Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 72/2019-T
Data da decisão: 2019-12-20  IVA  
Valor do pedido: € 4.794.054,45
Tema: IVA – Locação financeira; Gestão de carteira própria de títulos; Método pro rata.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

 

I – Relatório

 

1. A..., S.A., com o número de identificação de pessoa colectiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º..., Porto, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do acto tributário consubstanciado na declaração periódica de IVA respeitante a Dezembro de 2016, e, bem assim, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra ele deduzida, requerendo ainda a condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente é uma instituição de crédito que realiza operações financeiras enquadráveis na norma de isenção do artigo 9.º, n.º 27, do Código do IVA, como é o caso da concessão de créditos, e operações que conferem o direito à dedução, como seja a locação financeira mobiliária.

 

Na declaração periódica de IVA referente a Dezembro de 2016, a Requerente apurou uma percentagem de dedução definitiva de 7% relativamente ao total de IVA incorrido nos recursos de utilização mista, mas que seria de 26% se tivesse excluído do pro rata a actividade de gestão da carteira própria de títulos e se no pro rata tivesse incluído os valores relativos à transmissão das viaturas relacionadas com a actividade de concessão de crédito com reserva de propriedade e as amortizações financeiras do leasing.

 

Nesse sentido, a Requerente devia ter deduzido o valor de € 4.794.054,45 correspondente a um ajustamento de 1 ponto percentual na percentagem de dedução, respeitante à actividade de gestão da carteira própria de títulos (€ 231.236,25), de 4 pontos percentuais na percentagem de dedução respeitante à actividade de concessão de crédito com reserva de propriedade (€ 1.013.959,60) e de 14 pontos percentuais na percentagem de dedução respeitante às amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira (€ 3.548.858,60).

No que se refere à actividade de gestão da carteira própria de títulos, a Autoridade Tributária entende que a aplicação do método da afectação integral não é o adequado a aferir o montante de IVA dedutível havendo antes de recorrer-se ao coeficiente de imputação específico a que faz menção o  Ofício-circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009. E, por outro lado, considera que a correcção apenas poderia ser efectuada na última declaração do período a que respeita através do mecanismo previsto no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA, não sendo admissível a alteração retroactiva dos critérios de dedução.

 

No entanto, a Requerente constatou que a utilização dos recursos de utilização mista adquiridos é totalmente distinta na actividade de banca comercial, que tem por base toda a rede de balcões, face à actividade relativa à gestão da carteira própria de títulos, que se limita a consumir um conjunto muito limitado e bem definido de recursos ao nível dos serviços centrais, sendo possível identificar as diversas direcções centrais que intervêm na gestão da carteira própria, sendo o método de afectação real o que permite objectivamente determinar o direito à dedução de imposto.

 

Em relação à actividade de concessão de crédito com reserva de propriedade e de locação financeira, a Administração Tributária desconsiderou, no cálculo de percentagem de dedução relativa ao ano de 2016, tanto os valores relativos à transmissão de viaturas adquiridas no âmbito da concessão de crédito com reserva de propriedade, como os valores respeitantes às amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira.

 

Entende a Autoridade Tributária que a compra de viaturas e a sua alienação a clientes com reserva propriedade corresponde a uma operação de financiamento pela qual a instituição bancária aufere como contrapartida o pagamento de juros, sendo que o IVA incorrido com a aquisição é recuperado no momento da alienação, pelo que a inclusão do montante do crédito concedido na percentagem de dedução de IVA determinaria um aumento artificial do coeficiente de imputação.

 

Do mesmo modo, no entender da Administração, a locação financeira traduz-se em substância na concessão de financiamento, cuja contrapartida remuneratória é constituída pelos juros, correspondendo a amortização do capital ao reembolso da quantia em dívida que não pode deixar de ser excluída do cálculo da percentagem de dedução para efeito de IVA.

 

A Requerente, baseando-se no acórdão Volkswagen Financial Services do TJUE, sustenta que os custos gerais efectuados em vista à disponibilização de veículos, enquanto operações tributáveis, são parte dos elementos constitutivos do preço dessas operações e originam um direito à dedução.

 

E no que se refere à locação financeira, as rendas dos contratos são integramente sujeitas a IVA de locação financeira, quer na parte correspondente à amortização financeira ou do capital, quer na parte correspondente aos encargos financeiros como são os juros.

 

Nestes termos, o acto tributário de autoliquidação, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, ao assentarem na impossibilidade de alteração dos componentes do cálculo pro rata violam o disposto no artigo 23.º do Código do IVA e o princípio da neutralidade fiscal.

 

Por outro lado, o erro de enquadramento das operações tributáveis para efeito do direito à dedução de IVA, quando origine o pagamento de imposto em excesso, é susceptível de ser corrigido no prazo de 4 anos nos termos do artigo 98.º, n.º 2, do Código do IVA, pelo que a Requerente entende que se encontra ainda em prazo para proceder à dedução do IVA relativamente ao montante de imposto pago em excesso.

 

Caso não seja claro o alcance das normas da Directiva IVA na aplicação à situação do caso, a Requerente solicita o reenvio prejudicial para se determinar se o valor da transmissão de viaturas no âmbito da concessão de crédito com reserva de propriedade e o valor das amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira entram na percentagem de dedução aplicado ao IVA e qual o prazo para dedução do imposto em caso de erro de enquadramento das operações tributáveis.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, em relação à gestão de carteira de títulos, afirma que o coeficiente de imputação específico mencionado no Ofício-circulado n.º 30108 é o único que se mostra adequado ao apuramento da percentagem de dedução, afastando as distorções na tributação, e que não é possível a correcção retroactiva dos critérios de dedução após o prazo de entrega da última declaração periódica referente ao período de tributação. 

 

Acrescenta que a inclusão do valor das operações relativas à transmissão de viaturas relacionadas com a actividade de concessão de crédito no cômputo do coeficiente de imputação específico obtido pela aplicação do método da afectação real iria aumentar injustificadamente a percentagem de dedução, contendendo com o princípio da neutralidade do imposto. Daí resultando que quanto maior fosse o crédito concedido, maior seria a dedução de IVA que resultaria da aplicação do coeficiente de imputação específico. E, desse modo, não se mostra possível nem adequado o método pro rata definido no artigo 23.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do Código do IVA, havendo de aplicar-se o disposto no n.º 3 desse artigo 23.º do CIVA em conjugação com o entendimento constante do Oficio-Circulado n.º 30108.

