Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 173/2018-T
Data da decisão: 2018-11-12  IRC  
Valor do pedido: € 181.333,20
Tema: IRC - Obras de carácter plurianual; Agrupamento complementar de empresas; Legitimidade. Vícios imputados a decisão de reclamação graciosa.
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Decisão Arbitral

 

            Os árbitros Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelos outros Árbitros), Dr.ª Filomena Oliveira e Dr. José Rodrigo de Castro, designados pela Requerente e pela Requerida, respectivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 26-06-2018, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

           

A..., S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL (doravante abreviadamente designada por “A..." ou "Requerente"), titular do número de identificação de pessoa colectiva ("NIPC")..., com sede na ..., n.º...–..., ...-... Lisboa, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

A Requerente pretende:

  1. a anulação do acto tributário de liquidação adicional de IRC n.º 2016..., de 12 de outubro de 2016, e respectiva demonstração de liquidação de juros, ambas associadas à demonstração de acerto de contas n.º 2016..., referentes ao período de tributação de 2012, compensação n.º 2016..., de 14 de outubro de 2016;
  2. a anulação do acto de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada daquela liquidação;
  3. o pagamento à Requerente de indemnização pela prestação de garantia bancária indevidamente prestada.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 05-04-2018.

Em 06-06-2018, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 26-06-2018.

A AT apresentou resposta em que suscitou a excepção da ilegitimidade da Requerente e defendeu que deve julgar-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 28-09-2018 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações facultativas.

Apenas a Requerente apresentou alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

É suscitada a excepção da ilegitimidade processual da Requerente.

O processo não enferma de nulidades.

 

            2. Excepção da ilegitimidade processual da Requerente

 

            A Requerente é uma sociedade comercial que, no âmbito da sua actividade, integrou o agrupamento complementar de empresas denominado por B... .

A Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação como membro de um agrupamento complementar de empresas (doravante “ACE”), a quem foi liquidado IRC, sendo também nessas circunstâncias que apresentou o pedido de pronúncia arbitral.

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que a Requerente não tinha legitimidade para intervir no procedimento de reclamação graciosa e também não a tem para intervir no presente processo arbitral, baseando-se no artigo 65.º da LGT que estabelece que têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.

Entende a Autoridade Tributária e Aduaneira que, enquanto sujeito passivo da relação jurídica tributária, o ACE é sempre parte legítima na acção judicial tendo em vista a anulação do acto impugnado.

A Requerente respondeu nas alegações, dizendo em suma que a liquidação lhe foi notificada, sendo a ela e não ao ACE que foi exigido o imposto, pelo que tem interesse legalmente protegido, nos termos do n.º 1 do artigo 9.º do CPPT.

Sendo aos membros dos agrupamentos complementares de empresas que é exigido o pagamento de IRC, como foi, é inequívoco que eles têm o direito de impugnar administrativa e contenciosamente as liquidações que afectem os seus interesses, não só por força dos artigos 65.º da LGT e 9.º, n.º1, do CPPT, mas também por imperativo constitucional, em face da garantia de impugnação contenciosa de todos os actos lesivos que consta do n.º 4 do artigo 268.ºda CRP.

De resto, sendo exigindo IRC à Requerente, esta é considerada sujeito passivo, por estar vinculada ao cumprimento da obrigação tributária (artigo 18.º, n.º 3, da LGT), e, tendo essa qualidade, pode «reclamar ou impugnar a respectiva liquidação», como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 130.º do CIRC.

Por outro lado, não se trata de uma situação de litisconsórcio necessário com as restantes empresas que integravam o ACE, pois a liquidação impugnada foi dirigida apenas à Requerente e com o pedido de pronúncia arbitral visa-se a anulação da tributação apenas na parte que lhe respeita.

Por outro lado, a referida garantia constitucional do direito à impugnação contenciosa de actos lesivos é dirigida a todos os administrados, pelo que não se compagina com a impossibilidade de impugnação contenciosa de um acto de liquidação por aquele a quem através dele é exigido o pagamento de imposto, independentemente da existência ou não de outros hipotéticos interessados.

Improcede, assim, a excepção de ilegitimidade suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

3. Matéria de facto

 

3.1. Factos provados

 

            Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é uma sociedade que tem por objeto social a condução de projectos e empreitadas de construção civil, nomeadamente de obras públicas e privadas, bem como a reparação, conservação e manutenção das mesmas;
  2. No âmbito da sua actividade, a Requerente integrou o agrupamento complementar de empresas denominado por B..., A.C.E. (doravante abreviadamente designado por "B..." ou "ACE"), com o NIPC..., sobre o qual deteve (ate ao ano de 2017) uma participação de 44%;
  3. Eram igualmente agrupadas do ACE as seguintes entidades:
  • C..., S.A., com o NIPC ... e uma participação correspondente a 23,5%;
  • D..., S.A., com o NIPC ... e uma participação correspondente a 22,5%; e,
  • E..., S.A., com o NIPC ... e uma participação correspondente a 10%.
  1. A actividade do B... consiste na concepção, projecção, construção, beneficiação e duplicação de diversos lanços e vias rodoviárias;
  2. Estas actividades são promovidas pelo B... através de contratos de concessão celebrados com a F..., S.A.;
  3. Face à natureza e duração das obras, as mesmas são qualificadas como obras de carácter plurianual;
  4. O B... utiliza o método da percentagem de acabamento, para efeitos do apuramento dos resultados das obras de carácter plurianual em curso no final do período económico de 2012, para efeitos da Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) nº 19 e do artigo 19º do Código do IRC;
  5. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º Ol2015..., de 19 de Junho de 2015, o B... foi alvo de procedimento inspectivo interno por parte da AT, em sede de IRC, com incidência sobre o período de tributação de 2012;
  6. Na inspecção referida foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do Anexo I incluído no documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

