Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 4/2019-T
Data da decisão: 2020-02-14  IRC  
Valor do pedido: € 243.072,60
Tema: IRC - Questão prejudicial; ilegalidade por desrespeito com a condenação à prática de atos em resultado de anterior decisão arbitral.
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Acórdão Arbitral

 

Os árbitros Maria Fernanda dos Santos Maçãs, árbitro-presidente, (designado pelo Conselho Deontológico do CAAD), Tomás Cantista Tavares e Nuno Maldonado Sousa árbitros vogais, designados pela Requerente e pela Requerida, respetivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

A..., SGPS, S.A., pessoa coletiva e contribuinte fiscal n.º..., com sede na Rua ...,  ..., ... piso, ...-... Lisboa, (doravante designada como “Requerente”) veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.

A Requerente peticiona a anulação da decisão de indeferimento de reclamação graciosa (processo ...2018...) e do ato reclamado, designadamente a liquidação de IRC n.º 2017..., de 29-11-2017, referente ao exercício de 2015 e a respetiva liquidação de juros n.º 2017... .

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante AT).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. Os signatários comunicaram a aceitação do encargo do exercício das funções de árbitro no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 08-04-2019. Por despachos de 10-10-2019 e de 03-12-2019 o prazo da arbitragem foi prorrogado sucessivamente por dois períodos de dois meses, atento o facto de tal prazo incluir férias judiciais e a complexidade do processo.

                A AT respondeu defendendo a legalidade da liquidação impugnada.

Por despacho de 10-06-2019 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas, que vieram a ser apresentadas pela Requerente e que foram notificadas à AT, por expediente enviado em 02-07-2019. A AT não apresentou alegações.

                Em 13 de janeiro o tribunal proferiu o seguinte despacho:

“1. O Sujeito Passivo formulou Requerimento, no qual, depois de acrescentar factualidade e argumentação nova, pede a junção de acórdãos (Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 392/2017-T, 2/2019-T e 3/2019-T) aos presentes autos.

Pronunciou-se, a Requerida no sentido da inadmissibilidade de tal junção, porquanto, entre o mais, “veio a Requerente apresentar um Requerimento como se tratasse de uma PI nova (ou então novas alegações) consubstanciando o mesmo um aperfeiçoamento da PI, disfarçando o mesmo com a junção de três decisões que, como veremos, já se conhece há mais tempo e, mais do que isso, os dois árbitros têm obrigação de as conhecer pessoalmente uma vez que participaram na sua elaboração e foram pelos mesmos assinadas”, concluindo pelo pedido de desentranhamento dos documentos, inclusivamente do Requerimento, nos termos do disposto no artigo 443.º do CC por violação do artigo 423.º do mesmo complexo normativo.

Cumpre apreciar.

Nos termos do artigo. 10.º, n.º 2, als. c) e d), do RJAT, os documentos devem ser juntos aos articulados que contenham as circunstâncias de facto objeto de prova. Tal norma revela-se em sintonia com o que resulta do artigo 423.º, n.º 1, do CPC, nos termos do qual os documentos devem ser juntos aos articulados em que é invocada a factualidade a que tais documentos se reportam.

A referida norma não foi cumprida pela Requerente na hipótese em presença.

Também não se verifica nenhuma das hipóteses em que, a título excecional, se considera admissível a junção posterior de documentos.

Com efeito, a Requerente procede ao aditamento de factos novos designadamente nos artigos 3.º. e 4.º e vai ao ponto de tentar alterar o pedido no sentido de "reconhecer que as decisões proferidas nos processos .... têm reflexos diretos e automáticos na correção dos prejuízos fiscais apurados por referência ao ano de 2015 (...)".

Assiste, desta forma, razão à Requerida quando alega que estamos, em termos substanciais, perante um novo articulado, não admitido legalmente.

Termos em que, por ser manifestamente ilegal, se indefere o Requerimento e ordena o desentranhamento do mesmo dos autos, incluindo a documentação junta.     

2. Deste Despacho notifiquem-se ambas as partes “

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos, com relevância para a decisão, organizados de acordo com o exercício económico a que se referem, para melhor entendimento da matéria de facto:

2011

A.           Em 2015, a Requerente foi alvo de uma ação de inspeção de caráter interno e âmbito parcial, efetuada ao abrigo da Ordem de Serviço n.º 012015... e, em resultado da inspeção, foram realizadas correções meramente aritméticas à matéria coletável de IRC do exercício de 2011 no montante de € 2.801.228,95, tendo, em consequência das mesmas, o prejuízo fiscal declarado de € 229.614,79 passado para um lucro tributável de € 2.571.614, 16 (RI, 26º e 27.º: doc. 4).

B.            A Requerente foi notificada da liquidação de IRC de 2011 com o n.º 2015..., no valor de € 68.809,50 (RI, 28.º: doc. 5).

C.            A Requerente deduziu reclamação graciosa contra os atos de liquidação de IRC e de juros compensatórios e, posteriormente, deduziu pedido de pronúncia arbitral, que correu termos, junto do Tribunal Arbitral, sob o n.º 392/2017-T e no qual foi proferido acórdão.

