Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 161/2018-T
Data da decisão: 2019-01-03  IRC  
Valor do pedido: € 287.822,98
Tema: IRC - Dedutibilidade de custos. Preços de transferência. Função acionista. Despesas de representação.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

1. A... SGPS S.A., com o número de identificação de pessoa coletiva..., com sede na Rua ... n.º..., ...-... Maia, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos actos tributários de liquidação adicional de IRC e de liquidação de juros compensatórios, no montante global de € 287.822,98, relativa ao exercício de 2012, bem como do acto de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra esses actos de liquidação.

Fundamenta o pedido nos seguintes termos:

O gasto suportado com a viagem do revisor oficial de contas, no âmbito da auditoria de contas consolidadas da A... SGPS, constitui um encargo indispensável para a obtenção dos proveitos e a manutenção da sua fonte produtora, que deve ser tido fiscalmente como aceite, nos termos do artigo 23º do Código do IRC, cabendo à Administração Tributária o ónus da prova de que esse gasto foi realizado no interesse pessoal e não no interesse da empresa.

 

No que se refere aos gastos operacionais com prestação de serviços às sociedades participadas, a Requerente faz notar que desempenha um papel de liderança em todo o Grupo B..., como sucede com qualquer holding de um grupo multinacional, através da emanação de diretrizes estratégicas e da expansão do Grupo, com o propósito de aumentar a distribuição dos dividendos, e presta também serviços de gestão e administração de elevado valor acrescentado, auxiliando e complementando a implementação de medidas extraordinárias pelas empresas participadas.

 

Nesse sentido, a Requerente enquadrou as atividades de controlo da gestão e de expansão, para efeitos do regime de preços de transferência, no conceito de atividade de acionista, na medida em que não aportam qualquer benefício direto e imediato para as participadas e a eventual vantagem que as participadas possam obter é acessória e unicamente imputável ao facto de fazerem parte do Grupo.

 

As operações realizadas com a atividade de acionista, compreendendo o controlo da gestão e a expansão do grupo não são suscetíveis de faturação às participadas, na medida em que a beneficiária direta e imediata dessa atividade é a A... SGPS em vista ao retorno do seu investimento, sendo que essa atividade se distingue da prestação de serviços intragrupo, que, compreendendo serviços de gestão e administração em benefício das participadas, podem já ser debitadas a estas entidades.

 

Na determinação do preço de transferência aplicável às prestações de serviços intragrupo faturáveis, a Requerente aplicou o método da margem líquida da operação, chegando, por acordo com as suas participadas, a um  de preço hora provisório de € 154,21 (correspondendo ao valor de € 140,19 acrescido de uma margem de lucro de 10%) a faturar ao longo de 2012 e que seria acertado, com a aprovação das contas desse ano, em função dos gastos elegíveis suportados pela A... SGPS.

 

Para a determinação do preço hora efectivo, a Requerente apurou os gastos elegíveis no montante total de € 5.062.968,00, que serviu para determinar, no confronto com o total de horas consumidas (37.983), no final do ano de 2012, o preço efetivo de € 133,30, ao qual aplicou a margem de lucro de 10%, fixando esse preço em € 146,63.

 

Deste modo, a imputação do «preço hora contratado» de € 154,21 às horas consumidas com a prestação de serviços intragrupo cumpre com os critérios previstos no artigo 63º do Código do IRC e na Portaria n.º 1446-C/2011, de 21 de dezembro, e, por conseguinte, a liquidação adicional de IRC resultante da correcção à matéria coletável no montante de € 2.064.733,08, deve ser parcialmente anulada, porquanto padece do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito.

 

Acresce que a Administração Tributária tem a seu cargo o ónus da prova e, no âmbito do procedimento inspectivo, deve realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material (artigos 58º e 75º da LGT), pelo que, os Serviços de Inspeção Tributária, ao não realizarem todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade material, no sentido de compreender o sentido dos gastos elegíveis e do valor faturado e de perceber o método da fixação do preço/hora praticado, violaram o princípio do inquisitório e o princípio da descoberta da verdade material, e acabaram por chegar a um resultado ilegítimo e injusto, violando o princípio da justiça (artigo 266º, n.º 2, da CRP) e o princípio da capacidade contributiva (artigo 13º da CRP e artigo 4º da LGT).

 

A Requerente discute ainda o montante de € 43.681,01 que a Administração Tributária considera corresponder a gastos incorridos pela A... SGPS com viagens para prestar serviços de auditoria ou outros às empresas participadas e que deveriam ser objeto de faturação a essas empresas. No entanto, os serviços de auditoria considerados consubstanciam o exercício da atividade de acionista pela holding, através do controlo da gestão, e, nesse sentido, qualificam-se como gastos suportados no exercício da atividade de acionista.

 

A Administração Tributária considerou ainda como despesas de representação, nos termos do n.º 7 do artigo 88º do Código do IRC, o montante de € 44.006,05, respeitante a despesas incorridas com reuniões de liderança e reuniões e assembleias gerais para aprovação de contas, entendendo que as despesas de representação são basicamente todas as efetuadas para representação da empresa junto de terceiros, como sejam clientes, fornecedores e quaisquer outras pessoas ou entidades, em que se incluem os colaboradores da empresa.

