Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 196/2018-T
Data da decisão: 2018-10-29  IRC  
Valor do pedido: € 554.941,10
Tema: IRC – SGPS; Mais-valias e menos-valias; Dedutibilidade; Mensuração de acordo com justo valor; Regime transitório – Art.32.º, n.º2, do EBF.
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Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

            Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelos outos Árbitros), Prof. Doutor Tomás Castro Tavares e Dr.ª Carla Castelo Trindade, designados pela Requerente e pela Requerida, respectivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 04-07-2018, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

            A... SGPS, S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede na ..., n.º..., em ... (...-...), (doravante designada como "Requerente"), apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea b), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante "RJAT"), tendo em vista a declaração de ilegalidade da liquidação adicional IRC e juros compensatórios referente ao exercício de 2013, emitida sob o n.º 2017..., com data de 08-05-2017, de que resulta um valor a pagar de € 554.941,10.

            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA em 16-04-2018.

Os signatários comunicaram a aceitação do exercício das funções no prazo aplicável.

Em 14-06-2018, as Partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo manifestado vontade de recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 04-07-2018.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 24-09-2018 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações facultativas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre decidir.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais que se dedica à actividade de gestão de participações sociais não financeiras;
  2. Conjuntamente com outras entidades integrantes do designado “Grupo B..., a Requerente encontra-se integrada num Grupo Fiscal sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), do qual é a sociedade dominante;
  3.  Foi efectuada uma acção inspectiva à Requerente relativa ao exercício de 2013, em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

II.3.8 - Participações detidas

Relativamente ao exercício de 2013, da análise aos elementos contabilísticos e como consta do mapa enviado pela sociedade a Inspeção Geral de Finanças, a A... SGPS SA, detinha as seguintes participações financeiras (ver anexo 2 fls.02 2);

(...)

III- Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria tributável

No decurso da ação de inspeção, realizada ao exercício de 2013, as áreas contabilístico fiscais selecionadas e analisadas de acordo com os métodos e procedimentos adotados e com a profundidade considerada adequada em cada situação, foram detetadas as seguintes situações, as quais despoletaram as propostas de correção ao apuramento do resultado tributável que, infra se sistematizam e legalmente se fundamentam.

III.1 - Da análise efetuada

Foram objeto de análise todos os valores inscritos pelo sujeito passivo no quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22, tendo-se constatado que os mesmos respeitam a registos evidenciados nos elementos contabilísticos, não se encontrando nestes, inconformidades suscetíveis de correção, exceto quanto a situações relacionadas com encargos financeiros não dedutíveis no âmbito do estipulado no n.º 2 do artigo 32.º do E.B.F. e deduções relacionadas com variações patrimoniais negativas (regime transitório, previsto no art.º 5 do DL 159/2009 de 13/7) de ajustamentos de transição por aumentos ou reduções do justo valor relativos a investimentos financeiros, que nos pontos seguintes (III.2 e III.3) se descrevem.

 

III.2. - ENCARGOS FINANCEIROS NÃO ACEITES FISCALMENTE À LUZ DO ARTIGO 32.º N.º 2 DO ESTATUTO DOS BENEFÍCIOS FISCAIS (EBF)

Da análise às demonstrações financeiras ao exercício de 2013, verificou-se que a A... SGPS SA declarou gastos financeiros, sem proceder à correção dos mesmos na declaração de rendimentos Mod. 22, nos termos do n.º 2 do artigo n.º 32º do E.B.F.

 

III.2.1. - Quadro legal do artigo 32.º do n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)

Dispõe o n.º 2 do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redação em vigor à data dos factos ora sindicados pela Inspeção Tributária (dada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26/06), que: "as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades".

Com este preceito o legislador quis consagrar a regra geral da exclusão da tributação das mais-valias realizadas na transmissão onerosa de partes sociais detidas pelas SGPS (independentemente do negócio jurídico que lhe deu causa, se adquiriu as ações por compra ou por subscrição, se o seu valor aquisitivo foi ou não objecto de valorização, por incorporação de outros activos, nomeadamente fusão ...), por período igual ou superior a um ano, qualquer que seja o título por que a mesma se opere, e concomitantemente, entendeu o legislador que, não concorrendo as mais valias para o lucro tributável, deixassem de concorrer os encargos financeiros suportados seja com a aquisição, reforço, ou manutenção (empréstimos de capital) dos capitais próprios das participações detidas.

Através da instrução n.º 7/2004 de 30/03/2004 da Direção de Serviços do IRC, a Administração Tributária, vem esclarecer que:

- O novo regime, relativamente aos encargos financeiros, é aplicável "nos períodos iniciados após 1 de Janeiro de 2003, ainda que sejam relativos a financiamentos contraídos antes daquela data" (ponto 5).

- O exercício em que os encargos financeiros deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, "dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito, à correcção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam susceptíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do artigo 31º do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para aplicação do regime especial de tributação das mais-valias ..." (ponto 6).

- No que diz respeito ao método de cálculo e imputação a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais, dispõe o ponto 7, que "dada a extrema dificuldade de utilização ... de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula, que atenda ao seguinte, os passivos remunerados da SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estes concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afetando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente, participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição".

A desconsideração como gasto dos encargos financeiros para efeitos de determinação do lucro tributável consagrado na redação do artigo 32.º n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), consubstancia um corolário do principio geral de indispensabilidade dos gastos, segundo o qual a dedução final destes é condicionada à sua conexão com a obtenção de proveitos sujeitos a imposto, e do qual resulta que "se determinados custos estão relacionados com proveitos não sujeitos a impostos, não são fiscalmente dedutíveis - cfr Freitas Pereira, "A Periodização do Lucro Tributável", in Ciência e Técnica Fiscal n.º 360, janeiro - março de 1988, pág. 140 - principio que informa o disposto no artigo 23.º do Código do IRC.

Esta norma pressupõe assim uma correspondência entre a não tributação dos resultados obtidos com a alienação das partes sociais e a dedutibilidade dos gastos associados à detenção destes ativos.

A factualidade decorrente da análise efetuada aos elementos remetidos pelo SP, em cumprimento das suas obrigações declarativas, implica que, se objetive que no exercício em causa, foram incorridos encargos financeiros.

Assim sendo, deve-se proceder ao ajustamento do lucro tributável relativo aos encargos financeiros imputados à detenção de partes sociais que sejam suscetíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido à data no n.º 2 do artigo 32.º do EBF.

 

III.2.2. - Determinação dos encargos financeiros não aceites fiscalmente nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do E.B.F.

Apresenta-se de seguida, de acordo com balancete antes de apuramento de resultados (em anexo 3, fls. 1 a fls. 7) um quadro onde constam os encargos financeiros suportados pela A... SGPS SA, no exercício em análise:

 

Foi questionada a sociedade A... SGPS SA, sobre o motivo da não aplicação do nº 2 do art.º 32.º do E.B.F., aos encargos financeiros suportados, tendo respondido (ver anexo 4, fls. 13, verso):

Relativamente ao Exercício de 2013, a A... SGPS, S.A. não efetuou a aplicação do n.º 2 do Artigo 32º do EBF, relativamente aos Encargos Financeiros não dedutíveis relativos às partes de capital detidas valorizadas ao Custo de Aquisição, uma vez que nenhum dos financiamentos tem como finalidade a Aquisição de Partes de Capital de Empresas detidas ao Custo de Aquisição."

Dos elementos na posse da AT, nomeadamente, os recolhidos no âmbito dos procedimentos inspetivos aos exercícios de 2010, 2011 e 2012, referiu o sujeito passivo, que os empréstimos obtidos foram canalizados para a aquisição das ações do C... .

Da análise aos argumentos apresentados pela sociedade, somos a concluir que o sujeito passivo considera que os empréstimos obtidos não estão relacionados com a aquisição de partes de capital mensuradas ao custo de aquisição, mas sim com a aquisição das ações C... .

Ora, tal entendimento por parte do sujeito passivo, não pode ser acolhido, face à interpretação da AT da disposição contida no n.º 2 do artigo 32.º do E.B.F., interpretação vertida na circular 07/2004 de 30/03, já antes descrita no ponto III.2.1. do presente relatório.

Ou seja, à situação em apreço, tendo em conta o objeto social da sociedade em questão, não é possível estabelecer uma relação direta, entre um determinado empréstimo e uma determinada aquisição de parte de capital (aquisição de ações C...), nem o contrário, como pretende a A... SGPS SA no presente procedimento, que os empréstimos obtidos não estão relacionados com a aquisição de partes de capital mensuradas ao custo de aquisição, pelo facto, que uma das características da moeda é a sua fungibilidade, sendo extremamente difícil e com um grau de razoabilidade aceitável, afirmar que determinado meio monetário está diretamente relacionado com um ativo financeiro, sendo que, com base nesta constatação, a AT, interpretando e aplicando a lei, fez divulgar a já referida circular 07/2004 de 30/03.

Mais, no que diz respeito à extrema dificuldade da efetivação de uma imputação direta, o sujeito passivo, no âmbito do seu objeto social, entre outros, não só contraiu empréstimos bancários para efeitos de aquisição de ações do C..., como também contraiu empréstimos com vista ao apoio de tesouraria, é contraente em contratos de leasing financeiro, recebe fundos dos seus detentores de capital, efetua empréstimos às suas participadas, bem como, possuía valores monetários significativos antes da utilização do empréstimo contraído no D... (€100.300.000,00), no montante de €8.000.000,00 - ver anexo 4, fls 1 (elemento recolhido no âmbito da inspeção aos anos de 2010,2011 e 2012), pelo que, não é possível garantir que determinado meio monetário obtido esteja relacionado com determinado ativo, pois a fungibilidade do dinheiro impede esta associação direta.

Ainda, sobre a matéria em questão, pronunciou-se a Direção de Serviços de IRC, PROC. IRC: 58/2008, de 28-06-2008, referindo no seu ponto 8, o que a seguir se transcreve:

"...: De facto, a fungibilidade da moeda leva a que seja extremamente difícil determinar, com exactidão, qual a aplicação específica dos capitais obtidos, por exemplo, através de um determinado empréstimo. Assim, deverá ser sempre utilizado o método indirecto acima referido para o cálculo dos encargos financeiros que não serão dedutíveis para efeitos fiscais, de modo a evitar as possibilidades de manipulação dos resultados caso assim não se procedesse."

Deste modo, procede-se ao cálculo do total dos encargos financeiros não dedutíveis nos termos do art.º 32 n.º 2 do EBF, conjuntamente com o estipulado na Circular 7/2004 de 30/03, conforme a seguir se indica:

 

Ativo remunerado (empréstimos concedidos / depósitos remunerados)

Da análise à documentação contabilística (balancete analítico e elementos / informações recolhidas - ver anexo 3 fls. 3 e anexo 4 fls. 8), verifica-se que a A... SGPS SA, concedeu às participadas a título de empréstimos / suprimentos não remunerados (conta 266) o montante de €7.488.451,22.

A sociedade detém um depósito a prazo no montante de €77.400,00, constituindo o único ativo remunerado - ver anexo 3 fls. 2 e anexo 4 fls. 8.

Passivo remunerado (empréstimos obtidos)

Da análise à documentação contabilística - ver anexo 3 fls. 3 e anexo 4 fls. 13, constata-se que a A... SGPS SA, obtém empréstimos das suas participadas (conta 254) no montante de €17.248.563,77, no entanto os mesmos por não gerarem custos, integram o passivo não remunerado.

Na conta 251 e 272, encontram-se os empréstimos obtidos remunerados - ver anexo 3 fls. ¾ e anexo 4 fls. 10, geradores de gastos com a natureza de juros e outras operações bancárias, que a seguir se elencam:

 

 

Outros ativos não remunerados

Com base no balancete analítico (em anexo 3) e balanço da sociedade, descreve-se de seguida o total do ativo não remunerado:

 

 

 

Do valor de aquisição (custo de aquisição) das participações sociais

Importa referir, tendo como referência as partes de capital detidas pela A... SGPS SA, esquematizadas no quadro 4 do ponto II.3.8. do presente relatório, que a participação detida no C... (inferior a 5% e cotada em mercado regulamentado), na sequência da aprovação do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), com efeitos a 01-01-2010, passou a ser mensurada ao justo valor através de resultados, e assim sendo, aos ajustamentos decorrentes, aplicam-se as regras de dedução previstas na alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do C.I.R.C. Deste modo, à participação detida no C... pela A... SGPS SA, não se aplica o n.º 2 do artigo 32.º do EBF, por força da alínea b) do n.º 1 do artigo 46.º do C.I.R.C.

Vejamos de seguida, o valor total das partes de capital, mensuradas ao custo de aquisição, que beneficiam do disposto no n.º 2 do artigo 32.º do E.B.F., de acordo com o relevado nas demonstrações financeiras:

 

Cálculo dos encargos financeiros não dedutíveis nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do E.B.F.

