Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 218/2018-T
Data da decisão: 2018-12-13  Selo  
Valor do pedido: € 225.237,07
Tema: IS – artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS - Instituições financeiras.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

1. A..., S.A. (A...), com o número de identificação de pessoa coletiva..., com sede na ..., n.º ..., ..., em Lisboa, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos actos tributários de liquidação de imposto de selo e de liquidação de juros compensatórios, por referência ao ano de 2015, no montante global de € 225.237,07.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

O A... é uma instituição de crédito que se dedica ao exercício da atividade bancária e financeira, bem como à prestação de serviços conexos, encontrando-se como tal subordinada ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.

 

No decurso da sua atividade, o A... emite cartões bancários de débito e de crédito aos seus clientes para que possam realizar operações de pagamento por via eletrónica em estabelecimentos comerciais que disponham de um terminal de pagamento automático.

 

No âmbito das operações de pagamento por via eletrónica por recurso a cartões bancários, a Requerente, no ano de 2015, cobrou às instituições financeiras emissoras de cartões bancários comissões correspondentes à “taxa multilateral de intercâmbio”, no montante de € 387.966,44.

 

Ainda no contexto da sua atividade, o A... cobra comissões a instituições financeiras decorrentes da prestação de serviços e atividades de investimento (dealing) em instrumentos financeiros junto de entidades emitentes, nomeadamente no capítulo da colocação em oferta pública e da recepção e transmissão de ordens.

 

No ano de 2015, o A... cobrou essas comissões às instituições da B..., sediada em França, e C..., sediado na Irlanda, no montante de € 4.769.965,00.

 

Pela cobrança das comissões correspondentes à “taxa multilateral de intercâmbio” e atividades de investimento (dealing), o A... não procedeu à liquidação de Imposto do Selo por considerar que estava coberta pela isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo (CIS).

 

No entanto, a Administração Tributária, no âmbito de uma acção inspetiva dirigida ao Requerente, determinou correções em sede de imposto de selo que incidiram sobre o enquadramento fiscal atribuído pelo A... às comissões alusivas à “taxa multilateral de intercâmbio” e à atividade de “dealing” e originaram os actos de liquidação agora impugnados, no montante global de € 225.237,07.

 

Sucede que as comissões cobradas por instituições de crédito, ao longo das diversas redacções que foram atribuídas à norma do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, sempre estiveram cobertas pela isenção de imposto e a limitação estabelecida pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, através do aditamento de um n.º 7 a esse artigo 6.º, apesar da sua invocada natureza “interpretativa”, não pode deixar de se considerar violadora do princípio da proibição constitucional da aplicação retroativa da lei fiscal.

 

De facto, a estatuição constante dessa norma, ao dizer que “o disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea”, não corresponde a uma interpretação que já pudesse ser aceite à luz das anteriores redacções do preceito, pelo que a referida disposição do n.º 7 do artigo 6.º tem natureza inovadora e destinou-se a agravar colecta do imposto em relação a anos fiscais anteriores.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, sustenta que os juros, as comissões cobradas e as garantias prestadas a que se refere a norma do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), se correlacionam com a concessão de crédito, pelo que apenas se encontram abrangidos pela isenção aí prevista quando se trate de juros, comissões ou garantias decorrentes do crédito concedido.

 

Nesse sentido, o aditamento do nº 7 ao artigo 7º do CIS, através da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, ao restringir a isenção às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, limitou-se a efectuar uma explicitação de uma norma anterior, não se lhe podendo atribuir natureza inovadora visto que optou por uma das possíveis interpretações do regime legal preexistente.

  

Não poderá, por isso, atribuir-se retroactividade à referida disposição do nº 7 ao artigo 7º de que o legislador fiscal se socorreu como norma interpretativa para clarificar soluções dúbias.

 

Em qualquer caso, a Administração Tributária não poderia desconsiderar, com fundamento na sua pretensa inconstitucionalidade, a natureza interpretativa do nº 7 do artigo 7º do CIS, que lhe foi atribuída pelo artigo 154º da LOE 2016, pelo que nunca seriam devidos juros indemnizatórios, por ausência de qualquer responsabilidade ou erro da Administração.

 

2. No seguimento do processo foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e ordenada a remessa do processo para alegações facultativas escritas pelo prazo sucessivo de dez dias.