3.1. CORREÇÕES EM SEDE DE IRC

Em sede deste imposto identificaram-se irregularidades susceptíveis de correcção, que se resumem nas seguintes:

 

3.1.1 Contratos de Construção

Da análise realizada aos elementos contabilísticos do exercício, verificou-se que, a actividade do sujeito passivo tal como se referiu, anteriormente, consiste na concepção, projecto, construção e beneficiação de diversos lanços e vias. As subconcessões têm subjacente contrato(s) de construção (ões) celebrado (s) com a F..., SA.

Face à natureza das obras estamos perante obras plurianuais sendo a determinação de resultados efectuada segundo, o critério de percentagem de acabamento da(s) obra(s) nos termos preconizados no artº 19 nº 1 do CIRC e NCRF19.

 

3.1.2 Enquadramento contabilístico/fiscal

Fazendo a análise contabilística verificamos que a NCRF 19, no parágrafo 3 da IAS define contrato de construção como sendo "um contraio especificamente negociado para a construção de um ativo ou de uma combinação de ativos ...", por sua vez na análise fiscal e de acordo com a al. c) nº 3 do artº 18 do CIRC os réditos e os gastos de contratos de construção devem ser periorizados tendo em consideração o disposto no artigo 19º CIRC. Por sua vez o nº 1 do artigo 19º do CIRC dispõe que a "determinação dos resultados dos contratos de construção é efectuada segundo o critério da percentagem de acabamento de cada período de tributação correspondendo à proporção entre os gastos suportados até essa data e a soma desses gastos com os estimados para conclusão do contrato".

Comparativamente é referido, no parágrafo 22 da NCRF19, que "quando o desfecho de um contrato de construção puder ser fiavelmente estimado, o rédito do contrato e os custos do contrato associados ao contrato de construção devem ser reconhecidos como réditos e gastos respectivamente com referência à fase de acabamento da actividade do contrato à data do balanço". O reconhecimento de rédito e de gastos com referência à fase de acabamento pressupõe a utilização do método que mensure com fiabilidade o trabalho executado, prevendo a NCRF 19, entre outros, o método da percentagem de acabamento (proporção dos custos incorridos até à data nos custos totais estimados do contrato). O rédito do exercício é calculado aplicando a percentagem de acabamento ao valor do contrato menos os réditos dos anos anteriores correspondendo assim ao justo valor da retribuição recebida ou a receber de acordo com a NCRF 19.

 

3.1.3 Determinação do rédito do exercício, face à percentagem de acabamento

De acordo com o declarado na Informação Empresarial Simplificada (IES) do exercício em análise, mais precisamente, Quadro 0520-A – Contratos de Construção, o Sujeito Passivo calculou a percentagem de acabamento (47,20%) nos termos do disposto no nº 2 do Artigo 19 do IRC. Porém, declarou como rédito do exercício apenas o montante de 47.099.303,52 €, quando de acordo com o valor do contrato e a percentagem de acabamento apurada, o valor do rédito sujeito a tributação é de 48.942.562,00€.

De forma a validar os valores dos gastos acumulados e, a referida percentagem de acabamento, procedeu-se à análise dos valores declarados para efeitos fiscais, desde a constituição da empresa em 2009 até ao exercício em análise, confirmando-se quer os gastos acumulados quer o grau de acabamento da obra, de acordo com o declarado pelo Sujeito Passivo (47,20%). Porém, face ao grau de acabamento, o rédito do período em análise, é de 48 942.562,00€, pelo que se verifica uma diferença de 1.843.258,48€ conforme se demostra na tabela nº 1, elaborado com base nos elementos fornecidos e declarados à AT.

Porém porque o Sujeito Passivo acresceu no campo 752 do Quadro 07 da Modelo 22 do exercício em análise, o montante de 558.824,93€ relativo ao ajustamento do valor do(s) contrato(s) de construção(ões), valor este já sujeito a tributação, o valor susceptível de correcção é de 1.284.413,15€, réditos por infracção aos artºs 19 e 20 do CIRC conforme cálculos que se seguem na já referida tabela 1:

Dados declarados pelo Sujeito Passivo à AT

1. Valor do contrato: 371.923.265,00

2. Gasto Total estimado: 368.391.950,00

 

 

  1. Posteriormente, a Requerente, na qualidade de agrupada do B..., foi objeto de uma acção inspetiva interna, em sede de IRC, de âmbito parcial, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º Ol2016..., de 30 de Junho de 2016, em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido em que se refere, além do mais o seguinte:

 

 III.1. CORRECÇÕES AO RESULTADO FISCAL DECLARADO

 III.1.1 LUCRO TRIBUTÁVEL IMPUTADO POR A.C.E.