Apurados os valores nos quadros antecedentes, referentes a Encargos financeiros (Quadro 5), Ativos remunerados (Quadro 6), Passivos remunerados (Quadro 7), Outros ativos (Quadro 8) e Partes de capital (Quadro 9), prossegue-se à determinação do valor dos encargos financeiros a desconsiderar no apuramento do lucro tributável, (na linha 779 do quadro 7 da declaração modelo 22), de acordo com o método indireto constante na Circular 7/04 de 30/03 (os passivos remunerados da SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estes concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afetando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente, participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição), conforme quadro seguinte:

 

 

De acordo com o quadro supra, o valor a acrescer para efeitos de determinação do resultado fiscal, totaliza €738.799,10.

 

III.3. - VARIAÇÕES PATRIMONIAIS NEGATIVAS (REGIME TRANSITÓRIO, ART.º 5.º DO DL 159/2009 DE 13/07.

A matéria em questão está relacionada com os ajustamentos decorrentes da alteração contabilística do modelo do custo (POC) para o modelo do justo valor (IFRS/SNC), com efeitos a partir do exercício de 2010, que originou a adaptação do código do IRC ao novo normativo contabilístico, tendo sido estatuído um regime de transição para a dedutibilidade fiscal dos referidos ajustamentos, previsto no art.º 5.º n.º 1 do Decreto-lei n.º 159/2009.

Importa salientar, que a A... SGPS SA foi alvo de procedimentos inspetivos com abrangência aos anos de 2010, 2011 e 2012, tendo procedido a AT, nestes exercícios, à correção do valor dos ajustamentos por aumento ou redução do justo valor declarados pelo sujeito passivo, no âmbito do regime transitório, relativos a encargos financeiros não dedutíveis referentes aos anos de 2008 e 2009, nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do E.B.F.

Deste modo, no exercício em análise, repercutir-se-ia, proporcionalmente, em igual montante, os valores corrigidos pela AT nos exercícios anteriores (2010 a 2012).

No entanto, pelo facto de no exercício de 2013 o sujeito passivo ter declarado no campo 705 da modelo 22 de IRC, um valor superior ao declarado nos anos anteriores, procedeu-se à sua análise, conforme a seguir se explica.

 

III.3.1. DA VERIFICAÇÃO E ANÁLISE DO VALOR INSCRITO NO CAMPO 705 DO QUADRO 07 DA MODELO 22 DE IRC (VARIAÇÕES PATRIMONIAIS NEGATIVAS)

Com referência à declaração de rendimentos de IRC Modelo 22 do exercício de 2013, constatou-se que o sujeito passivo declarou no correspondente quadro 07 - campo 705, variações patrimoniais negativas (VPN) no âmbito da aplicação do Regime Transitório nos termos do artigo 5.º n.º 1 do Decreto- Lei n.º 159/2009, no montante de €13.259.523.48 - ver anexo 4 fls. 16.

Sobre a natureza do valor antes referido, esclareceu o sujeito passivo o seguinte, ver anexo 4 fls. 4 e 5.

"A empresa apresenta em 2013 um Resultado Contabilístico de Euro 2.136.379,64 (positivos) e um Resultado Fiscal de Euro 13.502.759,97 (negativos). O valor que justifica grande parte desta diferença é referente às variações patrimoniais negativas (regime transitório previsto no nº 5º, n.ºs 1, 5 e 6, do DL nº 159/2009, de 13/7) "Campo 705 do Q07 da M 22 - onde o montante destas variações patrimoniais negativas foi de Euro 13.259.523,48.

A A... SGPS é a sociedade dominante de um Grupo de Sociedades integrado no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) e detém desde 2007, uma participação financeira inferior a 5% no C..., S.A. (C...), NIF:... .

Na vigência do Plano Oficial de Contas (POC), i.e., até 31 de Dezembro de 2009, a participação no C... encontrava-se registada contabilisticamente, nas demonstrações financeiras, ao custo de aquisição (61.998.932 €), deduzido das desvalorizações que refletiam as sucessivas reduções do Valor de Mercado, as quais, nos termos das normas fiscais em vigor à data, não tinham relevância fiscal.

Com a aprovação do Decreto-Lei 158/2009, de 13 de junho, do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), que veio suceder ao POC e que entrou em vigor a 1 de janeiro de 2010, a empresa procedeu ao registo da referida participação no C..., nos termos da Norma Contabilística e de Relato Financeiro 27 NCRF 27.

A NCRF 27 define como critério de mensuração para os instrumentos financeiros, que revistam a forma de investimentos em instrumentos de capital próprio com cotação divulgada publicamente - o que é o caso da participação no C...- o critério do justo valor com as eventuais valorizações e desvalorizações de justo valor reconhecidas diretamente no resultado do período.

Com a transição para o SNC, e de acordo com a NCRF 3, a empresa reconheceu em capitais próprios o efeito decorrente do reconhecimento ao justo valor da participação no C... a 31 de dezembro de 2010, i.e., reconheceu uma perda no montante da 54.537.180.20 €.

Esta Perda de Justo Valor constituiu um ajustamento de transição para o SNC, fiscalmente relevante nos termos do Código do IRC, pelo que lhe foi aplicável o n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei 159/2009, de 13 de junho, diploma que visou proceder à adaptação do Código do IRC às normas internacionais de contabilidade adotadas pela União Europeia e ao SNC.

De acordo com aquele artigo, a Empresa pode deduzir ao lucro tributável, em partes iguais, durante 5 anos (i.e., de 2010 a 2014) na proporção de 1/5 em cada ano, aquela perda de justo valor.

Conforme exposto supra, na declaração de Modelo 22 IRC de 2013, a empresa deduziu as perdas relativas à participação no C... . Neste sentido, incluiu na declaração no campo 705 do quadro 07 da Dec. Mod. 22 de IRC, os seguintes valores:

 

Os elementos constantes no quadro supra, dizem respeito aos ajustamentos do justo valor relacionados com a participação financeira no C..., reconhecidos pelo sujeito passivo no exercício de 2010, por força da alteração do normativo contabilístico POC - IFRS/SNC, e fiscalmente dedutíveis em 1/5 de acordo com o regime transitório plasmado no n.º 1 e 5 do artigo 5.º do DL 159/2009 de 13/06.

Constata-se que a perda apurada no valor de €54.537.180,20 surge da diferença entre os ajustamentos das ações C... nos anos de 2008 (-55.512.153,50) e de 2009 (974.973.30). Quanto ao total do ajustamento negativo no montante de -€55.512.153,50, o sujeito passivo considerou 1/5 (de acordo com o regime de transição) como variação patrimonial negativa, ou seja €11.102.430,70, mas ao contrário dos exercícios anteriores, não aplicou em 2013, o n.º 3 do art.º 45.º do C.I.R.C., disposição legal que limita a dedutibilidade fiscal de perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital em 50%.

Foi pedido esclarecimento ao sujeito passivo, tendo respondido conforme documento em anexo 4 fls. 11, que a seguir se resume:

• Após o exercício de 2012, a A... SCPS, S.A. por estar assessorada pela consultora E... (E...) expôs as respetivas Reclamações Graciosas, decidindo relevar o critério de ajustamento a 100% das perdas apuradas pelo Banco C... .

• Refere o indeferimento por parte da AT das reclamações graciosas e subsequente recurso ao CAAD, sendo a decisão deste, procedente às suas pretensões.

Sobre a mesma matéria de facto, pronunciou-se a AT na ficha doutrinária, Processo n.º 39/2011 de 24-02-2011 do Diretor Geral, tendo decidido:

"Regime transitório

11 - Assim, a alteração da política contabilística (do modelo do custo para o modelo do justo valor) decorrente da entrada em vigor do SNC, com efeitos retrospectivos, determina, neste caso, uma perda reconhecida em resultados transitados a qual, para efeitos fiscais, de acordo com o artigo 45.º n.º 3 do CIRC, concorre em 50% do seu valor para a formação do lucro tributável dos períodos de tributação de 2010 e dos quatro períodos seguintes.

Encontrando-se a AT, nos termos do art.º 68-A da Lei Geral Tributária, vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, não pode deixar a AT, no caso em apreço, de aplicar as orientações contidas na ficha doutrinária antes referida, ou seja, a aplicação do n.º 3 do artigo 45.º do C.I.R.C.

A A... SGPS SA invoca a decisão favorável do CAAD, no entanto as decisões do CAAD não se apresentam uniformes, veja-se por exemplo a decisão constante no processo n.º 25/15-T de 24-09-2015 (relativo ao Tema: IRC - artigo 18.º, n.º 9, alínea a) e artigo 45.º, n.º 3, do CIRC -ajustamentos pelo justo valor), cuja decisão é favorável à AT.

Deste modo, não pode a AT considerar como variação patrimonial negativa, o valor de €5.551.215.35 (155.512.153.50/5 X 50%) referente a 50% de 1/5 do valor declarado pela A... SGPS SA, referente a ajustamentos negativos de partes de capital C..., pelo que, o referido valor será acrescido para efeitos de determinação do resultado fiscal no ano em análise.

 

Continuando a análise à composição do valor (€13.259.523.48) considerado pelo sujeito passivo como variação patrimonial negativa (inscrito no campo 705, quadro 07, modelo 22 de IRC, exercício de 2013), constante no quadro por este apresentado e acima transcrito, verifica-se que o valor de €2.317.789.33 sob a descrição "1/5 dos encargos financeiros (11.588.964,64 Euros)", diz respeito a ajustamentos de justo valor decorrentes do regime transitório (POC -IFRS/SNC, com efeitos no ano de 2010 e nos quatro períodos seguintes), relacionados com a aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 32.º do E.B.F. e da circular 07/2004, nos anos de 2008 e 2009.

Foram estes ajustamentos alvo de correção no âmbito dos procedimentos inspetivos realizados pela AT nos exercícios de 2010, 2011 e 2012.

Por força da aplicação do regime transitório, no exercício de 2013, procede-se à correção em igual valor e com os mesmos fundamentos à efetuada pela AT nos exercícios de 2010, 2011 e 2012, e que de seguida se explica:

Nos exercícios de 2008 e 2009 o sujeito passivo, por aplicação da Circular 7/2004, determinou encargos financeiros não dedutíveis nos termos do artigo 32.º n.º 2 do EBF, os quais foram acrescidos no quadro 07 da Declaração de Rendimentos Mod. 22, respetivamente nos montantes de €6.353.655,85 e €5.235.290,79, o que totalizou €11.588.946.65.

Contudo, o sujeito passivo, nas declarações Mod. 22 dos anos de 2010, 2011, 2012, e também no exercício agora em análise, na rubrica de variações patrimoniais negativas considerou a dedutibilidade total destes encargos, na proporção de 1/5, ao abrigo do artigo 5.º n.º 1 do regime de transição do POC para o novo normativo contabilístico (IFRS/SNC) previsto no Decreto- Lei n.º 159/2009, procedendo a uma imputação direta de todos os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, quer com as partes de capital mensuradas ao custo de aquisição, quer com as mensuradas pelo justo valor relevadas em resultados (ações C...).

Tal situação, é explicável, pelo facto do sujeito passivo considerar que os financiamentos obtidos geradores de encargos financeiros não estão relacionados com a aquisição de partes de capital mensuradas ao custo de aquisição, conforme se descreveu no ponto III.2.2 do presente relatório, ou ainda, como referiu o sujeito passivo no âmbito dos procedimentos inspetivos aos anos de 2010, 2011 e 2012, que os empréstimos bancários foram canalizados para a aquisição da ações C..., ou seja, a partir do exercício de 2010, o sujeito passivo passa a defender uma imputação direta dos encargos financeiros, e face a este entendimento, não procedeu à correção dos encargos financeiros suportados não dedutíveis nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do E.B.F. no exercício em análise, como também considerou como variação patrimonial negativa a totalidade dos encargos financeiros acrescidos fiscalmente nos exercícios de 2008 e 2009, na proporção de 1/5 conforme as regras do regime transitório.

No entanto, conforme já se referiu para os encargos financeiros suportados no ano de 2013, ponto III.2. do presente relatório, também no cálculo da variação patrimonial negativa referente ao regime transitório, não pode o sujeito passivo considerar que o valor dos encargos financeiros acrescidos nos exercícios de 2008 e 2009 passam a ser dedutíveis na totalidade, na medida que, pelas razões já invocadas, se impõe sempre a aplicação de um método indireto, conforme determinado na circular 07/2004 de 30/03.

Ora, com a alteração do normativo contabilístico, e no caso em concreto, a parte de capital detida pela A... SGPS SA no C..., passou a ser mensurada ao justo valor, relevada em resultados, sendo as variações de justo valor relevantes para efeitos fiscais nos termos da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do C.I.R.C., pelo que, somente a estas, deixa de ser aplicável o n.º 2 do artigo 32.º do EBF.

Assim, os encargos financeiros suportados nos anos de 2008 e 2009, relacionados com a parte de capital detida pela A... SGPS SA no C..., não aceites como gastos fiscais nestes períodos anteriores, passam a ser dedutíveis, sendo reconhecidos no âmbito do regime transitório no período de tributação de 2010 e dos quatro períodos seguintes.

Deste modo, não podia o sujeito passivo, como fez, considerar como variação patrimonial negativa no ano de 2013, 1/5 da totalidade dos encargos financeiros suportados nos anos de 2008 e 2009, mas somente, 1/5 dos encargos proporcionais à parte de capital detida no C... .