 

As partes não apresentaram alegações. 

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 10 de julho de 2018.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não invocadas excepções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes.

 

a) O A... é uma instituição de crédito que se dedica ao exercício da atividade bancária e financeira, bem como à prestação de serviços conexos;

 

b) No decurso da sua atividade, o A... emite cartões bancários de débito e de crédito aos seus clientes, os quais passam a poder realizar, com os mesmos, operações de pagamento por via eletrónica em estabelecimentos comerciais que disponham de um terminal de pagamento automático;

 

c) Enquanto entidade emitente de cartões bancários, o A..., no ano de 2015, cobrou a instituições financeiras comissões correspondentes à “taxa multilateral de intercâmbio”, no montante de € 387.966,44;

 

d) No contexto da sua atividade, o A... cobra comissões a instituições financeiras decorrentes da prestação de serviços e atividades de investimento (dealing);

 

e) No ano de 2015, o A... cobrou essas comissões às instituições B..., sediada em França, e C..., sediado na Irlanda, no montante de € 4.769.965,00;

 

f) O A... não procedeu à liquidação de Imposto do Selo pela cobrança das comissões referidas nas antecedentes alíneas c) e e) por considerar que estavam abrangidas pela isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo;

 

g) Ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2017..., de 5 de abril de 2017, os Serviços de Inspeção Tributária efetuaram uma ação inspetiva externa de âmbito geral, para apurar a situação tributária do A... e averiguar sobre o cumprimento de obrigações fiscais inerentes ao exercício da sua atividade, com referência ao período de tributação de 2015;

 

h) Através do ofício n.º..., de 17 de novembro de 2017, o A... foi notificado para se pronunciar sobre o Projeto de Relatório da Inspecção Tributária, no qual era proposto efetuar correções em sede de Imposto do Selo incidentes sobre as comissões respeitantes à “taxa multilateral de intercâmbio” e à atividade de “dealing”;

 

i) Pelo ofício n.º 4257, de 17 de dezembro de 2017, o A... foi notificado do Relatório de Inspeção Tributária que apurou imposto de selo em falta no montante de € 15.518,65, relativamente às comissões respeitantes à “taxa multilateral de intercâmbio” e no montante de € 190.798,60, relativamente às comissões respeitantes à actividade  “dealing”;

 

j) O A... foi notificado da liquidação de Imposto do Selo n.º 2017..., no montante de € 206.317,25, e das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017... e 2017..., no montante total de € 18.919,92;

 

l) O A... procedeu ao pagamento do imposto devido.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.

 

Matéria de direito

 

5. A questão central em debate consiste em saber se as comissões cobradas pela Requerente se encontram abrangidas pelo regime de isenção fiscal a que se refere o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, que isenta de imposto “os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras”.

 

A Autoridade Tributária contrapõe que essa norma apenas se refere aos juros e comissões conexos com operações de concessão de crédito em que intervenham as instituições de crédito e financeiras e que essa clarificação veio a ser efectuada pelo n.º 7 do artigo 7.º, aditado pela Lei n.º 7.º-A/2016, de 30 de março, a que foi atribuída natureza de norma interpretativa (artigo 154.º).

 

É essa a questão que interessa dilucidar e que justifica preliminarmente um breve relance pela evolução legislativa do preceito.

 

Na sua redação originária, o Código de Imposto de Selo, no seu artigo 6.º, previa a isenção de imposto para a concessão de crédito e a cobrança de comissões por instituições de crédito, nos seguintes termos:

 

1 - Ficam também isentos do imposto:

(...)

e) Os juros cobrados e a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a instituições, sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstas na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997;

f) As comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições da mesma natureza ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito previstos na legislação comunitária, domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997;

(…)

           

A Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro, tendo mantido no essencial o regime de isenção previsto nessas disposições, introduziu um n.º 2 em que estipulava que “[o] disposto nas alíneas e) e f) apenas se aplica às operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da actividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquelas alíneas”, assim restringindo o âmbito objectivo da isenção referida na alínea f), que passou a aplicar-se apenas às operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito.

 

Esse n.º 2 veio, entretanto, a ser eliminado pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que reformulou ainda a alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º de modo a incluir nesse único dispositivo as isenções anteriormente previstas nas alíneas e) e f), e passou a ter a seguinte redacção:

 

e) Os juros e comissões cobrados e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças.