D.           No acórdão arbitral proferido em 21-03-2018 no CAAD, no processo n.º 392/2017, na sua parte dispositiva, consta que (RI, 29.º: doc. 6):

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a.            Julgar totalmente procedente o pedido de declaração de Ilegalidade da dação impugnada de IRC relativa ao ano de 2011 de imposto (2015 ...) no valor de 68.720,06€, Juros compensatórios (2015 ...), no valor de 2.031,71€ e demonstração de acerto de contas 2015 ... (compensação 2015 ...), com um valor total a pagar de 68.809,50€.

E em consequência:

b.            Ordenar a devolução à requerente do IRC e Juros compensatórios por ela pagos;

c.            Condenar a AT a pagar juros indemnizatórios à Requerente, sob pagos, desde a data do pagamento (12/11/2015) até integral reembolso.

d.            Caberá à AT, nos termos legais, retirar as consequências do ora decidido, nomeadamente quanto à existência e prejuízos reportáveis para exercícios seguintes.

E.            Em 30-07-2018, em execução do acórdão do Tribunal Arbitral, a AT emitiu liquidação de IRC n.º 2018..., referente ao exercício de 2011, do qual resultava imposto a reembolsar de € 89,44 e o prejuízo fiscal de € 229.614,79 (RI, 30.º: doc. 7).

 

2012 e 2013

F.            Por referência aos exercícios 2012 e 2013, a ora Requerente foi objeto de uma ação de inspeção, a coberto das ordens de serviço n.ºs 012016... e 012016..., sobre a qual foi proferido em 28-12-2016 despacho de concordância com as correções meramente aritméticas à matéria coletável de IRC dos exercícios de 2012 e 2013 no montante de, respetivamente,  € 1.558.571,09 e € 1.553.887,00, tendo, o prejuízo fiscal declarado de € 89.081 e de € 310.603,50, respetivamente, passado para um lucro tributável de € 1.558.571,09 e de € 1.243.283,50, (RI, 31.º: doc. 8).

G.           No Relatório de Inspeção Tributária a AT referiu que:

III.4. DA ANÁLISE DOS PREJUÍZOS FISCAIS

O SP pode deduzir os prejuízos fiscais, nos seguintes prazos:

a)            Os prejuízos fiscais gerados em exercícios iniciados antes de 1 de janeiro de 2010 podem ser reportados por um período de 6 anos.

b)           Os prejuízos fiscais gerados em exercícios iniciados entre 1 de janeiro de 2010 e 31 de dezembro de 2011 podem ser reportados por um período de 4 anos.

c)            Os prejuízos fiscais apurados a partir de 1 de janeiro de 2012 até 31 de dezembro de 2013 podem ser reportados por um período de 5 anos.

d)           Os prejuízos fiscais gerados em exercícios iniciados em ou após de 1 de janeiro de 2014 podem ser reportados por um período de 12 anos,

e)           Desde 1 de janeiro de 2014, a dedução de prejuízos fiscais, incluindo os prejuízos fiscais apurados antes de 1 de janeiro de 2014, encontra-se limitada a 70% do lucro tributável apurado no exercício em que seja realizada a dedução.

(…)

III.4.1. Referente ao exercício de 2012 e de 2013

Na Declaração modelo 22 vigente para o exercício de 2012, o SP inscreveu no 09 - Apuramento da Matéria Colectável — linha 303 — Prejuízos fiscais dedutíveis. a importância de 2.514. 258,31 euros.

 

Resulta da aplicação da AT relativa ao controlo de Prejuízos fiscais reportáveis.

 

Exercício              Lucro declarado               Prejuízo Declarado          Prejuízo Dedutível Declarado     Saldo Total          Saldo dedutível do período

(…)                                                                       

2010      0.00       121.792,65          0,00       2.337.960,21      0.00

2011      2.571.614,16       0,00       241.056,81          -72.602,60           0.00

2012      0.00       89.081,03             0.00       89.081,03            89.081,03

2013      0.00       310 603,50          0.00       399.684,53          310.603,50

2014      0.00       163.821,63          0.00       563.506,36          163.821,83

(nota: a tabela supra, reporta-se à data de atualização informática2016/11)

 

Que decorrente da correção fiscal efetuada pela inspeção tributária ao exercício de 2011, o SP deixou de ter prejuízos reportáveis porquanto os existentes, foram neste exercício totalmente utilizados.

Neste sentido, o SP, não tem, para os exercícios de 2012 e de 2013, prejuízos fiscais reportáveis que possam vir a ser utilizados, no apuramento da Matéria coletável.

H.           Após a notificação do Relatório de Inspeção Tributária, a Requerente foi notificada dos atos de liquidação de IRC e de juros compensatórios, referentes ao exercício de 2012 e de 2013, contra os quais a Reclamante deduziu reclamações graciosas, as quais foram indeferidas, decisões que a Requerente impugnou em 04-07-2017 e em  através de dois pedidos de pronúncia arbitral (RI, 32.º: docs. 9 e 10).