Tal situação, determina que sejam recalculados para os exercícios de 2008 e 2009 os encargos financeiros que seriam aceites fiscalmente, excluindo, do valor de aquisição das participações financeiras o montante das ações C..., como a seguir se indica:

O teor dos quadros que seguem, construídos com base nos balancetes antes de apuramento de resultados, exercícios de 2008 e 2009 (ver anexo 3 fls. 9 a fls. 29) foram reproduzidos do relatório de inspeção tributária, notificado ao sujeito passivo, no âmbito dos processos inspetivos dos anos de 2010, 2011 e 2012:

Assim, de acordo com os cálculos adiante descritos, para os exercícios de 2008 e 2009, determinou-se o montante dos encargos financeiros imputáveis às partes de capital, não dedutíveis nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, à luz da Circular 7/2004 de 30 de março, excluindo das partes de capital, mensuradas ao custo de aquisição, o montante das ações do C... mensuradas ao justo valor.

De acordo com o exposto, tendo em conta os encargos financeiros imputáveis às partes de capital, não dedutíveis nos exercícios de 2008 e 2009, resulta uma correção ao valor declarado como variação patrimonial negativa no exercício de 2013, no montante de €1.675.125,22, conforme determinado no seguinte quadro:

Em suma, do valor de €13.259.523,48, inscrito pelo sujeito passivo no campo 705, quadro 07, modelo 22 de IRC, exercício de 2013, como variação patrimonial negativa, não se consideram fiscalmente dedutíveis, de acordo com o exposto neste ponto III.3.1. do presente relatório, os valores de €5.551.215,35 (referentes a 50% de €11.102.430,70, nos termos do n.º 3 do artigo 45.º do C.I.R.C., regime transitório) e €1.675.125,22 (relativo a encargos financeiros não dedutíveis nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do E.B.F. regime transitório).

 

III.4. - CORREÇÕES AO RESULTADO FISCAL

Face ao exposto nos pontos antecedentes (III.2 e III.3 do presente relatório), descrevem-se no quadro seguinte as correções a efetuar ao resultado fiscal declarado pela A... SGPS SA no exercício de 2013:

IV - Motivo e exposicão dos factos que implicam o recurso a métodos indiretos

Não aplicável.

(...)

IX - Direito de audição

(...)

I - Alegações do sujeito passivo

No documento do direito de audição, vem a sociedade A... SGPS SA, expor as suas alegações sobre o teor do projeto de relatório notificado, manifestando a sua discordância, quer quanto à aplicação do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC (referindo não ser o exercício do direito de audição ao projeto de correções, a sede própria para discutir a questão da aplicabilidade da norma referida, razão pela qual posterga a discussão das correções propostas com este fundamento para reação ao ulterior ato de liquidação), quer quanto à aplicação dos limites à dedutibilidade dos encargos financeiros prevista no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, com referência aos encargos financeiros do exercício de 2013 e aos encargos da mesma natureza incorridos nos exercícios de 2008 e 2009, estes últimos refletidos na variação patrimonial deduzida para efeitos da determinação do lucro tributável do ano de 2013, com base nos motivos que a seguir resumidamente se indicam:

• A maior parte das participações detidas pela A... SGPS SA, quer em 2008 e 2009, quer em 2013, excluindo o valor de aquisição da participação financeira referente às ações C..., respeitam a ações de sociedades do grupo adquiridas pela A... SGPS SA, por meio de aumentos de capital desta, por entrada em espécie, ou prestações acessórias em espécie efetuadas pelos respetivos acionistas, descrevendo e identificando no documento de direito de audição (pontos i a ix), as participações de capital adquiridas pela A... SGPS SA, juntando ainda as atas de deliberação da Assembleia Geral.

• Refere que o valor de aquisição respeitante à maior parte das participações, no ponto anterior mencionadas, ascende a €155.677.871,54, não podendo este valor ser relevado para efeitos da determinação do valor das partes de capital adquiridas para efeitos de aferição dos encargos financeiros não dedutíveis nos termos do n.º 2 do art." 32.º do EBF, pela simples razão de que, objetivamente, não foram adquiridas com recurso a qualquer meio de financiamento.

• Admitindo que não seria ilegal a aplicação do entendimento vertido na circular n.º 7/2004, afirmando que o é, exigir-se-ia que os Serviços excluíssem da base de determinação do rácio das partes de capital face aos outros ativos, as ações que, por terem sido adquiridas por via de entradas em espécie, manifestamente nunca seriam suscetíveis de gerar encargos financeiros com vista à sua aquisição.

• Entende que apenas o valor de €2.490.909,46, remanescente da diferença entre o valor de aquisição das participações considerado pela AT (€158.168.781,00) e o valor de €155.677.871,54, poderia constituir componente de cálculo da equação constante na circular n.º 07/2004, por corresponder ao valor dos aumentos de capital em dinheiro efetivamente realizados pela A... SGPS SA nas sociedades participadas.

 

II - Análise às alegações do sujeito passivo / Conclusão

Importa desde já referir, que as correções propostas pela AT, constantes do projeto relatório notificado, quanto ao valor relativo à componente Partes de Capital (custo de aquisição), para efeitos do cálculo dos encargos financeiros não dedutíveis, nos termos da circular 07/2004, é o somatório dos valores de aquisição das participadas constantes dos quadros 11 (anos de 2008 e 2009) e 9 (ano de 2013) do projeto relatório.

Expressando a ilegalidade da aplicação da circular n.º 7/2004, a A... SGPS SA, ainda assim entende, que se exigiria à AT, que somente considerasse o valor de €2.490.909,46 (exercício de 2013), como valor de aquisição, para efeitos de cálculo constante na circular 07/2004, no entanto o cálculo da exponente, consubstancia-se em pressupostos que não refletem a realidade dos factos, senão vejamos:

A exponente chegou ao resultado de €2.490.909,46, considerando como subtrativo o valor de aquisição total das participações sociais realizadas por entradas em espécie (€155.677.871,54) incluindo as relativas às sociedades; F... SA, G... SA e H... SA, e, como aditivo, o valor de aquisição total determinado pela AT (€158.168.781,00 - quadro 9 do presente relatório), valor total este, que não contempla, os valores de aquisição das três sociedades em cima referidas, pelo motivo, de que nos exercícios de 2008 e seguintes, essas sociedades, pela análise efetuada, não integravam a esfera patrimonial da A... SGPS SA, situação refletida na ata n.º 18 da sociedade - ver anexo 6 fls. 19 e 20.

Assim, admitindo a hipótese da AT entender de igual modo que a exponente (quanto à forma de determinação dos valores de aquisição das partes sociais, que não é o caso como à frente se irá explanar), o valor de €2.490.909,46, avançado pela exponente, não poderia ser considerado, por resultar da diferença de duas componentes, cujos elementos constitutivos não são na totalidade relacionáveis.

No que diz respeito à alegação da A... SGPS SA, no tocante ao facto de as participações sociais da maioria das sociedades detidas, terem sido efetuadas por entradas em espécie, e que por não gerarem encargos financeiros, não deviam relevar para o cálculo constante da circular 07/2004, entende a AT, relativamente às participações adquiridas pela exponente, via entradas em espécie, mencionadas no documento de direito de audição, e por ela detidas nos anos de 2008 e posteriores, o seguinte:

A realidade é que a A... SGPS SA, a partir da data de 29-12-2006 - ver ata n.º 2 em anexo 6 fls. 8 a fls. 10, e da data de 31-12-2007 - ver ata n.º 18 em anexo 6 fls. 19a 20, passou a deter por via direta e indireta a totalidade do capital social das sociedades que a seguir se indicam:

A aquisição das participações sociais por parte da A... SGPS SA, foi efetuada por meio de aumentos de capital por entradas em espécie e por prestações acessórias em espécie, efetuadas pelos seus acionistas, que lhe transmitiram por permuta, as participações sociais (revalorizadas) das sociedades identificadas no quadro supra, subscrevendo em troca as novas ações da A... SGPS SA.

A operação financeira, antes realizada, configura uma efetiva aquisição por parte da A... SGPS SA, suscetível de vir a gerar benefícios futuros para a sociedade, seja por distribuição de dividendos, seja por eventual alienação.

No caso em concreto, o facto de não existir fluxo monetário / movimento de tesouraria na operação antes descrita, não implica que não estejamos perante uma efetiva aquisição e um efetivo investimento financeiro, pelo contrário, os factos preenchem totalmente os conceitos de valor de aquisição e de investimento financeiro, não se podendo desconsiderá-los, face à forma e ao meio pelos quais se efetivam, pelo que, como já antes se referiu, fls. 9 do presente relatório, a sociedade no âmbito do seu objeto social também contrai empréstimos bancários, não se podendo, face à fungibilidade da moeda, estabelecer uma distinção entre formas de financiamento, para efeitos de determinação dos encargos financeiros não dedutíveis.

Deste modo, havendo uma efetiva aquisição, a interpretação da exponente da disposição contida na instrução Circular n.º 7/2004, para efeitos de aplicação do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, quanto à formação do valor de aquisição das partes sociais, ao distinguir participações detidas com recurso a fluxo monetário / movimento de tesouraria e participações detidas com recurso a entradas de ativos, não se enquadra na instrução contida na circular n.º 7/2004, pois, não se depreende do espírito da instrução, que as aquisições de participações sociais com pagamento em espécie, não entrem para o cálculo do valor das aquisições que será considerado, para efeitos de imputação dos encargos financeiros suportados.

Ainda, veja-se, que a aplicação da fórmula (ver fls. 11 e 15 do presente relatório de inspeção), a que se refere o ponto 7 da circular n.º 7/2004, não afeta a totalidade dos encargos financeiros suportados para aquisição de participações sociais, pois uma parte dos mesmos é afeta a outros ativos (ver quadro de outros ativos não remunerados, fls. 10 do presente relatório), pelo que, estes ativos não remunerados, contém valores inscritos que também não são suscetíveis de gerar encargos financeiros.

Mais, numa operação de entrada de ativos, a sociedade beneficiária assistirá a uma valorização, devendo concomitantemente concorrer para a determinação do cálculo dos encargos financeiros, o valor correspondente dessas participações, na medida em que este será, em caso de alienação, o que servirá de base para o cálculo da mais-valia.

Assim sendo, para efeitos de aplicação do n.º 2 do art.º 32.º do EBF, concatenada com a instrução contida na Circular n.º 7/2004 de 30/03, entende a AT, que o valor total de aquisição de participações sociais detidas pela A... SGPS SA, com referência aos anos de 2008, 2009 e 2013, são de €157.294.097, €157.774.194,49 e €158.168.781,00, respetivamente.

Pelo descrito, propõe-se a manutenção das correções constantes no projeto relatório de inspeção devidamente notificado à sociedade A... SGPS SA.

Procede-se à elaboração do respetivo documento de correção e levantamento do auto de notícia.

  1. No âmbito da sua actividade a Requerente contraiu, em Julho de 2007, um empréstimo bancário junto do D... no valor de € 100.300.000,00, sobre o qual foi cobrado imposto do selo e comissão bancária nos valores de € 501.500,00 e € 300.900,00 (Anexo 1 e Anexo 2 ao relatório de inspecção elaborado com referência ao exercício de 2012 junto com o pedido de pronúncia arbitral como documento n.º 5, e Anexo 4 ao relatório de inspecção junto como Documento n.º 4);
  2. O referido valor foi creditado na conta da Requerente no dia 24 de Julho de 2007 (documentos referidos);
  3. Com a mesma data-valor, foi efectuada pelo D... mediante instruções da Requerente, uma aquisição de compra de um 1.º lote de acções do C... pelo valor total, incluindo comissões bancárias, de €36.200.701,53 (documentos referidos);
  4. Com a mesma data-valor, foi ainda efectuada pelo D..., mediante instruções da Requerente, uma aquisição de compra de um 2.º lote de acções do C... pelo valor total, incluindo comissões bancárias, de € 63.402.778,47 (Anexo 1 ao relatório de inspecção elaborado com referência ao exercício de 2012 junto como Documento n.º 5);
  5. Em 22 de Abril de 2008, a Requerente contraiu um empréstimo junto do Banco I..., no montante de € 9.000.000,00, a que foram deduzidos € 45.200,00 a título de comissão de abertura e Imposto do Selo (Documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  6. Deste valor foi transferido para a conta de depósito à ordem da Requerente, em 24-04-2008 um montante de € 8.900.000,00 integralmente aplicados para a aquisição, no dia 29 do mesmo mês, de um 3.º lote acções do C... no valor de € 9.022.330,78 (Documentos n.º 7, 8, e 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  7. As acções adquiridas nos anos em causa conferiram à Requerente uma participação financeira no capital social do C... de 0,095%;
  8. Esta participação havia sido contabilisticamente registada segundo o critério do custo histórico, nos termos então impostos pelo Plano Oficial de Contabilidade (POC), e viria a ser mensurada, a partir de 2010, com a transição para o Sistema de Normalização Contabilística, de acordo com o método do justo valor, com reconhecimento das variações de valor directamente no resultado do exercício, nos termos da Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) 27;
  9. Nos exercícios de 2008 e 2009, a Requerente, no preenchimento das respectivas declarações de rendimentos modelo 22, acresceu ao resultado líquido contabilístico para efeitos da determinação do lucro tributável, os encargos financeiros incorridos com a aquisição dos referidos títulos de C..., através do método de imputação previsto na Circular 7/2004 (Documento n.º 4);
  10. A partir de 2010, na sequência da opção pela adopção do método do justo valor na valorimetria da participação em causa (no C...), a Requerente deixou de acrescer na declaração modelo 22 os encargos financeiros incorridos no exercício, deduzindo, no campo 705 das declarações de rendimentos modelo 22 apresentadas com referência aos exercícios de 2010 a 2014, a perda de justo reconhecida com a transição para o SNC, ao abrigo do regime transitório previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho;
  11. Na declaração modelo 22 referente ao exercício de 2013 em apreço, a Requerente deduziu no referido campo da declaração o montante de € 13.259.789,33, sendo € 10.941.734,15, referentes ao ajustamento com base no referido Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho (1/5 da perda reconhecida em 2010 decorrente do reconhecimento da participação ao justo valor), e €2.317.789,33, referente a 1/5 dos encargos financeiros indevidamente acrescidos nos exercícios de 2008 e 2009 por aplicação da Circular 7/2004, imputáveis à participação no C...;
  12. No ano de 2013, ainda, a Requerente suportou encargos financeiros referentes a financiamentos bancários e contratos de leasing no montante de € 861.580,48 (Documento n.º 4).
  13. Para além da participação no C..., a Requerente detinha, à data do relatório de inspecção, partes de capital registadas ao custo histórico de aquisição, no valor total de € 158.168.781,00 (quadros 4 e 9, e Anexo 2, fls 2, do Relatório de inspecção junto como Documento n.º 4);
  14. A maioria das partes de capital que perfazem o referido valor de € 158.168.781,00 foram adquiridas pela Requerente mediante a respectiva entrada em espécie no seu capital social, designadamente as seguintes:

