Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 5/2019-T
Data da decisão: 2019-07-14  IRC  
Valor do pedido: € 31.027,43
Tema: IRC – Categoria G – Mais-valias – Liquidação corretiva – Caducidade.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

 

1. A..., contribuinte n.º ... e B..., contribuinte n.º..., casados, com residência na ..., n.º..., ...-... ..., notificados do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2018... e da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2018..., relativos ao ano de 2013, no montante de € 31.027,43, vêm, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral, em que figura como Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

2. O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 03-01-2019, visa a declaração de ilegalidade da referida liquidação, com a sua consequente anulação, invocando, para tanto, a ocorrência de caducidade do direito à liquidação do imposto em causa, bem como a pretensa elisão da presunção legal que, segundo entendem, se contém no artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRS.

 

3. Em resposta ao que vem solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, expressando entendimento no sentido de dever manter-se na ordem jurídica o ato impugnado e, em conformidade, dever o tribunal pronunciar-se pela absolvição da entidade requerida.

 

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

5. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro.

 

6. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, tendo, oportunamente, notificado as partes.

 

7. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

8. Pelo que em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 18-03-2019.

 

9. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas Partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

10. Assim, por despacho de 22-05-2019, objeto de oportuna notificação, foi decidido, salvo oposição das Partes, dispensar a referida reunião, sendo concedido um prazo de 20 dias para apresentação de alegações escritas.

 

11. Apenas a Requerente apresentou alegações escritas, no essencial reafirmando a posição já anteriormente expressa na sua petição.

 

II. Saneamento

 

12. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

 

13. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).

 

14. O processo não enferma de vícios que o invalidem e não foram suscitadas questões que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

III. Matéria de facto

 

15. Com base nos elementos documentais que integram o presente processo destacam-se os seguintes elementos factuais que, não sendo contestados pelas Partes, se consideram inteiramente provados:

 

15.1. Por escritura pública datada de 30-12-2010, C... e D..., doaram à sua filha A..., ora Requerente, por conta da sua quota disponível, a fração autónoma designada pela letra “O”, correspondente ao sétimo andar esquerdo do prédio urbano, sito na ..., n.º..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número .../... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... (cfr. Doc.8).

 

15.2. À data da celebração da escritura pública de doação, o imóvel em causa tinha o valor patrimonial tributário (VPT) de € 334,46.

 

15.3. Estando em causa uma primeira transmissão ocorrida após a entrada em vigor do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), o prédio doado foi objeto de avaliação, nos termos do disposto no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12/11, na redação então em vigor, sendo-lhe atribuído o valor patrimonial tributário de € 73 300,00.

 

15.4. A doação beneficiou de isenção de Imposto do Selo, ao abrigo do artigo 6.º, alínea e), do respetivo Código.

 

15.5. Em Agosto de 2013, os Requerentes alienaram a supra identificada fração autónoma pelo preço de € 160 000,00.

 

15.6. Em 01-06-2014, os Requerentes apresentaram a declaração periódica de rendimentos – declaração modelo 3 do IRS – relativa ao ano de 2013, declarando, no respetivo anexo G, a alienação onerosa do imóvel, indicando como valor de aquisição € 148 000,00 e € 160 000,00, como valor de realização.

 

15.7. Foi, ainda, declarado como despesa dedutível, nos termos do disposto no artigo 51.º do Código do IRS, a importância de € 9 840,00 relativa a encargos suportados com a alienação do imóvel.

 

15.8. Da mesma declaração (Anexo G) consta como data de aquisição o mês de Julho de 2013.

 

15.9. Operada com base nos elementos declarados, foi efetuada a liquidação n.º 2014..., sendo apurada a importância a reembolsar de € 1 358,05.

 

15.10. Em 19-06-2014, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) instaurou um processo de divergências visando a comprovação dos valores declarados no anexo G da declaração modelo 3 de IRS do ano de 2013.

 

15.11. No âmbito do referido procedimento de comprovação de valores, a AT notificou os ora Requerentes para apresentarem os documentos comprovativos dos elementos declarados e para exercerem o direito de audição prévia relativamente às alterações propostas na declaração oficiosa entretanto elaborada, em que, designadamente, é considerada a alteração do valor de aquisição de € 148 000,00 para € 334,06 e a não consideração das despesas declaradas relativas à aquisição e alienação.

 

15.12. Da declaração oficiosa, recolhida em 21-11-2014, resultou a liquidação adicional de IRS e de juros compensatórios n.º 2014..., de 10 de Dezembro seguinte, no montante global de € 34 040,02.

 

15.13. Em 11-02-2015, os Requerentes deduziram reclamação graciosa contra o ato de liquidação visando a correção da data de aquisição do imóvel para Dezembro de 2010 e do valor de aquisição para € 73 000,00, sendo, em 16 do mesmo mês, instaurado o processo de reclamação n.º... .

 

15.14. A reclamação graciosa foi deferida parcialmente, no sentido de ser considerada a data de 30-12-2010 – data da celebração da escritura de doação - como data de aquisição do imóvel, mas mantendo o valor de aquisição fixado em € 334,46, em virtude de ser este o valor patrimonial tributário nos dois anos anteriores à doação, em obediência ao disposto no artigo 45º, nº 3, do CIRS.