 

Ora, a reunião de liderança consiste num evento organizado pela A... SGPS que reúne vários administradores e responsáveis do Grupo B..., com vista a discutir diversas questões empresariais e, ao mesmo tempo, permitir a confraternização entre os colaboradores do Grupo, devendo entender-se as despesas inerentes a essa função como gastos com realizações de utilidade social, nos termos do artigo 43º do Código do IRC, que se encontram excluídos do conceito de despesas de representação.

 

Por outro lado, as despesas suportadas com as reuniões e as assembleias gerais para discutir e aprovar as contas destinam-se a permitir que a A... SGPS possa desempenhar de modo eficaz as suas funções de controlo da gestão, e, desse modo, constituem gastos suportados para a realização da atividade económica da A... SGPS e não para efeitos de representação, e que, como tal, também se não podem qualificar como despesas de representação.

 

Autoridade Tributária respondeu nos termos que seguem.

 

Relativamente às despesas de representação contabilizadas com a deslocação do revisor oficial de contas, é de considerar que o gasto não respeita a uma relação de trabalho subordinado, pelo que se trata de um encargo da responsabilidade de terceiro, que quando muito poderia ser facturado à Requerente como prestação de serviços. Além de que, no que respeita à qualificação da verba contabilizada como gasto dedutível, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para o interesse empresarial, conforme decorre do n.º 1 do artigo 23º do CIRC em conjugação com o n.º 1 do artigo 74.º da LGT.

 

Quanto aos gastos operacionais com prestação de serviços às sociedades participadas, o que se verifica é que a informação prestada no Dossier de Preços de Transferência se reporta aos dados comparáveis utilizados para justificar a aplicação da margem de lucro de 10%, e não ao preço/hora debitado às participadas, sendo que esses gastos carecem de fundamentação quer quanto aos pressupostos de formação de preço, quer quanto à variável de horas consumidas. E não ocorre qualquer violação do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material, porquanto a Requerente foi notificada, em 7 de outubro de 2016, para apresentar esclarecimentos especificamente sobre os termos e condições das operações realizadas no âmbito das relações especiais e foi com base nos documentos contabilísticos apresentados e no Dossier de Preços de Transferência que os Serviços de Inspecção formaram a sua convicção quanto à correcção da matéria colectável.

 

Quanto aos gastos incorridos com viagens para prestação de serviços às empresas participadas, no montante de € 43.681,01, a Administração Tributária considerou que esse montante corresponde a verbas parcelares que não se encontram justificadas como sendo indispensáveis para a realização dos seus proveitos ou ganhos ou para a manutenção da sua fonte produtora, ou não se encontram fundamentadas quanto à sua finalidade, ou não estão comprovadas contabilística e documentalmente.

 

Por fim, as despesas incorridas com reuniões de liderança e reuniões e assembleias gerais para aprovação de contas, que foram sujeitas a tributação autónoma, e que incluem gastos suportados pela entidade patronal em benefício dos seus empregados, não são  enquadráveis no conceito de realizações de utilidade social e são antes subsumíveis na previsão do artigo 88.º, n.º 7, do CIRC como despesas de representação, que poderão respeitar não apenas a clientes e fornecedores, mas também a quaisquer outras pessoas ou entidades.

 

2. No seguimento do processo foi realizada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT na qual foi produzida a prova testemunhal indicada pelas partes.

 

Em alegações pelo prazo sucessivo as partes pronunciaram-se sobre os resultados probatórios resultantes dos elementos do processo e da prova testemunhal produzida e, no mais, mantiveram as suas anteriores posições. 

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, os árbitros foram designados pelas partes, tendo estes designado o  árbitro presidente.

O tribunal arbitral coletivo ficou, nesses termos, constituídos pelos ora signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram oportunamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.ºs 4 e 5, do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 5 de julho de 2018.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades, tendo sido invocada a exceção do caso julgado.

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes.

 