A A... S A – SUCURSAL EM PORTUGAL, tem uma participação de 44% na B..., A.C.E. com o NIPC ... e sede declarada na ... nº..., ...-... Lisboa, e referente ao exercício de 2012 levou ao seu resultado € 440,981,85 como a sua quota parte imputável e integrada no seu rendimento tributável.

Como estabelece o nº 2 e 3 do art.º 6º do CIRC:

2 – Os lucros ou prejuízos do exercício, apurados nos termos deste Código, dos agrupamentos complementares de empresas e dos agrupamentos europeus de interesse económico, com sede ou direcção efectiva em território português, que se constituam e funcionem nos termos legais, são também imputáveis directamente aos respectivos membros, integrando-se no seu rendimento tributável.

3 – A imputação a que se referem os números anteriores é feita aos sócios ou membros nos termos que resultarem do acto constitutivo das entidades aí mencionadas ou, na falta de elementos, em partes iguais.

Como resultado do procedimento inspectivo titulado pela ordem de serviço nº OI2015... de 19/06/2015, com despacho de 24/06/2015, de natureza interna, de âmbito univalente, e reportada ao exercício de 2012, efectuado ao sujeito passivo B..., A.C.E. foi operada uma correcção em sede de IRC, ao lucro tributável de € 1.284.413,15 (cópia do relatório e ofício nº ... de 26/07/2016 em anexo I).

Conforme o normativo referido é de imputar adicionalmente ao rendimento tributável do sujeito passivo ora em análise, o montante de € 565.141,79, atendendo à sua quota de participação no referido AGE – 44% (44%*1.284.413,15= 565.141,79).

Desta forma, o lucro tributável imputado pelo A.C.E. resultante daquela correcção em sede de IRC ao sujeito passivo em análise deve ser reflectido no campo 709 do quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22 do ano de 2012, o qual deverá evidenciar o valor total de € 2.744.231,16 (565.141,79+2.179.089,37)

Em consequência, o lucro tributável do exercício declarado peio sujeito passivo de € 1.282.642,62 deverá ser alterado para € 1.847.784,41.

 

  1. Posteriormente, a Requerente foi notificada da liquidação adicional do IRC n.º 2016..., de 12-10-2016, e respectiva demonstração de liquidação de juros, ambas associadas à demonstração de acerto de contas n.º 2016..., referentes ao período de tributação de 2012, compensação n.º 2016..., de 14-10-2016 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. A Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação, nos termos do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  3. A reclamação graciosa, que teve o n.º ...2017..., foi indeferida por despacho de 29-12-2017, proferido pela Senhora Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, que manifesta concordância com uma informação que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

III – ANÁLISE DO PEDIDO E PARECER

A contabilidade da reclamante foi objeto de uma inspeção tributária ao exercício de 2012, titulada pela ordem de serviço interna n.º OI2016... respeitante ao exercício de 2012, de âmbito parcial, cujo imposto visado foi o IRC, da qual resultaram correcções à matéria coletável no montante de €565.141,79.

Esta correção é o reflexo na contabilidade da reclamante de uma correção executada pela Inspeção Tributária ao Agrupamento Complementar de Empresas "B..., ACE", constituído nos termos do art.º 6.º do CIRC em 25/02/2009.

A reclamante participa no agrupamento supramencionado em 44%, sendo a correção executada na sua esfera (€565.141,79) correspondente à percentagem de participação.

Em sede do B..., a IT encetou uma correção no valor de €1.284.413,15, em resultado da aplicação do critério da percentagem de acabamento, nos termos do art.º 19.º do CIRC.

Refere, a reclamante, que os gastos incorridos em termos acumulados com o contrato de construção em 31/12/2012 são inferiores aos valores indicados pelo B... no quadro 0520-A do Anexo-A da IES de 2012. Estes valores devem-se a meros lapsos que induziram a IT a emitir a liquidação adicional de IRC, ainda que injustamente.

Ora a argumentação apresentada nesta reclamação graciosa, assenta nas correções técnicas executadas pela IT à contabilidade e declaração de rendimentos modelo 22 do exercício de 2012, referente ao agrupamento de empresas B..., pelo que a matéria debatida nestes autos deveria ter sido discutida na esfera do supra referido agrupamento e não na esfera da reclamante.

Ainda assim, verificamos que no que respeita à IES do B... referente ao exercício de 2012, está indicado que a percentagem de acabamento é de 47,20% referente ao respetivo contrato de construção e que:

1. Os custos incorridos acumulados atingiram em 2012 o valor de €173.881.854,49;

2. O custo total estimado pela reclamante cifra-se em €368.391.900,05;

3. Logo a Inspeção Tributária calculou a percentagem de acabamento, da seguinte forma

(€173.881.854,49/€368.391.900,05)

Ora assim sendo, verifica-se que a IT agiu sempre de acordo com as normas legais aplicáveis e de acordo com os valores declarados pelo B..., A.C.E., NIF ... pelo que não é de acolher a argumentação patente nestes autos, dado que não é contestada a correção efetuada à reclamante e não foi provado o alegado nestes autos.