 

15.15. Inconformados com a referida decisão de deferimento parcial, os Requerentes, em 03-01-2019, solicitaram a constituição do tribunal arbitral, tendo sido instaurado o processo nº 533/2015-T.

 

15.16. Como fundamento do seu pedido, que seria aceite em 07-09-2016, os Requerentes alegaram, em síntese:

 

(i) a ilegalidade do ato de liquidação, por preterição de formalidade legal essencial em consequência da violação do artigo 60º, n.º1, alínea a) da LGT, sustentando que nunca chegaram a ser notificados para exercerem o seu direito de audição relativamente às correções que originaram os atos tributários impugnados;

 

(ii) a ilegalidade do ato de liquidação de IRS e de juros compensatórios por falta de fundamentação, decorrente da violação dos artigos 268º, n.º3 da CRP e artigo 77º LGT;

 

(iii) a ilegalidade do ato de liquidação por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, designadamente, por não ter sido considerada a possibilidade de elisão da presunção contida na norma do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRS.

 

15.17. Por decisão arbitral de 05-11-2016, foi julgado “procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação, com todos os efeitos legais, dos atos de liquidação identificados nos autos.”

 

15.18. Porém, esta decisão não transitou em julgado, sendo objeto de impugnação pela Autoridade Tributária e Aduaneira, ao abrigo do preceituado no artigo 27.º e das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT, com os seguintes fundamentos:

 

(i) não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; e de

 

(ii) omissão de pronúncia, nos termos do disposto nas alínea a) e c) do n°1 do artigo 28° do RJAT, vícios que constituem causas de nulidade da decisão impugnada, nos termos do disposto no artigo 125.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e nos artigos 195.°, n.°1 e 615.° do Código de Processo Civil (CPC).

 

15.19. Por acórdão de 12-12-2017, o Tribunal Central Administrativo Sul [i] julgou procedente a impugnação, considerando que “...verifica-se efetivamente a invocada falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.

Na realidade, a decisão arbitral em crise não procedeu à especificação dos factos provados e não provados, não efetuou a análise crítica da prova, e nada concluiu sobre a matéria de facto a subsumir às disposições legais aplicáveis.

O que importa a nulidade da decisão ora impugnada, por força da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.° do CPC e a procedência da presente Impugnação. Ficam, assim, prejudicados os restantes fundamentos da presente impugnação.”

 

15.20. Em 09-04-2018, na sequência deste acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, foi  proferida nova decisão [ii], tendo o Tribunal  Arbitral, considerado verificar-se “(...) o vício de forma arguido pelos Requerentes, atenta a violação do disposto no artigo 60.º da LGT, devendo, em consequência, ser anulada a liquidação objeto do presente processo arbitral, bem como os atos que pressupõem a respetiva validade, designadamente a liquidação de juros compensatórios e a decisão do procedimento de reclamação graciosa, procedendo o pedido arbitral formulado.

Face ao decidido, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas pelos Requerentes.”

 

15.21. Em 10-04-2018 foi a Autoridade Tributária e Aduaneira notificada da decisão arbitral supra referida que, não sendo impugnada, transitou em julgado em 14-05-2018.

 

15.22. Sendo a decisão arbitral fundamentada exclusivamente em preterição de formalidade legal de audição prévia, o Serviço de Finanças, em execução da mesma, procedeu à anulação da liquidação inicial promovendo novo procedimento de liquidação, expurgado do vício de forma que fundamentou a decisão arbitral.

 

15.23. No âmbito deste procedimento, o referido Serviço de Finanças enviou, para efeitos de exercício do direito de audição prévia, o oficio n.º .../2018, de 15-06-2018, dando conhecimento aos Requerentes das incorreções consideradas contidas na declaração por eles apresentada, da obrigação de apresentarem documentos comprovativos dos montantes e datas declaradas no anexo G bem como  da intenção de proceder à sua correção, com indicação do seu exato sentido.

 

15.24. Em 29-06-2018, os Requerentes, no exercício do referido direito, alegaram:

“- Caducidade do direito à liquidação do imposto por a liquidação não ter sido validamente notificada aos sujeitos passivos no prazo de quatro anos;

- Em resultado do procedimento de inspeção, relativamente a IRS e ao ano de 2013 foi notificado da liquidação nº 2014... e deduziu reclamação graciosa;

- A documentação comprovativa dos valores declarados na modelo 3 de IRS, já foi apresentada no âmbito da reclamação referida a qual obteve deferimento parcial;

- Por não se conformar com o resultado da reclamação graciosa apresentou um pedido de pronúncia arbitral (Proc. nº 533/2015-T do CAAD) o qual foi julgado integralmente procedente e, em consequência foi determinada a anulação da liquidação nº 2014..., bem como o despacho, datado de 05 de Maio de 2015 que indeferiu parcialmente a reclamação graciosa;

- Acresce que a AT deverá abster-se de iniciar novo procedimento de inspeção do mesmo imposto e sobre o mesmo período.”

 

15.25. Da análise dos elementos fornecidos pelos Requerentes, designadamente documentos apresentados - escritura de doação de 30-12-2010, título de Compra e Venda de 30-08-2013 e fatura respeitante à comissão paga à Imobiliária emitida em 29-08-2013 – os Serviços Tributários, em 03-07-2018, elaboraram o competente documento de correção n.º..., nele fazendo referência à decisão arbitral proferida no proc. 533/2015-T.

