Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 227/2018-T
Data da decisão: 2018-11-05  IRS  
Valor do pedido: € 3.542,19
Tema: IRS – Acto revogado – inutilidade superveniente da lide; juros indemnizatórios.
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Decisão Arbitral

 

I-RELATÓRIO

 

1. A..., casado, contribuinte fiscal nº  ..., residente na ..., nº..., em Lisboa (doravante designado por Requerente ou Sujeito Passivo), apresentou  em 2018-05-03, pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º , 5º, nº 2º, alínea a), 6ºnº 1 e 10º, nºs 1 e 2, todos do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante designado por RJAT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por Requerida ou AT), com vista à declaração de ilegalidade e consequente  anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa a que coube o nº ...2017..., bem como a declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de liquidação de IRS, nº 2017..., respeitante ao ano de 2015.

 

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Singular foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e notificado à Requerida em 2018-05-10.

 

3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificado às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o signatário que comunicou àquela Conselho a aceitação do encargo no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

 

4. Em 2018-06-25, foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) na redacção que lhes foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

 

5. O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 2018-07-16, em consonância com a prescrição da alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

 

6. Devidamente notificada para tanto, através do despacho proferido em 2018-07-16 a Requerida apresentou em 2018-09-04 a sua resposta, tendo nessa mesma data procedido à junção do processo administrativo.

 

7. Na sua resposta, a AT alegando que o acto de liquidação objecto da presente pronúncia arbitral foi "anulado, tendo já sido restituídas as importâncias devidas" veio requerer, em consequência, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

 

8. Em resultado de despacho arbitral, datado de 2018-09-04 veio o Requerente, em 

2018-09-14 dizer aos autos que "não se encontrando restituído o imposto e acrescidos pagos no âmbito do processo de execução fiscal, não poderá o presente processo ser extinto por inutilidade superveniente da lide".

 

9. Convidada a AT a pronunciar-se, no prazo de dez dias, sobre a afirmação do Requerente, concernente à inverificação da restituição/reembolso do imposto e acrescidos, veio em 2018-09-27 pedir prorrogação para sobre a mesma se pronunciar.

 

10. Prorrogação esse que lhe foi concedida por despacho proferido em 2018-09-27.

 

11. Em 2018-10-16, veio a AT provar documentalmente a restituição ao Requerente dos valores em causa.

 

12. Por despacho arbitral proferido em 2018-10-16, foi indicada a data para prolação da decisão e sua notificação às partes.

 

13. O Tribunal Arbitral Singular é materialmente competente, e encontra-se regularmente constituído nos termos dos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º do RJAT.

 

14. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devida e legalmente representadas (artigos 3º, 6º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT.

 

15. O processo não enferma de nulidades.

 

 

II- FUNDAMENTAÇÃO                           

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

Com relevo para a apreciação da questão submetida à pronúncia deste Tribunal, dão-se como provados os seguintes factos:

 

(i) .em 16 de Agosto de 2016, o Requerente e a sua cônjuge submeteram a sua declaração Modelo 3 de IRS relativo ao ano de 2015, com opção pelo regime da tributação conjunta,

(ii). nesta declaração foram declarados todos os rendimentos obtidos no estrangeiro pelo agregado familiar durante o período de residência fiscal parcial em território português (de 20-01-2015 a 31-12-2015),

(iii). o Requerente foi notificado da liquidação de IRS do ano de 2015 - Liquidação nº 2017 ... - no montante de € 3.542,19,

(iv). no dia 20 de Março de 2017, o Requerente deduziu reclamação graciosa contra a mencionada liquidação de IRS de 2015, com vista à anulação da mesma,

(v). no dia 11 de Abril de 2017, o Requerente efectuou o pagamento do imposto liquidado acrescido de juros de mora e de custas processuais no valor de € 3.604,15, no âmbito do processo de execução fiscal nº ...2017...,

(vi).na resposta a que procedeu a AT veio informar que a liquidação, objecto do pedido de pronúncia arbitral tinha sido anulada,

(vii). em 2018-10-16 a AT veio aos autos informar e provar documentalmente o reembolso do imposto objecto da liquidação impugnada.

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de seleccionar os factos que importa, para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artº 123º, nº 2 do CPPT e artigo 607º, nº 3, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596º do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º, nº 7 do CPPT, a prova documental e o PA anexo, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

 

 

B.DO DIREITO

 

O objecto dos presentes autos é constituído pelos acto de liquidação de IRS de 2015 nº 2017..., que fixou o IRS a pagar no montante de 3.542,19 €.

 

Conforme resulta dos factos dado como provados, (vi) e (vii) por despacho proferido pela AT foram revogados todos os actos tributários objecto do presente processo.

Face ao ocorrido tona-se inútil o prosseguimento da presente lide, na medida em que, do prosseguimento da mesma, não resultará qualquer efeito sobre a relação jurídica material controvertida, no que as partes estão, de resto, de acordo.

Com efeito, verifica-se a inutilidade superveniente da lide quando, por facto ocorrido na pendência da causa, a solução do litígio deixe de ter interesse e utilidade, o que justifica a extinção (cfr. artigo 277º, alínea e) do Código de Processo Civil).