I.             Em 24-06-2019 foi proferido acórdão pelo Tribunal Arbitral que funcionou no CAAD, processo n.º 2/2019-T, por referência ao IRC da Requerente de 2012 e na sua parte dispositiva consta que (conhecimento em virtude do exercício das funções dos árbitros, 412.º CPC):

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Anular a liquidação de IRC n.º 2017 ... e o acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2017 ...;

c)            Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente da quantia de € 418.005,93, acrescida de juros indemnizatórios nos termos referidos no ponto 4 deste acórdão.

J.             Em 10-09-2019 foi proferido acórdão pelo Tribunal Arbitral que funcionou no CAAD, processo n.º 3/2019-T, por referência ao IRC da Requerente de 2013 e na sua parte dispositiva consta que (conhecimento em virtude do exercício das funções dos árbitros, 412.º CPC):

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Anular a liquidação ao Requerente de IRC e juros compensatórios de 2013: liquidação de IRC n.º 2017..., o acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2017...;

c)            Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente da quantia de € 341.091,55€, acrescida de juros indemnizatórios nos termos referidos no ponto 4 deste acórdão.

2014

K.            Relativamente ao exercício de 2014, a Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção, o qual foi iniciado a coberto da ordem de serviço n.º 012017... e do qual resultaram correções meramente aritméticas à matéria coletável de IRC daquele exercício no montante de € 1.547.919,56, tendo, em consequência da mesma, o prejuízo fiscal declarado de € 163.821,83 passado para um lucro tributável de € 1.384.097,73 (RI, 33.º e 34.º: doc.11).

 

2015

L.            Por ofício emitido em 28-07-2017 a Requerente foi notificada da “correção ao valor dos prejuízos fiscais dedutíveis – Período de 2015”, constando do documento, para além do mais (RI, 35.º e 36.º, PA, p. 232):

Nos termos do n.º 12 do artigo 90.º do Código do IRC, a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu ao controlo dos prejuízos fiscais indicados na declaração periódica de rendimentos modelo 22.

 

O valor do prejuízo fiscal deduzido nos termos do artigo 52.º do Código do IRC, evidenciado na declaração modelo 22 do período de 2015, não corresponde aos elementos constantes da base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira e vai ser objeto de correção na respetiva liquidação, conforme evidenciado no quadro anexo,

 

Desta correção pode apresentar reclamação graciosa ou impugnação judicial nos termos e prazos previstos no artigo 137.º do Código do IRC, quando a liquidação lhe for notificada.

 

Caso pretenda, no entanto, regularizar voluntariamente a situação, pode fazê-lo mediante envio de declaração de substituição, nos termos do artigo 122.º do Código do IRC, no prazo de 15 dias contados da presente notificação

 

prejuízo fiscal declarado               prejuízo fiscal corrigido

1.181.747,22 €  0,00 €

 

M.          Em 11-01-2018 a Requerente procedeu ao pagamento da liquidação de IRC de 2015, no montante de € 243.072,60. (RI, 38.º, doc. 14).

N.           Em 09-05-2018 a Requerente apresentou reclamação graciosa contra do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas ("IRC") n.º 2017..., praticado com referência ao exercício de 2015, no valor de € 243.072,60 e a liquidação de Juros Moratórios n.º 2017..., no valor de € 17.228,85 [RI: 1.º]

O.           A reclamação graciosa tem como fundamentos :

i.             a anulação dos atos de liquidação de IRC e juros compensatórios referentes ao exercício de 2011 pelo acórdão arbitral n.º 392/2017 e o reporte dos prejuízos apurados nesse exercício para os exercícios seguintes (PA, p. 8, 32.º);

ii.            a “reversão” que se deve operar com a prolação daquele acórdão, “com a anulação destas correções e dos atos de liquidação de IRC e de juros moratórios e com a consequente reposição dos prejuízos fiscais apurados por si por referência àqueles exercícios (PA, p. 9, 35.º);

iii.           decorre do acórdão citado a obrigação para a AT de repor os prejuízos fiscais apurados por si, por referência ao exercício de 2015 (PA, pp. 9-10, 37.º);

iv.           Do acórdão 392/2017 decorre per se a anulação do ato de liquidação adicional de IRC n.º 2017... e da consequente liquidação de juros moratórios (PA, pp. 9-10, 37.º);

v.            Da liquidação de IRC não resulta a necessária fundamentação de facto e de direito (PA, pp. 9-10, 42.º);

vi.           Não é exigível à Reclamante estabelecer qualquer relação entre o ofício de 28-07-2018 emitido pela direção dos serviços do IRC de que foi notificada e do qual resultava que o prejuízo fiscal declarado de 1.181.747,22 € passava a ser zero (PA, p. 14, 59.º);

vii.          A Reclamante não foi notificada “nos termos e para os efeitos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT (PA, p. 17, 72.º).

P.            A Requerente foi notificada, através de Ofício n.º..., de I de outubro de 2018, do despacho de 25 de setembro de 2018 do Senhor Diretor de Finanças Adjunto, da Direção de Finanças de Lisboa, que determinou o indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas ("IRC") n.º 2017..., praticado com referência ao exercício de 2015. [RI: 1º].

Q.           a decisão da reclamação graciosa foi notificada à ora Requerente através de correio registado, o qual foi registado nos correios em I de outubro de 2018, ou seja, na data de emissão do Ofício n.º... [RI, 5.º].