 

 Por outro lado, a locação financeira constitui uma prestação de serviços sujeita a imposto cuja contraprestação se concretiza nas rendas auferidas pela entidade locadora, que se compõem de juros e amortização financeira ou do capital. E em relação a esses serviços de utilização mista, o critério de dedução à luz do disposto no nº 2 do artigo 23.º do Código do IVA apenas poderá reflectir o montante dos proveitos provenientes da sua actividade tributada (juros) sob pena de se subverter o princípio da neutralidade do imposto.

 

Acresce que o acórdão do TJUE, no caso Banco Mais, veio a considerar, no que respeita às operações de locação financeira, que o facto de se ter utilizado como critério a parte do volume de negócios gerada pelas operações que conferiam direito à dedução, sem excluir desse volume de negócios a parte das rendas recebidas que compensavam o custo de aquisição dos veículos, tinha tido por efeito falsear o cálculo do pro rata de dedução.

 

Vindo assim a concluir o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva (a que corresponde o actual artigo 173.º, n.º 2, da Directiva 2006/112 CE) deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro obrigue um banco que exerce actividades de locação financeira a incluir, no numerador e denominador a fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.

 

 Conclui pela improcedência do pedido.

 

2. No seguimento do processo foi realizada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT também destinada à produção de prova testemunhal indicada pela Requerente.

 

Em alegações, a Requerente pronunciou-se sobre os resultados probatórios decorrentes da produção de prova testemunhal e quanto à matéria de direito manteve a sua anterior posição. A Autoridade Tributária não contra-alegou.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 26 de Abril de 2019.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não são invocadas excepções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes.

 

A)           A Requerente é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro.

B)           A Requerente é sujeito passivo misto para efeitos de IVA na medida em que na sua actividade realiza operações de locação financeira mobiliária, que são tributáveis e conferem o direito de dedução do imposto, e operações de financiamento e concessão de crédito, que são isentas do imposto, que não permitem a dedução de IVA. 

C)           No dia 9 de fevereiro de 2015, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Dezembro de 2016;

D)           Na declaração periódica, a Requerente apurou a dedução de IVA incorrido em recursos de utilização mista na actividade de gestão de carteira de títulos própria através da aplicação do coeficiente de imputação específico mencionado no Ofício-circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009;

E)            Na declaração periódica, a Requerente exclui do numerador e do denominador da fracção representativa do cálculo pro rata os valores relativos à transmissão de viaturas adquiridas no âmbito da actividade de concessão de crédito com reserva de propriedade, bem como os montantes respeitantes às amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira, seguindo a posição externada pela Autoridade Tributária no Ofício-Circulado n.º 30108;

F)            A Requerente aplicou assim uma percentagem de pro rata de 7%, por efeito do critério imposto pela Autoridade Tributária, quando a percentagem de dedução deveria corresponder a 26%;

G)           Consequentemente, o montante do imposto pago em excesso foi € 4.794.054,45;

H)           Em 28 de Maio de 2018, a Requerente deduziu reclamação graciosa requerendo a anulação parcial da autoliquidação de IVA referente a 2016 de que resulta a aplicação de uma percentagem de 7% de IVA incorrido em recursos de utilização mista, calculada de acordo com  as instruções do ofício circulado n.º 30108, quando de acordo com os artigos 23.º, n.ºs 1 e 4, do Código do IVA e 174.º da Directiva IVA, a percentagem de dedução devia corresponder a 26%;

I)             A Reclamação graciosa foi indeferida por despacho do Director do Serviço Central de 25 de Outubro de 2018, praticado com delegação de poderes, e notificado no dia 25 seguinte;   

J)            Na informação que serve de base ao despacho de indeferimento de reclamação graciosa considera-se, em síntese, o seguinte:

 

Aplicação do método de afectação real na actividade de gestão da carteira própria de títulos

 

- O critério objectivo indicado pela Reclamante para a actividade de gestão da carteira própria de títulos não se mostra adequado, deixando transparecer tão só a intenção de aumentar o coeficiente de imputação específico utilizado para a dedução do IVA relativo a todos os recursos de utilização mista;

- A aplicação do método de dedução implica um apuramento criterioso das operações que se referem à atividade de gestão da carteira própria de títulos, tornando-se difícil apurar os recursos que efectivamente foram exclusivamente afectos a essa área;

– Tem sido posição da Autoridade Tributária que, estando em causa a alteração retroactiva dos critérios de dedução relativos a bens de utilização mista, não é admissível a sua correção após decorrido o prazo de entrega da última declaração periódica referente ao período em análise;

- Com efeito, estando em causa o apuramento na percentagem de dedução, a dedução do imposto é regularizável, exclusivamente, através do mecanismo previsto no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA, ou seja, na última declaração do período a que respeita;

- Não existe suporte legal que permita uma alteração retroactiva do método de cálculo do direito a dedução inicial, já que se trata do exercício de um  direito  do sujeito passivo, sendo que a  escolha do método a aplicar só pode ser efetuada para cada aquisição de bens ou serviços no momento  em que se constitui o direito à dedução nas condições previstas no n.º 1 do artigo 20.º, n.º 1 do artigo 22.º e no artigo 23.º do CIVA;

 

Desconsideração do valor da transmissão das viaturas relativas à actividade de concessão de crédito com reserva de propriedade

 

- Quando o A... adquire os veículos a uma entidade terceira é-lhe liquidado IVA, que o banco recupera na íntegra por via do recurso ao método da imputação direta previsto no art.º 20º do CIVA, na medida, em que essa aquisição se destina a uma atividade tributada (a sua alienação ao cliente do crédito).

- Posteriormente ao vendê-lo ao cliente, o A... liquida o IVA pela totalidade do valor da alienação, nos termos do disposto na alínea h) do n,º 2 do artigo 16.º do CIVA.

- Razão pela qual, não se pode afirmar que esse montante (que corresponde ao crédito concedido), deva ser incluído no cômputo do coeficiente de imputação específico obtido pela aplicação do método de afectação real, à semelhança do que sucede com a amortização financeira, como veremos adiante. Caso contrário, iria aumentar-se injustificadamente a percentagem de dedução.

- Aliás, seguindo o entendimento da Reclamante, estar-se-ia a criar situação de manifesta desigualdade de tratamento em sede de IVA. Ou seja, a inclusão do valor destas operações no cálculo da percentagem e dedução proporcionaria uma indesejável distorção nas deduções relativas ao conjunto ao conjunto de transacções que são objecto de actividade normal do Banco (que contribuem para a obtenção do seu resultado/lucro), na medida em que possibilitaria ao A... um aumento artificial do seu coeficiente de imputação específico, que se revela como um favorecimento injustificado do A..., originando distorções significativas na tributação.