 

15.26. No referido documentos – Anexo G da declaração oficiosa – foram considerados os seguintes elementos, relevantes para a liquidação:

- Data da realização (Título de Compra e Venda – 2013-08);

- Valor de realização de € 160.000,00, nos termos do art.º 44.º do CIRS;

- Data da aquisição: data da doação do imóvel – 2010-12);

- Valor de aquisição: considerado o valor patrimonial tributário (VPT) de € 334,46 constante da matriz até aos dois anos anteriores à doação, nos termos do n.º 3 do art.º 45.º do CIRS;

- Despesas com a alienação do imóvel no valor de € 9.840,00, nos termos do art.º 51.º do CIRS.

 

15.27. Em 01-10-2018, com base nos elementos acima referidos, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2018..., referente ao ano de 2013, no valor a pagar de € 31 027,43, notificada aos Requerentes em 9 do mesmo mês (cfr. Doc. 1).

 

16. Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos ao processo, não existindo, com relevo para a decisão, factos que devam considerar-se como não provados.

II. Matéria de direito

 

17. No pedido de pronúncia arbitral, os Requerentes submetem à apreciação deste tribunal a legalidade do ato de liquidação de IRS efetuado em 01-10-2018 – Liquidação n.º 2018... e Demonstração de acerto de contas n.º 2018... – no montante de € 31 027,43 - referente ao ano de 2013, invocando, no essencial, a caducidade do direito à liquidação do imposto, bem como a elisão da presunção legal implícita no artigo 45º, nº 3 do Código do IRS.

 

18. Pronunciando-se sobre o pedido e fundamentação que o suporta, considera a Requerida que não assiste razão aos Requerentes pelo que deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronuncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação impugnados, absolvendo-se, em conformidade, a entidade Requerida do pedido.

 

19. Para tanto, no que concerne à alegada caducidade do direito à liquidação, a Requerida sustenta, em termos conclusivos, que “ o ato de liquidação em causa não padece de caducidade dado que o mesmo foi consequente com a decisão de anulação da liquidação de IRS do ano de 2013, proferida em sede do processo nº 533/2015-T do CAAD, tendo sido praticado dentro do prazo dos 90 dias seguintes à notificação da decisão de anulação, ocorrida em 2018/04/10, através da recolha de declaração em 2018/07/03, subsequente ao ato do exercício do direito de audição, conforme resulta do disposto no artigo 175º, nºs 1 e 3 do CPTA.”

 

20. No que respeita à elisão da presunção que, segundo alegam os Requerentes, estará implícita no artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRS, considera a Requerida que a norma em causa não se enquadra na definição legal de presunção, porquanto o legislador não ficciona a existência de qualquer valor que resulte na quantificação de rendimentos presumidos, nem determina a prevalência de determinado valor em detrimento de outro. Assim concluindo que “Na verdade, a norma apenas se refere a um valor concreto, que é o valor patrimonial tributário constante da matriz até aos dois anos anteriores à doação, sendo esta uma regra especial, que visou por termo a uma manobra de planeamento fiscal.”

 

21. Sendo, pois, alegados na petição que originou o presente processo o vício de caducidade do direito à liquidação e errado apuramento do valor de aquisição do imóvel para efeitos de determinação do rendimento tributável, importa definir-se, desde logo, a ordem de apreciação dos vícios.

 

Da ordem de apreciação dos vícios

 

22. De acordo com o disposto no artigo 124.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 29/01, “o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.”

 

23. Nos termos da alínea a), do n.º 2, do mesmo artigo, não existindo vícios conducentes à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado, deve o tribunal apreciar “vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;”

 

24. Sendo invocado o vício de caducidade do direito à liquidação, o que, a verificar-se, inquinará de ilegalidade o ato impugnado, entende o tribunal que o seu reconhecimento é suscetível de garantir a mais eficaz tutela do interesse dos Requerentes.

 

Da caducidade do direito à liquidação

 

25. Em suporte da pretensão que formulam, alegam os Requerentes que o ato de liquidação que constitui objeto do presente pedido foi efetuado após o decurso do prazo de caducidade previsto no artigo 45.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT).

 

26. De acordo com este preceito, o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao sujeito passivo no prazo de quatro anos, salvo se a lei fixar outro prazo. Nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, este prazo conta-se, nos impostos periódicos, como é o caso do IRS, a partir do termo do ano em que se verificou o respetivo facto tributário.

 

27. Conforme decorre nas normas legais referidas, o ato de liquidação em causa, respeitante a um imposto periódico (IRS) e ao ano de 2013, deveria ter sido, impreterivelmente, notificado aos Requerentes no decurso dos quatro anos seguintes ao termo do ano em que se terá verificado o alegado facto tributário,  31-12-2013, ou seja, até ao dia 31-12-2017, o que não sucedeu.