 

Com o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, o regime daquela alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º, passou a constar da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º e a Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, alterou a redacção dessa alínea, estendendo o âmbito aplicativo da isenção às “garantias prestadas”.

 

O preceito manteve-se inalterado desde então, ostentando actualmente a seguinte redacção:

 

e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças.

 

Entretanto, a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, no seu artigo 152.º, veio aditar um n.º 7 ao artigo 7.º do CIS, em que se prescreve: “[o] disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea”. Por outro lado, o artigo 154.º dessa Lei atribuiu a este n.º 7 natureza de norma interpretativa.

6. A evolução histórica do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS evidencia que só na sua versão originária, que reportava a isenção à concessão de crédito e à cobrança de comissões pelas instituições de crédito e, posteriormente, com o aditamento de um n.º 2 a esse artigo pela Lei n.º 30-C/2000, que restringia o âmbito da isenção às operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito, é que o âmbito aplicativo da isenção ficou circunscrito às operações de crédito (incidência objectiva) e às instituições de crédito (incidência subjectiva).

 

Com a consolidação da fórmula verbal “juros e comissões cobrados e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras”, resultante da nova redacção dada pela Lei n.º 32-B/2002, e a concomitante eliminação do n.º 2, ficou claro que a norma visa duas distintas finalidades: de um lado, a cobrança de juros e comissões, e de outro, a concessão de crédito.

 

E é nesse sentido que aponta também o elemento histórico de interpretação. Não pode deixar de fazer-se notar que até à reformulação operada pela Lei n.º 32-B/2002, a lei contemplava distintamente os juros cobrados e a utilização de crédito (alínea e) e as comissões cobradas por instituições de crédito (alínea f). A assimilação desses dois tipos de operações financeiras num único dispositivo legal não pode ter o efeito de descaracterizar o âmbito de incidência da isenção, passando a associar os juros e as comissões à própria concessão de crédito.

 

Neste contexto, a norma do n.º 7 do artigo 7.º do CIS, aditada pela Lei n.º 7-A/2016, na medida em que restringe o âmbito da isenção às operações directamente destinadas à concessão no âmbito da actividade desenvolvida pelas instituições e sociedades financeiras e outras instituições financeiras, reveste-se natureza inovadora, passando a delimitar o âmbito material da isenção prevista na falada norma do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), em termos que não correspondiam ao sentido literal e às circunstâncias históricas em que a norma foi elaborada.

 

Norma interpretativa e o princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal

 

7. Na revisão de 1997, a Constituição passou a estatuir, no seu artigo 103.º, n.º 3, que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroativa, consagrando um princípio da proibição da retroactividade dos impostos que constituia já uma decorrência do princípio da protecção da confiança inscrito no princípio do Estado de direito (artigo 2.º).

 

Consequentemente, como tem sido sublinhado pela jurisprudência constitucional, o legislador não pode criar impostos com tal natureza ou introduzir nos impostos existentes modificações que, com efeitos retroativos, agravem situações fiscais já definidas, nomeadamente o quantum devido a título de certo imposto e previamente definido em razão da verificação dos factos relevantes à luz do direito anteriormente aplicável (Acórdão n.º 644/2017).

 

A mencionada proibição constitucional tem implicações relativamente às leis interpretativas no domínio fiscal.

 

Como resulta do disposto no artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil, a lei interpretativa considera-se integrada na lei interpretada, o que significa que retroage os seus efeitos à data da entrada em vigor da lei antiga, tudo se passando como se tivesse sido publicada na data em que o foi a lei interpretada.

 

A lei interpretativa passa a ter, nesses termos, um efeito de retroatividade formal: há retroactividade porque a lei se torna aplicável a factos e situações anteriores, e a retroactividade é meramente formal na medida em que a lei se limita a consagrar uma das interpretações possíveis da lei anterior  com que os interessados podiam e deviam contar, e que não é suscetível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Diferentemente, se a lei nova se pretende aplicar a factos e situações jurídicas anteriormente disciplinados por um direito certo, então este último é modificado, violando-se expectativas quanto à sua continuidade, e tal lei, na medida em que inove relativamente ao direito anterior, será substancial ou materialmente retroativa (cfr. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1983, págs. 246-247).

