Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 183/2018-T
Data da decisão: 2018-10-08  Selo  
Valor do pedido: € 30.812,05
Tema: IS – Procedimento de inspeção tributária – Falta de notificação do início do procedimento.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

  1. RELATÓRIO

Em 9 de abril de 2018, a sociedade A..., LDA, com o NIPC ... e com sede na Rua ..., n.º..., ...-... ... (doravante designada por Requerente), veio, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de Imposto do Selo n.º 2016..., referente ao ano de 2013, que, acrescida de juros compensatórios, importa na quantia global de € 30 812,05, bem como do ato de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa que a teve por objeto.

Mais pede a Requerente a condenação da Requerida na restituição da quantia paga, acrescida de juros indemnizatórios.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, tendo esta comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

Síntese da posição das Partes

  1. Da Requerente:

Como fundamentos do pedido de anulação do ato de liquidação de Imposto do Selo referente ao ano de 2013, identificado no pedido de pronúncia arbitral, e do subsequente indeferimento da reclamação graciosa, invoca a Requerente o seguinte:

  1. No âmbito de um pedido de reembolso de IVA, a Requerente foi alvo de um procedimento de inspeção externo, a coberto da ordem de serviço OI2014..., com início em 14.08.2014 e cujos atos de inspeção foram dados por concluídos em 27.09.2016;
  2. No decurso do referido procedimento, foram solicitados à Requerente inúmeros documentos e esclarecimentos, para além da disponibilização de toda a contabilidade;
  3. Em 24.10.2016, foi a Requerente notificada do projeto de relatório de um outro procedimento de inspeção, aberto com base no despacho do Senhor Chefe da Equipa de Inspeção, de 04.10.2016, que deu origem ao relatório definitivo subjacente à liquidação de Imposto do Selo que ora se impugna;
  4. De acordo com a respetiva ordem de serviço n.º OI2015..., este último procedimento foi classificado como “ação interna de âmbito parcial, [que] incidiu sobre os dados respeitantes a transmissão onerosa de estabelecimentos comerciais através de escritura pública de Dações em Pagamento de 2013-10-11, elementos recolhidos a coberto da ordem de serviço n.º OI2014...”;
  5. É, porém, falsa a natureza interna do procedimento de inspeção no âmbito do Imposto do Selo, pois o próprio relatório assume expressamente que os atos de inspeção resultaram da recolha de elementos no procedimento externo em curso ao abrigo da ordem de serviço OI2014..., sendo ambos os procedimentos da responsabilidade do mesmo inspetor tributário;
  6. Não subsistem quaisquer dúvidas de que os elementos foram recolhidos nas instalações da Requerente, no âmbito de um procedimento de inspeção externo em curso;
  7. A distinção entre procedimento de inspeção interno e procedimento de inspeção externo não é desprezível, pois que “A violação das regras inerentes ao procedimento de inspeção tributária originam vícios determinantes da anulabilidade da liquidação que resulte de tal procedimento, como estabelece o n.º 1 do artigo 163.º do NCPA”;
  8. Outra interpretação seria violadora dos princípios constitucionais da segurança jurídica e da proteção da confiança (…)”;
  9. No caso concreto, tinha já caducado o procedimento de inspeção de âmbito parcial ao IVA, iniciado em 14.08.2014, não podendo ser alterado o seu âmbito para outros impostos;
  10. A solução falsa e artificiosa encontrada pelos Serviços de Inspeção Tributária foi a de qualificar como interno, e não como externo, o procedimento de inspeção aberto com a ordem de serviço OI2015...;
  11. Sem que nenhuma das formalidades legais tenha sido observada, o que inquina o referido procedimento de ilegalidade, bem como a liquidação aqui impugnada, que dele resultou;
  12. A liquidação de Imposto do Selo ora impugnada é manifestamente ilegal, “uma vez que a Requerente nunca teve conhecimento do procedimento em causa, mas apenas da sua conclusão, com o envio do projeto de relatório”;
  13. Tendo a Requerente procedido ao pagamento do imposto liquidado, haverá direito ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.º, da LGT e 24.º, n.º 5, do RJAT.