(i) com a participação na sociedade J..., S.A., no valor de € 111.260,00, transmitidas à Exponente mediante operação de aumento de capital em espécie aprovada por deliberação de 29 de Dezembro de 2006, de que resultou o aumento do capital para € 111.310.270,00;

(ii) com a participação na sociedade K..., S.A., no valor total de € 329.600,00, transmitida à Exponente a título de prestações acessórias em espécie;

(iii) com a participação na sociedade L..., S.A., no valor total de € 27.794.300,00, transmitida à Exponente a título de prestações acessórias em espécie;

(iv) com a participação na sociedade M..., S.A., no valor total de € 4.965.600,00, transmitida à Exponente a título de prestações acessórias em espécie;

(v) com a participação na sociedade N..., S.A., no valor total de € 8.900.000,00, transmitida à Exponente a título de prestações acessórias em espécie;

(vi) com a participação na sociedade O..., S.A., no valor total de € 4.557.327,00, transmitida à Exponente a título de prestações acessórias em espécie;

(vii) com a participação na sociedade P..., Lda., no valor total de € 35.000, transmitidas à Exponente a título de prestações acessórias em espécie;

  1. O “valor de aquisição” respeitante às indicadas participações (já considerando a redução entretanto verificada na participação na sociedade O..., S.A., de € 4.395.600 para € 2.245.500), adquiridas por via de entrada em espécie no capital, ascende a € 154.960.270;
  2. Ainda durante o exercício de 2012, a Requerente procedeu a uma operação de conversão de suprimentos na sociedade K..., S.A. no valor de € 184.298,21, em prestações acessórias de capital (cópia da acta que consta do documento n. 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. Em 2013, a Requerente procedeu a um aumento de capital na sociedade Q..., S.A., no valor de € 1.706.282, mediante entrada em espécie na modalidade de conversão de suprimentos (cópia da acta que consta do documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. Posteriormente, a uma operação de conversão de suprimentos na sociedade K..., S.A., no valor de € 172.180,54, em prestações suplementares de capital (cópia da acta que consta do documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  5. De onde resulta que, do referido valor de € 158.392.847,00 só € 1.145.750,00 resultam de investimentos realizados pela Requerente, através da subscrição de aumentos de capital nas sociedades participadas;
  6. Os referidos aumentos de capital ocorreram de forma repartida ao longo dos anos de 2007 a 2012, com o seguinte detalhe: 2007: €57.000,00; 2009: €480.097,49; 2010: €322.402,51; 2011: € 221.250; 2012: €40.000 e 2013: € 25.000,00 (Anexo 3 ao relatório de inspecção elaborado com referência ao exercício de 2012 junto ao pedido de pronúncia arbitral como Documento n.º 5 e Documento n.º10);
  7. No exercício de 2013, a Requerente apresentou, enquanto entidade individualmente considerada, um prejuízo fiscal individual de € 13.502.759,97 e, na qualidade de sociedade dominante do Grupo, um lucro tributável resultante da soma algébrica dos resultados fiscais do Grupo, de € 6.799.562,38;
  8. Em Novembro de 2015, na sequência de procedimento semelhante de que havia sido objecto para os exercícios de 2010, 2011 e 2012, foi a Requerente objecto de uma acção inspectiva externa por parte dos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa com incidência sobre o exercício de 2013.
  9. Em resultado daquele procedimento inspectivo foram efectuadas correcções ao resultado fiscal individual da Requerente, nos montantes de € 7.965.139,67 (Relatório de Inspecção Tributária que junta como Documento n.º 4);
  10. Na sequência destas correcções ao resultado individual, foi a Requerente posteriormente notificada, na qualidade de sociedade dominante do grupo, das correcções consequentes aos resultados fiscais do Grupo, fixando-se o resultado fiscal num lucro tributável de € 14.764.702,05, em substituição do lucro tributável inicialmente apurado de € 6.799.562,38 (Relatório de Inspecção aos resultados do Grupo junto com o pedido de pronúncia arbitral como documento n.º 13, cujo teor se dá como reproduzido);
  11. Destas correcções, e considerando o efeito das decisões favoráveis à Requerente proferidas nos processos Arbitrais n.ºs 231/2015-T e 149/2016-T, com impacto no resultado do exercício de 2012 e nos prejuízos fiscais reportáveis para 2013, resultou a fixação de uma matéria colectável para o exercício de 2013 de € 3.691.175,52, em substituição da matéria colectável de € 1.699.890,59 apurada na declaração modelo 22 (Documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  12. Em Dezembro de 2017, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC e juros compensatórios que constitui o objecto do presente pedido arbitral, a qual, com base na matéria colectável corrigida de € 3.691.175,52, procede ao apuramento de imposto e juros compensatórios a pagar adicionalmente de € 554.941,10, acrescida de juros compensatórios (Documentos n.ºs 1 a 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  13. Em 13-04-2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos factos alegados pela Requerente não questionados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, documentos juntos com a petição inicial e que constam do processo administrativo.

A Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona o alegado pela Requerente quanto à matéria de facto que alega.

 

 

3. Matéria de direito

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correcções à matéria tributável da Requerente, do exercício de 2013:

  • relativa a encargos financeiros suportados em 2013, que considerou não são dedutíveis por força do disposto no n.º 2 do art.º 32.º do EBF, no montante de €738.799,10, valor que foi determinado aplicando o método previsto no ponto 7 da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março;
  • relativa as variações patrimoniais negativas, resultantes de ajustamentos de transição por reduções do justo valor de instrumentos financeiros:
    • no montante de €5.551.215,35, por a Requerente não ter aplicado a redução a 50% prevista no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC; e
    • no montante de €1.675.125,22, por não poder a Requerente considerar como variação patrimonial negativa no ano de 2013, 1/5 da totalidade dos encargos financeiros suportados nos anos de 2008 e 2009, mas somente, 1/5 dos encargos proporcionais à parte de capital detida no C..., por somente a esta parte deixar de ser aplicável o n.º 2 do artigo 32.º do EBF, de harmonia com o ponto 7. da Circular n.º 7/2004.

 

3.1. Questão das correcções decorrentes da aplicação do n.º 2 do artigo 32.º do EBF e da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março

 

A correcção no valor de € 738.799,10 foi efectuada, por a Administração Tributária considerar não dedutíveis encargos financeiros, nos termos do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, na parte em que excede o que resulta da aplicação do método indirecto previsto no ponto 7 da Circular n.º 7/2004.

A correcção de € 1.675.125,22, por redução da variação patrimonial negativa inscrita no quadro 07 a declaração modelo 22 do exercício de 2013, com base no regime transitório estabelecido no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, assenta no seguinte entendimento da Administração Tributária:

  • a Requerente, nas declarações modelo 22 apresentadas a partir do exercício de 2010, incluindo a de 2013, «considerou a dedutibilidade total destes encargos, na proporção de 1/5, ao abrigo do artigo 5.º n.º 1 do regime de transição do POC para o novo normativo contabilístico (IFRS/SNC) previsto no Decreto- Lei n.º 159/2009, procedendo a uma imputação direta de todos os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, quer com as partes de capital mensuradas ao custo de aquisição, quer com as mensuradas pelo justo valor relevadas em resultados (ações C...)»;
  • «no cálculo da variação patrimonial negativa referente ao regime transitório, não pode o sujeito passivo considerar que o valor dos encargos financeiros acrescidos nos exercícios de 2008 e 2009 passam a ser dedutíveis na totalidade, na medida que, pelas razões já invocadas, se impõe sempre a aplicação de um método indireto, conforme determinado na circular 07/2004 de 30/03»;
  • «com a alteração do normativo contabilístico, e no caso em concreto, a parte de capital detida pela A... SGPS SA no C..., passou a ser mensurada ao justo valor, relevada em resultados, sendo as variações de justo valor relevantes para efeitos fiscais nos termos da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do C.I.R.C., pelo que, somente a estas, deixa de ser aplicável o n.º 2 do artigo 32.º do EBF»;
  • «os encargos financeiros suportados nos anos de 2008 e 2009, relacionados com a parte de capital detida pela A... SGPS SA no C..., não aceites como gastos fiscais nestes períodos anteriores, passam a ser dedutíveis, sendo reconhecidos no âmbito do regime transitório no período de tributação de 2010 e dos quatro períodos seguintes.
  • «Deste modo, não podia o sujeito passivo, como fez, considerar como variação patrimonial negativa no ano de 2013, 1/5 da totalidade dos encargos financeiros suportados nos anos de 2008 e 2009, mas somente, 1/5 dos encargos proporcionais à parte de capital detida no C...».

 

Assim, também subjacente a esta segunda correcção está o entendimento de que «se impõe sempre a aplicação de um método indireto, conforme determinado na circular 07/2004 de 30/03».

A Requerente discorda deste entendimento da Administração Tributária, defendendo, em conclusões:

  1. Não tendo a ATA demonstrado a verificação dos pressupostos que legitimariam o recurso a métodos indirectos de quantificação da matéria colectável no caso vertente, é o acto tributário sindicado manifestamente ilegal, por violação dos princípios constitucionais da legalidade e tributação pelo lucro real e violação dos artigos 81.º, n.º 1, e 85.º, n.º 1, da LGT;
  2. Ao estabelecer critérios de afectação de encargos financeiros à aquisição de partes sociais não previstos na lei, a Circular n.º 7/2004 é manifestamente ilegal por violação do princípio da legalidade constitucionalmente consagrado, vício que se estende ao acto tributário sob censura que resulta da aplicação daqueles critérios.
  3. Não logrando demonstrar a existência de financiamentos para a aquisição de partes sociais, ou a alienação de partes sociais geradoras de mais ou menos-valias abrangidas pelo disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, nos termos impostos pelos artigos 74.º e 75.º da LGT, não preencheu a ATA os pressupostos de facto e de direito que legitimariam a desconsideração dos encargos suportados pela Requerente ao abrigo daquele preceito, sendo também por essa razão ilegais as correcções efectuadas.
  4. Não sendo o regime previsto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF aplicável aos ganhos obtidos e às perdas sofridas com a transmissão onerosa de instrumentos financeiros mensurados pelo critério do justo valor, cujas variações positivas ou negativas do justo valor sejam reconhecidas directamente no resultado do exercício, sempre seria ilegal, por violação do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, a correcção dos encargos financeiros directamente assumidos para a aquisição dos títulos daquela natureza que subjaz à liquidação e IRC impugnada.
  5. Mesmo admitindo que não seria ilegal a aplicação do entendimento vertido na Circular n.º 7/2004, sempre a correcta aplicação daquele preceito exigiria que, para além de se excluírem os empréstimos contratados para a aquisição dos indicados instrumentos financeiros da base de apuramento dos encargos financeiros imputáveis às partes de capital, se excluíssem igualmente, da base de determinação do rácio das partes de capital, as acções que, por terem sido adquiridas pela Requerente por via de entradas em espécie, manifestamente nunca seriam susceptíveis de gerar quaisquer encargos financeiros com vista à sua aquisição.
  6. Sendo mais não fosse por esta razão manifestamente excessivas e ilegais, face à previsão do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, as correcções subjacentes ao acto de liquidação de IRC que constitui o objecto do presente pedido arbitral.