- Em reforço desse entendimento deve ainda realçar-se que a admitir-se o entendimento defendido pela Reclamante, daí resultaria que quanto maior fosse o crédito concedido (operação esta sujeita a IVA, mas dele isenta por força do disposto na alínea 21) do artigo 9º do CIVA), maior seria a dedução de IVA que resultaria da aplicação do coeficiente de imputação específico, o que não só não faria qualquer sentido, como, mais uma vez iria contribuir para a ocorrência de distorções significativas na tributação em sede deste imposto.

- Daí que se deva ser aplicado ao disposto no n.º 3 do artigo 23.º do CIVA, conjugado como entendimento constante do Ofício-Circulado n.º 30103, de 2008.04.23.

 

Desconsideração do valor das amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira no cálculo da percentagem de dedução aplicada ao IVA incorrido nos recursos de utilização mista

 

- No conjunto das operações que conferem direito à dedução de IVA, integram-se os contratos de locação, nos quais a Reclamante assume a posição de locadora e, nessa qualidade, adquire os bens (ou o financiamento para a sua aquisição) que são objecto desses contratos, acrescidos de IVA, sendo os mesmos entregues aos respetivos locatários para seu uso e fruição;

- Nestes casos, para efeitos de exercício do direito a dedução, a Reclamante aplicou o método da imputação directa, em concordância com o previsto no n.º 1 do artigo 20.º e do artigo 23.º ambos do CIVA, por considerar existir a tal conexão directa e exclusiva com as operações activas  realizadas que, no caso em concreto, se traduzem na obtenção de rendas, enquanto contrapartida remuneratória contratual (outputs);

- Pelo que o IVA que incidiu sobre o valor dessas mesmas aquisições foi integralmente deduzido pela Reclamante.

- Já no que respeita as aquisições de bens e serviços de utilização mista, em razão de terem sido indistintamente afectas as diversas operações desenvolvidas pela Reclamante,  também para efeitos do exercício do direito a dedução, entende dever aplicar-se o método geral e supletivo da percentagem de dedução - designado por pro rata - nos termos da alínea b) do n.º 1 e do n.º 4, ambos do artigo 23.º do CIVA;

- E, desde logo, afasta a possibilidade de determinar o IVA dedutível com recurso ao método da afectação real, relativo as aquisições de bens e serviços de utilização comum às atividades com ou sem direito à dedução, face a inviabilidade de determinação de critérios objectivos, tal como previsto no n.º 2 do mesmo artigo;

- Daqui decorre que o objecto deste tipo de contrato não é a transferência da propriedade, mas sim  a  cedência,  pela locadora do uso do bem, isto é, a locadora  obriga-se a prestar um serviço, traduzido na disponibilidade do bem em causa, recebendo em contrapartida, uma prestação,  sem prejuízo,  de  nele se poder  prever  a opção de compra,  no final do contrato, a favor do locatário, por um valor residual fixado por acordo das partes;

- Atenta esta qualificação jurídica, e transpondo-a para a perspectiva tributária, conclui-se que a locação financeira constitui uma prestação de serviços sujeita a imposto, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 4.º do CIVA, e é efectuada pelo sujeito passivo no âmbito duma actividade económica;

- No caso das operações de locação, dúvidas não restam de que a respectiva contrapartida se concretiza nas rendas auferidas pela entidade que assume a   posição contratual de locadora;

 - No entanto, não podemos abstrair-nos do facto dessas operações de locação (leasing e ALD) consubstanciarem uma modalidade de crédito, pelo que a actividade da entidade locadora é, em substância, a concessão de financiamento, cuja contrapartida remuneratória é constituída, essencialmente, por juros e outros encargos incluídos nas rendas.

- O facto do valor integral da renda, pago pelo locatário ao locador, constituir o valor tributável sobre o qual incidirá IVA não pode ser linearmente extrapolado,  tal não significa que a parte integrante da renda, correspondente a amortização financeira ou do capital tenha de ser incluída no cômputo do apuramento da percentagem de dedução, conjuntamente com a parte  correspondente  aos juros e outros encargos;

 - Desde logo porque a renda constitui o pagamento do serviço de concessão de financiamento ao locador, sendo composta por duas partes: capital ou amortização financeira, que mais não é que o reembolso da quantia "emprestada" e juros, acrescidos de eventuais encargos, que constituem a remuneração do locador;

 - Note-se que, na perspectiva da operação de locação enquanto operação de concessão de financiamento, o valor de aquisição do bem objecto de contrato de locação corresponde ao capital financiado que constitui a componente de amortização financeira na renda liquidada pelo locador ao locatário;

 - E é apenas aquele valor diferencial (que, genericamente, corresponde a juros) que se encontra conexo com os custos de aquisição de recursos utilizados indistintamente em operações com e sem direito à dedução;

 - Se assim não fosse, permitia-se um aumento artificial da percentagem de dedução do IVA incorrido com a generalidade dos bens ou serviços com utilização mista adquiridos pelo sujeito passivo;

 - Na  verdade, a componente de capital contida nas rendas não deve onerar o cálculo  da percentagem de dedução, uma vez que, não constitui rendimento da actividade do  sujeito passivo, ao invés do que sucede com as demais variáveis que integram a fórmula,  sendo que a sua consideração provocaria distorções significativas na tributação, também desvirtuaria o próprio método do pro rata e todos a sistema de dedução do IVA, ao  reconhecer como dedutíveis, custos que não contribuíram, para a realização de operações  tributadas;

- Não são todas as operações  tributadas e/ou  não tributadas que devem ser integradas na  fórmula,  mas  apenas  aquelas  que,  realizadas  no âmbito de  uma  actividade  económica realizada  pelo  sujeito  passivo,  tenham utilizado custos comuns para gerar valor acrescentado (no caso da locação financeira, advém da cedência do uso do bem objecto do contrato, através da qual o locador obtém rendimentos, sob a forma de juros).

 - Ora, resulta claro que consubstanciando a componente das rendas correspondente à amortização financeira, um mero reembolso de capital, que nesse sentido, não gera qualquer valor acrescentado, só a título muito diminuto é que os custos comuns suportados pelo locador numa operação de locação financeira, poderão contribuir para a sua realização.

L)            A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu o Ofício Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, com o seguinte teor:

Assunto: IVA - Direito à dedução Regras para a determinação do direito à dedução pelas instituições de crédito quando desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD 

Para conhecimento dos Serviços e de outros interessados, e tendo em vista divulgar a correcta interpretação a dar ao artigo 23º do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a actividade de Leasing ou de ALD, comunica-se que, por meu despacho de 2009.01.30, proferido na informação nº 106, de 19 de Janeiro de 2009, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, foi determinado o seguinte:

1.            O ofício circulado nº 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do SubdirectorGeral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23º do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correcto enquadramento das várias actividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afectação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista. 