 

  1. Da Requerida:

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou resposta e fez juntar o processo administrativo (PA), vindo defender a legalidade e a manutenção do ato de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, com os seguintes fundamentos:

  1. A liquidação impugnada teve origem em correções de natureza meramente aritmética em sede de Imposto do Selo, ao abrigo da ação inspetiva n.º OI 2015...;
  2. Em momento prévio àquele procedimento inspetivo, havia sido realizado um outro, a coberto da ordem de serviço OI2014..., cujo âmbito recaía no exercício de 2014, para análise das operações e respetivos enquadramentos tributários em sede de IVA;
  3. Por terem sido também identificadas transações e factos com implicações em sede de Imposto do Selo e de IRC, foram abertos procedimentos inspetivos autónomos quanto àqueles impostos;
  4. Assim, foi emitida em 18.03.2015 a OI2015..., de âmbito parcial para Imposto do Selo e extensão para o ano 2013, no âmbito da qual, como resulta do respetivo Relatório, foram utilizados os elementos recolhidos anteriormente;
  5. A Requerente fundamenta o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo, invocando a violação do artigo 13.º, do RCPIT, por não ter sido notificada do início da ação inspetiva que teve por base a OI2015..., classificada como de âmbito interno, o que constituiria preterição de formalidade legal essencial da liquidação;
  6. Porém, não lhe asiste razão, pois tal formalidade não é essencial e, caso tenha havido alguma irregularidade, deve a mesma considerar-se sanada com a notificação da Requerente para o exercício do direito de audição, no âmbito do procedimento aberto pela OI2014..., de que “as escrituras de Dação em pagamento, através das quais adquiriu dois estabelecimentos de talho, além de terem sido verificados os montantes de IVA em falta, tais aquisições também tinha implicações em sede de imposto de selo e de IRC”, nada tendo dito;
  7. A única formalidade exigida no procedimento de inspeção interno é a notificação do projeto de Relatório de Inspeção, para que o contribuinte possa exercer o direito de audição, o que, no caso em apreço, foi cumprido;
  8. Também não assiste razão à Requerente quanto à alegada violação das regras inerentes ao procedimento de inspeção, por a ação inspetiva ter sido classificada como interna;
  9. Sucede que, durante a ação inspetiva realizada a coberto de uma ordem de serviço externa OI2014..., de âmbito parcial -IVA /2014- para verificar a conformidade entre o teor de declarações submetidas pela Requerente, e a realidade apurada no âmbito da análise do reembolso de IVA solicitado, foram recolhidos elementos que também tinham implicações em sede de IS e de IRC;
  10. Se os elementos recolhidos no procedimento de inspeção externo apenas podem originar correções no âmbito desse imposto, de acordo com a credenciação, tal não impede que a AT, ao ter conhecimento de que essas transações, cujos elementos foram recolhidos legitimamente, têm possíveis implicações em sede de Imposto de Selo, possa abrir outro procedimento mais adequado, para depois da análise desses documentos propor as correções necessárias no âmbito desse imposto;
  11. Na situação em apreço, não se pode afirmar que, por terem sido recolhidos no âmbito de outro procedimento de inspeção, tais elementos não possam ser analisados, porque já na posse da AT, a fim de verificar todas as implicações das mesmas transações em sede de outros impostos, legitimando essa análise com uma credencial adequada;
  12. O que não seria legítimo é que a Administração Tributária, na posse desses elementos, recolhidos legitimamente, abrisse uma nova ação de inspeção externa, com nova deslocação à sede da empresa, para recolher os mesmos elementos que já tinha na sua posse;
  13. Portanto, o procedimento de inspeção aberto com a ordem de serviço OI2015...foi corretamente qualificado de interno, nos termos do artigo 13.º, do RCPITA, pois decorreu totalmente nas instalações da AT, por os documentos analisados estarem na posse da AT, e não ter sido necessária qualquer deslocação às instalações da Requerente;
  14. A liquidação impugnada não padece de nenhuma ilegalidade, tendo a Requerida feito uma correta interpretação e aplicação dos artigos invocados, razão pela qual deve ser mantida;
  15. Não se verificando qualquer erro por parte dos serviços na aplicação da lei aos factos em causa, não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, devendo a Requerida ser absolvida do pedido com as demais consequências legais.