R.            Do parecer que fundamenta a decisão de indeferimento enviada à Requerente consta, para além do mais, que (RI, 1.º: doc. 1, pp. 6-7):

II - DESCRIÇÃO DOS FACTOS

1. As liquidações de IRC e de juros de mora objeto de reclamação resultaram das correções especificadas no quadro abaixo, efetuadas na sequência de ações inspetivas em cumprimento das Ordens de Serviço n.ºs 012015..., 012016..., 012016... e 012017... .

 

Exercº   Resultado fiscal declarado           Correções pela

IT            Resultado fiscal corrigido

2011      -229.614,79€     2.801.228,95€   2.571.614,16€

2012      -89.081,03€        1.558.57109€    1.469.490.06€

2013      -310.603,50€     1.553.887,00€   1.243.283,50€

2014      -163.821,83€     1.547.919,56€   1.384.097,73 €

 

Em consequência dessas correções ao resultado fiscal declarado pelo sujeito passivo, ora reclamante, e dado que o valor dos prejuízos fiscais reportados de exercícios anteriores dedutíveis na liquidação do IRC/2011, com base no disposto no artigo 52.º do CIRC. era de € 2.337.960,21 (cf. print "Controlo dos Prejuízos - Evolução dos Saldos" na fl. 159). a dedução a esse título declarada pela Reclamante nas suas declarações mod. 22 em cada um dos exercícios seguintes, foi anulada nas liquidações corretivas resultantes das ações inspetivas.

Com efeito, o referido montante de prejuízos fiscais reportados de exercícios anteriores foi todo deduzido na Liquidação de IRC/2011 (cf. fls. 159 e 164), não resultando qualquer saldo de prejuízos para dedução nos exercícios seguintes, entre os quais o de 2015. a que se refe0re a liquidação objeto da presente reclamação.

Verifica-se, assim, que o valor de prejuízos fiscais dedutíveis Inscrito pela ora Reclamante no quadro 09 da sua declaração mod. 22 relativa ao exercício de 2015, € 1.945.520.37 (fl. 161-verso), não tomou em conta aquelas correções ao resultado fiscal.

2.  Com a reclamação é junta cópia de uma comunicação da AT dirigida à Reclamante, datada de 28-07-2017, mencionada no ponto 58 da reclamação, na qual se dá conhecimento da correção para zero do valor deduzido na declaração mod. 22, a titulo de prejuízos fiscais dedutíveis, nos termos do artigo 520º do CIRC por o valor da dedução não corresponder aos elementos constantes da base dados da AT.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

A Requerente não provou a seguinte matéria que alegou:

             Em 21-07-2017 a Requerente foi notificada das liquidações de IRC e de juros compensatórios, referentes ao exercício de 2014 (a alegação surge no artigo 33.º do RI e não tem prova documental).

             Em janeiro de 2018 a Requerente deduziu pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC e de juros compensatórios, referentes ao exercício de 2014, o qual ainda corre os seus termos (a alegação surge no artigo 34.º do RI e não tem prova documental).

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com exceção dos seguintes. Os factos que se assentaram em I) e J) consideram-se assentes em virtude do exercício das funções dos árbitros vogais, que fizeram ambos parte daqueles Tribunais Arbitrais, na mesma qualidade, tendo dado conhecimento ao árbitro presidente deste Tribunal, por exibição de cópia assinada, do teor dos acórdãos, nos termos da norma do artigo  412.º CPC.

Foi apresentado processo administrativo.

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Questão prévia: a pendência de causa prejudicial

Na sua petição inicial a Requerente sustentou a existência de relação de prejudicial entre este processo que tem por vista a anulação da liquidação de IRC referente a 2015 e a execução do acórdão proferido no processo n.º 392/2017-T, onde foi deferido o pedido de anulação da liquidação oficiosa do IRC de 2011 (artigo 28.º), ao qual se seguiram seus pedidos de anulação das liquidações dos exercícios de 2012 e de 2013 e de revisão, do exercício de 2014.

Concluiu o seu raciocínio e afirmou (40.º e 41.º da sua petição) que “a liquidação em apreço [de 2015] resulta do facto de a Administração Tributária e Aduaneira ainda não ter executado, como se impõe, por força do artigo 100.º da LGT, o acórdão proferido no processo n.º 392/2017-T, correção essa que teve reflexos diretos nos exercícios subsequentes”; acrescentou finalmente que “Assim, a anulação das liquidações de IRC promovidas relativamente aos anos de 2011, porque ainda não retiradas as devidas consequências legais, em especial, decorrentes dos prejuízos fiscais, e das liquidações subsequentes deverá determinar per se a anulação da presente liquidação de IRC referente ao ano de 2015 porque assente em pressupostos, quer de facto, quer de direito errados”.

No contexto que retratou daquela forma, requereu (em 41.º da petição inicial) “a suspensão dos presentes autos até que a legalidade daqueles atos de liquidação se consolide na ordem jurídica ou até às decisões que determinem a sua anulação”.