 

 

3.1.1. Questão da obrigatoriedade da aplicação do método previsto no ponto 7 da Circular n.º 7/2004

 

A primeira questão colocada pela Requerente, quanto a estas correcções é, assim, a de saber, se a Requerente estava obrigada a aplicar o método previsto no ponto 7 da Circular n.º 7/2004, para apurar a existência de encargos financeiros imputáveis à aquisição de participações sociais, para efeitos do artigo 32.º, n.º 2 do EBF.

O artigo 32.º do EBF, na redacção vigente em 2012 (introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro), estabelece o seguinte:

 

2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.

 

Na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, a Direcção de Serviços do IRC veio esclarecer o seu entendimento sobre a aplicação desta norma, dizendo, além do mais, o seguinte:

 

Método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais

7. Quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.

 

 

Os artigos 81.º e 85.º da LGT, invocados pela Requerente, estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 81.º

1. A matéria tributável é avaliada ou calculada directamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstos na lei.

 

Artigo 85.º

 

1. A avaliação indirecta é subsidiária da avaliação directa.

2. À avaliação indirecta aplicam-se, sempre que possível e a lei não prescrever em sentido diferente, as regras da avaliação directa.

 

 

 

O regime geral de relevância das mais-valias e menos-valias e encargos financeiros para a formação do lucro tributável de entidades sujeitas a IRC, traduzia-se no concurso das mais-valias e encargos financeiros, na totalidade [artigos 20.º, n.º 1, alínea h), e 23.º, n.º 1, alínea a), do CIRC na redacção resultante do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho), e no concurso das menos-valias em 50% [nos termos dos artigos 23.º, n.º 1, na l) e 45.º, n.º 3, do mesmo Código].

Para as SGPS, o artigo 32.º, n.º 2, do EBF (para além de outras situações previstas no seu n.º 3), estabelecia um regime especial, que não se reconduzia necessariamente em benefício, que se traduzia, em geral, na irrelevância para a formação do lucro tributável das SGPS das mais-valias e menos-valias realizadas de partes de capital detidas há pelo menos um ano, acompanhada do não concurso para a formação do lucro tributável dos encargos financeiros suportados com a sua aquisição.

No n.º 2 do artigo 32.º do EBF estabelece-se que não concorrem para a formação do lucro tributável os «encargos financeiros suportados com a sua aquisição», reportando-se às partes de capital, pelo que tem de se concluir que o seu teor literal indica que tão só os encargos financeiros que estejam conexionados com a aquisição de participações sociais são abrangidos pela indedutibilidade que aí se estabelece.

Para além de ser esta a interpretação que resulta do teor literal, ela é corroborada pela explicação para a sua introdução no EBF que foi dada no Relatório do Orçamento do Estado para 2003 (Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro).

Na verdade, como se refere na Circular n.º 7/2004, o regime desta norma foi introduzido no EBF pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2003, dando nova redacção ao artigo 31.º, cujo regime passou a constar do artigo 32.º depois da renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho.

Na Proposta de Lei n.º 28-IX, que veio a dar origem à Lei do Orçamento para 2003, constava o texto desse artigo 31.º, n.º 2, com redacção idêntica à vigente em 2012 (no artigo 32.º, n.º 2), sendo a única diferença o aditamento da referência aos «ICR» (abreviatura de «investidores de capital de risco»), que é irrelevante para a interpretação da norma.

No referido Relatório do Orçamento do Estado para 2003 ( [1] ), depois de se constatar uma quebra na execução orçamental de 2002 quanto ao IRC ( [2] ) anuncia-se a introdução de várias medidas visando o «alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade», entre as quais a da indedutibilidade dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS, que se anuncia nos seguintes termos:

«Estabelece-se a desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável, dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS»;

 

É inequívoco, assim, que se pretendeu que apenas os encargos financeiros directamente associados à aquisição de partes sociais ficassem abrangidos pela indedutibilidade.

Por aquela referência expressa no Relatório à necessidade de os encargos financeiros estarem directamente associados à aquisição de partes sociais (que também está expressa no texto da norma através da referência aos «encargos financeiros com a sua aquisição»), conclui-se que não basta, para determinar a indedutibilidade de encargos financeiros, a constatação de que a SGPS é titular de participações sociais e suportou encargos financeiros, sendo necessário demonstrar que há uma relação directa entre certos encargos financeiros e a aquisição de determinadas participações sociais.

É corolário desta interpretação, imposta pelo teor literal do artigo 32.º, n.º 2, que, se determinadas participações não foram adquiridas com passivos geradores de encargos financeiros (designadamente, as obtidas por entradas em espécie ou com utilização de capitais próprios), elas são irrelevantes para efeito da aplicação daquela norma, na parte que se reporta à indedutibilidade de encargos financeiros.

É também corolário desta interpretação que, relativamente às participações sociais adquiridas com financiamentos geradores de encargos, apenas os encargos derivados dos financiamentos relativos à sua aquisição são indedutíveis.

Não há assim suporte legal para afastar a regra da dedutibilidade de encargos financeiros, que consta da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, em relação a encargos que não estejam directamente associados à aquisição de participações sociais.

Por isso, é claro, à face da letra da parte final do n.º 1 do artigo 32.º e da explicação dada no Relatório do Orçamento para 2003, que a indedutibilidade de encargos apenas se aplica aos que forem directamente derivados de financiamentos utilizados para aquisição de participações sociais.

            Sendo este o regime que está previsto na lei, ele não pode ser alterado por via regulamentar, pois preceitos criados por actos de natureza legislativa não podem ser, com eficácia externa, interpretados, integrados, modificados, suspensos ou revogados por actos de outra natureza (artigo 112.º, n.º 5, da CRP). Para além disso, como também defende a Requerente, o artigo 32.º, n.º 2, do EBF é uma norma que versa sobre a incidência tributária, em sentido lado, ao influenciar decisivamente a determinação da matéria tributável, pelo que está incluída na reserva de lei, nos termos dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º,n.º 1, alínea i), da CRP. Por isso, o ponto 7 da Circular n.º 7/2004, numa leitura como a que a Requerida pretende fazer, sempre violaria o princípio da legalidade.

            Por outro lado, não se demonstrou que tivesse suportado quaisquer encargos financeiros com a aquisição de partes de capital. Sendo sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira que recai «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária» (artigo 74.º, n.º 1, da LGT), a falta dessa prova impõe que se pressuponha processualmente que não foram suportados encargos financeiros enquadráveis no n.º2 do artigo 32.º do EBF. Aliás, o artigo 75.º da LGT conduz à mesma solução, ao estabelecer que «presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos».

Por isso, estar-se-á, no mínimo, perante uma situação de dúvida fundada sobre a existência de encargos financeiros enquadráveis no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, que, nos termos do artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, justifica a anulação do acto tributário.

Por outro lado, do princípio da legalidade, invocado pela Requerente, que tem suporte nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT, decorre que «os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos» [artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo de 1991, vigente em 2013, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT].

À face desta norma, o princípio da legalidade deixou de ter «uma formulação unicamente negativa (como no período do Estado Liberal), para passar a ter uma formulação positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda a actuação administrativa». [3]

Resulta destas normas que a utilização de métodos indirectos de determinação da matéria tributável apenas pode ter lugar nas situações previstas na lei, designadamente no artigo 87.º, n.º 1, da LGT e, mesmo nelas, apenas pode ser efectuada na medida em que não for viável a utilização de métodos directos, como decorre da regra da subsidiariedade, imposta pelo artigo 85.º.

            O n.º 2 do artigo 32.º rege sobre «a formação do lucro tributável» das SGPS, como se refere expressamente na sua parte final, impondo a aplicação à determinação da sua matéria tributável três regras especiais em relação ao regime geral:

– uma regra que as favorece em relação ao regime geral, que é a da irrelevância para a formação do lucro tributável das mais-valias realizadas com partes de capital detidas há mais de um ano, afastando a regra de determinação da matéria tributável que consta do artigo 20.º, n.º 1, alínea h), do CIRC;

– duas que as desfavorecem, que são a da irrelevância para a formação do lucro tributável das menos-valias realizadas e dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, que afastam a aplicação das regras de determinação da matéria tributável previstas nas alíneas c) e l) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC (na redacção vigente em 2013).

 

Tanto são regras de determinação da matéria tributável de IRC as que indicam os rendimentos, variações patrimoniais e gastos que relevam para a formação do lucro tributável como as que indicam e os rendimentos, variações patrimoniais e gastos que não têm relevância para esse efeito.

Tanto é norma de determinação da matéria tributável de IRC a alínea h) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRC, que prevê a relevância para esse efeito das mais-valias realizadas, como é a do artigo 32.º, n.º 2, do EBF que a afasta relativamente a menos valias obtidas com partes de capital detidas por SGPS durante mais de um ano.

Tanto são normas de determinação da matéria tributável de IRC as das alíneas c) e l) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, que prevêem a relevância dos encargos financeiros e das menos-valias realizadas como é a do artigo 32.º, n.º 2, do EBF que afasta essa relevância no caso de partes de capital detidas por SGPS durante mais de um ano.

Por isso, não há qualquer razão para não atribuir às três regras previstas no artigo 32.º, n.º 2, do EBF a qualificação de regras especiais de determinação da matéria tributável das SGPS, que, por serem especiais, prevalecem, no seu domínio de aplicação, sobre as regras gerais sobre esta matéria.

Sendo assim, são aplicáveis nesta matéria as regras procedimentais previstas na LGT sobre a determinação da matéria tributável, designadamente as da subsidiariedade de métodos indirectos e situações em que é autorizada a sua utilização, previstas nos artigos 81.º, n.º 1, 85.º, n.º 1, e 87.º, n.º 1, da LGT invocados pela Requerente.

A regra da subsidiariedade da utilização de métodos indirectos tem como corolário que, na medida em que for viável a utilização de método directo, a determinação da matéria tributável deverá ser efectuada com a sua utilização, só podendo utilizar-se métodos indirectos quanto à determinação da matéria tributável que não possa ser efectuada directamente. É esse o alcance daquela regra que está explicitado no n.º 2 do artigo 85.º da LGT, em que estabelece que «à avaliação indirecta aplicam-se, sempre que possível e a lei não prescrever em sentido diferente, as regras da avaliação directa».

Isto é, mesmo que se esteja perante uma situação em que não seja viável efectuar a determinação da matéria tributável na sua totalidade por métodos directos e haja necessidade de recorrer à utilização de métodos indirectos, os métodos directos têm de ser utilizados na medida em que tal for possível, só podendo utilizar-se métodos indirectos à parte residual da determinação da matéria tributável. ( [4] )

Está-se perante utilização de métodos directos de determinação da matéria tributável quando se visa determinar o valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação e utilização de métodos indirectos quando se visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha (artigo 83.º da LGT).

No que concerne à determinação dos encargos financeiros suportados pelas SGPS com a aquisição de partes de capital, está-se perante a utilização de método directo quando se visa determinar a real afectação de encargos financeiros à aquisição de partes de capital, designadamente apurando exactamente se houve financiamentos para adquirir cada uma das partes de capital adquiridas e os encargos financeiros que deles advieram. E está-se perante utilização de métodos indirectos quando não se visa atingir essa afectação real, mas sim uma afectação presumível, tendo por base uma fórmula em que se atende ao valor das partes de capital detidas pelas SGPS, aos valores da totalidade dos seus activos e passivos e à totalidade dos encargos financeiros suportados.

A esta luz, o ponto 7 da Circular n.º 7/2004 de 30 de Março, da DSIRC (Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas), ao estabelecer que «... dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula...» prevê manifestamente um método indirecto de determinação dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, pois com ele não se visa determinar a exactamente se houve financiamentos conexionados com a aquisição de partes de capital e os encargos efectivamente suportados com esses financiamentos, mas antes se visa determinar tais encargos com base numa presunção de que os financiamentos (passivos remunerados) das SGPS são afectados prioritariamente a empréstimos remunerados a participadas e outros investimentos geradores de juros e, no remanescente aos restantes activos, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.

Consubstanciando a aplicação do método previsto neste ponto 7 da Circular n.º 7/2004 a utilização de um método indirecto de determinação da matéria tributável, ele só pode ser aplicado se se estiver perante uma situação incluída na lista taxativa que consta do artigo 87.º, n.º 1, da LGT («a avaliação indirecta pode efectuar-se...»).

Examinado as situações arroladas nesta norma, apenas se entrevê a possibilidade de enquadramento da situação dos autos na alínea b) que permite a avaliação indirecta em caso de «impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto».

No Relatório da Inspecção Tributária não se faz qualquer demonstração da necessidade de utilização de métodos indirectos, e até se diz expressamente, na parte IV do Relatório da Inspecção Tributária, relativa a «MOTIVO E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS», que «Não aplicável ao caso em apreciação».