 

28. Concluem, assim, os Requerentes que “conforme resulta do ato de liquidação de IRS em causa, o mesmo apenas foi praticado em Julho de 2018, ou seja, em momento posterior ao terminus do respetivo prazo de caducidade do direito do Estado à liquidação. Deste modo, não tendo a Administração tributária tido o cuidado de promover a prática e válida notificação do ato de liquidação em análise aos REQUERENTES no limite temporal legalmente previsto, a ordem jurídica, norteada pelos já referidos princípios de certeza e segurança jurídicas, sanciona-a através da ilegalidade do ato praticado (cfr. artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo), o que desde já se requer seja determinado.”

 

29. Pronunciando-se sobre o pedido e respetivos fundamentos, no segmento relativo à alegada caducidade do direito à liquidação, diz a Requerida:

(...)

“ 20. De harmonia com o artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, sendo que, a decisão proferida no processo nº 533/2015-T, implica que a AT está obrigada a cumprir determina a anulação da liquidação de IRS e de Juros Compensatórios n.º 2014..., do ano de 2013, no montante de € 34.040,02, por preterição da formalidade legal de audição prévia.

 

21. Assim, a AT praticou um novo ato de liquidação expurgado do vício de forma que foi fundamento da anulação, tendo-o feito dentro do prazo de execução espontânea que é de 90 dias, nos termos do artigo 175.º, n.ºs 1 e 3, do CPTA, salientando-se que as diligências tendentes à notificação para o exercício do direito de audição prévia e a posterior emissão da liquidação foram efetuadas na estrita medida da execução espontânea da sentença, a qual transitou em julgado no dia 14-05-2018, e dentro do prazo de 90 dias legalmente estabelecido para o efeito, atendendo tratar-se do exercício de 2013, o qual se encontra já caduco nos termos do artigo 45.º da LGT.

...

24. Assim, o que se constata pelo processo administrativo junto, é que o Serviço de Finanças de ..., tendo anulado a liquidação de IRS do ano de 2013, em obediência à decisão arbitral, procedeu a um novo ato de liquidação, expurgado do vício de forma que foi fundamento da anulação, tendo enviado notificação para audição prévia conforme ofício nº .../2018, de 15 de junho.

 

25. Rececionado que foi o ofício supra referido, foi pelos requerentes exercido o direito de audição, sendo que, após análise das alegações e documentos juntos, foi elaborado em 2018/07/03 o documento de correção (...), tendo em 2018/10/01 sido emitida a liquidação adicional de IRS do ano de 2013, nº 2018..., da qual resultou o apuramento de imposto a pagar de € 31 027,43.

 

26. Concluindo-se assim que o ato de liquidação em causa não padece de caducidade dado que o mesmo foi consequente com a decisão de anulação da liquidação de IRS do ano de 2013, proferida em sede do processo nº 533/2015_T CAAD, tendo sido praticado dentro do prazo dos 90 dias seguintes à notificação da decisão de anulação, ocorrida em 2018/04/10, através da recolha de declaração em 2018/07/03, subsequente ao ato do exercício do direito de audição, conforme resulta do disposto no artigo 175º, nºs 1 e 3 do CPTA. “

 

30. Em sede de alegações, os Requerentes, mantendo o entendimento que fundamenta o pedido de pronúncia arbitral, acrescentam, ainda, em referência à posição sustentada pela Requerida na sua Resposta:

(...)

“26. Convém, por último e ainda a respeito do argumento da caducidade, referir que, mesmo aceitando-se a tese da Requerida sobre este ponto – no que não se concede e apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona -, a liquidação ora contestada (liquidação adicional de IRS n.º 2018...) foi emitida muito para além do prazo de 90 dias previsto para a execução espontânea da decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 533/2015-T.

 

27. Com efeito, considerando que o trânsito em julgado da decisão arbitral proferida no âmbito do referido processo n.º 533/2015-T ocorreu em 14.05.2018, o termo do prazo procedimental para a execução espontânea da decisão arbitral (90 dias) ocorreu em 19.09.2018.

 

28. Ora, como a própria Requerida reconhece, a nova liquidação (liquidação adicional de IRS n.º 2018...) foi emitida, apenas, em 01.10.2018 e notificada aos Requerentes em 09.10.2018, altura em que já se encontrava esgotado o prazo durante o qual a Requerida podia praticar o referido acto tributário.

 

29. Pelo exposto, não tendo a Requerida logrado emitir a liquidação adicional de IRS n.º 2018... dentro do prazo de execução espontânea da decisão arbitral proferida no âmbito do referido processo arbitral n.º 533/2015-T, não poderá deixar de considerar-se, mesmo ao abrigo da tese defendida pela Requerida, que o referido acto tributário foi praticado fora do prazo de caducidade do direito à liquidação, previsto no artigo 45.º da Lei Geral Tributária, devendo ser anulado em conformidade.”

 

31. Expostas, em síntese e com parcial transcrição, as posições das Partes, constata-se que a questão central a decidir, no tocante à invocada caducidade do direito à liquidação, consiste em saber:

 

a) Se, na situação em análise é aplicável o prazo geral de quatro anos previsto no artigo 45.º da LGT, conforme pretendem os Requerentes;

 

ou

 

b) Se esse prazo geral é afastado quando esteja em causa liquidação efetuada no âmbito de execução de julgado, caso em que o prazo de caducidade é o prazo para execução espontânea de decisões judiciais, prevista no artigo 175.º do CPTA, conforme entendimento da Requerida.