 

IV-CONCLUSÃO

Nestes autos, a reclamante vem expressar discordância sobre o montante de imposto liquidado e acrescidos (liquidação de IRC n.º 2016...) num montante de €181.223,20, no entanto as alegações apresentadas não põem em causa a correção efetuada pela AT na sua esfera contributiva, mas sim na esfera do agrupamento complementar de empresas "B..., A.C.E.", que por sua vez os seus lucros tributáveis influenciam a matéria coletável de todas as sociedades constituintes do supramencionado agrupamento, nos termos do art.º 6.º do CIRC. Assim sendo, esta contestação deveria ter sido apresentada na esfera contabilística e tributária do ACE.

Pese embora o expressado no parágrafo anterior, procedeu-se a uma análise sobre a matéria de facto, pelo que se verifica que as alegações abarcadas nestes autos não apresentam valores concordantes com a realidade declarada e com os elementos facultados pela reclamante, à Inspeção Tributária, referente ao exercício de 2012, pelo que somos da opinião que são de manter as conclusões da IT na esfera do ACE.

No que respeita ã ilegalidade dos juros compensatórios cumpre-nos informar que se verifica o pressuposto para a sua exigência, isto é, sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, liquidação do imposto devido for retardada na sua totalidade ou em parte, nos termos do n.º 1 do art.º 102.º do CIRC, conjugado com o art.º 35.º da LGT.

Assim, o pedido da reclamante constante nesta reclamação graciosa, isto é, anulação da liquidação de IRC n.º 2016..., no valor de €160.196,10 e consequentemente da respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2016... no valor de €21.137,70 a que corresponde a demonstração de compensação n.º 2016... no total de €181.333,20 deve ser indeferido na sua totalidade.

 

  1. A Requerente não pagou a quantia liquidada pelo que foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ...2016..., visando a sua cobrança coerciva (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Em 31-01-2017, a Requerente prestou garantia para suspender o processo de execução fiscal referido (documentos n.ºs 7 e 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  3. Na Demonstração de Resultados do ACE em 31-12-2009 é indicado o valor de € 1,22 como «proveitos e ganhos extraordinários» (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. Na Demonstração de Resultados por Naturezas do ACE em 31-12-2010 é indicado o valor de € 143.801,18 como «outros rendimentos e ganhos» (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
  5. Na Demonstração de Resultados por Naturezas do ACE em 31-12-2011 é indicado o valor de € 58.227,48 como «outros rendimentos e ganhos» (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
  6. Na Demonstração de Resultados por Naturezas do ACE em 31-12-2012 é indicado o valor de € 1.043.323,74 como «outros rendimentos e ganhos» (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
  7. Nos anos de 2010 a 2012 foram emitidos os documentos que constam do documento n.º 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;
  8. Quanto aos documentos indicados como referentes ao ano de 2010 integrados no documento n.º 9, no valor total de € 41.532,00, indica-se neles o n.º 7881, relativo à conta 7881 Correcções relativas a períodos anteriores:

– n.º ... G... 2.000,00 – refere-se que é correcção de factura de 30-12-2009;

– n.º ... H... 23.769,72 – refere-se que é anulação de factura de 20-10-2009;

– n.º ... C... 15.762,28 – refere-se que é anulação de factura de 29-12-2009;

  1. Quanto aos documentos indicados como referentes ao ano de 2011 integrados no documento n.º 9, constata-se o seguinte:

– n.º ... Z... 4.792,00 – refere-se que é crédito relativo a factura de Dezembro de 2010, com a indicação da conta 7881 Correcções relativas a períodos anteriores;

– n.º ... I...– Transp. Rod. 1.551,00 – refere-se que é crédito anula parte de factura de 13-12-2010, com a indicação da conta 7881 Correcções relativas a períodos anteriores;

– n.º ... J...– LTO 2.207,44 – refere-se que se reporta a desconto financeiro;

– n.º ... K...– LTO 5.321,10 – refere-se que se reporta a desconto financeiro;

– n.º ... L... 972,00 – refere-se que é crédito relativo a anulação de factura 935/2010, com a indicação da conta 7881 Correcções relativas a períodos anteriores;

– n.º ... K... – LTO 2.267,76 – refere-se que se reporta a desconto financeiro;

– n.º ... M... 231,56 – refere-se que se reporta a desconto financeiro;

– n.º ...  K... – 6.571,64 – refere-se que se reporta a desconto financeiro;

– n.º ... M... 1.111,70 – refere-se que se reporta a desconto financeiro;

– n.º... M... 684,16 – refere-se que se reporta a desconto financeiro;

– n.º ... N... 1.132,85 – refere-se que se reporta a desconto financeiro;

– n.º ... N... 1.222,72 – refere-se que se reporta a desconto financeiro;

 

  1. Quanto aos documentos indicados como referentes ao ano de 2012 integrados no documento n.º 9, constata-se o seguinte:

– n.º ... O... 42.081,00 – crédito relativo a facturas de 2011, referindo-se que as anula, com a indicação da conta 7881 Correcções relativas a períodos anteriores;

– n.º ... O... 20.222,49 – crédito relativo a facturas de 2010, referindo-se que as anula, com a indicação da conta 7881 Correcções relativas a períodos anteriores;

– n.º ... I... 11.847,00- crédito relativo a factura de 2010, referindo-se que a anula, com a indicação da conta 7881 Correcções relativas a períodos anteriores;