 

Não tendo sido invocadas exceções nem requerida a produção de prova adicional, foi, por despacho arbitral de 4 de setembro de 2018, dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, convidando-se as Partes a produzir alegações escritas sucessivas pelo prazo de 10 dias com início na Requerente, fixada a data de 8 de outubro de 2018 para prolação da decisão final e advertida a Requerente de que, até àquela data, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral remanescente.

As Partes não produziram alegações.

 

  1. SANEAMENTO
  1. O tribunal arbitral singular é competente e foi regularmente constituído em 21 de junho de 2018, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro;
  2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março;
  3. O processo não padece de vícios que o invalidem;
  4. Não foram invocadas exceções que ao Tribunal Arbitral cumpra apreciar e decidir.

 

 

III.    FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

A – Factos provados:

Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário [CPPT], subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), sob pena de nulidade, cominada pelo n.º 1 do artigo 125.º, do mesmo CPPT.

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental e do processo administrativo (PA) juntos aos autos, fixa-se como segue:

  1. A Requerente é uma sociedade por quotas que exerce, a título principal, a atividade de fabricação de artigos de joalharia e outros artigos de ourivesaria, com o CAE 32122, enquadrada para efeitos de IVA no regime normal mensal e para efeitos de IRC, no regime geral de tributação (Relatórios da Inspeção Tributária juntos ao PA – IVA, adiante RIT 1 e, Imposto do Selo, adiante RIT 2);
  2. Tendo em vista a análise do reembolso de IVA pedido pela Requerente, com referência ao período 14.05, foi aberto um procedimento de inspeção tributária, externo e de âmbito parcial, credenciado pela ordem de serviço OI2014... (RIT 1);
  3.  Este procedimento teve início em 14.08.2014 com a assinatura da ordem de serviço pelo sócio gerente do sujeito passivo, a quem foi entregue uma cópia da mesma; os atos de inspeção ficaram concluídos em 27.09.2016, com a emissão da respetiva nota de diligência (RIT 1);
  4. Do projeto do RIT 1, atinente à análise do pedido de reembolso de IVA do período 14.05, notificado à Requerente por ofício da Direção de Finanças do Porto, de 12.12.2016, para o exercício do direito de audição, para além das situações relativas à falta de liquidação daquele imposto pela cessação de exploração de dois estabelecimentos de talho, consta, nomeadamente, o seguinte:

“(…)

(…)”;

  1. Convertido em definitivo aquele projeto, a versão final do RIT 1 foi notificada à Requerente por ofício da Direção de Finanças do Porto, de 14.03.2017, dele constando, para além do excerto transcrito, designadamente, o seguinte:

“(…)

(,,,)”

  1. O procedimento de inspeção tributária em sede de Imposto do Selo (RIT 2), credenciado pela ordem de serviço interna OI2015..., teve por objeto a análise “[d]os dados respeitantes a transmissão onerosa de estabelecimentos comerciais através de escritura pública de Dações em Pagamento de 2013-10-11, elementos recolhidos a coberto da ordem de serviço n.º OI2014...”;
  2. Nele se apurando Imposto do Selo em falta, de acordo com o que ali se descreve:

“(…)

(…)

(…)

(…)”

  1. O projeto do RIT 2 foi notificado à Requerente por ofício da Direção de Finanças do Porto, de 20.10.2016, para exercício do direito de audição, vindo a converter-se em definitivo;
  2. Na sequência das correções propostas no RIT 2, efetuado ao abrigo da ordem de serviço interna OI2015..., foram emitidas, em 13.12.2016, a liquidação de Imposto do Selo (verba 27.1, da Tabela Geral do Imposto do Selo) n.º 2016..., no valor de € 27 500,00 e a liquidação de juros compensatórios n.º 2016..., da quantia de € 3 312,05, no montante global de € 30 812,05, a que corresponde a nota de cobrança com a referência ... e data limite de pagamento em 09.02.2017;
  3. A dívida de Imposto do Selo e juros compensatórios foi extinta por compensação com o reembolso de IVA do período 14.05, em 04.04.2017;
  4. Em 08.06.2017 foi apresentada reclamação graciosa contra a liquidação ora impugnada, instaurada sob o n.º ...2017..., com fundamento na preterição de formalidades essenciais do procedimento inspetivo e consequente ilegalidade do ato de liquidação do Imposto do Selo n.º 2016 ...;
  5. O projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi notificado à Requerente por ofício do Serviço de Finanças da ..., de 14.11.2017;
  6. A decisão final de indeferimento da reclamação graciosa, conforme o despacho do Senhor Chefe do Serviço de Finanças da ..., de 19.12.2017, foi notificada
    à Requerente por ofício daquele Serviço de Finanças, expedido a coberto do registo dos CTT n.º RF ... PT, de 5.01.2018, rececionado em 08.01.2018.