            Por outro lado, na inspecção tributária apurou-se que a maioria das partes de capital que a Requerente detinha no início do exercício de 2013 tinham sido adquiridas através de entradas em espécie, pelo que, pelo menos quanto a essas, é demonstrável que para a sua aquisição não foram efectuados quaisquer financiamentos geradores de encargos financeiros.

            Por isso, pelo menos nesta medida em que é possível demonstrar directamente que não houve encargos financeiros suportados para aquisição de partes de capital, não era viável utilizar métodos indirectos para determinar hipotéticos encargos conexionados com as aquisições.

Por outro lado, por força do em princípio da hierarquia das normas, enunciado no artigo 112.º, n.º 5, da CRP, um acto de natureza regulamentar, como é a Circular n.º 7/2004, não pode, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer norma de natureza legislativa, como são as da LGT.

Assim, basta o facto de as correcções efectuadas se terem baseado no método referido no ponto 7. da Circular n.º 7/2004, não previsto na lei e sem estarem reunidas as condições para aplicação de métodos indirectos, para ter de se concluir pela sua ilegalidade.

Na verdade, nos termos do disposto no artigo 81.º da LGT, «a matéria tributável é avaliada ou calculada directamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstos na lei».

Por isso, a utilização de métodos indirectos só podia ter lugar se se baseasse na identificação de alguma das situações previstas no artigo 87.º do CIRC e, no caso de se demonstrar «impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável», prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º e na alínea a) do artigo 88.º da LGT, a fixação da matéria tributável só podia basear-se nos elementos indicados no artigo 90.º da mesma Lei e com aplicação dos procedimento previsto no seu artigo 91.º.

Com efeito, a extrema dificuldade e possibilidade de manipulação que são indicadas no ponto 7 da Circular n.º 7/2004 e a fórmula de cálculo aí prevista, que não tem em conta qualquer dos elementos previstos na lei, não são «casos e condições expressamente previstos na lei», como exige aquele artigo 81.º para viabilizar a utilização de métodos indirectos.

Assim, como tem entendido reiteradamente o Supremo Tribunal Administrativo, a Autoridade Tributária e Aduaneira utilizou um método previsto no ponto 7. da Circular n.º 7/2004, que é «um método indirecto, presuntivo, de afectação de encargos financeiros em desrespeito dos artigos 87º a 90º da LGT sendo, por isso, ilegal» (acórdãos de 08-03-2017, proferido no processo n.º 0227/16; de 31-05-2017, proferido no processo n.º 01229/15; de 31-05-2017, proferido no processo n.º 01229/15; de 24-01-2018, proferido no processo n.º 0745/15; e de 31-01-2018, proferido no processo n.º 01157/17).

A utilização deste método «afronta o princípio da legalidade tributária» (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29-11-2017, proferido no processo n.º 01292/16).

Assim, na linha desta jurisprudência uniforme, desde logo por a Autoridade Tributária e Aduaneira ter feito aplicação de um método indirecto de determinação da matéria tributável ilegal, é de concluir que a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei, na parte em que assenta em correcções efectuadas com base na aplicação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF.

Este vício justifica a anulação da liquidação impugnada nas partes correspondentes às correcções nos montantes de €738.799,10 e €1.675.125,22, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

3.1.2. Questões de conhecimento prejudicado

 

A Requerente invoca outros fundamentos de ilegalidade da liquidação na parte em que se baseia nesta correcções.

Por sua vez, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende que «afigura-se inconstitucional o artigo 32.º, n.º 2 do EBF quando interpretado no sentido de que a exclusão da dedução dos encargos financeiros se circunscreve aos suportados com a obtenção de financiamento específica e directamente relacionado com a aquisição de partes de capital, porquanto tal é violador do princípio da igualdade tributária e do princípio da capacidade contributiva, ínsitos nos artigos 13.º, 103.º e 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa».

Como decorre do se expôs no ponto anterior, a ilegalidade da liquidação, na parte em que assenta nas correcções baseadas na Circular n.º 7/2004, não assenta em errada interpretação artigo 32.º, n.º 2, do EBF, mas sim na não verificação dos pressupostos legais para determinação da matéria tributável por métodos indirectos e na ilegalidade do ponto 7 daquela Circular.

Trata-se de vícios que nada têm a ver com os princípios da igualdade e da tributação com base na capacidade contributiva, pelo que a hipotética incompatibilidade entre eles e a interpretação da Requerente sobre o regime substantivo que emana do artigo 32.º, n.º 2, do EBF não afastam as ilegalidades que justificam a anulação.

Por outro lado, justificando-se pelas razões expostas a anulação da liquidação, na parte respeitante a estas correcções, torna-se inútil a apreciação das restantes questões de ilegalidade suscitadas pela Requerente, pelo que não se toma delas conhecimento, de harmonia com o disposto no artigo 130.º do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

 

3.2. Questão da aplicação da percentagem 50% prevista no artigo 45.º, n.º 3, do CIRC (na redacção vigente em 2013) às perdas por reduções de justo valor em instrumentos de capital próprio às variações patrimoniais negativas por reduções de justo valor relativas a partes de capital que derivam dos ajustamentos de transição do POC para o SNC

 

Está em causa uma correcção à matéria tributável da Requerente no montante de €5.551.215,35, por a Requerente não ter aplicado a redução a 50% prevista no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, no que concerne à dedutibilidade fiscal de perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital.

A questão a apreciar é, como referem as Partes nos artigos 127.º do pedido de pronúncia arbitral e 50.º da resposta, a de saber se o n.º 3 do art.º 45.º do Código do IRC é ou não aplicável às perdas apuradas aquando da adopção retrospectiva da mensuração das partes de capital ao justo valor e, bem assim, às variações negativas do justo valor apuradas no exercício, nos termos da alínea a) do n.º 9 do art.º 18.º do mesmo Código.

A Requerente apresentou as seguintes conclusões, sobre esta questão:

  1. A conclusão de que o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC não é aplicável aos gastos por redução de valor de investimentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, quando se trate de instrumentos de capital próprio, que tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, direta ou indiretamente, uma participação no capital igual ou superior a 5% do respetivo capital social, não só traduz a melhor aplicação do pensamento do legislador, como também é imposta pela própria letra da lei e pela valoração do elemento literal na interpretação daquela norma, que, de resto, constitui nesta medida, uma correcta tradução daquele pensamento, pelo que é ilegal, na parte em que procede à aplicação desse preceito, a liquidação sob impugnação.
  2. Quando interpretado no sentido da sua aplicação á situação dos presentes autos arbitrais, o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC é inconstitucional por violação do princípio da tributação pelo lucro real consagrado no n.º 2 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa, sendo também por essa razão ilegal, nessa parte, o acto tributário de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios respeitante ao exercício de 2013 que constitui o objecto da presente acção arbitral.

 

            O artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, na redacção dada pelo DL 159/2009, de 13 de Julho, estabelece o seguinte:

           

3 – A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

 

            A norma geral sobre a determinação do lucro tributável de IRC é o artigo 17.º do CIRC que estabelece o seguinte:

1 – O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.

           

Relativamente aos ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor, o n.º 9 do artigo 18.º do mesmo Código, dispõe que:

9 – Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, excepto quando:

a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social; ou

b) Tal se encontre expressamente previsto neste Código.

 

O artigo 20.º, n.º 1, do CIRC concretiza o conceito de rendimentos estabelecendo, no que aqui interessa, o seguinte:

 “Consideram-se rendimentos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente:

 (...)

f) Rendimentos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros;

 (...)

h) Mais-valias realizadas;”.

           

O artigo 23.º, n.º 1, do CIRC define o conceito de «gastos», estabelecendo o seguinte:

 

1 – Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

(...)

  1. Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros;

 (...)

l) Menos-valias realizadas;”.

 

Relativamente às variações patrimoniais positivas, o artigo 21.º, n.º 1, do CIRC dispõe que:

“Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, excepto:

 (...)

b) As mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal;

 

No que concerne às variações patrimoniais negativas, o artigo 24.º, n.º 1, do CIRC refere que:

Nas mesmas condições referidas para os gastos, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, excepto:

(...)

b) As menos-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade;”.

 

No que diz respeito às mais e menos-valias, dispõe o artigo 46.º, n.º 1, do mesmo Código, que:

 

1 – Consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afectação permanente a fins alheios à actividade exercida, respeitantes a:

 (...)

b) Instrumentos financeiros, com excepção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do n.º 9 do artigo 18.º

           

O artigo 5.º do DL n.º 159/2009, de 13 de Julho, estabelece o seguinte:

 

Artigo 5.º

Regime transitório

1 - Os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade adoptadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC e respectiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de activos ou passivos, ou de alterações na respectiva mensuração, concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes.

(...)

 

É aceite pelas Partes que as participações financeiras em questão deverão ser contabilizadas de acordo com o critério do justo valor, que os ajustamentos foram reconhecidos através de resultados e a sua quantificação, pelo que se verificam os requisitos referidos no n.º 9 do artigo 18.º do CIRC.

            Na análise desta questão seguir-se-á de perto a fundamentação do acórdão arbitral de 25-11-2013, proferido no processo n.º 108/2013-T.

O referido artigo 45.º, n.º 3, do CIRC decorre da renumeração do anterior artigo 42.º, n.º 3, efectuada pelo Decreto-Lei DL 159/2009.

            Este n.º 3 do artigo 42.º, por sua vez, foi introduzido pela Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, com a seguinte redacção:

 

       “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remissão e amortização com redução de capital, concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.º.

           

De acordo com o Relatório do Ministério das Finanças para o Orçamento de Estado de 2003 (p. 33), a intervenção legislativa na área em causa (IRC) guiou-se por “duas prioridades, a saber, o combate à fraude e evasão fiscais e o alargamento da base tributável”, enquadrando-se a alteração que aqui interessa no âmbito do “Alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade” (p. 51).

            A redacção actual da norma em análise resultou já da alteração implementada pela Lei 60-A/2005 de 30 de Dezembro, sendo que nos termos do correspondente Relatório do Ministério das Finanças (página 31), a medida em causa se enquadrou no âmbito do “COMBATE À EVASÃO E FRAUDE FISCAIS E OUTRAS MEDIDAS DIRECCIONADAS À CONSOLIDAÇÃO ORÇAMENTAL”.

            Já o n.º 9 do artigo 18.º do CIRC aplicável obtém directamente a sua justificação no preâmbulo do DL n.º 159/2009, de 13 de Julho, que o introduziu no referido Código, onde se pode ler:

“Ainda no domínio da aproximação entre contabilidade e fiscalidade, é aceite a aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados, mas apenas nos casos em que a fiabilidade da determinação do justo valor esteja em princípio assegurada. Assim, excluem-se os instrumentos de capital próprio que não tenham um preço formado num mercado regulamentado. Além disso, manteve-se a aplicação do princípio da realização relativamente aos instrumentos financeiros mensurados ao justo valor cuja contrapartida seja reconhecida em capitais próprios, bem como as partes de capital que correspondam a mais de 5 % do capital social, ainda que reconhecidas pelo justo valor através de resultados. (...)

No mesmo sentido, identificam-se como activos abrangidos pelo regime das mais-valias e menos-valias fiscais os activos fixos tangíveis, os activos intangíveis, as propriedades de investimento, os instrumentos financeiros, com excepção daqueles em que os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor concorrem para a formação do lucro tributável no período de tributação.

           

Estas intenções expressas têm correspondência naquela norma do n.º 9 do artigo 18.º, bem como na introdução, pelo mesmo diploma legal, das alíneas f) e i) do número 1 dos artigos 20.º e 24.º do CIRC, bem como da alínea b) do n.º 1 do artigo 46.º.

            Dentro do conjunto de alterações introduzidas pelo referido Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, cumpre ainda salientar que onde até aí se falava de proveitos e ganhos (artigo 20.º), passou-se a falar de rendimentos, e onde antes se falava de custos ou perdas (artigo 23.º), passou-se a falar de gastos.

            Previamente à adopção do justo valor para acções com as características do caso sub judice, por efeito do início de vigência do SNC, as variações patrimoniais relativas aos instrumentos financeiros eram irrelevantes do ponto de vista da formação do lucro tributável de cada período, por efeito da norma do artigo 21.º, n.º 1, alínea b), do CIRC, que estabelecia que não concorriam para a formação do lucro tributável «as mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reabilitação legalmente autorizadas». Apenas no momento da realização da mais ou menos-valia é que assumia relevância fiscal a variação patrimonial verificada.

            Este enquadramento fiscal, que se reconduzia uma tributação única (que ocorria uma só vez ao longo de todo o período de detenção dos instrumentos financeiros), dependente de uma actuação voluntária do sujeito passivo (na medida em que a transacção dos instrumentos geradores da variação patrimonial, condição da relevância tributária daquela, apenas se daria se e quando o sujeito passivo alienasse os activos) e em que a valorimetria da variação patrimonial era fixada em função da concreta transacção que desencadeava a sua relevância tributária propiciavam um terreno fértil para manipulações contabilísticas e fiscais, já que o sujeito passivo podia procurar desencadear a relevância tributária no momento e termos em que tal lhe fosse fiscalmente mais proveitoso.