  1. A Requerente foi objeto de uma inspeção tributária, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2016..., relativa ao exercício de 2012, cujo relatório constitui a fundamentação da liquidação impugnada.
  2. A Requerente conformou-se com parte das correções ao lucro tributável efectuadas por tal inspeção.
  3. No que interessa à presente impugnação, a Autoridade Tributária efectuou correcções meramente aritméticas à matéria colectável de IRC no valor total de € 2.643.973,34 e correcções às tributações autónomas no valor de € 4.400,60:
  4. Em 1 de setembro de 2017, a Requerente deduziu reclamação graciosa da referida parte da liquidação adicional de IRC.
  5. Em 4 de janeiro de 2018, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento de tal pedido da reclamação graciosa.
  6. Em 2012, os «gastos operacionais» da Requerente foram de € 6.438.485,17 e os seus «proveitos operacionais» de € 4.263.469,00.
  7. A Requerente, para além de «proveitos operacionais» recebeu, em 2012, das suas participadas, dividendos no valor de € 35.969.613,57.
  8. Os referidos «gastos operacionais» foram suportados pela Requerente no exercício da sua atividade de acionista e na prestação de serviços às suas participadas.
  9. O exercício da atividade de acionista pela Requerente implica a existência de uma estrutura multidisciplinar especializada, vocacionada para recolher a informação que lhe permita, enquanto acionista, determinar as alterações na atividade e gestão das suas participadas que considere necessárias, bem como elaborar estudos prévios para aferir da viabilidade da criação ou aquisição de novas unidades industriais, no âmbito da estratégia de expansão e internacionalização;
  10. A Requerente presta serviços às suas participadas, nomeadamente formação de pessoal, acompanhamento e assistência nas negociações de contratos complexos, acompanhamento e assistência na elaboração de projetos, de planos de contenção de custos e de controlo de despesas.
  11. A Requerente considerou como gasto fiscal o valor de € 3.462,66, suportado com o pagamento da viagem do seu Revisor Oficial de Contas no âmbito da análise das contas consolidadas.
  12.  Em 2012, a Requerente redebitou às suas participadas € 1.164.687,00, correspondentes a gastos incorridos no interesse destas, e considerou gastos de € 323.958,45 como imputáveis exclusivamente à sua atividade enquanto acionista.
  13. Para determinar o preço/hora dos serviços prestados às suas subsidiárias, a Requerente elencou e quantificou um conjunto de «gastos elegíveis» (expurgados dos valores referidos na alínea anterior), gastos esses que considerou como sendo comuns à sua atividade enquanto acionista e aos serviços prestados às suas participadas.
  14. Segundo a Requerente, esses gastos atingiram, em 2012, € 5.062.968,00
  15. A Requerente apurou que os seus trabalhadores, afetos quer à sua atividade acionista, quer à prestação de serviços às participadas, haviam trabalhado, em 2012, um total de 37.983 horas.
  16. Tendo assim apurado um custo/ hora, para o ano de 2012, de € 133,30.
  17. Ao custo/hora assim apurado, a Requerente, para determinar o valor/hora dos serviços prestados às suas participadas, aplicou uma margem bruta (mark up) de 10%, do que resultou um preço/hora, em 2012, de € 146,63, correspondendo ao preço efetivo aplicável em 2012.
  18. Para possibilitar a faturação às suas associadas ao longo do ano e o cumprimento do princípio da especialização dos exercícios, a Requerente, usando a metodologia atrás descrita, mas partindo dos «gastos elegíveis» relativos a 2011, havia apurado um preço hora de € 154,21 («preço contratado»)
  19. Este «preço contratado» foi o efetivamente praticado em 2012, pois os acordos celebrados pela Requerente apenas previam a correção do «preço contratado» (e faturado) quando existisse um desvio de mais de 20% relativamente ao «preço efetivo» do ano em causa, o que não se verificou em 2012.
  20. A Requerente considerou que trabalhadores seus, em 2012, haviam despendido um total de 19.379 horas em serviços prestados às participadas.
  21. Pelo que faturou às suas participadas 19.379 horas x € 154,21 («preço contratado»), no valor total de € 2.988.435,59,
  22. A AT não aceitou esta divisão de horas entre a atividade acionista e a de prestação de serviços às participadas, mas, aceitando o valor dos «gastos elegíveis», corrigidos, relativos a 2012 (€ 5.106.649,01) aplicou a este valor a margem de 10% (mark up) estabelecida pela Requerente, ou seja, multiplicou € 5.106.649,01 por 1,10%).
  23. Pelo que, ao abrigo do regime dos preços de transferência, fixou  o valor dos proveitos obtidos pela Requerente com os serviços prestados às suas participadas em € 5.617.313,81 (e não no valor de € 2.064.733,089 , apurado pela Requerente).
  24. A Requerente suportou gastos no valor de € 43.681,01, segundo o quadro 12 do relatório de inspeção tributária, que não faturou às suas subsidiárias.
  25. A Requerida considerou que as despesas identificadas no quadro 15 do RIT, no valor total de 44.006,05, devem ser qualificadas como despeças de representação, pelo que seriam passíveis de tributação autónoma, no valor de € 4.400,60.

 

Factos não provados

 

            Não foi alegado e provado qual o preço/hora que seria contratado entre empresas independentes pela prestação de serviços idênticos aos que a Requerente prestou às suas participadas.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta e a prova testemunhal produzida.

 

            Matéria de direito

 

5. A Requerente impugna a liquidação adicional de IRC resultante de correções aritméticas ao lucro tributável, efectuadas na sequência de um procedimento inspectivo, e que incidem sobre os seguintes aspectos: (a) não aceitação como gasto fiscal do montante de € 3.462,66, suportado com o pagamento de viagem do Revisor Oficial de Contas, que a Administração Tributária entende ser da responsabilidade de terceiro; (b) correção efetuada em sede de preços de transferência, no montante de € 2.064.733,089, por se entender que não são imputáveis a gastos da função accionista; (c) acréscimo ao rendimento tributável no valor de € 43.681,01 relativamente a despesas incorridas com viagens para prestação de serviços às empresas participadas, por se entender que não se encontram comprovadas nem justificadas do ponto de vista empresarial; (d) consideração como despesas de representação de gastos no montante de € 44.006,05 realizados com reuniões de liderança e assembleias gerais para a aprovação de contas.

 

São estas as questões que cabe dilucidar.