A AT pronunciou-se pela inexistência de causa prejudicial, por ter sido já executado o acórdão fundamento (5.º e 6.º da sua resposta). A Requerente teve ainda oportunidade para se manifestar sobre a posição tomada pela AT sobre esta matéria, em requerimento de 05-06-2019.

Como para decisão sobre esta matéria importa ter o conhecimento detalhado dos antecedentes à liquidação de 2015, esta decisão foi remetida para o final. É por isso este o momento próprio para o fazer.

Em concreto assentou-se já que a Requerente deduziu reclamação graciosa contra os atos de liquidação de IRC do exercício de 2011 e de juros compensatórios e, posteriormente, deduziu pedido de pronúncia arbitral, que correu termos, junto do Tribunal Arbitral, sob o n.º 392/2017-T e no qual foi proferido acórdão, onde, na sua parte dispositiva, consta que:

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a.            Julgar totalmente procedente o pedido de declaração de Ilegalidade da dação impugnada de IRC relativa ao ano de 2011 de imposto (2015 ...) no valor de 68.720,06€, Juros compensatórios (2015 ...), no valor de 2.031,71€ e demonstração de acerto de contas 2015... (compensação 2015 ...), com um valor total a pagar de 68.809,50€.

E em consequência:

b.            Ordenar a devolução à requerente do IRC e Juros compensatórios por ela pagos;

c.            Condenar a AT a pagar juros indemnizatórios à Requerente, sob pagos, desde a data do pagamento (12/11/2015) até integral reembolso.

d.            Caberá à AT, nos termos legais, retirar as consequências do ora decidido, nomeadamente quanto à existência e prejuízos reportáveis para exercícios seguintes.

Importa também ter presente que se assentou no presente acórdão que, em 30-07-2018, em execução do acórdão do Tribunal Arbitral, a AT emitiu liquidação de IRC n.º 2018..., referente ao exercício de 2011, do qual resultava imposto a reembolsar de € 89,44 e o prejuízo fiscal de € 229.614,79 (facto assente E).

Do acórdão tirado no processo 392/2017-T é inquestionável que (i) foi anulada a liquidação da declaração oficiosa do exercício de 2011; (ii) a AT foi condenada a devolver os juros compensatórios pagos pela Requerente; e (iii) a AT foi condenada a pagar juros indemnizatórios à Requerente. Não se alcança que deste acórdão resulte nenhuma injunção especial para a AT alheia ao objeto do processo, que era a anulação da liquidação de IRC/2011 (como não podia resultar, sob pena de se violar o princípio da separação de poderes).

É claro que a AT está obrigada a tirar sempre todas as consequências previstas na lei, que resultem das decisões dos tribunais, efeito que resulta da natureza do contencioso de mera anulação, tal como configurado pela lei processual administrativa e tributária, podendo dizer-se que a fonte dessa obrigação não é tanto a decisão judicial, mas a própria lei. Aplicando esta linha de raciocínio há que afirmar que a anulação da liquidação oficiosa e a posterior substituição por outra, satisfez, nesta parte, o acórdão do processo 392/2017-T, cabendo depois ao SP a prerrogativa do exercício dos direitos que em abstrato lhe são conferidos, e de entre eles, o direito à dedução dos prejuízos fiscais previsto no artigo 52.º do CIRC.

Há assim que afirmar no acórdão que aqui se lavra, que este tribunal não entende que a afirmação “Caberá à AT, nos termos legais, retirar as consequências do ora decidido, nomeadamente quanto à existência e prejuízos reportáveis para exercícios seguintes” constitua uma decisão que necessite de atos próprios que devam ser praticados para que se possa determinar as obrigações e direitos da Requerente nos exercícios subsequentes. É sobre a Requerente que recaem as obrigações declarativas em sede de IRC e a AT não poderá já sindicar, nos termos legais, as consequências que resultam da anulação que foi declarada. Sendo assim, não há qualquer ação da qual dependa a apreciação da presente causa, nos termos em que é proposta.

Indefere-se pelas razões invocadas a suspensão da impugnação com base na pendencia de causa prejudicial.

 

3.1. Questão de fundo: a ilegalidade da liquidação e do indeferimento da reclamação graciosa.

 

A Requerente organizou a sua petição com base nos seguintes fundamentos que há que apreciar:

             Incumprimento do Ac. de 21-03-2018 do CAAD, no processo n.º 392/2017;

             Falta de fundamentação da liquidação de IRC;

             Ilegalidade da liquidação de IRC por desrespeito com condenação à prática de ato;

             Preterição de formalidade legal essencial relativamente à liquidação adicional de IRC.

 

3.1.1 O alegado incumprimento do Ac. de 21-03-2018 do CAAD, no processo n.º 392/2017

Já se apreciou esta matéria neste acórdão, a propósito da causa prejudicial e a apreciação deste tribunal está já expressa na secção respetiva e é no sentido da improcedência desse argumento.

Pode, em extensão do raciocínio enunciado, acrescentar-se e clarificar que a base do fundamento da Requerente consta em 39.º da sua petição inicial, onde afirma:

Atentos os factos supra descritos, verifica-se que a liquidação em apreço resulta do facto de a Administração Tributária e Aduaneira ainda não ter executado, como se impõe, por força do artigo 100.º da LGT, o acórdão proferido no processo n.º 392/2017-T, correção essa que teve reflexos diretos nos exercícios subsequentes.