– n.º ... P... 15.619,58 – crédito relativo a factura de 2011, com a indicação da conta 7881 Correcções relativas a períodos anteriores;

– n.º ... P... 45.327,55 – crédito relativo a factura de 2011, referindo-se que a anula, com a indicação da conta 7881 Correcções relativas a períodos anteriores;

– n.º ... Q... – Vedações 1.025,00 – crédito relativo a factura de 2011, referindo-se que a anula, com a indicação da conta 7881 Correcções relativas a períodos anteriores;

– n.º ... R... 540,00 – crédito relativo a factura de 2011, referindo-se «erro de encerramento contabilístico», com a indicação da conta 7881 Correcções relativas a períodos anteriores;

– n.º ... O... 4.000,00 – crédito relativo a factura, com a indicação da conta 7881 Correcções relativas a períodos anteriores;

– n.º ... S... 28.383,20 – - crédito relativo a factura de 2011, referindo-se que anula factura n.º 2023, com a indicação da conta 7881 Correcções relativas a períodos anteriores;

– n.º ... M... 309,05 – refere-se que se reporta a desconto financeiro;

– n.º ... T... 14.984,64 – refere-se que se reporta a desconto financeiro;

– n.º ... U... 886,78 – refere-se que se reporta a desconto financeiro;

– n.º ... M... 1.568,77 – refere-se que se reporta a desconto financeiro;

– n.º ... T... 4.189,38 – refere-se que se reporta a desconto financeiro;

– n.º ... V... 403,46 – refere-se que se reporta a desconto de pronto pagamento;

– n.º ... W... 356,07 – refere-se que se reporta a desconto financeiro;

– n.º ... W... 1.487,76 – refere-se que se reporta a desconto financeiro;

– n.º ... O... 2.469,53 – refere-se que se reporta a desconto financeiro;

– n.º ... W... 1.260,01 – refere-se que se reporta a desconto financeiro;

– n.º ... T... 545,58 – refere-se que se reporta a desconto financeiro;

– n.º ... T... 1.637,40 – refere-se que se reporta a desconto financeiro;

– n.º ... X... 407,15 – refere-se que se reporta a desconto financeiro;

– n.º... T... 431,33 – refere-se que se reporta a desconto financeiro;

– n.º... T... 5.163,71 – refere-se que se reporta a desconto financeiro;

– n.º ... T... 2.117,62 – refere-se que se reporta a desconto financeiro;

– n.º ... Y... 380,40 – refere-se que se reporta a desconto financeiro;

 

  1. A Requerente foi notificada para exercício do direito de audição em relação ao projecto de Relatório da Inspecção Tributária, mas não o utilizou;
  2. Em 04-04-2018, o Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

  1. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

3.2.1. Os factos foram dados como provados com base nos documentos que se referem e no processo administrativo.

Não é questionada pela Administração Tributária a genuinidade dos documentos apresentados pela Requerente, designadamente os que constam do documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido.

 

 

            3.2.2. Não se provou que as quantias que constam das demonstrações financeiras referidas como «proveitos e ganhos extraordinários» e «outros rendimentos e ganhos» respeitem na totalidade a correcções negativas de facturação respeitante aos materiais utilizados ou a utilizar nas obras.

 

3.2.2.1. A Requerente não apresenta documentos relativos aos valores que refere € 1.250.353,72 (€ 1,22 em 2009, € 143.801,18 em 2010, € 58.227,48 em 2011 e € 1.048.323,74 em 2012), mas apenas os integrados no documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, que totalizam € 858.852,16.

Por isso, desde logo, quanto ao valor de € 391.502,56 não há qualquer suporte probatório do que alega a Requerente.

 

3.2.2.2. Parte das quantias indicadas reportam-se a descontos financeiros e descontos de pronto pagamento que devem ser contabilizados como rendimentos: conta 782 Descontos de pronto pagamento obtidos: estão nessas condições documentos no valor global de € 59.358,57.

 

3.2.2.3. Parte das quantias inscritas nos documentos incluídos no documento n.º 9, no valor total de € 217.892,82, correspondem a movimentos na conta 7881– Correcções relativas a períodos anteriores.

 

3.2.2.4. No que concerne aos documentos emitidos pelo ACE incluídos no documento n.º 9, no valor total de €581.609,77, não há elementos que permitam concluir como foram contabilizados.

 

 

 

            4. Matéria de direito

 

            A Requerente, integrando um agrupamento complementar de empresas (ACE), executou um contrato de construção, com duração superior a um ano.

            Relativamente a contratos deste tipo o artigo 19.º do CIRC, na redacção vigente em 2012, estabelece o seguinte:

 

Artigo 19.º

 

Contratos de construção

 

1 – A determinação dos resultados de contratos de construção cujo ciclo de produção ou tempo de execução seja superior a um ano é efectuada segundo o critério da percentagem de acabamento.

2 – Para efeitos do disposto no número anterior, a percentagem de acabamento no final de cada período de tributação corresponde à proporção entre os gastos suportados até essa data e a soma desses gastos com os estimados para a conclusão do contrato.

3 – Não são dedutíveis as perdas esperadas relativas a contratos de construção correspondentes a gastos ainda não suportados.