Por outro lado, e atenta a relevância da vontade do sujeito passivo no mecanismo de relevância tributária da variação patrimonial, o sistema estabelecido adequava-se à adopção de mecanismos de condicionamento daquela vontade, no sentido de a conformar a comportamentos economicamente mais desejáveis, que, no caso, passam pela preferência de realização de mais-valias, em detrimento da realização de menos-valias.

É neste quadro que se explica o surgimento da norma do anterior artigo 42.º, n.º 3, do CIRC, que precede o actual artigo 45.º, n.º 3, do mesmo.

Tal norma, quer na sua redacção primitiva, resultante da Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, quer na que lhe foi dada pela Lei 60-A/2005 de 30 de Dezembro, explica-se objectiva e subjectivamente (ou seja, face à motivação expressa pelo legislador) por necessidades ligadas ao combate à fraude e evasão fiscais e ao alargamento da base tributável, dirigidas à almejada consolidação orçamental das contas públicas.

A aceitação da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, operada pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, veio introduzir, na parte abrangida, um modelo radicalmente diferente, quer de valorização quer de relevância tributária das variações patrimoniais relativas à detenção daqueles instrumentos.

Com efeito, a intenção do legislador aquando do acolhimento do modelo do justo valor, devidamente evidenciada, foi, assumida e expressamente, a de manter “a aplicação do princípio da realização relativamente aos instrumentos financeiros mensurados ao justo valor cuja contrapartida seja reconhecida em capitais próprios, bem como as partes de capital que correspondam a mais de 5 % do capital social, ainda que reconhecidas pelo justo valor através de resultados”.

Já relativamente a “instrumentos financeiros” que correspondam a menos “de 5 % do capital social”, “cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados, (...) nos casos em que a fiabilidade da determinação do justo valor esteja em princípio assegurada”, a intenção legislativa foi a de aceitar “a aplicação do modelo do justo valor”, excluindo o princípio da realização.

Em consonância com esta intenção legislativa, o artigo 18.º, n.º 9, do CIRC veio dispor que, por regra, “Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados”, o que consubstancia um afloramento evidente e deliberado do assumido princípio da realização.

Contudo, a mesma norma, na sua alínea a), estabelece a excepção a este regime, «quando: a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social;”.

Ou seja, quando os “rendimentos ou gastos (...) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor”, “concorrem para a formação do lucro tributável” “desde que”:

  1. Sejam reconhecidos “através de resultados”;
  2. Se tratem “de instrumentos do capital próprio”;
  3. tenham um preço formado num mercado regulamentado”; e
  4. o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social”.

 

Cumpridas estas condições:

  1. consideram-se rendimentos os resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros [artigo 20.º, n.º 1, alínea f), do CIRC]; e
  2. consideram-se gastos os resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros [artigo 23.º, n.º 1, alínea i) do CIRC].

 

Deste modo, onde antes tínhamos uma relevância tributária única, aquando da transacção daqueles instrumentos, agora passamos a ter uma relevância tributária continuada. Ou seja, face às novas normas integrantes do regime da relevância tributária da contabilização pelo justo valor de instrumentos financeiros, os rendimentos ou gastos resultantes da aplicação do justo valor passam a relevar directamente para a formação do lucro tributável [artigo 20.º, n.º 1, alínea f), e artigo 23.º, n.º 1, alínea i), do CIRC] do próprio ano em que se verificam, cumpridas que sejam determinadas condições (artigo 18.º, n.º 9, do CIRC), que incluem a formação do preço num mercado regulamentado, não sendo tributadas as variações patrimoniais verificadas como mais ou menos-valias [artigo 46.º, n.º 1, alínea b), do CIRC].

            Neste quadro, deixam de se verificar quaisquer necessidades relativas ao combate da fraude e evasão fiscais, não só porquanto a relevância tributária das variações patrimoniais deixa de estar condicionada por um acto de vontade do sujeito passivo, mas também porquanto a valorimetria é objectivamente fixada.

Por outro lado, e pelas mesmas razões, carece igualmente de sentido qualquer medida de condicionamento da vontade do sujeito passivo, no sentido de favorecer comportamentos economicamente mais “desejáveis” e, como tal, conformes aos interesses do alargamento da base tributável e consolidação orçamental.

Não obstante estas alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, o anterior artigo 42.º, n.º 3, do CIRC, renumerado para artigo 45.º, n.º 3, manteve a respectiva vigência, com a sua redacção inalterada.

Daí que se questione, como ocorre nos autos, se tal norma se aplicará, ou não, às depreciações relativas a instrumentos financeiros, que concorram para a formação do lucro tributável, nos termos do artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC.

Numa primeira análise, baseada exclusivamente no teor literal do n.º 3 do artigo 45.º é sugerida uma resposta afirmativa e esta questão, em face da abrangência de previsão desta norma.

Mas, uma interpretação atenta e coordenada dos normativos relevantes para a análise da questão, que se indicaram, conduz a uma conclusão diferente.

Na verdade, o artigo 45.º, n.º 3, do CIRC refere que:

A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

 

A análise do texto normativo revela com clareza que o legislador elegeu, para nele incluir, três tipos de situações que se deverão ter, em função da presunção de boa técnica legislativa, por distintas, a saber:

  1. “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital”;
  2. “outras perdas (...) relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”;
  3. “outras (...) variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”.

 

Vejamos, então, se a situação dos autos se reconduz a alguma das elencadas situações.

A situação aludida sob a alínea a) supra, será manifestamente inaplicável, não só porque não houve qualquer realização operada mediante transmissão onerosa, mas também porque o artigo 46.º, n.º 1, alínea b), do CIRC exclui as situações descritas no artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do conceito de mais-valias realizadas.

Deste modo, restam as possibilidades de integração da situação dos autos em alguma das situações elencadas nas alíneas b) e c) supra.

A aparente abrangência indiscriminada das previsões em causa poderá, contudo, ser razoavelmente mitigada atentando que “perdas” e “outras variações patrimoniais negativas” serão conceitos, não redundantes, mas dotados de um sentido próprio e distinto.

Para compreender tal facto, será necessário recuar aos artigos 23.º e 24.º do mesmo Código, atentando na evolução terminológica operada pelo artigo 159/2009, de 13 de Dezembro.

 Com efeito, antes da entrada em vigor deste último diploma, os artigos referidos do CIRC referiam, respectivamente, que:

– “Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: (...)”;

– “Nas mesmas condições referidas para os custos ou perdas, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, excepto: (...)”.

 

Verifica-se, deste modo, que aquando da consagração da redacção do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC vigente em 2013, este Código distinguiu expressamente, para o que aqui releva, três tipos de situações, a saber:

  • Custos;
  • Perdas;
  • Variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício.

 

A previsão do artigo 42.º, n.º 3 do CIRC (predecessor do artigo 45.º, n.º 3, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho), dever-se-á considerar, assim, por reportada a estes conceitos, definidos nos artigos 23.º e 24.º, nas redacções anteriores a este Decreto-Lei.

Deste modo, e por razões óbvias, da previsão daquela norma dever-se-ão ter por excluídos os custos relativos “a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”, incluindo-se ali, unicamente, as perdas (tal como definidas no artigo 23.º) e variações patrimoniais negativas (tal como definidas no artigo 24.º), relativas àquelas partes.

E que assim é, ou seja, que a expressão “outras perdas ou variações patrimoniais negativas” utilizada no artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, na redacção vigente em 2012, não tem um sentido indiscriminadamente abrangente, mas antes um sentido preciso, definido nos artigos 23.º e 24.º, decorre desde logo do facto de o legislador ter empregado a mesma distinção.

Para além disso, a inclusão no âmbito da norma em causa não só das perdas (tal como definidas no artigo 23.º) e variações patrimoniais negativas (tal como definidas no artigo 24.º), mas também dos custos (tal como definidos no artigo 23.º na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 159/2009), levaria a que, por exemplo, o custo de aquisição de partes de capital apenas concorresse em metade do respectivo valor para o apuramento do lucro tributável, o que seria, obviamente, inconcebível num legislador minimamente razoável e, consequentemente, trata-se de uma interpretação a rejeitar, por força da regra do artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, que impõe que se presuma que o legislador consagrou as soluções mais acertadas.

A alteração normativa implementada pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, não terá alterado nada de relevante na matéria em causa. Com efeito, não obstante o corpo do artigo 23.º ter passado a referir-se unicamente a gastos, o certo é que o CIRC continua a utilizar a expressão “perdas”, incluindo no próprio artigo 23.º (cfr. n.º 1, alínea h)). Tal ocorre em coerência, aliás, com o SNC, que nos termos do ponto 2.1.3.e) do anexo ao Decreto-Lei 158/2009 de 12 de Julho, mantém a distinção entre “gastos” e “perdas”.

Deste modo, conclui-se que o artigo 45.º, n.º 3, do CIRC se reportará a:

  1. diferenças negativas entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital;
  2. outras perdas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio; e
  3. outras variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio.

 

Sendo que por “perdas” se deve entender os factos qualificáveis como tal à luz do CIRC, e por “variações patrimoniais negativas” se deverá entender variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, tal como definidas no artigo 24.º.

            Não se incluirão deste modo, no âmbito da norma em causa, os factos qualificáveis como “gastos”, à luz do CIRC, ainda que relativos a partes de capital ou outras componentes do capital próprio.

            A própria AT parece reconhecer isto mesmo, já que no “Manual de Preenchimento do Quadro 07, Modelo 22” ( [5] ), a propósito do campo 737, refere que “Neste campo são inscritas, em 50%, as importâncias relativas a outras perdas (que não sejam menos-valias, dado que estas obedecem ao “mecanismo” das mais-valias e menos-valias) relativas a partes de capital ou outras componentes de capital próprio. São, por exemplo, acrescidas neste campo 737 as importâncias correspondentes a 50% das perdas por reduções de justo valor, quando estas se enquadrem no âmbito do artigo 23.º, n.º 1, alínea i), por força do disposto no art.º 18.º, n.º 9, alínea a)”.

Sucede que o artigo 23.º, n.º 1, alínea i), do CIRC não se refere às importâncias em causa como “perdas”, mas como “gastos”, pelo que será incorrecta a sua inscrição no campo em causa.

De resto, e se dúvidas houvesse, caso o legislador, aquando da entrada em vigor do Decreto-Lei 159/2009 de 13 de Dezembro, pretendesse abranger as situações elencadas no artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC, no âmbito do artigo 45.º, n.º 3, do mesmo, teria:

– incluído os “Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros”, não no artigo 23.º, mas no artigo 24.º do CIRC ( [6] ); ou

– referido tais situações como “perdas resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros” e não como “gastos”.

 

No quadro que se acaba de expor, deve-se então considerar que o Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, veio introduzir, no que respeita à parte abrangida pela aceitação da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, um regime especial de relevância para o cômputo do lucro tributável, justificado quer pela sua objectividade própria quer pela confessada intenção de aproximação da contabilidade à fiscalidade.

Esta circunstância não é, face à redacção do CIRC resultante do Decreto-Lei n.º 159/2009, susceptível de gerar qualquer tipo de dúvidas, como se verifica, designadamente, pela redacção dos artigos 20.º, n.º 1, alíneas f) e h), 23.º, n.º 1, alíneas i) e l), e, em especial 46.º, n.º 1, alínea b), face aos quais se evidencia de uma forma clara a intenção do legislador afastar os ajustamentos decorrentes da aplicação do critério do justo valor em instrumentos financeiros, nos termos reconhecidos pelo CIRC, do regime das mais-valias e menos-valias.

            Já o regime resultante da conjugação dos artigos 45.º, n.º 3, e 46.º do CIRC, apenas faz sentido na perspectiva da atendibilidade das variações patrimoniais em causa sob o prisma do referido princípio da realização.

            É que, estando em causa, face a tal princípio, a aferição da variação patrimonial em função de uma transacção, haverá sempre um factor voluntário em relação àquela.

            Ou seja, no regime para o qual foi pensada e instituída a norma do artigo 45.º, n.º 3, a realização de menos-valias, e demais situações elencadas estava dependente de uma actuação voluntária correspondente à realização das mesmas. Ora, neste quadro, será compreensível que o legislador institua mecanismos de desincentivo a uma actuação susceptível de ser considerada como desvaliosa, no caso a realização de menos-valias ou outras variações patrimoniais negativas. Ao dispor que tais situações apenas relevarão em 50% do montante contabilizado, o legislador fiscal está, objectivamente, a condicionar as actuações abrangidas pela previsão legal, impondo um incentivo negativo às mesmas.

            Por outro lado, e estando em causa instrumentos financeiros de valor não objectivamente quantificável, a desconsideração em 50% das variações patrimoniais negativas verificadas, teria também uma função de “compensar” a natural tendência dos operadores económicos para, ao nível fiscal, inflacionarem os prejuízos.

            Contudo, aqueles aspectos não se verificarão já nas situações abrangidas pelo artigo 18.º, n.º 9, alínea a). Aqui, estando-se perante ajustes decorrentes da contabilização do justo valor, determinado por critérios objectivos (com “um preço formado num mercado regulamentado”), não há qualquer dúvida ou intervenção da vontade do sujeito passivo na verificação do ajustamento patrimonial negativo ou positivo. Ou seja, estes ocorrerão ou não, independentemente da actuação e da vontade do sujeito passivo.

