a que se reportam os factos que nos ocupam nos presentes autos.

[9] Que estabelece que “a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”.

[10] Cfr. DIOGO LEITE DE CAMPOS e MÔNICA HORTA NEVES LEITE DE CAMPOS, Direito Tributário, 2.ª ed., pág. 128.

[11] Cfr. JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 2ª ed., Almedina, 2003, págs. 149 e segs e, do mesmo Autor O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Almedina, 1998, págs, 443 e segs..

[12] Cfr. ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, págs. 79 e segs..

[13] No sentido de que a contabilidade é um sistema de princípios ordenados a determinados valores, veja-se J. L. SALDANHA SANCHES, Problemas Jurídicos da Contabilidade, in Ab Uno ad Omnes – 75 anos da Coimbra Editora, Coimbra Editora, 1998, págs. 477 e seg. Cfr. ainda Cfr. J. L. SALDANHA SANCHES, A Quantificação da Obrigação Tributária – Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação Administrativa, LEX, 2000, págs. 189 e segs..

[14] Cfr. J. L. SALDANHA SANCHES, A Quantificação da Obrigação Tributária – Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação Administrativa, LEX, 2000, págs. 227 e segs..

[15] Cfr. J. L. SALDANHA SANCHES, A Quantificação da Obrigação Tributária – Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação Administrativa, LEX, 2000, pág. 182.

[16] Cfr. VÍTOR FAVEIRO, O Estatuto do Contribuinte – a Pessoa do Contribuinte no Estado Social de Direito, Coimbra Editora, 2002, pág. 501. 

[17] Parecendo reduzir os documentos justificativos aos de fonte externa veja-se ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág. 189.

[18] Contra este entendimento parece estar o Acórdão Arbitral prolatado no âmbito do Processo n.º 144/2014-T do CAAD, que sustenta que “em sede de IRC, uma despesa pode estar documentada, pode estar provado que ela foi realizada e mesmo que foi indispensável para a obtenção dos proveitos e não ser relevante para efeitos de determinação do lucro tributável, por pura opção de política legislativa, sendo opções desse tipo que se estão subjacentes à maior parte, pelo menos, das situações de não dedutibilidade arroladas no artigo 42.º do CIRC”. Veja-se ainda nesse acórdão arbitral a esclarecida declaração de voto de vencido, cuja doutrina se perfilha.  

[19] SUZANA FERNANDES DA COSTA, Da Relação entre Contabilidade e Fiscalidade, SFC Advogados, 2016, pág. 295.

[20] Cfr. M. H. DE FREITAS PEREIRA, Relevância, em termos de apuramento do lucro tributável, de documentos internos justificativos de compras de existências, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 365, pág. 346 e seg..

[21] Cfr. J. L. SALDANHA SANCHES, A Quantificação da Obrigação Tributária – Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação Administrativa, LEX, 2000, pág. 243 e ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág. 189.

[22] Veja-se a este propósito o muito esclarecedor acórdão arbitral prolatado no âmbito do Processo n.º 217/2018-T. Ainda que sobre matéria não exactamente coincidente com a que nos presentes autos cabe apreciar, oferece muita utilidade a seguinte passagem: “Não obstante, afigura-se que a inclusão deste novo requisito formal – a posse de uma fatura – que passou a constar do artigo 23.º, n.º 6 do Código do IRC, se coloca no plano da comprovação das operações, ad probationem, e não no dos seus pressupostos materiais, ad substantiam, e tem por finalidade complementar as medidas de combate à fraude e evasão fiscais”.

[23] Vide RUI DUARTE MORAIS, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, págs. 79 e seg..

[24] RUI DUARTE MORAIS, Apontamentos …, pág. 80.

[25] Vide Ac. STA de 05.07.2012 (proc. 0658/11). No sentido de que na insuficiência de documentos, quando eles sejam necessários, o tribunal deve poder socorrer-se de meios de prova complementares, ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág. 203.

 

[26] M. H. DE FREITAS PEREIRA, Relevância, em termos de apuramento do lucro tributável, de documentos internos justificativos de compras de existências, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 365, pág. 347.

[27] ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, págs. 111 e segs. e pág. 199.

[28] Contra parece estar o Acórdão Arbitral prolatado no Processo n.º 144/2014-T do CAAD.

[29] É evidente que no outro prato da balança devem ser colocados os interesses de combate à fuga e à evasão fiscais, a que estão indiscutivelmente associadas as exigências de natureza formal e de documentação dos custos. Cfr. ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág. 198. É por essa razão que não pode ser aceite, sem mais, a dedução de custos não devidamente documentados.    

[30] Cfr. ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág. 197, que transcreve um acórdão do Tribunal Central Administrativo: “se os custos ocorreram efectivamente, seria injusto que apenas por um aspecto formal o contribuinte fosse punido com a não consideração da despesa como custo”. Em causa estavam facturas emitidas por entidades com quem o sujeito passivo não havia contratado serviços.

[31] Veja-se o Acórdão Arbitral proferido no Processo n.º 217/2018-T do CAAD.