 

Enquadramento da despesa de deslocação do revisor oficial de contas como gasto dedutível

 

  6. A Requerente considerou como gasto fiscal a despesa suportada com o pagamento da viagem do revisor oficial de contas no âmbito da análise das contas consolidadas. A Administração Tributária, no relatório de inspeção, justifica a não aceitação desse dispêndio como gasto fiscal com a seguinte fundamentação: “Ora, uma vez que o ROC não é funcionário da A... SGPS, o gasto em questão é da responsabilidade de terceiros, uma vez que o beneficiário daquele encargo é responsável pelas suas deslocações em trabalho, podendo, se assim o entender, facturá-lo aos adquirentes pelos serviços por si prestados. Então este gasto, no montante de € 3.462,66, não poderá concorrer para a formação do resultado tributável”.

 

Resulta do disposto no artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, na redacção vigente à data dos factos, que a consideração de custos ou perdas para efeitos fiscais depende de um requisito de indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos que são sujeitos ao imposto. No preenchimento do conceito indeterminado de indispensabilidade há um entendimento jurisprudencial firme no sentido de considerar que se exige, tão só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, direta ou indiretamente, à obtenção de lucros. Dizer que um custo tem de traduzir uma relação com a actividade, só pode querer significar que tem de se verificar uma relação com as operações económicas globais de exploração ou com as operações ou actos de gestão que se insiram na busca do interesse próprio da entidade que assume tais custos.

É nesse âmbito compreensivo que deve entender-se a nova redação introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que, visando implementar um maior grau de certeza na aplicação concreta dos critérios de dedutibilidade, passou a consagrar como princípio geral que são dedutíveis os gastos relacionados com atividade do sujeito passivo por este incorridos ou suportados, reforçando a ideia de que basta a conexão com a atividade empresarial, independentemente da efetiva contribuição para os rendimentos sujeitos a imposto (cfr. Relatório Final da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, 30 de junho de 2013).

 

  No caso vertente, a Administração Tributária não colocou em causa a existência da viagem, nem o montante despendido, nem o facto de ela ter sido realizada no interesse empresarial da Requerente, questionando apenas o “modus operandi” quanto ao procedimento contabilístico de facturação, entendendo que o gasto devia ter sido faturado pelo revisor oficial de contas, enquanto profissional independente, à A... SGPS na condição de adquirente da prestação de serviços.

 

  No entanto, na prática, a despesa em causa sempre seria suportada pela Requerente e, estando em causa despesas de valor elevado, como é o caso, nada parece justificar que o prestador de serviços deva suportar o encargo entre o momento em que incorre na realização da despesa e aquele que é reembolsado pelo cliente. Sobretudo quando daí não resulta uma qualquer vantagem fiscal para o sujeito passivo.

 

  De facto, na perspetiva da tributação do rendimento da pessoa singular, é indiferente que o contribuinte tenha incorrido num gasto que é depois objecto de reembolso ou que o gasto seja directamente suportado pela empresa adquirente dos serviços. E do ponto de vista da tributação do rendimento da pessoa colectiva, a despesa sempre teria de ser imputada à empresa, independentemente de se encontrar titulada por factura emitida pelo revisor oficial de contas ou pelo sujeito passivo do imposto.

 

A dedutibilidade do custo, nestas circunstâncias, parece encontrar-se justificada por um princípio de neutralidade fiscal, entendido num sentido amplo de proibição de influência excessiva na atividade dos contribuintes.

 

 Preços de transferência

 

  7. A Requerente apurou, relativamente ao exercício de 2012, gastos elegíveis no montante de € 5.062.967,91, incorporando a prestação de serviços às sociedades participadas, com base no preço hora contratado de € 140,19, acrescido de uma margem de lucro de 10%, e a actividade de acionista, que considerou não debitável às participadas por não gerar um benefício económico para essas entidades. Declarou assim o montante de € 2.998.235,00 por referência à facturação de 19379 horas debitáveis às participadas.   

 

       No Relatório de Inspeção Tributária entendeu-se que não era possível corroborar o método utilizado para a determinação dos gastos elegíveis, nem o preço/hora, nem a distribuição horária entre actividade intragrupo e actividade acionista, e, por se considerar violado o princípio da concorrência na determinação do lucro tributável, procedeu-se à correcção à matéria colectável no montante de € 5. 617.313,81, correspondente à totalidade dos gastos apurados pelo sujeito passivo (€ 5.062.967,91) acrescido do montante de € 43.681,01 respeitante a prestação de serviços que se verificou não terem sido considerados pelo sujeito passivo, e sobre que incidiu a margem operacional de 10%.

 

Para assim concluir a Administração Tributária parte da seguinte ordem de considerações:

 

  1. Fórmula de cálculo da rate horária: não foram demonstrados, no decurso do presente processo inspetivo, os pressupostos que basearam a formação deste preço nem se manifestou [que] o mesmo se encontra subordinado ao princípio da plena concorrência;
  2. A matriz de repartição horária de trabalho não inclui todos os trabalhadores da SGPS e não foi demonstrada, neste procedimento inspetivo, a distribuição temporal apresentada, ou seja, não foram apresentadas evidências de que cada um daqueles funcionários das suas horas de trabalho do modo como é apresentado naquela matriz;
  3. Horas acionista: não são descritos pelo sujeito passivo os custos que considera serem do acionista nem demonstra quais as atividades desenvolvidas por cada um dos seus funcionários que qualifica como imputáveis à SGPS enquanto acionista.