 

Como se disse, do acórdão não resulta nenhuma injunção especial para a AT alheia ao objeto do processo, que era a anulação da liquidação de IRC/2011. A AT fê-lo e emitiu nova liquidação (facto assente E), onde declarou o valor dos prejuízos reportáveis. Tudo o mais caberá apenas à Requerente praticar, como resulta da lei. Se assim entender.

Para mais, não é possível testar a afirmação que faz da existência de “reflexos diretos” pois não há dados concretos que permitam indagar o sucessivo reporte de prejuízos, para o qual é necessário saber o ano de origem e cálculos anuais subsequentes, i.e. toda a sucessão desde então e esses factos não foram alegados (veja-se o detalhe minucioso que as normas do artigo 52.º CIRC dedicam a esta matéria).

Não procede, pois, o argumento da falta de cumprimento do acórdão emitido no processo n.º 392/2017. No entanto, mesmo que assim se não se entendesse, atenta a estrutura e o regime do contencioso tributário, esta não seria a sede adequada para discutir controvérsias sobre eventuais incorreções na execução por parte da Requerida de anterior acórdão arbitral.

 

3.1.2 A falta de fundamentação da liquidação de IRC

Sobre esta matéria, em 43.º e 44.º da sua petição inicial, a Requerente sustentou:

Conforme se deixou referido, a ora Requerente do ato de liquidação de IRC n.º 2017 ... não resultava a respetiva fundamentação, quer de facto, quer de direito (cfr. cit. Documento n.º 1).

 

Não pode, pois, evidentemente, aceitar-se que um ato de liquidação está fundamentado, nos termos legais, porque em momento anterior a ora requerente foi notificada de um documento do qual resultava a intenção da Administração Tributária e Aduaneira desconsiderar os prejuízos fiscais.

 

A Requerente afirmou ainda em 46.º, 47.º e 48.º da mesma peça:

Na verdade da liquidação de IRC n.º 2017 ... apenas resulta que a mesma poderá ser objeto de reclamação graciosa ou de impugnação judicial, sem se identificarem, sequer, as concretas disposições legais em que assentam aquelas mesmas liquidações de imposto.

 

Ou seja, do ato de liquidação de IRC n.º 2017 ... não só não resulta a respetiva fundamentação, quer de facto, quer de direito, como nenhuma referência expressa ou implícita é feita ao documento através do qual procedeu à correção dos prejuízos fiscais.

 

Sendo que nenhuma remissão, expressa ou implícita, é feita para aquele documento.

 

Não se considera ser aceitável esta posição. O ato de fundamentação está documentado (doc. 13 da PI) e contém os elementos necessários à compreensão do ato tributário, incluindo a fundamentação de facto (o prejuízo declarado) e de direito (90.º-12, 52.º e 137.º CIRC) e a aplicação do direito ao facto (o prejuízo fiscal corrigido). Se a Requerente não o interpretou corretamente, só a si pode imputar essa conduta que é pelo menos descuidada, tendo em consideração a sua própria natureza de entidade empresarial, dotada de estrutura organizacional própria para sustentar a sua atividade.

Fica apenas a questão de saber se a liquidação pode ser fundamentada em documento autónomo. A este propósito há que trazer à colação a norma do artigo 77.º, n.º 1 da LGT que deixa claro que a liquidação pode ser antecedida de documento que contenha a fundamentação do ato. O que é essencial é que seja dado ao destinatário conhecimento prévio ou contemporâneo, dos fundamentos que levam a administração pública, neste caso a AT, a praticar determinado ato.

Ora, como se assentou já na matéria de facto, em L, por ofício emitido em 28-07-2017 a Requerente foi notificada da “correção ao valor dos prejuízos fiscais dedutíveis – Período de 2015”, que contém os elementos necessários à liquidação que, desde logo se anuncia, lhe vai ser notificada. Se a Requerente não fez desde logo a conexão entre esta notificação e a liquidação, dir-se-á que é uma desatenção da sua exclusiva responsabilidade e a AT em nada para ela contribuiu.

Improcede também este fundamento alegado pela Requerente.

 

3.1.3 Ilegalidade da liquidação de IRC por desrespeito com condenação à prática de atos

Em perspetiva que ultrapassa a mera necessidade da execução de anterior julgado, a que se fez referência em 3.1.1, a Requerente sugere ainda que em obediência à condenação (veja-se a parte que se sublinha no texto seguinte), a AT deveria fazer repercutir esta decisão nos prejuízos reportáveis para os exercícios seguintes. Em 92.º - 94.º do RI a Requerente afirma que:

Sendo que conforme resulta inequivocamente do referido Acórdão, a Administração Tributária e Aduaneira determinou:

i) a anulação dos atos de liquidação de IRC e de Juros Compensatórios, referentes ao exercício de 201 1; ii) a devolução do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios; e iii) retirar as consequências do decidido, nomeadamente, quanto à existência de prejuízos reportáveis para exercícios seguintes.