 

 

            A Autoridade Tributária e Aduaneira, numa inspecção ao ACE, confirmou a percentagem de acabamento, calculada pela Requerente na Informação Empresarial Simplificada (IES) do exercício de 2012, que era de 47,20%.

Àquela percentagem, correspondia um rédito sujeito a tributação em IRC, relativamente à Requerente de € 48.942.562,00, em vez do valor que declarou, que foi de € 47.099.303,52, pelo que se verificou uma diferença de € 1.843.258,48 a acrescer ao lucro tributável da Requerente.

Tendo sido já declarado pela Requerente, no campo 752 Quadro 07 da declaração modelo 22, o valor de € 558.824,93, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma correcção da matéria tributável no valor de € 1.284.413,15.

A Requerente reconhece que nas IES foram indicados os valores que serviram de base às correcções em causa, mas defende que eles estavam errados, havendo uma diferença de € 1.250.353,72 (€ 1,22 em 2009, € 143.801,18 em 2010, € 58.227,48 em 2011 e € 1.048.323,74 em 2012), que «corresponde, na sua maioria, ao montante de gastos incorridos que foram posteriormente corrigidos pelas (i) notas de crédito e notas de débito emitidas por fornecedores do B... por referência a materiais fornecidos para a execução das obras, bem como (ii) descontos obtidos e diversos acertos e regularizações, tendo os mesmos sido indevidamente reconhecidos na contabilidade como "outros rendimentos e ganhos” nos diversos períodos (cfr. cópia das Demonstrações de Resultados por Naturezas que ora se juntam em anexo sob a designação Documento n.º 8)».

A Requerente juntou como documento n.º 9 vários documentos respeitantes a parte dos valores que refere.

Considerando estes valores, a Requerente defende que será menor a percentagem de acabamento a considerar, com reflexo na liquidação impugnada.

 

 

4.1. Vícios autónomos imputados à decisão da reclamação graciosa

 

A Requerente pede a anulação da decisão da reclamação graciosa, impugnando-a quanto aos dois fundamentos que nela se invocam, designadamente a invocada falta de legitimidade da Requerente para reclamar e ser de optar pelos montantes indicados pelo ACE (B...) nas IES que apresentou, sem observar o princípio da verdade material, com violação dos princípios da legalidade da tributação das empresas pelo rendimento real.

            No entanto, importa esclarecer que, como decorre do artigo 2.º do RJAT, é o acto de liquidação e não a posterior decisão da reclamação graciosa que a confirmou que é objecto do processo arbitral.

            Nos casos de impugnação administrativa (nomeadamente de reclamação graciosa e recurso hierárquico de actos de liquidação), se a respectiva decisão mantém o acto impugnado com diferente fundamentação, deverá entender-se que se opera revogação por substituição daquele acto, passando a subsistir na ordem jurídica um novo acto que, apesar de manter o mesmo conteúdo decisório, terá a nova fundamentação (artigo 173.º do Código do Procedimento Administrativo de 2015, anterior artigo 147.º). ( [1] )

            Mas, quando a decisão da impugnação administrativa confirma ao acto de liquidação, é meramente confirmativa [artigo 53.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT], é apenas a legalidade da liquidação que importa apreciar, pois apenas com a anulação desta é alterada a situação jurídica que definiu, sendo a invalidade da decisão da reclamação graciosa que a confirmou uma consequência da invalidade da liquidação.

            No caso em apreço, a decisão da reclamação graciosa limitou-se a manter a liquidação impugnada, não alterando a sua fundamentação, pelo que o acto que subsiste na ordem jurídica definindo a posição jurídica da Administração Tributária é a liquidação com a fundamentação que consta do Relatório da Inspecção Tributária.

Neste contexto, é de notar que os vícios que a Requerente imputa à decisão da reclamação graciosa poderiam afectar a validade desta, mas nunca se repercutiriam na anterior liquidação, que, sendo anterior ao procedimento de reclamação, não pode enfermar desses vícios.

Por isso, sendo manifesta a inoperância dos vícios autónomos imputados à decisão da reclamação graciosa para afectarem a legalidade da liquidação, que é objecto do processo arbitral, tem se se concluir que é inútil a sua apreciação, o que justifica que não se tome conhecimento da impugnação da decisão da reclamação graciosa (artigo 130º do CPC).

            Assim, por não ter utilidade para a apreciação da legalidade da liquidação a apreciação da legitimidade da Requerente para reclamar (que, de resto é clara, pelo que se disse) ou a observância do princípio da verdade material no procedimento de reclamação graciosa, a questão que importa apreciar é apenas a dos erros nos montantes que o B... reportou nas várias IES que submeteu, que a Requerente invoca.

            Isto é, a ilegalidade da reclamação graciosa apenas existirá na medida em que for ilegal a liquidação que confirmou.

 

            4.2. Questão dos erros nos montantes indicados nas IES pelo B... e sua relevância para determinação da percentagem de acabamento

 

            Nos termos do artigo 19.º do CIRC, «a determinação dos resultados de contratos de construção cujo ciclo de produção ou tempo de execução seja superior a um ano é efectuada segundo o critério da percentagem de acabamento» e «a percentagem de acabamento no final de cada período de tributação corresponde à proporção entre os gastos suportados até essa data e a soma desses gastos com os estimados para a conclusão do contrato».