2.            De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23º do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou pro rata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do pro rata conduza a distorções significativas na tributação (nº 3 artº 23º). 

3.            No caso de utilização da afectação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o n.º 2 do artigo 23.º, o sujeito passivo para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objectivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante. 

4.            Os critérios adoptados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação. 

5.            No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23.º do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução. 

6.            Face à anterior redacção do artigo 23º do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas. No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do nº 4 do artigo 23º do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um pro rata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real. 

7.            Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista. 

8.            Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

9.            Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA.

M)          A operação de aquisição de viaturas no âmbito da concessão de crédito com reserva de propriedade é efectuada através dos balcões do Banco e requer a intervenção da Direcção de Financiamento Automóvel, envolvendo a utilização de custos gerais de funcionamento do Banco.

 

 Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta e ainda com base na produção de prova testemunhal em audiência.

 

A testemunha inquirida referiu que a aquisição de viaturas aos stands automóveis pelo Banco e a concessão de crédito aos clientes para a sua aquisição constituem actividades distintas, implicando, por parte da instituição bancária, o contacto com os fornecedores dos veículos e a análise da documentação em vista à concessão de financiamento e à comunicação de entrega da viatura ao cliente. Acrescentou que existem 400 agências a que o cliente poderá dirigir-se para adquirir a viatura através de concessão de crédito, além de uma direcção de financiamento automóvel, com delegações no Porto, Golegã, Lisboa e Faro, além de um call center e bases de dados para simulação, registo da compra e venda das viaturas. A actividade de aquisição de veículos envolve a utilização de custos gerais, como seja, água, gás, eletricidade, sistema informático, telefones, fotocopiadoras e papel, que têm um peso relevante na atividade do banco. Não sendo fácil a afectação direta dos custos às diferentes atividades, sendo o exemplo paradigmático a situação os balcões.

               

A propósito da gestão de carteira própria de títulos, a testemunha, a interpelação do tribunal, referiu que existe um grupo de 30 pessoas em determinadas instalações do Banco que tomam decisões relativamente à liquidez que têm em excesso, colocando em obrigações, fundos de investimento e acções, de acordo com os critérios de risco que estão previstos.

 

                Matéria de direito

 

5. A Requerente é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras que realiza operações de financiamento e concessão de crédito, que se encontram isentas de IVA e não permitem o direito à dedução de imposto, e operações de locação financeira, que estão sujeitas e não isentas de IVA e conferem direito à dedução, sendo assim caracterizada para esse efeito como um sujeito passivo misto.

 

Conforme alega, no caso das operações de locação financeira, a Requerente celebra, primeiramente, com uma terceira entidade, um contrato de compra e venda do veículo pretendido pelo cliente, e, seguidamente, um contrato de mútuo com a cláusula de reserva de propriedade do veículo para garantir o pagamento integral do crédito. A operação de aquisição do veículo é tributada em IVA, por referência ao valor inicial da transação, e no âmbito dessa actividade a Requerente incorre em gastos gerais do funcionamento relativamente aos quais pode exercer o direito à dedução. Por outro lado, a contraprestação da locação financeira concretiza-se nas rendas que o locatário se obriga a pagar pela cedência dos bens locados e que integram uma parte correspondente a juros e outra a amortização financeira ou de capital.

 

No que se refere à gestão da carteira própria de títulos, a Requerente considera que identificou um critério objectivo para determinação do direito à dedução com base na afectação real, pelo que é possível excluir do denominador da fracção destinada a fixar a percentagem de dedução os valores relativos a essas operações.

 

A Administração Tributária entende que a aquisição de viaturas no âmbito da actividade de concessão de crédito com reserva de propriedade reconduz-se essencialmente a uma operação de financiamento e o IVA incorrido na transacção é já deduzido integralmente na alienação do veículo, pelo que a inclusão do valor da transmissão dos veículos no cálculo da percentagem de dedução, em aplicação do método pro rata, provocaria uma distorção significativa nas deduções relativas ao conjunto de transações que constituem actividade normal da instituição bancária.

 

Por outro lado, a desconsideração do valor das amortizações financeiras no cálculo da percentagem de dedução do IVA incorrido nos custos de utilização mista encontra-se justificada pelo facto de o valor integral da renda, nos contratos de locação financeira, incluir a amortização financeira, que se destina a assegurar o reembolso do capital e os juros, que integram propriamente a remuneração da operação de crédito, pelo que só esta última componente, correspondente ao rendimento da actividade do sujeito passivo, é que poderá ser incluída para o cálculo da dedução de IVA.

 

E no tocante à gestão da carteira própria de títulos, o método de dedução integral não é o adequado a aferir o montante de IVA dedutível.

 

Neste condicionalismo, no entender da Administração Tributária, justifica-se, em relação a qualquer dessas situações, o recurso a um coeficiente de imputação específico, como o previsto no ofício circulado n.º 30.103, em aplicação do disposto no artigo 23.º, n.º 3, do Código do IVA.

 

  A questão que vem colocada é, pois, a de saber se, na aplicação do método pro rata de dedução de imposto suportado nos bens e serviços de utilização mista, na actividade de locação financeira, devem ser considerados no numerador e no denominador da fracção de cálculo o valor da transmissão das viaturas, bem como o valor total da renda e não apenas a parte correspondente aos juros que constitui o proveito ou rendimento do locador.

 

6. O direito à dedução do imposto, disciplinado nos artigos 167.º a 192.º da Directiva IVA e, no direito interno, nos artigos 19.º a 25.º do Código do IVA, consiste essencialmente no direito de um sujeito passivo deduzir ao imposto incidente sobre uma certa operação tributável o imposto em que tenha incorrido na aquisição de bens ou serviços que se destinem à realização dessa operação.

Segundo a regra geral constante do artigo 168.º da Directiva, o IVA incorrido nas aquisições feitas por um sujeito passivo é dedutível na integralidade sempre que os bens ou serviços sejam utilizados “para os fins das suas operações tributadas”. Esse corresponde a um método de dedução de imputação directa, havendo de estabelecer-se para esse efeito um nexo directo entre uma dada operação activa e uma dada operação passiva.

Não sendo possível estabelecer esse nexo directo, como sucede quando as despesas com aquisições de bens ou serviços respeitam simultaneamente a operações tributadas e operações isentas de imposto – caso em que estaremos perante custos mistos – o direito à dedução encontra-se limitado nos termos do artigo 173.º da Directiva.