B – Factos não provados

Não existem factos com interesse para a decisão que devam considerar-se como não provados.

C. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração a prova documental junta a PI e ao PA e as posições assumidas pelas Partes nos respetivos articulados, consideram-se como provados os factos acima enunciados.

 

III.2 DO DIREITO

  1. A questão decidenda

A Autoridade Tributária e Aduaneira liquidou à Requerente o Imposto do Selo previsto na verba 27.1, da Tabela Geral do Imposto do Selo, com base nas correções meramente aritméticas efetuadas no âmbito de um procedimento de inspeção tributária, que classificou como interno e cujos elementos haviam sido recolhidos no decurso de um anterior procedimento inspetivo externo e parcial (IVA de 2014).

A Requerente invoca a caducidade daquele primeiro procedimento de inspeção, impeditiva do alargamento do seu âmbito, de molde a que abrangesse os atos relacionados com as correções efetuadas em sede de Imposto do Selo.

Contesta ainda a natureza interna do procedimento de inspeção que conduziu às correções na base da liquidação impugnada, por assentes em elementos recolhidos na contabilidade da Requerente.

Considera, assim, que devendo este procedimento inspetivo ser classificado como externo, foram preteridas formalidades essenciais que acarretam a sua invalidade, determinantes da anulabilidade do ato tributário resultante de tais correções

 

Por seu turno, a Requerida contrapõe que não houve preterição de qualquer formalidade legal essencial do procedimento de inspeção aberto pela ordem de serviço OI2015..., corretamente classificado como interno e que, a ter havido qualquer irregularidade, nomeadamente a falta de notificação do início daquele procedimento à Requerente, a mesma se deve considerar sanada com a notificação do projeto de relatório de inspeção, para efeitos do exercício do direito de audição.

Que, encontrando-se os elementos que permitiram as correções em sede de Imposto do Selo, na base da liquidação impugnada, legalmente recolhidos no âmbito de anterior procedimento de inspeção externo, abrir um novo procedimento externo seria violador do princípio da proporcionalidade.

 

A questão a decidir é, pois, a de saber se, no procedimento de inspeção que esteve na origem da liquidação de Imposto do Selo impugnada, houve preterição de formalidades legais essenciais que determinem a sua ilegalidade, viciando o ato tributário subsequente, de molde a justificar a sua anulação.

 

O procedimento de inspeção tributária visa a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infracções tributárias (artigo 2.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira – RCPITA), pode ser iniciado até ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos, é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início, prazo que pode ser prorrogado antes do seu termo, nas condições previstas no artigo 36.º, do RCPITA

Este procedimento tributário classifica-se, quanto ao lugar da realização dos atos inspetivos, em interno e externo, consoante tais atos “se efetuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos” ou “se efetuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso”, conforme o artigo 13.º, alíneas a) e b), respetivamente, do RCPITA, na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 36/2016, de 1 de julho, vigente à data da emissão da OI2015... .

Quanto ao seu âmbito, o procedimento de inspeção tributária pode ser geral ou polivalente, se abrange a globalidade da situação tributária ou o conjunto dos deveres tributários do inspecionado (artigo 14.º, n.º 1 alínea a), do RCPITA) e parcial ou univalente, quando visa apenas alguns tributos ou deveres dos sujeitos passivos ou dos demais obrigados tributários (artigo 14.º, n.º 1, alínea b), do RCPITA) e ainda quando tenha em vista apenas a consulta e recolha de determinados documentos e elementos e a verificação dos sistemas informáticos usados pelos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários (artigo 14.º, n.º 2, do RCPITA).