 

Ainda sobre estes aspectos, num outro excerto, o Relatório de Inspeção Tributária fórmula o seguinte esclarecimento: “No entanto, em ponto algum do Dossier de PT é demonstrada a fundamentação para a contratação de uma “rate horária contratada” enquanto preço dos serviços prestados nem são apresentados os pressupostos que conduziram ao valor aplicado sem mark up de 140,19 €. Mais, nem o dossier de PT nem a resposta ao ponto 1.1 da notificação pessoal efetuada em 2016.10.07 (…) demonstram ou explicam a repartição horária dos diferentes funcionários da A... SGPS entre “Horas Acionista” e “Total Horas Debitadas”. Mais ainda, a consulta às declarações mensais de remunerações esclarece que esta matriz de repartição horária não contempla todos os funcionários da A... SGPS (…).

 

O Relatório vem a concluir que os serviços prestados às sociedades participadas não configuram o qualificativo de actividade acionista, uma vez que as beneficiárias directas são as empresas participadas e nenhuma entidade independente estaria disposta a incorrer em encargos para dotar uma outra entidade das condições necessárias ao seu bom desempenho, de onde se extrai que não é “consentâneo com o princípio da plena concorrência vertido no § 1.52 do relatório da OCDE a não repercussão dos custos incorridos pela A... SGPS às suas participadas”.

 

À luz de todos estes considerandos, o que está em causa, num primeiro momento, é a aplicação do método de determinação os preços de transferência no âmbito de prestação de serviços entre entidades que se encontram em situação de relações especiais, de modo a verificar se os preços aplicados se encontram em conformidade com o princípio da plena concorrência.

 

De acordo com o disposto no artigo 63.º do CIRC, o sujeito passivo deve adoptar as condições que seriam normalmente acordadas entre entidades independentes (n.º 1) através da utilização do método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais (n.º 2).

 

A aplicação deste princípio deve basear-se numa análise individualizada das operações, tendo em vista a comparação entre as condições praticadas numa transação entre entidades relacionadas e as praticadas entre entidades independentes.

 

A Autoridade Tributária sustenta que no procedimento inspectivo não foi efectuada a demonstração do preço/hora aplicado pela Requerente na relação com as suas participadas. Mas o certo é que a Administração não indicou qual era o preço que teria sido contratado entre empresas independentes para a prestação dos mesmos serviços - nem essa prova foi efectuada no âmbito do processo arbitral – e a correcção à matéria colectável proposta pelo Relatório de Inspeção Tributária teve por base, não o preço/hora que seria normalmente aplicável em condições de mercado, mas antes a desconsideração de certos gastos como sendo inerentes à função acionista. Sendo que, para esse efeito, foi tido em conta o preço/hora utilizado pela Requerente para o cálculo dos gastos elegíveis.

 

Ou seja, a Administração Tributária, embora tenha invocado que não se encontra fundamentado no Dossier de Preços de Transferência o preço/hora definido para a prestação de serviços às sociedades participadas, não extraiu daí qualquer consequência – designadamente para efeito de proceder à correcção com base no preço que seria contratado entre entidades independentes -, e acabou por validar o preço indicado pelo sujeito passivo.

 

Neste contexto, a questão que interessa abordar, e que tem directo reflexo no julgamento da causa, relaciona-se com a falada descaracterização dos gastos que são imputados à actividade acionista e que determinou a correcção da matéria colectável que é objecto de impugnação no âmbito do pedido arbitral.

 

8. Neste plano de análise, a Requerente argumenta que, na qualidade de sociedade holding desenvolve três grandes grupos de atividades assim caracterizadas: controlo da gestão das suas participadas, expansão e internacionalização e prestação de serviços de administração e de gestão.

 

O controlo da gestão consiste basicamente numa análise que a holding faz às suas participadas de modo a examinar, avaliar e controlar a situação das suas participações sociais, e que se destina a recolher, através dos seus profissionais, a informação previamente elaborada pelas suas participadas e analisá-la de modo a definir a estratégica empresarial.

 

Por outro lado, no âmbito da estratégia de expansão e internacionalização, cabe à A... SGPS implementar novas unidades industriais em mercados competitivos através da aquisição e constituição de participações sociais, que gere, de forma centralizada, na perspetiva de aumentar a distribuição de dividendos.

 

Deste modo, a Requerente conclui que as atividades de controlo da gestão e de expansão e internacionalização integram, para efeitos do regime de preços de transferência, o conceito de atividade de acionista, na medida em que (i) não aportam qualquer benefício direto e imediato para as participadas, que (ii) uma eventual vantagem que as participadas obtenham é acessória e unicamente imputável ao facto de integrarem o Grupo e que (iii) são exercidas para a acionista A... SGPS gerir de forma ativa e centralizada as suas participadas com o intuito de obter retorno do seu investimento.

 

Como resulta ainda do Dossier de Preços de Transferência, a Requerente entende que os custos relacionados com a actividade acionista, como os referidos custos de controlo de gestão e de internacionalização e expansão “não deverão ser debitados às empresas subsidiárias por não decorrerem da prestação normal de um serviço com valor económico ou por estarem associados a um custo que estas não teriam de incorrer caso não pertencessem a um grupo económico.”  