 

32. Relativamente a esta matéria, e no tocante ao IRS, dispõe o artigo 92.º, n.º 1, do respetivo Código que 1 - A liquidação do IRS, ainda que adicional, bem como a reforma da liquidação efetua-se no prazo e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da lei geral tributária.”

 

33. O artigo 45.º da LGT estabelece, no seu n.º 1, que “o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”, estabelecendo o n.º 4 do mesmo artigo que este prazo se conta, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.

 

34. Na situação em análise, o prazo de caducidade, contado nos termos gerais, iniciou-se em 01-01-2014 e terminou em 31-12-2017, conforme bem assinalam os Requerentes.

 

35. Porém, nessa vertente, a situação não oferece dúvidas. A questão que, quanto a esta matéria se coloca, prende-se, essencialmente, com a especificidade das situações que envolvam atos de liquidação efetuados no âmbito da execução de julgado que, segundo entende a Requerida, se encontram sujeitos a regras próprias quanto ao período temporal de execução.

 

36. Sobre esta matéria tanto a doutrina como a jurisprudência têm vindo a pronunciar-se no sentido de, para efeitos da delimitação do prazo de caducidade do direito a liquidação tributária, há que distinguir-se entre a liquidação corretiva, operada na sequência de anulação de anterior ato de liquidação, e liquidação inovadora, que envolva apuramento de imposto por montante superior ao determinado em anterior liquidação, sem que aquela esteja relacionada com anterior ato anulatório. No primeiro caso, de liquidação corretiva, o entendimento jurisprudencial orienta-se no sentido de que o momento relevante para efeitos de delimitação do prazo de caducidade é o da emissão da liquidação inicial, não podendo considerar-se excedido esse prazo ainda que a liquidação corretiva venha a ocorrer depois de ultrapassado o prazo geral de quatro anos contado, nos imposto periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário. No segundo, caso, a liquidação inovadora – liquidação adicional ou reforma de liquidação – considera-se que esta constitui ato tributário autónomo diverso do anterior, verificando-se a caducidade se, no momento da emissão deste novo ato tiver já decorrido aquele prazo geral.[iii]

 

37. Relativamente à verificação da ocorrência da caducidade do direito a liquidação em sede de execução de decisão arbitral, refere o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa:[iv]

 

“Na alínea b) do n,º 1 do artigo 24.º do RJAT impõe-se à Administração Tributária o dever de “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessárias para o efeito”.

O artigo 173.º, n.º 1, do CPTA, que estabelece o princípio geral sobre execução de julgados anulatórios de atos administrativos, preceitua que “sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelo limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no ato entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado”.

Comparando as duas fórmulas, constata-se que no RJAT não se inclui a parte inicial do artigo 173.º, n.º 1, do CPTA, em que se faz referência ao “eventual poder de práticas novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado”.

No entanto, a omissão de referência à possibilidade de praticar um novo ato não significa que a Administração Tributária não possa renovar o ato, desde que tal seja compatível com o decidido pelo tribunal arbitral, o que resulta com clareza da alínea d) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, que refere o dever de “liquidar as prestações tributárias em conformidade com a decisão arbitral”.

Porém, resultando dos atos de liquidação a imposição de deveres aos destinatários, eles não poderão ter efeito retroativo, pois tal é proibido pelo n.º 2 do artigo 173,º do CPTA. Por isso os efeitos dos atos que imponham deveres ao sujeito passivo, apenas produzem efeitos em relação a ele a partir do momento em que a sua renovação ocorre.

Nos casos em que o motivo de declaração de nulidade ou da anulação do ato impugnado foi um vício procedimental ou de forma (como falta de audição do contribuinte ou falta de fundamentação) ou incompetência, não haverá, em princípio, obstáculo, a que a Administração Tributária pratique um novo ato de liquidação expurgado do vício que motivou a anulação.

Poderá, porém, colocar-se a questão de haver impedimento à prática de novo ato derivado dos prazos de caducidade da liquidação aplicáveis (artigo 45.º da LGT).

No entanto, o mais adequado entendimento do regime de execução de julgados será o de que, durante o período de execução espontânea, a Administração na sequência de anulação do ato, tem o referido «poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado» (artigo 173.º, nº 1, do CPTA), não tendo outras limitações que não sejam as derivadas da autoridade da decisão anulatória e as previstas no procedimento de execução de julgados.

Durante este período de execução espontânea de julgados, a Administração Tributária não está a exercer o seu poder autónomo de praticar atos tributários, no âmbito do procedimento tributário próprio para essa prática, estando, antes, por força do disposto no artigo 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, a exercer um poder/dever de executar o julgado criado pela decisão anulatória, poder esse a exercer no âmbito do procedimento especial de execução espontânea de julgados, regido, em primeira linha, pelas suas regras próprias, visando a «reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio» imposta por aquele artigo 100°, em que se inclui o restabelecimento da «situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

Pela mesma razão de o poder/dever de executar decisões anulatórias ser autónomo em relação ao poder/dever geral de liquidar tributes, a Administração Tributária não esta condicionada pelas limitações temporais que a lei estabelece para exercício deste último poder/dever, mas sim pelos limites temporais próprios da execução de julgados.