 

Verifica-se, pois, que o Acórdão proferido no processo n.º 392/2017-T para além de ter determinado a anulação dos atos de liquidação de IRC e de Juros Compensatórios referentes ao exercício de 2011, condenou, ainda, a Administração Tributária a retirar as devidas consequências deste Acórdão, nomeadamente, "quanto à existência e prejuízos reportáveis para exercícios seguintes." (cf. pág. 19 do cit. Documento n.º 6).

 

O que significa que este Acórdão estabeleceu, de forma expressa, que a Administração Tributária e Aduaneira deveria fazer repercutir esta decisão nos prejuízos reportáveis para os exercícios seguintes.

Em 95.º do RI a Requerente conclui ainda:

Ora, conforme demonstrado, os sucessivos procedimentos de inspeção tributária tiveram por consequência a desconsideração dos prejuízos fiscais apurados pela Requerente e o apuramento de lucro tributável, procedimento que em face do trânsito em julgado do Acórdão proferido no processo n.º 392/2017-T deverá ser revertido, com a consequente anulação destas correções e dos atos de liquidação de IRC e de Juros Moratórios e com a consequente reposição dos prejuízos fiscais apurados pela Recorrente por referência aqueles exercícios, os quais conforme decorre daquele Acórdão não merecem qualquer reparo e deverão ser repostos.

 

Crê-se que basta uma leitura cuidada da parte dispositiva do acórdão para perceber que não houve nenhuma “condenação” da AT a retirar quaisquer consequências específicas daquela decisão (nem poderia constar, pois o objeto do processo era exclusivamente a legalidade da liquidação do IRC/2011). É claro que a lei impõe que o direito da Requerente ao reporte de prejuízos seja respeitado. Só isso. Não resulta da decisão que a AT deva corrigir oficiosamente outros atos que não foram objeto daquele processo e até foram alvo de outras decisões de outros tribunais. O contencioso de anulação destina-se tão só a sindicar atos ilegais e não a condenar a administração à prática de outros atos, com as conhecidas exceções da reposição de pagamentos efetuados indevidamente, do pagamento de juros e do pagamento de custos com garantias.

Improcede também este fundamento para anulação invocado pela Requerente.

 

3.1.4 Preterição de formalidade legal essencial relativamente à liquidação adicional de IRC.

A Requerente invoca ainda que a AT preteriu formalidade legal essencial relativamente à liquidação adicional de IRC. A este propósito, em 101.º do RI a Requerente sustenta que:

Por fim, não pode aceitar-se que, na situação em apreço, a Administração Tributária e Aduaneira estivesse dispensada de proceder à notificação da ora requerente para o exercício do direito de audição prévia à liquidação por força do disposto no artigo 60.º, n.º 2, alínea b), da LGT.

 

Não parece que a Requerente tenha razão. Como se sabe, a notificação prévia à liquidação referida supra, em N da matéria assente, foi feita com base nos valores declarados por si própria, expurgados dos prejuízos que a AT considerou que não podiam ser deduzidos (doc. 13.º do RI). É justamente nestas situações que a LGT dispensa a audição do sujeito passivo, como regula o seu artigo 60.º, n.º 2-a), que expressamente prevê a dispensa de audição no caso de a liquidação se efetuar com base na declaração do contribuinte. Essa é justamente a situação dos autos; a Requerente apresentou a sua declaração de rendimentos de 2015 e foi sobre o valor dos rendimentos declarados pela própria Requerente que foi feita a liquidação.

Improcede também este fundamento alegado pela Requerente, o que conduz à total improcedência das suas pretensões neste processo.

 

4. Decisão

 Termos em que, na consequência do que se expôs, acorda-se neste Tribunal Arbitral em julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, com a manutenção na ordem jurídica da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, nesta sequência, da liquidação de IRC n.º 2017..., de 29-11-2017, referente ao exercício de 2105 e a respetiva liquidação de juros n.º 2017... .

 

5. Valor do processo

 De harmonia com o disposto no artigo 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 243.072,60.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 14 de fevereiro de 2020

Os Árbitros,

 

(Maria Fernanda dos Santos Maçãs, que presidiu)

 

(Tomás Cantista Tavares, que votou vencido, conforme voto infra)

 

(Nuno Maldonado Sousa)

 

Voto de vencido

1. Votei vencido por discordar da argumentação e decisão que fez vencimento no Acórdão, por duas ordens de razões: a) por questão técnica, que tem que ver com a repercussão (em direito material e processual) nos anos subsequentes dos casos julgados de anos anteriores, que anulam as liquidações, repondo prejuízos fiscais autoliquidados pelo contribuinte (cristalizados em momento temporal posterior à emissão do ato impugnado); b) por uma questão de princípio – compatibilização do contencioso de anulação com a plena tutela dos direitos dos contribuintes.

2. Os factos essências são os seguintes (e estão provados no processo):

a) Em final de 2017/início de 2018, o ato impugnado (IRC de 2015) corrige o prejuízo fiscal autoliquidado superior a 1,1M€ para zero, por entender que a requerente já não tem esses prejuízos, fruto de correções fiscais aos anos anteriores, de 2011 a 2014 (que os considerou consumidos nesses anos anteriores) –  G (quadro), L e M dos factos provados;

b) A requerente impugnou a correção desses exercícios anteriores, em vários processos arbitrais: 392/2017-T (ano de 2011), 2/2019-T (ano de 2012) e 3/2019-T (ano de 2013) e 524/2019-T (ano de 2014).