Esse preceito consagra em primeira linha o método pro rata, pelo qual relativamente a bens e serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações e, por conseguinte, apenas em relação a operações que originam o direito à dedução.

Entende-se, neste contexto, que o método pro rata assenta na presunção de que os custos mistos são utilizados nas operações que conferem direito à dedução na razão directa do valor que essas operações representam face ao volume total de negócios da empresa. É essa a regra de cálculo que se encontra vertida no artigo 174.º da Directiva: “o  pro rata de dedução resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes – (a) no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168.o e 169.o; (b) no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.

A presunção baseada na percentagem do valor das operações com direito a dedução em relação ao volume total de negócios é, todavia, afastada pelo critério da afectação real consignado na alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva, que permite que os Estados membros autorizem ou imponham que a dedução do IVA seja efectuada com base, não no volume de negócios, mas na efectiva utilização dos bens ou serviços.

Haverá assim de concluir-se que a Directiva IVA contempla três distintos métodos de cálculo da dedução. O método regra de imputação directa, que é aplicável aos custos directos, ou seja, aos custos associados a operações que conferem direito à dedução, o método pro rata relativamente aos custos mistos, que estão indistintamente associados a operações que conferem ou não conferem o direito de dedução, e, a título de excepção, o método de afectação real.

Não pode deixar de reconhecer-se, por outro lado, que a Directiva, no transcrito artigo 173.º, n.º 2, alínea c), confere aos Estados membros alguma margem de liberdade de conformação quanto à definição do critério de afectação real.

No direito interno, relativamente ao método de dedução aplicável a bens de utilização mista, releva o artigo 23.° do Código do IVA, que é do seguinte teor:

 

«1.      Quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetue transmissões de bens e prestações de serviços, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que deem lugar a dedução.

2.      Não obstante o disposto no número anterior, poderá o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, sem prejuízo de a Direção Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificarem distorções significativas na tributação.

3.      A administração fiscal pode obrigar o contribuinte a proceder de acordo com o disposto no número anterior:

a)      Quando o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas;

b)      Quando a aplicação do processo referido no n.° 1 conduza a distorções significativas na tributação.

4.      A percentagem de dedução específica referida no n.° 1 resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do artigo 19.° e n.° 1 do artigo 20.° e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do âmbito do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento.

 [...]».

A segunda das questões que se encontra em debate foi analisada pelo TJUE em reenvio prejudicial suscitado, em caso similar, pelo Supremo Tribunal de Justiça em que se concluiu que  o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva (a que corresponde o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Directiva 2006/112/CE) deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado membro obrigue um banco que exerce atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos (acórdão de 10 de Julho de 2014, no Processo n.º C-183/13 - Banco Mais).

 

O acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Lda (acórdão de 18 de Outubro de 2018, Processo n.º C-153/17) veio entretanto considerar que não se pode deduzir do raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça a propósito das operações de locação financeira em causa no processo que deu origem ao acórdão de 10 de julho de 2014, que o artigo 173.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva IVA permite aos Estados-Membros, de modo geral, aplicarem a todos os tipos de operações semelhantes para o sector automóvel um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega (§ 56). Acrescentando que sempre que as modalidades de cálculo da dedução não tenham em conta uma afectação real e significativa de uma parte dos custos gerais a operações que confiram direito à dedução, não pode considerar-se que tais modalidades reflictam objectivamente a parte real das despesas efetuadas com a aquisição dos bens e dos serviços de utilização mista que pode ser imputada a essas operações. Por conseguinte, tais modalidades não são suscetíveis de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios (§ 57).

 

Vindo a concluir - com a reserva de que cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar se o método de cálculo pro rata tem em conta a afectação real e significativa de uma parte dos custos gerais para efeitos das operações que conferem direito à dedução – nos seguintes termos:

 

Os artigos 168.o e 173.o, n.o 2, alínea c), da Directiva IVA devem ser interpretados no sentido de que, por um lado, mesmo quando os custos gerais relativos às operações de locação financeira de bens móveis, como as que estão em causa no processo principal, não sejam repercutidos no montante devido pelo cliente pela disponibilização do bem em causa, ou seja, na parte tributável da operação, mas no montante dos juros devidos a título da parte «financiamento» da operação, ou seja, na parte isenta da operação, esses custos gerais devem ser considerados, para efeitos do IVA, como um elemento constitutivo do preço dessa disponibilização e, por outro lado, que os Estados membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.

 

7. Revertendo à legislação nacional, parece não haver dúvidas que o artigo 23.º, n.º 1, alínea b), consagra o método pro rata para a dedução do IVA para sujeitos passivos mistos, estabelecendo no n.º 4 o cálculo da percentagem de dedução. Por outro lado, nos termos do n.º 2, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, o que corresponde à aplicação de um método de dedução alternativo baseado na afectação real em função da efectiva utilização dos bens. Para esta última hipótese, esse n.º 2 prevê igualmente que a Administração possa impor condições especiais ao método de afectação real e fazer cessar o procedimento quando se verifiquem distorções significativas na tributação. E nos termos da alínea b) do n.º 3, a Administração pode também obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o método de afectação real quando a aplicação do método pro rata possa conduzir a distorções significativas na tributação.

Por outro lado, com base na jurisprudência do TJUE, não pode deixar de reconhecer-se que as disposições conjugadas dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º correspondem, em substância, à regra de determinação do direito de dedução a que se refere o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da sexta Directiva (artigo 173.º, n.º 2, da Directiva 2006/112/CE), contemplando a possibilidade de, por iniciativa do sujeito passivo ou por impulso da Administração, vir a ser adoptado o método de afectação real para a dedução do imposto relativamente a bens de utilização mista. E é também ponto assente que o n.º 2 permite que a Administração, através do controlo dos critérios utilizados pelo sujeito passivo na aplicação do método de afectação real, possa impor condições especiais, que, na prática, poderão traduzir-se na aplicação de um critério de pro rata mitigado ou um critério de afectação real ad hoc que permita precisar melhor o grau de utilização dos bens de uso misto de uma empresa.

Nesse mesmo sentido se pronunciou o STA, no acórdão de  3 de junho de 2015 (Processo n.º 970/23), onde se refere que “a norma do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, ao permitir que Administração Tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA - artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da sexta Directiva -, quando ali se estabelece que, “todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços”.