 

Nesses termos, a Requerente não incluiu esses custos como gastos debitáveis às empresas participadas, circunscrevendo as despesas desse tipo às que se encontram relacionadas com a prestação de serviços de administração e gestão, no montante global de € 2.998.235,00.

 

Colocada nestes termos, a questão que cabe esclarecer prende-se não propriamente com os preços de transferência mas com a caracterização da prestação de serviços intragrupos.

 

Para responder à questão de saber se foi prestado um serviço intragrupo quando a actividade é exercida em benefício de um ou de vários membros do grupo por um outro membro desse grupo, haverá que verificar se a actividade apresenta para o destinatário um interesse económico ou comercial que reforce a sua posição social, o que implica, por sua vez,  que se averigue se, em circunstâncias comparáveis, uma empresa independente teria estado disposta a pagar a uma outra empresa independente para executar esta actividade ou se ela própria a teria executado internamente.

 

A resposta terá de ser encontrada casuisticamente, mas poderá considerar-se, em tese geral, que há lugar à prestação de serviços intragrupos quando um membro do grupo visa satisfazer uma necessidade específica de uma ou várias empresas do grupo. Noutros casos, uma actividade intragrupo pode ser exercida relativamente a membros do grupo quando estes não necessitem dessa actividade e não estariam dispostos a remunerar esse serviço se se tratasse de entidades independentes. É esse o caso quando um membro do grupo (em geral a sociedade mãe), na qualidade de acionista, exerce actividades relacionadas com as participações no capital de um ou de vários membros do grupo, entendendo-se que estão aí em causa custos da função acionista que não tem de ser repercutidos sobre as empresas participadas.

 

São descritos como exemplos (a) os custos de actividades inerentes à estrutura jurídica da própria sociedade mãe, tais como a organização de assembleias gerais de accionistas, a emissão de acções desta sociedade e os encargos com o funcionamento do conselho de fiscalização, (b) os custos relativos às obrigações da sociedade mãe em matéria de apresentação de contas e os relatórios de actividades, e (c) os encargos relativos à mobilização dos recursos necessários à sociedade mãe para aquisição das suas participações (sobre todos estes aspectos, cfr. OCDE – Princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência destinado às empresas multinacionais e às administrações fiscais, §§ 7.6 a 7.10, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 189, Lisboa, 2002).

 

No caso vertente, o que se comprova é que a Requerente prestava às empresas participadas, não apenas serviços de administração e gestão, que eram remunerados por essas entidades, mas também actividades de controlo de gestão e de expansão e internacionalização, que consistiam, por um lado, na recolha de informação sobre a situação de cada uma das empresas participadas destinada a definir a estratégia empresarial, e, por outro, na elaboração de estudos prévios de consultadoria para aferir a viabilidade de aquisição ou constituição de novas unidades industriais. Sendo que para esse efeito a A... SGPS dispunha de uma estrutura própria de pessoal que se deslocava às sedes das empresas subsidiárias e recolhia e tratava a informação que era veiculada para a sociedade mãe.

 

Afigura-se tratar-se aí de actividades inerentes à própria gestão das participações sociais que se destinam a definir as directrizes estratégicas, a controlar a actividade das empresas participadas e a impulsionar o crescimento e desenvolvimento do Grupo e de que as empresas associadas apenas podem beneficiar indirectamente na medida em que dele fazem parte integrante.

 

Para rebater este ponto de vista, o Relatório de Inspeção Tributária limita-se a considerar que “não são descritos pelo sujeito passivo os custos que considera serem do acionista nem demonstra quais as actividades desenvolvidas por cada um dos seus funcionários que qualifica como imputáveis à SGPS enquanto acionista”, tendo sido esse o fundamento material que determinou que todos os gastos elegíveis, no montante de € 5.062.967,91, fossem tidos com debitáveis às empresas participadas.

 

No entanto, a matéria de facto dada como assente vai no sentido de considerar que a Requerente dispunha de uma estrutura própria que recolhia e tratava a informação destinada a permitir o controlo da atividade e gestão das suas participadas, e que tinha também como função elaborar estudos prévios para aferir da viabilidade da criação ou aquisição de novas unidades industriais, no âmbito da estratégia de expansão e internacionalização. E está também demonstrado que essa actividade, tida como relacionada com a função acionista, se distinguia da dos serviços prestados em exclusivo benefício das empresas participadas, que eram objecto de facturação a essas entidades. Além de que a distinção entre esses dois tipos de actividades se encontra também suficientemente caracterizada no Dossier de Preços de Transferência.

 

  Não há, por isso, motivo bastante para desconsiderar as actividades que a Requerente declarou como correspondente à função acionista. E, em qualquer caso, por efeito da regra do direito probatório material que resulta do artigo 74.º da LGT, era à Administração Tributária que competia provar que essas actividades não foram realizadas ou correspondem a serviços prestados às subsidiárias no âmbito de relações comerciais intragrupo que não poderiam ter sido incluídas no custo acionista.

 

Por tudo, o pedido mostra-se também procedente nesta parte.

 

Acréscimo ao lucro tributável do valor de € 43.681,01

 

9. A Administração Tributária acrescentou aos gastos operacionais declarados pelo sujeito passivo, no montante de € 5.062.967,91, o valor de € 43.681,01, correspondente a gastos que considerou serem igualmente elegíveis para efeitos de facturação às participadas. Esses gastos são descritos no quadro 12 do Relatório de Inspecção Tributária como referentes a viagens e a auditorias internas.