No que respeita à sua amplitude ou extensão temporal, o procedimento de inspeção tributária pode abranger apenas um ou mais do que um período de tributação (artigo 14.º, n.º 3, do RCPITA).

No entanto, a classificação inicialmente atribuída pela AT ao procedimento de inspeção tributária pode vir a ser alterada durante a sua execução, no que respeita aos seus fins, âmbito e extensão, mediante despacho fundamentado da entidade que o ordenou, a notificar à entidade inspecionada (artigo 15.º, n.º 1, do RCPITA).

Têm a jurisprudência e a doutrina entendido que a alteração dos fins, âmbito e extensão do procedimento tributário é uma faculdade da entidade que determinou esse procedimento, posto que se trata “do exercício da competência atribuída à Administração Tributária para realizar todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, a executar mediante procedimento da inspeção, que seguirá os termos que lhe foram fixados na lei, art.º 63.º da Lei Geral Tributária” (cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo [STA], processo n.º 1101/15, de 15.06.2016), até porque, a não ser possível essa alteração, “Tal significaria seguramente uma limitação desadequada e desproporcional dos poderes administrativos e, tão ou mais importante do que isso, uma violação dos princípios supra referidos, admitindo-se que a administração não estaria obrigada a, por todos os meios, apurar a verdade material[1].

Porém, defende a Requerente não ter havido lugar à alteração do procedimento de inspeção externo, de âmbito parcial, aberto pela ordem de serviço n.º OI2014... para análise do pedido de reembolso de IVA do período 14.05, por este já se encontrar caducado, motivo pelo qual a AT, de maneira falsa e artificiosa, abriu novo procedimento de inspeção pela ordem de serviço interna n.º OI2015... .

Crê-se, no entanto, que não assiste razão à Requerente.

Efetivamente, muito embora à data da abertura do procedimento baseado na ordem de serviço interna n.º OI2015... estivesse há muito ultrapassado o prazo de seis meses a que alude o n.º 2 do artigo 36.º, do RCPITA, sobre a data do início do procedimento de inspeção externo credenciado pela ordem de serviço n.º OI2014..., tal não se revelaria impeditivo da alteração dos seus fins, âmbito ou extensão, enquanto ainda não tivesse sido concluído, uma vez que é pacífica a natureza meramente ordenadora daquele prazo de seis meses, cujo incumprimento tem como única consequência “apenas e só a não suspensão do prazo de caducidade, nos termos do n.º 1 do artigo 46.º, da LGT[2].

Ora, a caducidade do direito à liquidação do tributo impugnado é questão que aqui não se coloca – trata-se, neste caso, de Imposto do Selo do ano de 2013, cuja liquidação foi emitida em 2016, antes de se completar o prazo de caducidade a que se referem os artigos 45.º, da Lei Geral Tributária (LGT) e 39.º, do Código do Imposto do Selo.

Em alternativa à alteração dos fins, âmbito ou extensão do procedimento de inspeção tributária externo, optou a AT, após a conclusão dos atos inspetivos, por abrir um procedimento de inspeção autónomo, que classificou como interno, para, com base nos elementos recolhidos no decurso do procedimento inspetivo anterior, relacionados quer com o IVA (cessão de exploração de estabelecimentos de talho, a título oneroso), quer com o Imposto do Selo (aquisição daqueles mesmos estabelecimentos comerciais, por trespasse) proceder à análise desta última situação tributária da Requerente.

Como escrevem Nuno de Oliveira Garcia e Rita Carvalho Nunes, “a classificação dos procedimentos de inspeção como interno ou externo não se resume a uma mera distinção de ordem espacial ou de localização dos atos inspetivos, acarretando, na verdade, importantes consequências, na medida em que o procedimento de inspeção externa pode restringir os direitos e liberdades fundamentais dos sujeitos passivos, desde logo (…) na matéria relativa à caducidade do direito à liquidação dos tributos.”[3]

Acresce que, como manifestação de “uma das mais importantes regras decorrentes do Princípio do Estado de Direito, e particularmente do seu subprincípio da segurança jurídica e da proteção da confiança[4], a lei impõe a prévia notificação do procedimento de inspeção externa ao sujeito passivo (artigo 49.º, do RCPITA), dando-lhe conhecimento, nomeadamente, do seu âmbito e extensão, a fim de evitar “a realização de inspeções-surpresa[5].