A Autoridade Tributária e Aduaneira calculou essa percentagem de acabamento no final de 2012, com base nos documentos que lhe foram apresentados, designadamente nas IES apresentadas pelo ACE relativamente aos exercícios de 2009, 2010, 2011 e 2012.

A Requerente reconhece que o cálculo foi efectuado com base nos montantes indicados nesses elementos, mas defende que os montantes reais «são inferiores aos reportados pelo ACE nos quadros 0520-A do Anexo A da IES relativa aos períodos de 2011 e 2012», designadamente sendo os gastos acumulados do ACE até ao final de 2012 inferiores em € 1.250.353,62, aos que resultam das IES, pelo que seria menor a percentagem de acabamento a considerar.

Na tese da Requerente, a «diferença de Euro 1.250.353,62 (um milhão, duzentos e cinquenta mil, trezentos e cinquenta e três euros e sessenta e dois cêntimos) corresponde, na sua maioria, ao montante de gastos incorridos que foram posteriormente corrigidos pelas (i) notas de crédito e notas de débito emitidas por fornecedores do B... por referência a materiais fornecidos para a execução das obras, bem como (ii) descontos obtidos e diversos acertos e regularizações, tendo os mesmos sido indevidamente reconhecidos na contabilidade como "outros rendimentos e ganhos” nos diversos períodos (cfr. cópia das Demonstrações de Resultados por Naturezas que ora se juntam em anexo sob a designação Documento n.º 8)».

Como se vê pelo documento n.º 8, nas demonstrações financeiras relativas aos anos de 2009 a 2012, indicam-se os valores referidos pela Requerente como «proveitos e ganhos extraordinários», quanto ao exercício de 2009, e de «outros rendimentos e ganhos», no que concerne aos exercícios de 2010, 2011 e 2012.

Nos termos do artigo 18.º, n.º 1, do CIRC, o lucro tributável das pessoas colectivas é determinado com base na contabilidade, com as correcções prevista neste Código.

Nesta apreciação há que ter em conta que é estabelecida pelo n.º 1 do artigo 75.º da LGT uma presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, «bem como os dados dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal», o que sucede no caso em apreço, pelo que, perante falta de prova de factos que permitam concluir que ocorreram os alegados lapsos, haverá que ter como pressupostos correctos os que resulta da contabilidade.

Como se refere no acórdão arbitral de 16-03-2018, proferido no processo n.º 724/2016-T, «se o CIRC se sustenta na contabilidade, se a mesma tem uma presunção de veracidade, não só pela valia científica desta ciência, como pelos mecanismos de controlos na sua utilização para outros efeitos que impelem à realidade (pelo sócio, credor, investidor, etc.) é normal que a aferição da percentagem de acabamento se reconduza aos ditames da contabilidade. Com isso, consegue-se maior aderência à realidade, maior comprovação ao longo do tempo (os registos são guardados) – e note-se que os contratos de construção envolvem situações plurianuais, por natureza. Ou seja, e em suma: qualquer outra formulação de apuramento da percentagem de acabamento (por exemplo os autos de medição) teria menor credibilidade e valia e capacidade de controlo e comprovação – e por isso, o CIRC só aceita que a percentagem de acabamento seja definida (e corrigida) com base nos elementos da contabilidade».

Não havendo qualquer outra especificação que revele quais os factos contabilísticos que estão subjacentes àqueles valores indicados nas demonstrações financeiras do ACE referentes aos anos de 2009 a 2012, é manifesto que não se pode concluir só com base nelas demonstrações financeiras que os referidos proveitos, rendimentos e ganhos, devam ser, afinal, considerados como diminuição de «gastos», relevantes para efeitos da determinação da percentagem de acabamento a que se refere o artigo 19.º do CIRC.

Assim, só com a prova complementar que a Requerente apresentou no presente processo, designadamente a que consta do documento n.º 9, é possível apreciar se aqueles valores se referem a diminuição de gastos suportados.

Na análise da prova apresentada, há que constatar, desde logo, que apenas foram apresentados documentos relativamente a operações no valor global de € 858.852,16, pelo que quanto ao valor restante, de € 391.501,56, não há qualquer fundamento para considerar que se naqueles valores indicados nas IES se incluem «gastos».

Por outro lado, no que concerne aos documentos emitidos pelo ACE incluídos no documento n.º 9, no valor total de € 580.079,33 (páginas 45 e seguintes do documento n.º 9), não há elementos que permitam concluir como foram contabilizados pelo ACE, pelo que não se pode concluir que o seu valor esteja englobado nos «outros rendimentos e ganhos» referidos na IES de 2012 nem que exista qualquer erro de contabilização que se reflicta nos «gastos suportados» para efeitos do artigo 19.º, n.º 2, do CIRC.

 Por isso, não há qualquer fundamento para não aplicar a qualificação que consta da contabilidade, já que a falta de prova deve ser valorada processualmente contra a Requerente, sobre quem recai o ónus da prova, nos termos do artigo 73.º, n.º 1, da LGT, pois é quem invoca a existência de erros.