 

Como se explanou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017, “na ótica da tutela da confiança dos destinatários do direito, releva que a lei interpretativa formalmente retroativa apenas declara o direito preexistente; ao passo que a lei interpretativa substancialmente retroativa, ao modificar o direito preexistente, constitui direito novo. É o que sucede quando o legislador declare ou qualifique expressamente como “interpretativa” certa disposição de uma lei nova, mesmo quando essa disposição seja na realidade inovadora. Uma lei que modifique o direito preexistente – o mesmo é dizer, que constitua direito novo – sob a capa de “lei interpretativa” violará necessariamente uma eventual proibição de leis retroativas válida para o seu âmbito de aplicação material”.

 

É a situação do caso.

 

Os serviços da administração tributária invocaram o carácter interpretativo da disposição do n.º 7 do artigo 7.º do CIS, para excluir a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 desse artigo em relação a operações financeiras não directamente destinadas à concessão de crédito.

 

Essa solução normativa, resultante da conjugação dos n.ºs 1, alínea e), e 7 do artigo 7.º do CIS, em consequência do aditamento desse n.º 7 pelo artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, é inovadora e agrava a posição jurídica do sujeito passivo que fica assim impedido de beneficiar do regime de isenção de imposto. E, tendo sido aplicada ao exercício de 2015, e, portanto, a um ano fiscal anterior à entrada em vigor da Lei, essa solução torna-se substancialmente retroativa e, nessa medida, incompatível com a proibição da imposição de impostos retroativos.

Entende-se, nestes termos, que é inconstitucional, por violação do princípio da proibição da retroactividade dos impostos consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, a interpretação normativa das disposições conjugadas dos artigos 7.º, n.º 1, alínea e), e n.º 7 do Código de Imposto do Selo e 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, segundo a qual a isenção prevista nessa alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da actividade exercida pelas instituições e entidades que aí são referidas. 

 

 Esse mesmo juízo de inconstitucionalidade foi confirmado pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 644/2017, em reclamação de decisão sumária, e adoptado, em situação similar, pelas decisões arbitrais proferidas nos Processos n.ºs 348/2016, 303/2017, 352/2017 e 441/2017.

 

Em necessária decorrência da recusa de aplicação da interpretação normativa tida como inconstitucional, são ilegais os actos tributários de liquidação de imposto de selo, bem como de liquidações de juros compensatórios a que se refere o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

Juros indemnizatórios

 

8. A Requerente, tendo procedido ao pagamento voluntário do imposto de selo liquidado, vem requerer o reembolso dos montantes indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios, em aplicação do disposto nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

 

As referidas disposições preveem a liquidação de juros indemnizatórios por pagamento indevido da prestação tributária, desde a data do pagamento até à emissão da nota de crédito, quando a exigência da prestação seja imputável a erro dos serviços.

 

No caso vertente, teve relevo, para a decisão que veio a ser adoptada pela Administração, o aditamento da norma do n.º 7 do artigo 7.º do CIS, a que foi atribuída natureza interpretativa.

 

A Administração encontra-se subordinada ao princípio da legalidade (artigo 266.º, n.º 2, da Constituição), não podendo deixar o cumprir o disposto na lei a pretexto da sua inconstitucionalidade, tarefa que, em termos difusos, e conforme o disposto no artigo 213.º, se encontra apenas conferida aos tribunais (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª edição, pág. 800).

 

Fundando-se a decisão arbitral na recusa de aplicação de norma por inconstitucionalidade, não se verifica o pressuposto de que depende a condenação em juros indemnizatórios.

 

III – Decisão

 

Termos em que se decide:

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

 

b) Anular as liquidações de Imposto do Selo n.º 2017..., no montante de € 206.317,25, e das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017... e 2017..., no montante total de € 18.919,92;

 

c) Absolver a Requerida do pagamento de juros indemnizatórios.

 

IV. Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 225.237,07, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

V. Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, que fica a cargo da Requerida.

 

VI. Notificação ao Ministério Público

Atenta a recusa de aplicação de norma constante de ato legislativo, notifique-se o Ministério Público, representado pela Senhora Procuradora-Geral da República, nos termos e para os efeitos dos artigos 280.º, n.º 3, da Constituição e 72.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 13 de dezembro de 2018

  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

 

Cristina Aragão Seia

 

O Árbitro vogal

 

Vasco Valdez