O coeficiente específico que permite calcular a percentagem de dedução apenas com base no montante anual de juros veio a ser introduzido pelo Ofício Circulado n.º 30108, de 30 da janeiro de 2009, pelo qual, a Administração Tributária, tendo concluído, relativamente às instituições de crédito que desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD, que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA pode conduzir a “distorções significativas na tributação” determinou, no uso da faculdade prevista no artigo 23.º, n.º 3, que esses sujeitos passivos passassem a utilizar a afectação real.

Segundo os pontos 8 e 9 do Ofício Circulado, a afectação real poderá fazer-se das duas seguintes formas: (a) se for possível, faz-se a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades; (b) se não for possível aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.

 

O Ofício Circulado não faz expressa menção à situação em que esteja em causa, no cálculo da percentagem de dedução do IVA incorrido nos recursos de utilização mista, o valor da transmissão das viaturas com reserva de propriedade, mas a Autoridade Tributária, na apreciação do caso concreto, entendeu ser igualmente aplicável o entendimento expresso nessa orientação genérica, por considerar que, também nesse caso, a aplicação do método pro rata em sentido estrito conduziria a vantagens injustificadas implicando distorções significativas na tributação.

 

8. Como se deixou entrever, a disposição do artigo 23.º, n.º 3, do Código do IVA, ao abrigo da qual veio a ser emitido o Ofício Circulado n.º 30103, permite à Administração Tributária afastar o método pro rata, em relação a bens ou serviços de utilização mista, quando a aplicação desse critério de imputação possa conduzir a distorções significativas na tributação, caso em que poderá impor o método da afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

 

Relativamente aos sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, o Ofício Circulado prevê a utilização de um coeficiente de imputação específico em que deve ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos a essa actividade, com exclusão da fórmula de cálculo da percentagem de dedução que resulta do n.º 4 do artigo 23.º

 

O acórdão Banco Mais, a que se fez alusão, veio admitir que os Estados membros possam obrigar um banco que exerce atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas correspondente aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos. Para justificar essa solução, o TJUE considerou decisivo que os custos mistos se encontrem preponderantemente relacionados com o financiamento e a gestão dos contratos de locação financeira e não com a aquisição e disponibilização de veículos, deixando a apreciação dessa questão factual ao órgão jurisdicional nacional.

 

                Sobre a questão de saber se as diferentes operações relativas a prestações de locação financeira, como seja a concessão de financiamento e a disponibilização de veículos, devem ser tratadas como operações distintas tributáveis separadamente ou como uma única prestação económica indissociável, assume especial relevo o também citado acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd.

 

Nesse caso, do ponto de vista do cálculo do pro rata para a dedução do IVA no caso de bens e serviços de utilização mista, o Tribunal de Justiça considerou relevante o facto de os custos gerais em causa terem uma relação directa e imediata com a totalidade das actividades da empresa, e não apenas com algumas delas, vindo a concluir que os custos gerais quando tenham sido realmente efectuados, pelo menos em parte, em vista a aquisição e disponibilização de veículos enquanto operações tributáveis, integram os elementos constitutivos do preço dessas operações, havendo lugar ao direito à dedução do IVA.

 

Isso significa, como deixou bem claro o TJUE, que não se pode deduzir do entendimento expresso no acórdão Banco Mais que o artigo 173.o, n.o 2, alínea c), da Directiva IVA permite aos Estados membros, de maneira geral, aplicarem a todas as operações de locação financeira um método de repartição que não tenha em conta o valor do veículo aquando da sua entrega.

 

9. À luz do critério de repartição do ónus da prova que resulta do disposto no artigo 74.º da LGT, “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”. Na situação em análise, pretendendo a Administração Tributária recorrer a um método de imputação específico com a invocação de que o método regra, no caso concreto, é susceptível de provocar distorções significativas na tributação, cabe-lhe efectuar a prova da existência do risco de distorção. Pretendendo o sujeito passivo incluir a componente amortização na percentagem de dedução pro rata, incumbe-lhe demonstrar que os custos gerais também são consumidos, pelo menos em parte significativa, na realização das operações de locação financeira. Do mesmo modo que lhe cabe fazer a prova, para esse mesmo efeito, de que os custos gerais aproveitam à actividade de aquisição de veículos com reserva de propriedade.

 

No caso em presença, a Administração Tributária justifica a desconsideração do valor da transmissão dos veículos e do valor das amortizações financeiras nos contratos de locação financeira, para efeito do cálculo da percentagem de dedução dos custos gerais, com base numa mesma ordem de considerações.

 

No tocante ao valor da transmissão das viaturas, entende que as operações de aquisição de bens e ulterior alienação aos clientes corresponde essencialmente a uma concessão de crédito em vista ao financiamento da aquisição dos bens, tendo como contrapartida o pagamento de juros e outros encargos associados ao crédito, constituindo a cláusula de reserva de propriedade uma garantia do valor do crédito concedido.

 

Por outro lado, a Requerente deduz integralmente o IVA incorrido a montante na aquisição dos veículos na operação passiva de alienação aos clientes, por via do mecanismo de imputação directa previsto no artigo 20.º do Código do IVA, pelo que o valor da transmissão, correspondendo ao crédito concedido, não deve ser incluído no cômputo do coeficiente de imputação resultante do método de afectação real, sob pena de aumentar injustificadamente a percentagem de dedução e gerar uma situação de desigualdade de tratamento em sede de IVA. Assim se concluindo que a inclusão do valor dessas operações no cálculo da percentagem de dedução proporciona uma distorção significativa da tributação relativamente ao conjunto de transações que são objecto de actividade normal do banco, produzindo um aumento artificial do seu coeficiente de imputação específico.

 

No que se refere às amortizações financeiras, a Autoridade Tributária defende, em idênticos termos, que a locação financeira, constituindo uma prestação de serviços sujeita a imposto, consubstancia uma modalidade de crédito, cuja contrapartida é constituída pelos juros e outros encargos que se incluem no valor total da renda. Sendo a renda composta pelo capital ou amortização financeira, que corresponde ao reembolso do crédito concedido, e os juros e outros encargos, que representam a remuneração do locador, a componente de capital deve ser excluída do cálculo da percentagem de dedução uma vez que não constitui rendimento da actividade do sujeito passivo.

 

Assim sendo, só o diferencial correspondente aos juros é que se encontra conexo com os custos gerais utilizados indistintamente nas operações tributadas e isentas de imposto, uma vez que através do método de imputação directa o IVA é integralmente deduzido na parte relativa ao capital no momento da alienação dos veículos aos clientes. De outro modo, havia lugar a um aumento artificial da percentagem de dedução relativa a bens de utilização mista com o consequente efeito de distorção na tributação.