No que concerne aos documentos que integrados no documento n.º 9, constata-se que o valor de € 59.358,57 corresponde a descontos financeiros e de pronto pagamento que devem ser contabilizados como rendimentos, na conta 782-Descontos de pronto pagamento obtidos (Código de Contas anexo à Portaria n.º 1011/2009, de 9 de Setembro), em que se incluem os descontos não comerciais, o que está em sintonia com o artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do CIRC, que indica os descontos, bónus e abatimentos como rendimentos.

Por isso, não há erro de contabilização daqueles descontos, pois não devem ser contabilizados como diminuição dos «gastos suportados» que se referem no n.º 2 do artigo 19.º do CIRC, como elemento para aferir a percentagem de acabamento.

Aquela percentagem é um critério (entre vários abstractamente possíveis) para aferir o grau de acabamento da obra, assente na proporção dos gastos suportados e os estão estimados para conclusão do contrato, pelo que, como defende a Administração Tributária, não se justifica que a medida de acabamento seja alterada pelo facto de, após terem sido suportados gastos, virem a ser obtidos descontos.

No que concerne aos restantes documentos integrados no documento n.º 9 reportam-se a correcção ou anulação de facturas emitidas em anos anteriores, no valor global de € 217.892,82.

A anulação total ou parcial de facturas, implicando eliminação dos gastos que as facturas iniciais comprovavam, implica, à face do critério legalmente escolhido para medir a dimensão do acabamento da obra, que sejam suportados menos gastos do que os que resultavam das iniciais, com o consequente reflexo na percentagem de acabamento da obra. Aliás, a contabilização dessas anulações numa conta de rendimentos destinada às correcções favoráveis relativas a exercícios anteriores (7881) não se afigura relevante para este efeito, em que não está em causa a imputação de rendimentos a exercícios, mas a determinação do montante acumulado de gastos de todos os exercícios, sendo indiferente, para este efeito, que se reportam ao exercício presente ou a anteriores.

Em face do exposto, justifica-se que seja considerado o valor destas anulações de facturas na determinação da percentagem de acabamento, que será de 47,14%: gastos acumulados incorridos de € 173.663.961,67 (173.881.854,49-217.892,82) e gastos estimados totais para conclusão do contrato de 368.391.950,00.

Procede, assim o pedido de pronúncia arbitral, já que na determinação da matéria tributável foi considerada uma percentagem de acabamento superior à que deveria ser aplicada, pelo que a liquidação impugnada enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que justificam a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

É de notar, porém, que este erro é imputável à Requerente, pois é detectado com base nos documentos apresentados no presente processo arbitral e a Requerente não os apresentou a Autoridade Tributária e Aduaneira nem no exercício do direito de audição em relação ao Relatório da Inspecção Tributária nem na reclamação graciosa.

 

4.3. Liquidação de juros compensatórios

 

A liquidação de juros compensatórios tem como pressuposto a liquidação de IRC, pelo que enferma do mesmo vício e justifica-se também a sua anulação.

 

            4.4. Decisão da reclamação graciosa

 

            A decisão da reclamação graciosa é também ilegal na medida em que confirmou a liquidação impugnada, pelo que também se justifica a sua anulação, com os fundamentos que justificam a anulação da liquidação.

 

 

5. Indemnização por garantia indevida

 

Em 31-01-2017, a Requerente prestou garantia para suspender a execução fiscal instaurada para cobrança coerciva da liquidação impugnada e formula um pedido de indemnização, nos termos do artigo 53.º da LGT.

O artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

            1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

            2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

            3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

            4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, a garantia foi prestada em 31-01-2017, pelo que, não tendo sido mantida durante período superior a três anos, o direito a indemnização não tem suporte no n.º 1 deste artigo 53.º.

Por outro lado, como se referiu no ponto anterior, o erro subjacente à liquidação não é imputável aos serviços da Administração Tributária, pelo que não se está perante uma situação enquadrável no n.º 2 deste artigo 53.º.

Assim, tem de se concluir que não há suporte legal para o pedido de indemnização formulado pela Requerente, pelo que tem de ser julgado improcedente.

 

 

6. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar improcedente a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
  2. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto aos pedidos de anulação;
  3. Anular, na medida do excesso da percentagem de acabamento, que é de 0,06%, (47,20% - 47,14%), a liquidação adicional do IRC n.º 2016..., de 12-10-2016, e respectiva demonstração de liquidação de juro n.º 2016..., ambas associadas à demonstração de acerto de contas n.º 2016..., referentes ao período de tributação de 2012, compensação n.º 2016..., de 14-10-2016;
  4. Anular a decisão da reclamação graciosa;
  5. Julgar improcedente o pedido de indemnização por garantia indevida e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do respectivo pedido.

 

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 181.333,20.

 

Lisboa, 12-11-2018

 

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

(Filomena Oliveira)

 

 

(José Rodrigo de Castro)

 



[1] Podem ver-se sobre a revogação por substituição, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 13-3-1986, processo n.º 022847, publicado em Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo n.º 300, página 1490; de 06-10-1999, processo n.º 023379, publicado em Apêndice ao Diário da República de 30-9-2002, página 3102; de 29-5-2002, processo n.º 047541, publicado em Apêndice ao Diário da República de 10-02-2004, página 4047; de 29-04-2003, processo n.º 0363/03; de 25-02-2009, processo n.º 0843/08.