Isto significa que, na sequência de anulação contenciosa de um ato de liquidação, por vício que não obsta a renovação do ato, a Administração Tributária poderá e deverá praticar, dentro do prazo de execução espontânea, um novo ato de liquidação expurgado do vício que foi fundamento da anulação, independentemente do decurso ou não do prazo de caducidade que valia para o exercício do primitivo poder autónomo de praticar o ato de liquidação. Mas, apenas durante esse período legal de execução espontânea a Administração Tributária fica investida pela decisão anulatória no poder de praticar esse ato de liquidação, que não poderá ter eficácia retroativa, por ser desfavorável ao contribuinte (n.º 2 do referido artigo 173.º). Não há, aqui, expectativas do sujeito passivo que mereçam proteção derivadas do decurso do primitivo prazo de caducidade do direito de liquidação, pois esta execução é corolário legal da decisão do processo arbitral em que foi parte.

Por isso, a proibição de praticar atos dotados de eficácia retroativa, que consta do n.º 2 do artigo 173.º do CPTA, não é obstáculo à prática de um novo ato de liquidação em execução de julgado, com efeitos para o futuro.

Se a Administração Tributária não executar espontaneamente a decisão anulatória, praticando um novo ato de liquidação no prazo de execução espontânea, extinguir-se-á o poder de aquela praticar um novo ato que emana da decisão anulatória, pelo que a prática de novos atos só será possível se puder basear-se ainda no poder originário que é concedido à Administração Tributária para praticar atos de liquidação. Neste caso, o exercício deste poder estará sujeito às regras gerais do procedimento tributário e aos limites temporais impostos pelas regras sobre caducidade do direito de liquidação, isto é, poderá ser praticado um ato de liquidação compatível com o que tiver sido decidido na sentença anulatória (se violar o caso julgado o ato será nulo, nos termos do artigo 133.º, n.º 2, alínea h), do CPA) se não tiver transcorrido já a totalidade do prazo de caducidade do direito de liquidação.

É esta a solução que, para além ser a que resulta linearmente dos textos legais, e a mais equilibrada, pois, encontrando a caducidade do direito de liquidação o seu fundamento específico na necessidade de certeza e segurança jurídica, não há obstáculo a que uma nova liquidação ocorra no período de execução de julgado, uma vez que, durante esse período, isso e algo com que o contribuinte deve contar.

Por outro lado, a aplicação do prazo de caducidade do direito de liquidação a situação em que o dever de liquidação resulta de uma decisão anulatória, reconduzir-se-ia a que, em muitos casos, quando a liquidação é efetuada muito próximo do termo do prazo legal de caducidade (o que, na pratica, ocorre em grande parte dos casos de liquidações adicionais), fosse inviável concretizar a adequada execução do julgado, com a efetivação e notificação da devida liquidação, pois, mesmo considerando a suspensão do prazo de caducidade prevista no artigo 46-º, n.º 1, alínea d), da LGT, muitas vezes não seria possível efetuar a liquidação e a respetiva notificação antes de ter decorrido o prazo de caducidade. Ora, esta inviabilidade de renovar o ato, na sequência de uma decisão anulatória, nos casos em que e possível renová-lo sem o vício que motivou a anulação, está em manifesta dissonância com a intenção legislativa de que seja reconstituída «a legalidade do ato ou situação objeto do litigio» e de que seja reconstituída «a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado», afirmada nos artigos 100.º da LGT e 173.º, n.º 1, do CPTA.

Por isso, é esta a solução mais acertada, que se tem de presumir ter sido legislativamente consagrada (artigo 9.º, n.º3, do CC).”

 

38. No mesmo sentido, se pronuncia o Tribunal Central Administrativo Norte, em acórdão de 17-09-2015, proferido no proc. 00862/12.9BEAVR, de que se transcreve:

“Nos termos do disposto no art.º100.º da Lei Geral Tributária, “A administração está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

De acordo com tal preceito, a Administração tributária está, pois, obrigada a efetuar a reintegração efetiva da ordem jurídica violada, suprimindo todos os efeitos que nela persistam decorrentes do ato julgado ilegal.

Representa tal preceito um simples postulado do princípio constitucional que dispõe que as decisões dos tribunais transitadas em julgado são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades (art.º205 da Constituição) – vd. Diogo Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa “LGT – Anotada e Comentada”, Encontro de Escrita, 4ª ed. (2012), a pág.868.

A reconstituição da ordem jurídica violada faz-se através da prática dos atos reintegradores tendentes a dar cumprimento ao julgado.

Esses atos reintegradores, tratando-se da execução de um julgado parcialmente anulatório de um ato de liquidação passam pela prática de um outro ato de liquidação visando expurgar a parte do anterior afetada de ilegalidade. É o que se designa por liquidação corretiva.

Como se sabe, no domínio tributário, os atos de liquidação de tributos estão sujeitos a prazos de caducidade (art.º45.º, da LGT), pelo que o exercício do direito à liquidação após o esgotamento daqueles prazos inquina de ilegalidade o ato praticado.

Sucede, porém, que revestindo o ato de liquidação natureza corretiva, a sua prática não está sujeita à limitação dos prazos de caducidade fixado na lei, desde que, o ato reintegrativo seja praticado no período de execução espontânea do julgado (sublinhado nosso).