 

10. Na aproximação à solução do caso, importa responder, face à prova produzida, à questão de saber se a inclusão do valor da transmissão dos veículos e da amortização financeira no cálculo de percentagem do pro rata provoca uma distorção significativa na tributação que justifique o recurso ao método por afectação real, nos termos do artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, do Código do IVA.

 

E, nesse plano de análise, importa fazer notar que o que está em causa é a aplicação de um método de dedução circunscrito aos custos gerais que são utilizados em operações tributadas e operações isentas de imposto, sendo irrelevante, desse ponto de vista, que na operação tributada o sujeito passivo tenha já tido possibilidade de exercer o direito de dedução do IVA.

 

A circunstância de haver lugar à dedução do imposto incorrido na aquisição dos veículos não justifica por si só a distorção na tributação, quando os custos gerais utilizados em operações tributáveis e não tributáveis entrem na dedução pelo método pro rata, visto que estamos perante métodos de dedução com diferentes campos aplicativos. Num caso, opera a imputação directa, a que se refere o artigo 20.º do Código e, noutro caso, o método de dedução relativa a bens de utilização mista, constante do artigo 23.º. E não se afigura que o sistema de dedução de IVA aplicável nesta última hipótese fique desvirtuado se se reconhecerem como dedutíveis custos que sejam tidos como afectos indistintamente a operações tributadas e a operações isentas.

 

O que interessa considerar, neste contexto, é se o contrato de locação financeira de automóveis poderá ser tido essencialmente como um contrato de concessão de crédito ou é composto por prestações distintas que se traduzam na disponibilização de um veículo e no financiamento da aquisição, a ponto de se poder entender que os custos gerais que tenham sido realizados possam ser imputáveis em certa medida à actividade de aquisição e disponibilização de veículos.

 

Na situação do caso, a prova produzida em audiência aponta consistentemente no sentido de que a aquisição de viaturas aos stands pelo banco e a concessão de crédito aos clientes para a disponibilização da viatura correspondem a actividades distintas. Como foi referido, o cliente negoceia com o stand a aquisição da viatura e dirige-se à agência bancária, informando as condições da transacção, podendo ser utilizados dois procedimentos distintos com diferente regime de custos consoante o grau de urgência na aquisição do veículo. O banco examina a documentação e encaminha o expediente para a direcção de financiamento automóvel, que contrata com o fornecedor a aquisição da viatura por parte do banco e o autoriza a entregá-la ao cliente.  Existem cerca de 400 balcões do A... a que os clientes se podem dirigir para obter o financiamento, além de quatro delegações da direcção de financiamento automóvel, com sede no Porto, Golegã, Lisboa e Faro, bem como um call center e bases de dados para simulação, registo da compra e venda das viaturas, cujo o funcionamento implica custos  gerais de serviços. Os custos imputáveis aos procedimentos de negociação da aquisição da viatura aos stands e a sua venda e disponibilização ao cliente têm um peso relevante nos custos gerais do banco, não sendo fácil a afectação directa dos custos às diferentes atividades de concessão de crédito e disponibilização de viaturas.

 

Deste modo, um balcão poderá estar a realizar simultaneamente a actividade de preparação da aquisição, transmissão e disponibilização do veículo a um cliente e a actividade de preparação da concessão de crédito, não sendo possível determinar, com objectividade, o grau de utilização dos recursos em cada uma dessas actividades, e não sendo possível também recorrer, nesse condicionalismo, a um método de afectação real assente em critérios objectivos.

 

 Havendo de concluir-se, face à prova produzida, que os custos gerais se reportam a bens e serviços utilizados para efectuar tanto operações que conferem direito à dedução como operações que não conferem direito à dedução, deve ser estabelecido um pro rata de dedução, em conformidade com as disposições relevantes da Directiva IVA, na linha do entendimento expresso no acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd. E, nesse sentido, é de entender que os custos gerais relativos às operações de locação financeira de bens móveis devem ser considerados, para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado, como um elemento constitutivo do preço da disponibilização dos veículos, não podendo ser aplicado um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é susceptível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.

 

Por outro lado, essa proposição mostra-se ser válida, quer para o valor da transmissão das viaturas no âmbito da actividade de concessão de crédito com reserva de propriedade, quer para o valor das amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira.

 

O pedido arbitral é, assim, procedente em relação aos dois aspectos agora analisados.

 

11. Acresce que, tratando-se de um erro de direito na liquidação, o prazo aplicável para o exercício do direito à dedução ou o reembolso do imposto pago em excesso é de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou o pagamento em excesso do imposto, nos termos previsto no artigo 98.º, n.º 2, do Código do IVA (cfr. acórdão do STA de 28 de Junho de 2017, Processo n.º 01427/14).

 

E, tal como se decidiu no acórdão proferido no Processo n.º 28/2017-T, em que se entendeu que a aplicação de um prazo de quatro anos para exercer a regularização de IVA a favor do sujeito passivo, está conforme com o princípio da efectividade e da neutralidade fiscal, é de afastar, por violação desses princípios e do princípio da proporcionalidade, que a regularização do direito à dedução possa ser exercida apenas dentro do prazo previsto no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA.

 

Tendo a Requerente apresentado declaração periódica de IVA relativa ao mês de Dezembro de 2017, em 9 de fevereiro de 2015, e deduzido reclamação graciosa, requerendo a anulação parcial da autoliquidação de IVA, em 28 de Maio de 2018, exerceu o direito à regularização da dedução ainda dentro do prazo de quatro anos a contar do momento em que o direito podia ser exercido, pelo que a Administração não podia desconsiderar a correcção pretendida com fundamento em intempestividade.

 

12. No que se refere à gestão da carteira própria de títulos, a Requerente invoca que essa actividade se limita a consumir um conjunto muito limitado e bem definido de recursos ao nível dos serviços centrais, que torna justificável a adopção do método da afectação real integral para os recursos afectos a essa área,  com  a consequente desconsideração para determinação da percentagem de dedução através método geral de dedução. Nesse sentido, a Requerente pretende subtrair ao denominador da fracção destinada a fixar a percentagem de dedução, nos termos do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, os valores relativos às operações de gestão de carteira própria de títulos, no pressuposto de que os custos gerais não aproveitam ao exercício dessa actividade, sendo esse o fundamento para o aumento percentual de 1% na dedução do IVA.

 

Tendo presente as regras do direito probatório material que resultam do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, é ao sujeito passivo que cabe o ónus de prova dos factos que alega como fundamento do direito de dedução do imposto em percentagem superior à que constava da declaração periódica, já que é com base nessa factualidade que poderá fundar-se a ilegalidade da autoliquidação em IVA e a regularização do imposto a deduzir (neste sentido, em situação similar, o acórdão do STA de 15 de Novembro de 2017, Processo n.º 0485/17).