No caso em apreço e como resulta da factualidade provada, a Requerente apenas teve conhecimento da existência do procedimento inspetivo de que resultou a liquidação impugnada, aquando da notificação do projeto de relatório da inspeção tributária (RIT 2), o que, na sua ótica, se reconduziria à preterição de uma formalidade legal essencial daquele procedimento.

Porém, ainda que deva considerar-se que o procedimento tributário em análise foi incorretamente classificado pela AT como tendo natureza interna, porque baseado em documentos recolhidos junto da contabilidade da Requerente, embora à data da sua abertura já na posse da AT, sempre há que questionar se a falta de notificação do respetivo início é suscetível de gerar a anulabilidade da liquidação subsequente.

A jurisprudência dos Tribunais Superiores tem vindo de há muito a entender que a falta de notificação do início da inspeção externa apenas gerará invalidade se se demonstrar que a entidade inspecionada não teve conhecimento do procedimento e do seu objeto a tempo de sobre o mesmo se poder pronunciar.

Assim, nas palavras do douto Acórdão proferido pelo STA no processo n.º 1095/15, de 29.06.2016:

I - Ainda que o procedimento de inspecção tenha sido erradamente qualificado como interno, quando o deveria ter sido como externo, esse erro irreleva para a decisão a proferir se não puder concluir-se ter sido preterida qualquer formalidade essencial imposta por esta última modalidade de inspecção.

II - A falta da notificação prévia prevista no art. 49.º do RCPIT não gera a anulabilidade da decisão do procedimento, degradando-se tal formalidade em mera irregularidade, sem efeitos invalidantes, se ao interessado foi dado conhecimento do procedimento e do seu objecto a tempo de nele participar e se lhe foi dada a possibilidade legal de exercer o seu direito de audição durante o procedimento inspectivo.”.

 

Revertendo para o caso dos autos, dir-se-á que ainda que o procedimento de inspeção tributária aberto pela ordem de serviço interna n.º OI2015... devesse ter sido classificado como externo, a falta de notificação do seu início não consubstancia omissão de formalidade essencial, na medida em que a Requerente teve a possibilidade de nele intervir, notificada que foi para exercer o direito de audição sobre o projeto de relatório, nos termos do disposto no artigo no artigo 60.º, do RCPITA.

 

Em face do exposto, conclui-se que a liquidação de Imposto do Selo de 2013, objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, não padece dos vícios que lhe vêm imputados pela Requerente, pelo que deverá manter-se na ordem jurídica, assim como o ato de segundo grau que sobre a mesma incidiu.

 

  1. Questões de conhecimento prejudicado

Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT), sendo que as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

Em face da solução dada à questão da validade do procedimento de inspeção tributária aberto pela ordem de serviço interna n.º OI2015... e da subsequente liquidação de Imposto do Selo de 2013 ora impugnada, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas pelas Partes, nomeadamente a referente ao pedido de juros indemnizatórios.

 

  1. DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se em, julgando inteiramente improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, determinar a manutenção do ato de liquidação de Imposto do Selo n.º 2016... e juros compensatórios, referente ao ano de 2013, bem como do ato de indeferimento da reclamação graciosa que o teve por objeto, absolvendo a AT de todos os pedidos.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 30 812,05 (trinta mil, oitocentos e doze euros e cinco cêntimos).

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 1 836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), a cargo da Requerente.

Notifique-se.

Lisboa, 8 de outubro de 2018.

O Árbitro,

 

/Mariana Vargas/

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990. 

 



[1] Cfr. Joaquim Freitas da Rocha e João Damião Caldeira, “Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária – RCPIT, Anotado e Comentado”, Coimbra Editora, 2013, pág. 89.

[2] - Cfr. AA e obra citada, pág. 199.

[3] - AA citados, “Inspeção Tributária Externa e a Relevância dos Atos Materiais de Inspeção”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 4, Março 2011, págs. 249 e ss.

[4] - Cfr. Joaquim Freitas da Rocha e João Damião Caldeira, obra citada, pág. 268.

[5] - Idem.