 

39. Idêntico entendimento é o que decorre do acórdão arbitral de 07-02-2017, proferido no proc. n.º 494/2016-T, em que se pode ler: 

 

 “Na verdade, resulta do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT que «até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários» a Autoridade Tributária e Aduaneira deve praticar os atos necessários para dar execução a uma decisão arbitral favorável ao sujeito passivo. E, entre os atos que podem e devem ser praticados nesse período, incluem-se, por força do disposto nas alíneas b) e d) do n.º 1 do art.º 24.º do RJAT, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito» e de «liquidar as prestações tributárias em conformidade com a decisão arbitral». Assim, durante o período de execução espontânea das sentenças dos tribunais tributários, a Administração, na sequência de anulação do ato, tem um poder/dever de liquidar autónomo e diferente do que tinha antes de praticar a liquidação que foi jurisdicionalmente anulada, pois este poder surge ex novo com o trânsito em julgado da decisão arbitral, tem limitações derivadas da autoridade da decisão anulatória e tem um período de tempo próprio para ser exercido.

Durante este período de execução espontânea de julgados, a Administração Tributária, ao efetuar uma nova liquidação, não está a exercer o seu poder autónomo de praticar atos tributários, no âmbito do procedimento tributário próprio para essa prática, estando, antes, por força do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alíneas b) e d), do RJAT (e em sintonia com o artigo 100.º da LGT), a exercer um poder/dever de executar o julgado que emana da decisão anulatória, poder esse a exercer no âmbito do procedimento especial de execução espontânea de julgados, regido, em primeira linha, pelas suas regras próprias, visando o restabelecimento da «situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado». Por isso, o procedimento com vista à execução de uma decisão arbitral tem prazos e regras específicas de preclusão, que não são as que se aplicam à atividade autónoma da administração no âmbito de procedimentos tributários de liquidação de tributos. Isto é, estando a Administração Tributária, ao executar as decisões arbitrais, a concretizar um poder/dever autónomo em relação ao poder/dever geral de liquidar tributos, não está condicionada pelas limitações temporais que a lei estabelece para exercício deste último poder/dever, mas sim pelos limites temporais próprios da execução de julgados. Assim, na sequência de anulação contenciosa de um ato de liquidação, por vício que não obsta à renovação do ato, a Administração Tributária poderá e deverá praticar, dentro do prazo de execução espontânea, um novo ato de liquidação expurgado do vício que foi fundamento da anulação, independentemente do decurso ou não do prazo de caducidade que valia para o exercício do primitivo poder autónomo de praticar o ato de liquidação. Mas, apenas durante esse período legal de execução espontânea a Administração Tributária fica investida pela decisão anulatória no poder de praticar esse ato de liquidação. Não há, aqui, expectativas de segurança jurídica do sujeito passivo que mereçam proteção derivadas do decurso do primitivo prazo de caducidade do direito de liquidação, pois esta execução é corolário da decisão do processo arbitral em que foi parte e, por isso, a eventual prática de novo ato de liquidação durante o período de execução espontânea é algo com que o sujeito passivo deve contar.   Estabelecendo o n.º 1 do artigo 24.º do RJAT que o poder/dever de dar execução à decisão arbitral tem de ser exercido «até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários», é este o termo que define a caducidade do direito de liquidar no âmbito da execução de julgado.

O prazo de execução espontânea de decisões arbitrais que não se limitam ao dever de pagamento de uma quantia em dinheiro, é de 90 dias, como resulta do preceituado no artigo 175.º, n.ºs 1 e 3, do CPTA, aplicável por força do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPPT. Trata-se de um prazo procedimental, como esclarece atualmente o n.º 1 do artigo 175.º do CPTA, que se conta desde o «termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação», momento a partir do qual a Administração Tributária está vinculada pela decisão arbitral, como resulta do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT. Como à execução das decisões arbitrais se aplicam «normas sobre o processo nos tribunais administrativos» (artigo 146.º, n.º 1, do CPPT), aplicar-se-ão à contagem do prazo as regras que se aplicam à execução de julgados nos tribunais administrativos, em que há suspensão de prazos em sábados, domingos e feriados, nos termos do artigo 87.º, alínea c), do Código do Procedimento Administrativo.”

 

40. A decisão referida foi objeto de recurso para uniformização de jurisprudência, sendo, porém, confirmada em acórdão do STA, de 07-06-2017, proferido no proc. n.º 0237/17, de que se transcreve o seguinte excerto:

 

“(...) na situação a que se refere a decisão arbitral ora recorrida, a liquidação impugnada foi praticada na sequência e em execução de uma outra decisão arbitral que anulou uma liquidação por nela se não ter reconhecido ao sujeito passivo o direito a um benefício fiscal (RFAI).

Ora, na reconstituição da situação que existiria se ab initio tivesse reconhecido esse benefício fiscal, a AT deve respeitar todas as regras que o oportuno reconhecimento desse benefício também deveria respeitar, designadamente os limites que o art.º 92.º, n.º 1, do CIRC impõe aos benefícios fiscais.