 

No caso, a Requerente não especifica com suficiência o critério objectivo de imputação dos recursos exclusivos e de utilização de bens de utilização mista de que deva resultar a não inclusão, na percentagem de dedução, dos valores relativos às operações de gestão da carteira própria de títulos. E, por outro lado, não faz prova bastante, documental ou testemunhal, da tipologia de recursos que foram exclusivamente afectos à gestão de carteira própria de títulos e do condicionalismo que possa justificar que as despesas gerais inerentes à sua actividade económica não se refectem naquela específica área de actuação.

 

No plano alegatório, a Requerente apenas refere que, no tocante à utilização dos recursos de utilização mista, há que efectuar uma distinção entre a actividade de banca comercial, que tem por base a rede de balcões e concentra a maioria dos consumos de bens de utilização mista adquiridos, e a actividade de gestão da carteira própria de títulos que apenas gera custos ao nível das diversas direcções centrais que intervêm nessa área e se encontram identificadas (artigos 78.º e 81.º).

 

Por outro lado, a testemunha ouvida em audiência apenas menciona que existe um grupo de 30 pessoas em certas instalações do Banco que tomam decisões relativamente à liquidez em excesso, mediante a aplicação em obrigações, fundos de investimento ou participações sociais,  não se podendo extrair desse depoimento a ilação de que existe uma conexão directa e exclusiva entre determinadas aquisições de bens e serviços e as operações de gestão de carteira própria de títulos e que essas aquisições não se enquadram nos gastos gerais do Banco.

 

Pelo exposto, o pedido arbitral mostra-se ser improcedente neste ponto.

 

Vício de conhecimento prejudicado

 

13. Face às soluções encontradas quanto às questões de direito, fica prejudicado o conhecimento do vício de violação de lei alegadamente apontado ao coeficiente de imputação específico definido pelo Ofício-circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009.

 

Juros indemnizatórios

 

14. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

Há assim lugar, na sequência da procedência parcial do pedido, ao pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

Reenvio prejudicial

 

15. A Requerente solicita o reenvio prejudicial para o TJUE, a título subsidiário, caso subsistam dúvidas quanto à interpretação da Directiva do IVA quanto à consideração do valor da transmissão das viaturas relativas à actividade de concessão de crédito com reserva de propriedade e do valor das amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira para efeito do cálculo da percentagem de dedução do IVA incorrido em custos de utilização mista.

 

Tendo o tribunal adoptado solução consonante com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, e não subsistindo dúvidas interpretativas sobre a questão essencial que é colocada no processo, entende-se não se justificar o requerido reenvio.

 

III – Decisão

 

Termos em que se decide

 

a) Julgar procedente o pedido arbitral e, consequentemente, anular a liquidação de IVA efectuada na declaração periódica referente a Dezembro de 2016, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra ela deduzida, no que se refere à consideração do valor da transmissão das viaturas relativas à actividade de concessão de crédito com reserva de propriedade e do valor das amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira;

b) Julgar improcedente o pedido arbitral no que se refere à actividade de gestão de carteira própria de títulos;

c) Na sequência da procedência parcial do pedido, condenar a Autoridade Tributária no pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido até ao respectivo reembolso.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 4.794.054,45, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 60.282,00, que fica a cargo da Requerente e da Requerida na percentagem de 5% e 95%, respectivamente.

 

Notifique.

 

Lisboa, 20 de Dezembro de 2019

  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

Sérgio Vasques

 

O Árbitro vogal

Eduardo Paz Ferreira

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Admitindo embora a complexidade do tema em discussão no processo, não consigo acompanhar o sentido da decisão do colectivo no tocante ao tratamento das operações de leasing automóvel e venda com reserva de propriedade levadas a cabo pela Requerente.

Acredito que a decisão vai em sentido condizente com a jurisprudência do TJUE, ao admitir que o coeficiente de imputação específico empregue pela AT pode ser reconduzido às normas que, na Directiva IVA e no nosso Código, consagram o método da afectação real, relativamente ao qual possuem grande margem de liberdade os Estados Membros.

Estando essa liberdade subordinada à obtenção de resultados mais precisos que o método do pro rata, porém, tudo está em ajuizar da precisão dos critérios de imputação empregues pela administração, atentos eventuais riscos de distorção da neutralidade do imposto, e do aproveitamento real dos custos mistos que é feito pelos sujeitos passivos.

No caso presente, julgo confirmado o risco de distorção da neutralidade do imposto que a AT invoca como fundamento para a aplicação de um coeficiente de imputação específico. A integração no pro rata do valor das operações de venda de automóveis e da componente de amortização das rendas de leasing produz um aumento muito significativo do direito à dedução — de 7% para 26% — sem que o aproveitamento dos recursos mistos em jogo possa verdadeiramente presumir-se feito na mesma proporção. Da integração no pro rata do valor destas operações julgo poder resultar uma subversão do direito à dedução e a distorção da concorrência face às instituições de crédito que não se dediquem em simultâneo à actividade do leasing automóvel/crédito automóvel. Acredito existir, por isso, fundamento para a aplicação de um coeficiente de imputação específico a estas entidades.

A aplicação de um coeficiente com esses contornos deve ceder quando o sujeito passivo seja capaz de demonstrar que o aproveitamento dos custos mistos em jogo não é feito “sobretudo” pela actividade de financiamento mas pelas operações de locação/venda em si mesmas, como o diz o TJUE nos acórdãos Banco Mais e VW Financial Services.

Não me parece, contudo, que essa prova tenha sido feita de forma cabal no processo.

Por um lado, o sujeito passivo não segrega nem quantifica os custos mistos em jogo a ponto que permita concluir pelo grau de aproveitamento que deles é feito na sua actividade de leasing/crédito automóvel. Por outro lado, podendo embora admitir-se que uma parte dos custos mistos seja aproveitada por este seu ramo de actividade, nada sugere que os custos referidos sejam aproveitados de forma relevante pelas operações/componente de venda dos automóveis em si mesmas, parecendo mais seguro admitir antes que o sejam “sobretudo” pelas operações/componente de financiamento, que constitui o negócio central desta instituição de crédito e de onde ela retirará o essencial da sua margem de lucro.

Acredito, em suma, que o esforço de prova exigível aos sujeitos passivos nestes casos deve ser condizente com o risco de distorção da neutralidade e de subversão do direito à dedução a que a aplicação do pro rata na sua forma simples pode conduzir.

 

Sérgio Vasques