O Acórdão do proc. 392/2017-T (ano de 2011) foi tirado em 21/3/2018, com anulação da liquidação e já transitou em julgado (C a E dos factos provados);

O Acórdão do proc. 2/2019-T (ano de 2012) foi tirado em 24/6/2019, com anulação da liquidação e já transitou em julgado (I dos factos provados);

O Acórdão do proc. 3/2019-T (ano de 2013) foi tirado em 10/9/2019, com anulação da liquidação e já transitou em julgado (J dos factos provados);

O proc. 524/2019-T (2014) está em fase de alegações finais – e é do conhecimento deste tribunal, porque os árbitros vogais deste processo também o são naquele outro (art. 412.º do CPC).

3. Perante isto, está para mim certo que:

a) Os casos julgados dos casos de IRC de 2011, 2012 e 2013 verificaram-se em data posterior (Março, Junho e Setembro de 2019) à fundamentação e liquidação do IRC de 2015 (o ato impugnado nestes autos) – fim de 2017/início de 2018;

b) Alguns deles (2012 e 2013) ocorreram, inclusive, após o Requerimento inicial do presente processo; o de 2011, ocorreu após a fundamentação do ato impugnado e antes do Requerimento inicial deste processo.

c) Por imposição legal, aqueles casos julgados (IRC 2011, 2012 e 2013) implicam que passem a existir mais prejuízos nesses anos, com repercussão nos anos subsequentes (e em 2015). Ou seja, o ato impugnado assumiu que os prejuízos fiscais de reportáveis eram de zero (L dos factos provados), quando agora, por efeito daqueles Acórdãos tem necessariamente outro valor.

4. Aqueles três casos julgados pressupõem a alteração do valor dos prejuízos fiscais assumidos do ato impugnado. A questão jurídica é, assim, a seguinte: quid iuris se após a fundamentação do ato impugnado ocorrerem vicissitudes (supervenientes) que se repercutem no ato concretamente impugnado?

5. Para mim, a boa e justa solução legal está vertida no art. 20.º do RJAT: a AT teria de emitir nova liquidação relativa ao IRC do ano de 2015, incorporando os casos julgados anteriores, na medida em que se repercutem no IRC de 2015. Na pendência do presente processo (onde se sindica o IRC de 2015) verificam-se factos novos (casos julgados do IRC dos anos de 2011 a 2013) que implicam a emissão de nova liquidação de IRC de 2015 (incorporando os ditos casos julgados), em modificação objetiva da instância.

A AT efetuaria este labor ex officio (art. 20.º, n.º 2, do RJAT) ou, se tal não acontecesse, por solicitação do Tribunal; e, perante isso, cumpria-se depois o disposto na parte final do art. 20.º, n.º 2, do RJAT, observando-se o necessário contraditório, com a remissão para o disposto no art. 64.º do CPTA – assegurando-se, com isso, a legalidade e a tutela efetiva dos direitos dos contribuintes.

6. Esta solução legal é a única que compatibiliza:

a) A existência (que se advoga) de um contencioso de mera anulação das decisões arbitrais (em que as Sentenças arbitrais anulam [ou não] uma liquidação, por critérios de legalidade);

b) Com a necessária preservação do princípio da separação de poderes entre o poder executivo e judicial (o tribunal arbitral nunca emite um novo ato de liquidação, por substituição do anterior, mas tal é feito pelo dirigente máximo do serviço da AT);

 c) E assegurando-se, desta forma, a tutela jurisdicional efetiva: só assim a Sentença decide, de forma clara, as questões realmente controvertidas no momento atual, após a modificação objetiva da instância.  

7. Por outro lado, discordo frontalmente do Acórdão quando advoga que é o contribuinte que tem de proceder às consequências, nos anos seguintes, do caso julgado de uma decisão judicial (de correção de prejuízos fiscais). Entendo o oposto, com base no respeito pela legalidade (a AT tem de retirar todas as consequências das decisões judiciais transitadas em julgado – art. 100.º da LGT), sendo que o art. 20.º do RJAT funciona como uma emanação e concretização do princípio da legalidade e do valor do caso julgado.

8. Entendo, por fim, que este Acórdão pode criar uma enorme confusão (inexistente, caso se respeitasse o art. 20.º do RJAT), em sede da sua execução (com prejuízo real para a tutela jurisdicional efetiva): existe um acervo de Sentenças (dos anos de 2011 a 2013 e que se repercutem em 2015), todas num determinado sentido [favorável às pretensões do contribuinte]; e existe agora uma outra Sentença em relação ao ano final (por assim dizer) do IRC de 2015, com um resultado (conteúdo prescritivo) em sentido divergente, por se basear num ato (com uma fundamentação e quantificação) que já não correspondem à realidade por efeito de vicissitudes supervenientes, que nele se repercutem.

 

Tomás Cantista Tavares