Como é salientado por Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto [1],  a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide “dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou se encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter atingido por outro meio,”

Assim, se, por virtude de factos novos ocorridos na pendência do processo, o escopo visado com a pretensão deduzida em juízo já foi atingida por outro meio, então a decisão a proferir não envolve efeito útil, pelo que ocorre, nesse âmbito, inutilidade superveniente da lide.

Decorre da actuação administrativa dado como provada que a pretensão formulada pelo Requerente, que tinha como finalidade a declaração de ilegalidade e anulação por este Tribunal dos actos sindicados ficou prejudicada porquanto a supressão desses actos e seus efeitos na ordem jurídica foi conseguida por outra via, depois de iniciada a instância. Na verdade, a prática posterior do acto expresso de revogação das liquidações impugnadas (cfr. artº 79º, nº1 da LGT) implica que a instância atinente à apreciação da legalidade dessas liquidações se extingue por inutilidade superveniente da lide, dado que, por terem sido eliminados os seus efeitos pela revogação anulatória, perde utilidade a apreciação, em relação a tais liquidações, dos vícios alegados em ordem à sua invalidade, ficando sem objecto a pretensão impugnatória contra elas deduzida.[2]

Neste sentido, de entre outros, e ainda que de modo exemplificativo, poderão consultar-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 02/07/2014, e de 29/03/2017, relatados, respectivamente pelos Conselheiros Pedro Delgado e Francisco Rothes no âmbito dos processos 0713/14 e 0229/16, de onde se extrai: " I. A inutilidade superveniente da lide ocorre quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de ter todo o interesse e utilidade, conduzindo, por isso, à extinção da instância (artº 287, al. e), do Código de Processo Civil ", e quanto ao último dos citados arestos: "I. A inutilidade superveniente da lide só se verifica se, após a instauração da causa, a pretensão de tutela judicial aí formulada deixou de ter utilidade, designadamente por ter sido obtida por outro meio [cfr. art. 277º, alínea e) do CPC]."

 

Nestes termos, julga este Tribunal Arbitral Singular verificar-se a inutilidade superveniente da lide no que concerne ao pedido de anulação dos actos tributários objecto do presente processo, o que implica a extinção da correspondente instância nos termos do disposto no artigo 277º alínea a) do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, al. e) do RJAT.

 

 

III. DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

O Requerente finaliza o seu pedido no sentido da condenação da AT no pagamento de "juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do respectivo pagamento até integral reembolso".

 

Dispõe o artigo 43º, nº1 da Lei Geral Tributária (LGT) que: "São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulta pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Ficando deste modo a percepção dos referidos juros, dependente da verificação de três requisitos: (i) existência de um erro em acto de liquidação de imposto imputável aos serviços, (ii) verificação de tal erro no âmbito de processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial e, (iii) pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Prevê ainda o artigo 100º do indicado compêndio normativo que "A administração tributária está obrigada em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei."

Com efeito, determinando o nº 5 do artigo 24º do RJAT que "é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário", deverá o mesmo ser interpretado no sentido de permitir o conhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral tributário.

Os juros indemnizatórios têm uma função reparadora do dano, dano esse que resulta do facto de o sujeito passivo ter ficado ilicitamente privado de certa quantia, durante um determinado período de tempo, visando colocá-lo na situação em que o mesmo estaria caso não tivesse efectuado o pagamento que lhe foi indevidamente exigido.

No caso concreto dos presentes autos, não restarão dívidas quanto à imputabilidade do erro, determinativo do pagamento e juros indemnizatórios à Autoridade Tributária e Aduaneira, por esta reconhecido de resto, no reembolso do montante de imposto indevidamente pago.

 

 

IV.DECISÃO           

 

Em face do que vem de se expor, decide este Tribunal Arbitral Singular em:

 

a. julgar extinta a instância, no que respeita ao pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e de reembolso das quantias pagas, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto nos artigos 277º, alínea e) do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT.

 

b. absolver da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

c. julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento dos juros indemnizatórios, desde a data do pagamento até ao integral reembolso.

 

d. condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar as custas do processo no montante abaixo fixado.     

 

 

V.VALOR DO PROCESSO

 

De conformidade ao estatuído nos artigos 296º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 47/2013, de 26 de Junho, 97º- A nº 1 alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 3.542,19 € (três mil, quinhentos quarenta e dois euros, dezanove cêntimos).

 

VI.CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº 2. 22º, nº 4 do RJAT, e artigo 2º e 4º do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária, e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em 612,00 € (seiscentos e doze euros).

 

NOTIFIQUE-SE

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco, e revisto pelo árbitro.

 

[A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas.]

 

 

Cinco de Novembro de dois mil e dezoito.

 

 

O árbitro

                                                                                                            

(José Coutinho Pires)

 

 



[1] Código de Processo Civil anotado, volume 1º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 555.

[2] Segue-se, neste segmento, data venia, o quanto veio dito no âmbito do processo nº 431/2017-T, do CAAD com o qual, sem reservas, nos identificamos.