Assim, como ficou dito no acórdão arbitral recorrido, «tendo o dever de praticar em execução do acórdão proferido no processo n.º 400/2015-T um ato de liquidação em que seja reconhecido ao sujeito passivo o benefício fiscal do RFAI na medida em que foi decidido no acórdão arbitral, a Autoridade Tributária e Aduaneira tinha o dever de atuar na execução de julgado da forma como deveria ter atuado se tivesse reconhecido esse benefício fiscal nessa medida nos momentos em que concluiu o procedimento inspetivo e emitiu a liquidação 2014..., inclusive decidindo na execução, como deveria decidir nesses anteriores momentos, se estão reunidas as condições para relevância desse benefício fiscal no exercício em causa, à face do regime do artigo 92.º do CIRC».

Ou seja, enquanto no acórdão fundamento se considerou existir “imposto novo” em consequência de um manifesto exorbitar da AT dos seus poderes/deveres de reintegração na sequência de julgado anulatório, no acórdão recorrido considerou-se que a AT, ao emitir a liquidação impugnada, se tinha movimentado exclusivamente dentro dos poderes de reintegração e em estrita execução do julgado anulatório.

Essa divergência de entendimentos, assente na diversidade das situações fácticas, justifica a diversa solução jurídica dada relativamente à questão da caducidade do direito de liquidação, designadamente à aplicabilidade do regime do art.º 45.º da LGT.

Assim, afigura-se-nos que não se verifica a decisão expressa de uma mesma questão fundamental de direito em sentido divergente, que possa autorizar a prossecução do recurso por oposição de julgados.”

 

41. Acompanhando, sem reservas, a orientação jurisprudencial e doutrinal exposta nos pontos anteriores, vejamos, a seguir, a sua aplicação à situação a que se refere o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

42. Constata-se, dos elementos que integram o presente processo, que a decisão arbitral anulatória proferida no proc. n.º 533/2015-T, do CAAD, foi notificada à Autoridade Tributária e Aduaneira em 10-04-2018, conforme consta da Informação n.º … /2019, Proc. 370/2019, de 05-02-2019, da Direcção de Serviços do IRS.

 

43. Da referida decisão poderia ser interposto recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, no prazo de 30 dias a contar da sua notificação à Autoridade Tributária e Aduaneira, conforme decorre dos artigos 25.º, n.ºs 2 e 3, do RJAT e 152.º, n.º 1, do CPTA.

 

44. Assim, considerando a suspensão em férias judiciais, conforme determina o artigo 17.-º-A, do RJAT, esse prazo terminou em 14-05-2018, data em que aquela decisão arbitral transitou em julgado.

 

45. De acordo com o disposto no artigo 175.º, n.º 1, do CPTA, e não se verificando, no presente caso, a circunstância prevista no n.º 3 do mesmo artigo nem sendo invocada causa legítima de inexecução, a decisão deveria ser executada no prazo máximo de 90 dias.

 

46. Sendo este um prazo procedimental, conforme dispõe aquele artigo 175.º, n.º 1, do CPTA, é o mesmo contado nos termos do artigo 87.º, alínea d), do CPA, a partir do termo do prazo previsto para recurso ou impugnação da decisão arbitral, conforme prevê o artigo 24.º, n.º 1, do RJAT.

 

47. No caso em análise, esse prazo terminou em 19-09-2018.

 

48. Assim, tendo a liquidação impugnada sido emitida em 01-10-2018 e notificada aos Requerentes em 9 do mesmo mês, verifica-se que o ato que constitui objeto do presente pedido de pronúncia arbitral foi praticado após o esgotamento do prazo de execução espontânea da decisão anulatória, pelo que ocorreu a caducidade do direito à liquidação.

 

49. Assinala-se, ainda, que é de todo irrelevante a data da elaboração do documento de correção – 03-07-2018 – invocada pela Requerida na sua Resposta, sendo que apenas releva, para aquele efeito, a liquidação e respetiva notificação válida, sendo esta requisito de eficácia daquela, conforme expressamente determinam o artigo 77.º, n.º 6, da Lei Geral Tributária e 36.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

 

50. Assim, sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento em vício de violação da lei, que assegura estável e eficaz tutela dos interesses dos Requerentes, fica prejudicado, por ser inútil (artigo 130.º do CPC) o conhecimento das restantes questões suscitadas.

 

IV. Decisão.

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando ilegal a liquidação impugnada e determinando a sua anulação, com as legais consequências.

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 31 027,43, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas: Ao abrigo do art.º 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 1 836,00, a cargo da Requerida (AT).

 

Lisboa, 14 de Julho de 2019,

 

O árbitro,

Álvaro Caneira

 

 

 



[i]  Cfr. Proc. 20022/16.9BCLSB, disponível em www.dgsi.pt

[ii]  Cfr. CAAD, Proc. 533/2015-T, disponível em https://caad.org.pt

[iii]  Cfr. STA, Acs. de 22.3.2006, Proc. 01284/05, de9.5.2007, Proc. 0133/07, de 8.10.2014, Proc. 0114/11 e TCAS, Acs. de 3.7.2012, Proc. 04076/10 e de 27.11.2012, Proc. 05908/12.

[iv]  Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Guia da Arbitragem Tributária, Coordenação de Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, Almedina Editora, 2013, pags. 216-220