 

A correção encontra-se justificada no Relatório nos seguintes termos: “[E]ntretanto, a análise dos gastos considerados pela A..., SGPS como não debitáveis e que não foram redebitados às participadas demonstrou a existência de encargos incorridos pelo sujeito passivo cuja justificação de indispensabilidade para a realização dos seus proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora se mostrou necessária e foi solicitada através de notificação pessoal efetuada em 2016.12.13. Com efeito, em resultado da resposta apresentada pelo sujeito passivo, os documentos que a seguir se apresentam correspondem a encargos que, por dizerem respeito a gastos incorridos pela SGPS com viagens para prestar serviços de auditoria ou outros nas participadas, devem ser considerados (…) como elegíveis para efeitos de faturação às participadas.

 

A Requerente contrapõe que a actividade em análise não diz respeito a um procedimento de auditoria das contas das empresas participadas, mas consubstancia o exercício da atividade de acionista pela holding através do controlo da gestão e que, como tal, os encargos suportados devem ser qualificados como custos do acionista e não têm de ser objecto de facturação às subsidiárias.

 

A resposta a esta questão não pode afastar-se daquela que foi formulada no ponto precedente quanto ao montante global de gastos declarados pela Requerente como associados à função acionista.

 

O Relatório de Inspecção Tributária remete os gastos operacionais declarados como custo do acionista para o regime de prestação de serviços às empresas participadas e justifica essa correcção - como se deixou exposto -  por não terem sido descritos pelo sujeito passivo os custos que considera serem do acionista nem demonstradas quais as actividades desenvolvidas por cada um dos seus funcionários que são qualificadas como imputáveis à SGPS enquanto acionista. Terá sido com base nesses mesmos pressupostos que o Relatório inclui os gastos não considerados pelo sujeito passivo como debitáveis às participadas.

 

No entanto, da matéria de facto dada como provada resulta que a Requerente através de um grupo de pessoal próprio exercia actividades de controlo da gestão das suas participadas e expansão e internacionalização, que podem ser qualificadas como função acionista, e que não se confundem com a prestação de serviços intragrupo em benefício exclusivo das participadas.

 

Questionando a Requerente, no pedido arbitral, a qualificação feita pelo Relatório de Inspecção quanto aos gastos com viagens e auditorias, competia à Administração Tributária o ónus da prova de que esses gastos correspondem de facto a serviços prestados às subsidiárias no âmbito de relações comerciais intragrupo.

 

Não tendo sido feita essa prova, chega-se a uma situação de incerteza quanto aos factos relevantes que terá de ser resolvida em desfavor da parte sobre quem impende o ónus da prova (artigos 346.º, in fine, do Código Civil, e 414.º do Código de Processo Civil.

 

Despesas de Representação

10. A Requerente contabilizou como gastos fiscalmente dedutíveis despesas relacionadas com reuniões de liderança, assembleias gerais de apresentação e aprovação de contas, reuniões de apresentação aos bancos, apresentação de contas semestrais e viagens no âmbito de análise de contas consolidadas, no valor global de € 44.006,05.

O Relatório de Inspecção Tributária, partindo do disposto no artigo 88.º, n.º 7, do CIRC, considerou que esses gastos configuram despesas de representação, sendo como tal tributáveis autonomamente à taxa de 10%, por entender que os beneficiários das despesas de representação,  podem ser clientes, fornecedores e “quaisquer outras pessoas ou entidades”, aqui se incluindo os colaboradores da própria empresa, vindo a concluir que “as despesas de representação são, basicamente, todas as efectuadas para representação da empresa junto de terceiros”.

  A referida disposição do artigo 88.º, n.º 7, do CIRC estatui o seguinte:

 

 São tributados autonomamente à taxa de 10 % os encargos efetuados ou suportados relativos a despesas de representação, considerando-se como tal, nomeadamente, as despesas suportadas com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.

 

A introdução do mecanismo de tributação autónoma tem em vista, como se sabe, prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição oculta de lucros ou atribuam rendimentos que poderão não ser tributados na esfera dos respetivos beneficiários, tendo também o objetivo de combater a fraude e a evasão fiscais.

 

 No caso vertente, não está em causa a realização das despesas nem a sua específica finalidade, mas a própria interpretação o conceito de “despesas de representação”.

 

De facto, a Administração Tributária fórmula um conceito amplíssimo de despesas de representação, pelo qual se integram nesse tipo de despesas “todas as efectuadas para representação da empresa junto de terceiros”, incluindo entre os terceiros que podem ser beneficiários desse tipo “os colaboradores da própria empresa”.

 

Parece claro que as despesas de representação são gastos motivados por razões empresariais mas que, de algum modo, possam aproveitar a terceiros externos à sociedade ou ao grupo de sociedades, sendo esse o caso do pagamento de refeições, despesas decorrentes de convites e pagamento de bilhetes para espetáculos a pessoas com as quais a empresa tem ou pretende vir a ter relações comerciais.