            Ora, penalizar, nestes casos, o sujeito passivo com uma desconsideração de 50% do gasto incorrido, seria de todo injustificado, quer de um ponto de vista económico, quer de um ponto de vista jurídico.

            É que, recorde-se, esta situação de penalização contingente (aleatória, até) injustificada, só se daria por força da excepção das situações abrangidas pelo artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC ao regime do princípio da realização. Ou seja, se relativamente a essas situações se aplicasse o regime geral do corpo do artigo 18.º, n.º 9, segundo o qual as mesmas não concorreriam “para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados”, a apontada incoerência não se verificaria, já que o facto que desencadearia a concorrência para a formação do lucro tributável apenas se daria por vontade do sujeito do passivo, pelo que caberia a este optar por realizar a variação patrimonial negativa, com a consequente penalização fiscal, ou diferir esta para um momento em que fosse menos volumosa ou, até positiva, diminuindo ou eliminando a penalização decorrente da operação para si e para o Erário Público. É a excepção da alínea a), ao retirar as situações aí previstas do âmbito do princípio da realização, que justifica o novo regime de relevância para o lucro tributável, que foi instituído.

            Evidência de tudo o que vem de se dizer, apresenta-se no quadro elaborado de seguida, o qual demonstra a irrazoabilidade da aplicação da norma do artigo 45.º, n.º 3, às situações abrangidas pelo artigo 18.º, n.º 9, alínea a):

 

Ano

Valor Inv. Financeiro

Variação anual de justo valor

Aplicação do artigo 45.º/3 do CIRC

0

Valor de aquisição (V.A.)

0

0

1

V.A.+ 40

+ 40

+40

2

V.A.+ 20

-20

-10

3

V.A

-20

-10

4

V.A.-40

-40

-20

5

V.A.

+40

+40

6

V.A. -20

-20

-10

 

           

A não aplicação da norma do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC aos gastos, e concretamente aos “Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros”, com a consideração plena das repercussões patrimoniais verificadas, sejam positivas ou negativas, leva a uma coerência da tributação qualquer que seja a altura em que se verifique a alienação do instrumento financeiro. Ou seja, em qualquer altura que se escolha para proceder à alienação do instrumento financeiro, as alterações patrimoniais positivas e negativas compensam-se, de modo que, a final, o sujeito passivo apenas tenha acrescentado ou diminuído ao seu lucro tributável a diferença entre o valor de aquisição e o valor de venda.

            Já se se aplicasse a norma do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, como pretende a Autoridade Tributária e Aduaneira, a partir do momento em que se verifique uma alteração patrimonial negativa, haverá uma discrepância entre a relevância fiscal das variações patrimoniais negativas e positivas, sem qualquer justificação, como se disse, uma vez que aquelas variações ocorrem de forma objectiva e independente da actuação ou vontade do sujeito passivo. Assim, se ao fim do segundo ano o sujeito passivo do exemplo supra procedesse à realização do instrumento financeiro em causa, não obstante ter realizado uma mais-valia de apenas 20 (que seria tributada como tal ao abrigo do princípio da realização), teria, afinal, pago imposto sobre 30 (40-10). Do mesmo modo, se procedesse àquela realização ao fim do terceiro ano, teria pago imposto sobre 20, não obstante não ter tido qualquer acréscimo patrimonial com a operação. E se procedesse à mesma realização ao fim do sexto ano, teria pago imposto como se tivesse tido um acréscimo patrimonial de 30 (80-50), não obstante ter tido uma variação patrimonial efectiva de -20, que, ao abrigo do princípio da realização consagrado no CIRC, seria atendível, ainda que em apenas 50% do respectivo valor (-10)!

            Tais resultados, meramente aleatórios e sem qualquer justificação substancial que os sustente, não poderão ter sido queridos por um legislador razoável, que, por imperativo do artigo 104.º, n.º 2, da CRP, tem de fazer assentar a tributação das empresas fundamentalmente sobre o seu rendimento real.

            O desacerto de uma hipotética solução legislativa a que conduz uma determinada interpretação é, seguramente, um argumento decisivo para rejeitar essa interpretação, pois, em boa hermenêutica, tem de se presumir que o legislador consagrou a solução mais acertada para uma determinada situação jurídica e não uma solução insensata e sem fundamento lógico (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).

            Para além disso, o direito tributário tem especificidades interpretativas e uma delas é a de que, a estar-se perante uma situação de dúvida sobre o alcance do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC (como patenteia a existência de decisões arbitrais contraditórias, terá de se atender «à substância económica dos factos tributários» (por imposição do artigo 11.º, n.º 3, da LGT), que, em situações em que, findo o período de detenção de partes de capital, não ocorreu realização mais-valias ou até houve realização de menos-valias, conduz inexoravelmente à interpretação que afasta a incidência de imposto sobre o rendimento e não à que se reconduz a tributar o prejuízo como se fosse um rendimento.

            O que permite concluir que os Tribunais têm de atender ao «mérito das normas» que aplicam, numa dupla acepção, pelo menos: não podem ser aceites interpretações que conduzam a soluções desacertadas, por que a tal se opõe o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil; nem são admissíveis interpretações que se reconduzam à tributação de rendimentos inexistentes, porque tal não se compagina com as directrizes teleológicas que emanam do referido artigo 11.º, n.º 3, e dos princípios que lhe estão subjacentes, da justiça material, da igualdade e da tributação fundamentalmente com base na capacidade contributiva (artigos 4.º, n.º 1, e 5.º, n.º 2 da LGT), que têm suporte constitucional em princípios basilares do Estado de Direito democrático (artigos 2.º, 13.º e 104.º, n.º 2, da CRP).

            É certo que a solução alternativa, que exclui a aplicação do artigo 45.º, n.º 3, leva a que, no caso de se verificar, a final, uma menos-valia, esta acabe por ter sido considerada a 100%, e não a 50%, como ocorreria ao abrigo do princípio da realização. Seria o caso de, no exemplo do quadro supra, a realização ocorrer nos anos 4 ou 6. Contudo, esta discriminação positiva (ou melhor, não discriminação negativa) pela opção pelo critério do justo valor, poderá justificar-se, desde logo, porquanto no regime do artigo 18.º, n.º 9, alínea a), deixa de fazer sentido qualquer desincentivo à realização de menos-valias, uma vez que as mesmas terão relevância fiscal independentemente da sua efectiva realização. Não se deverá desconsiderar igualmente que, por um lado, a contabilização pelo justo valor é considerada mais conforme à aproximação entre a contabilidade e a fiscalidade, finalidade confessadamente prosseguida pelo legislador do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, e, por outro, a circunstância de estarmos perante realidades objectivamente avaliadas, sem que haja margem significativas para manipulações fiscalmente convenientes.

Ou seja, como se havia adiantado já, não se verificam as razões de combate à fraude e evasão fiscal, nem as razões de consolidação orçamental, que demonstradamente estiveram na génese da norma do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC.

Assim, tem de se concluir que devem afastar-se do campo de aplicação deste artigo 45.º, n.º 3, as situações em que não vale a sua razão de ser, em sintonia com a velha máxima “cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)”. ( [7] ). “O método teleológico tem-se vindo a deslocar cada vez mais para um primeiro plano em relação à interpretação literal. Segundo o princípio de há longa data conhecido: cessante ratione legis, cessat lex ipsa, deve importar mais o fim e a razão de ser que o respectivo sentido literal. A ratio deve impor-se, não apenas dentro dos limites de um teor literal muitas vezes equívoco, mas ainda rompendo as amarras desse teor literal ou restringindo uma fórmula legal com alcance demasiado amplo”. ( [8] )

Deste modo, e em suma, em obediência às imposições hermenêuticas do artigo 9.º do Código Civil, segundo as quais “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (n.º 1), e “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.º (n.º 3), é de interpretar o artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, no sentido de na sua previsão não se incluírem os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, que relevem para a formação do lucro tributável nos termos da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º.

Nestes termos, considerando-se que o artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC impõe a concorrência “para a formação do lucro tributável”, sem reservas ou limitações, dos “rendimentos ou gastos” que “(...) respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor”, “desde que” sejam reconhecidos “através de resultados”; se tratem “de instrumentos do capital próprio”; “tenham um preço formado num mercado regulamentado”; e “o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social”, não se aplicando, nestes casos, o artigo 45.º, n.º 3, do referido Código, na medida em que não estão abrangidos pela previsão normativa do mesmo, entende-se que merece provimento o pedido.

Consequentemente, a correcção efectuada quanto aos ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor é ilegal.

Aliás, recentemente, o Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se neste sentido, no acórdão de 06-06-2018, processo n.º 058/17, em que concluiu que «a norma do artigo 45º, n.º 3 do CIRC não é aplicável quando ocorre a determinação – ao Justo Valor – do valor dos activos sujeitos a mercado regulado por entidades oficiais, porque a razão da sua existência, combate à evasão e elisão fiscal, não tem justificação, o valor dos activos – a posição financeira – acaba por ser “estranho” e alheio à vontade do contribuinte que, em última instância, nada releva para a valorização ou desvalorização do respectivo activo».

Na mesma linha, sobre o alcance do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, a propósito de outra questão, pronunciou-se também o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17-02-2016, proferido no processo n.º 01401/14.

             Pelo exposto, em sintonia com esta jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, conclui-se que a liquidação enferma de vício de violação de lei, por errada interpretação do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, pelo que se justifica declaração da sua ilegalidade, na parte em que assenta na referida correcção no valor de €5.551.215,35.

 

 

  1. Juros compensatórios

 

A liquidação de juros compensatórios tem como pressuposto a liquidação de IRC pelo que enferma dos mesmos vícios.

Por isso, justifica-se a anulação da liquidação de juros compensatórios na parte correspondente a estas correcções.

 

 

4. Decisão

 

   De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em

 

  1.  Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2.  Anular a liquidação de IRC e juros compensatórios n.º 2017... .

 

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º e 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 554.941,10.

 

Lisboa, 29-10-2018

 

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

(Tomás Castro Tavares)

 

 

(Carla Castelo Trindade)

 

 

 



[2]                                    Refere-se no Relatório do Orçamento do Estado para 2003, página 51:

                «a execução orçamental de 2002 indicia uma quebra de receita resultante da redução dos resultados apresentados por algumas das maiores empresas em 2001, sendo previsível que esta tendência se venha a agravar para 2002, o que determinará nova quebra na receita de 2003. Esta tendência será agravada pelo impacto da descida da taxa nominal de IRC de 32% para 30% com efeitos a partir de 01/01/2002, que poderá ser parcialmente compensada pelo incremento dos valores do pagamento especial por conta».

[3]             FREITAS DO AMARAL, JOÃO CAUPERS, JOÃO MARTINS CLARO, JOÃO RAPOSO, PEDRO SIZA VIEIRA e VASCO PEREIRA DA SILVA, em Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3.ª edição, página 40.

                Em sentido semelhante, pode ver-se o primeiro Autor em Curso de Direito Administrativo, volume II: «A lei não é apenas um limite à actuação da Administração: é também o fundamento da acção administrativa. Quer isto dizer que, hoje em dia, não há um poder livre de a Administração fazer o que bem entender, salvo quando a lei lho proibir; pelo contrário, vigora a regra de que a Administração só pode fazer aquilo que a lei lhe permitir que faça». (FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo volume II, páginas 42-43.

                Em sentido idêntico, pode ver-se MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições de Direito Administrativo, 1999, volume I, página 84, que refere: «Com o Estado pós-liberal, em qualquer das suas três modalidades, a legalidade passa de externa a interna. A Constituição e a lei deixam de ser apenas limites à actividade administrativa, para passarem a ser fundamento dessa actividade.

Deixa de valer a lógica da liberdade ou da autonomia, da qual gozam os privados, que podem fazer tudo o que a Constituição e a lei não proíbem, para se afirmar a primazia da competência, a Administração Pública só pode fazer o que lhe é permitido pela Constituição e a lei, e nos exactos termos em que elas o permitem.».

                Nesta linha tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se, por exemplo, pelo acórdão de 13-11-2002, processo n.º 047932.

[4]              Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02-04-2014, processo n.º 01510/13, em que se refere que «no caso de a impossibilidade de avaliação directa ser meramente parcial (...), o recurso à avaliação indirecta deve limitar-se também à parte da matéria tributável que não é viável determinar através de avaliação directa», «em cumprimento da regra fundamental que radica no princípio constitucional da tributação das empresas pelo rendimento real (art. 104º nº 2 da CRP)».

[5]              Disponível em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/BAFFC60A-E1B8-4217-89E1-17440629A6BA/0/ ManualQ07201104052V.pdf, p. 31.

[6]              Em rigor, tal seria incoerente, na medida em que o artigo 18.º/9/a) refere-se a “instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados”, e o artigo 24.º se refere, como se viu a “variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício”.

[7]              BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso legitimador, página 186.

[8]              KARL ENGISCH, Introdução ao pensamento jurídico, página 120.