Não são de qualificar como despesas de representação os gastos incorridos com viagens e estadia de administradores e colaboradores para participarem em reuniões de liderança ou em assembleias gerais, da própria sociedade ou de sociedades participadas, por serem deslocações directamente relacionadas normal atividade empresarial. Como o não são os gastos decorrentes de reuniões de confraternização quando apenas envolvam administradores e colaboradores, e não outras pessoas estranhas à empresa.

O pedido mostra-se também procedente neste ponto.

Juros compensatórios

 

10.  A Requerente impugna igualmente a liquidação de juros compensatórios em relação ao acto tributário de liquidação de IRC.

 

Nos termos do artigo 35.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.

 

Como tem sido entendimento corrente, os juros compensatórios devidos nos termos da referida disposição constituem uma reparação de natureza civil que se destina a indemnizar a Administração Tributária pela perda de disponibilidade de uma quantia que não foi liquidada atempadamente. Tratando-se de uma indemnização de natureza civil, ela só exigível se se verificar um nexo de causalidade entre a actuação do sujeito passivo e o atraso na liquidação e essa actuação possa ser censurável a título de dolo ou negligência.

 

A procedência do pedido arbitral torna necessariamente inexigível o pagamento de juros compensatórios, pelo que também nesse ponto o pedido é procedente.

Vícios de conhecimento prejudicado.

 

Face às soluções de direito a que se chega no plano infraconstitucional, fica prejudicado o conhecimento de vícios formais da actividade administrativa e questões de constitucionalidade que vinham também invocados

 

 

 

III – Decisão

 

Termos em que se decide anular o acto de liquidação n.º 2017... e o acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2017..., no valor global de € 287.822,98, e, consequentemente, anular o acto de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra esses actos tributários. 

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € € 287.822,98, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 3 de janeiro de 2019,

  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

 

Rui Duarte Morais

 

O Árbitro vogal

 

 

Manuel Pires (vencido conforme a declaração de voto que junta)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Não perfilho a decisão, com os seguintes fundamentos:

 

1-    Quanto às despesas de deslocação como gasto dedutível, importa considerar só poder ser exercitada uma opção relativa ao modo de praticar actos relevantes fiscalmente se tal opção for admitida legalmente, o que não ocorre no caso, não conduzindo ao contrário o princípio da neutralidade fiscal devidamente entendido quanto ao seu âmbito de aplicação, em qualquer das suas modalidades: referência às disposições que se conformam com um sistema ideal de impostos, contraposta à “despesa fiscal” (Douglas Kahn) ou quando a finalidade do imposto é proporcionar receita ou, mais restritivamente, quando o imposto não tem o efeito de pressionar o contribuinte a assumir determinado comportamento ou o imposto dever ser estabelecido de modo a que os encargos públicos sejam repartidos de acordo com a capacidade de pagamento ou ainda de os impostos deverem alterar no mínimo a actuação dos contribuintes, com a consequência de alterar o mínimo possível a procura e a oferta de bens e serviços ou o não favorecimento de certas actividades sobre outras, implicando eficiência económica ( ausência de interferência ) e equidade ( não discriminação), não tributando diferentemente situações iguais, de modo a não gerar distorções.

 

2-    Relativamente à questão do preço de transferência, o ónus de prova sobre a AT deve surgir apenas quando o afirmado pelo SP foi fundamentado com objectividade devidamente controlável. De outro modo, operar-se-ia a inversão de tal ónus sem dificuldade e não seria, pois, suficiente justificação, para tal não ocorrer e como deveria ser, a prática dificilmente controlável ou, a fortiori, incontrolável e, como tal se apresentam os casos em que, atentas as circunstâncias, a prova em contrário excederia em muito a razoabilidade. No caso decidido, em que se aplica o que se escreveu, a razão do litígio reside em factos derivados da actuação do SP : má elaboração do dossier pertinente, não contendo informação fundamental, que lhe incumbia disponibilizar, e o não fornecimento de explicações relativas apropriadas, qualitativa e quantitativamente. quando solicitadas. Acresce muito especificamente que deveria também ter sido incluído nos factos provados, com consequência necessária na decisão, o carácter de “ debitáveis” (somas a que o SP tinha direito ) - atribuído expressa e claramente em documento elaborado pelo SP, constando do anexo II do Relatório da Inspecção - a €5 062 968,00, valor assaz relevante na correcção da AT, importância que, aliás, como consta do referido Relatório, não esgota os gastos de tipos nele incluídos, não tendo sido a diferença objecto de correcção. Aquele documento, mencionando clara e expressamente o carácter das importâncias nele incluídas como “debitáveis”, não inclui despesas de outra natureza, isto é, “elegíveis”, posto que parcialmente. Embora posteriormente, integradas na problemática geral dessa parte do processo, fossem invocadas como dessa outra natureza, nunca foi dada específica e concretamente, como se impunha, a explicação ou, por maioria de razão, a justificação para a alteração, apesar das sucessivas correções, quando referidas como “elegíveis”, durante a produção da prova testemunhal.

 

3-    No atinente às despesas de representação, a diversidade dos respectivos entendimento legal e, por parte do SP, qualificações, as finalidades das tributações autónomas e a “obscuridade” de despesas sob apreciação implicariam o aprofundamento da matéria.

 

Por todo o escrito acima e como consequência, deveria ainda ter sido decidido existir obrigação de juros compensatórios.

 

Manuel Pires