Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 69/2018-T
Data da decisão: 2019-01-07  ISP  
Valor do pedido: € 56.473,66
Tema: ISP (Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos) - IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado), CSR (Contribuição de Serviço Rodoviário).
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Decisão Arbitral

 

A árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral constituído em 07-05-2018, decide nos termos e com os fundamentos que se seguem:

 

1. Relatório

 

No dia 26-02-2018, A..., S.A., sociedade com o número único de matrícula e de pessoa coletiva..., com sede na..., n.º ..., ...-... Lisboa, cujo serviço periférico local é o serviço de finanças de Lisboa –..., vem, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, a), 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que consagra o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de tribunal arbitral coletivo[1] com vista à declaração de ilegalidade do ato tributário consubstanciado nas liquidações adicionais de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP), Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e respetivos juros compensatórios, referentes ao ano de 2015, no montante total de € 50.013,49, identificadas com o Registo de Liquidação n.º ... de 13.11.2017 e do ato tributário de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) do período de 2015/05, consubstanciado na demonstração de liquidação de IVA n.º 2017... de 29.12.2017 e na demonstração de liquidação de acerto de contas n.º 2018... de 02.01.2018, no montante total de € 5.884,32, e bem assim, na respetiva demonstração de liquidação de juros de IVA n.º 2017... de 29.12.2017 e a demonstração de acerto de contas n.º 2018... de 02.01.2018, no montante total de € 575,85. O valor económico total do pedido é de € 56.473,66.

 

Embora tenha sido requerida a constituição de um tribunal arbitral coletivo, a Requerente não indica árbitro e o valor do pedido não chega aos € 60.000 (valor correspondente a duas vezes a alçada do Tribunal Central Administrativo), pelo que, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do RJAT, o tribunal arbitral deve funcionar apenas com árbitro singular[2].

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 26-02-2018.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária e notificou as partes dessa designação em 13-04-2018.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 07-05-2018, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.

 

2. Saneamento

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

 

As Partes estão devidamente representadas, são legítimas e gozam de personalidade e capacidade judiciárias (tudo nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Sobre a cumulação de pedidos, refere a Requerente que é o mesmo, embora tenha motivado diferentes atos tributários[3], o facto que originou as correções contestadas, ou seja, o não cumprimento das regras de comercialização e controlo do gasóleo colorido e marcado (GCM) por parte do respetivo comercializador. Defende que se trata também, in casu, da interpretação e aplicação dos mesmos princípios e regras de direito.

 

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 3.º do RJAT, a cumulação de pedidos, ainda que relativos a diferentes atos, é admissível quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito. Parece-nos ser esse o caso neste processo, pelo que se entende ser de admitir a cumulação de pedidos.

 

3. Posições das Partes

 

No entender da Requerente ficou demonstrado nos presentes autos que os abastecimentos sob análise foram efetuados à draga B..., titular de cartão de gasóleo verde. Não obstante tal abastecimento ter sido intermediado por diversas entidades – C... e D...–, entende ser inequívoco que o destinatário final do gasóleo colorido e marcado foi a draga B..., como, aliás, atestou o guarda da Brigada Fiscal da GNR presente no momento dos abastecimentos.

 

Os serviços de inspeção tributária fundamentam as correções em apreço na circunstância de a fatura que titula os abastecimentos ter sido emitida à C... e não à draga B... . Em momento algum os serviços de inspeção questionaram o fim e uso do combustível colorido e marcado, nem a circunstância de a draga B... ser titular do cartão de microcircuito válido. De facto, os serviços de inspeção fundamentam a correção em apreço apenas e tão-só no alegado incumprimento de uma formalidade, qual seja, a emissão da fatura à embarcação que usou o combustível.

 

Todavia, como se demonstrou nos presentes autos e ora se reitera, não assiste razão à administração tributária. Isto porque, o abastecimento foi efetuado à draga B..., a qual é titular do cartão de microcircuito, tendo a validade do mesmo sido verificada e atestada pelo guarda da Brigada Fiscal da GNR no momento dos abastecimentos, mostrando-se cumpridos todos os pressupostos de que depende a aplicação da isenção em apreço.

 

O abastecimento de gasóleo colorido e marcado depende da utilização do referido cartão de microcircuito emitido à embarcação, sendo supervisionado pela Brigada Fiscal da GNR.

 

No que concerne às isenções de ISP para utilização na navegação comercial, verifica-se, do exposto, que as mesmas são atribuídas em função da finalidade dada aos produtos petrolíferos, relevando para isso apenas e objetivamente o equipamento – rectius a embarcação no qual os produtos petrolíferos serão utilizados. É por esse motivo, aliás, que são exigidos nos termos do n.º 34.º da Portaria n.º 117-A/2008, de 8 de fevereiro, documentos adicionais referentes à embarcação, pois é da verificação de certas condições relativas à embarcação que depende a emissão do cartão de microcircuito que permite a aplicação da isenção.

 

Assim, as isenções previstas nas alíneas c) e h) do n.º 1 do artigo 89.º do Código dos IECs são atribuídas por referência à embarcação que irá consumir o produto petrolífero e não por referência ao sujeito passivo. Com efeito, no que concerne aos equipamentos autorizados a consumir gasóleo colorido e marcado a Portaria n.º 205/2014, de 8 de outubro, refere-se a equipamentos e não a sujeitos passivos – rectius pessoas singulares ou pessoas coletivas.

No mesmo sentido veja-se o Manual dos IEC da DGAIEC que refere que “O abastecimento das embarcações com gasóleo colorido e marcado está condicionado à utilização obrigatória de um cartão electrónico atribuído ao respetivo beneficiário, para cada embarcação” (cf. Manual dos IEC da DGAIEC, cap. III – 3.2., p. 3.2.2.3., sublinhado nosso).

 

A emissão da fatura em nome do titular do cartão não se afigura possível na medida em que o titular do cartão de microcircuito é a embarcação, no caso sub judice a draga B.... Ora, a draga não tem personalidade jurídica e nem personalidade tributária, por esta razão, nunca seria possível a emissão da fatura ao titular do cartão de microcircuito.

 

O que o citado preceito legal exige é a emissão de uma fatura ao titular do cartão de microcircuito. Por outras palavras, o artigo 93.º, n.º 5, do Código dos IECs exige que que no processo de comercialização do gasóleo colorido e marcado se verifique a emissão de uma fatura ao titular daquele cartão, fatura que pode ser emitida por um intermediário. Mas, em parte alguma do citado preceito legal resulta a obrigatoriedade de tal fatura ser emitida pelo responsável pelo abastecimento, in casu pela Requerente. Note-se que, o artigo 93.º, n.º 5, apenas refere “(…) não sejam emitidas as correspondentes faturas (…)”, não especificando que tais faturas devem ser emitidas pela entidade responsável pelo abastecimento.

 

No caso sub judice, como se demonstrou, foi emitida uma fatura ao proprietário da draga B... (cf. doc. n.º 9). Como se explicitou, tendo o abastecimento sido solicitado por uma das entidades do grupo económico em que a E... se insere e intermediado por duas entidades –F... e a C...– a fatura final ao proprietário da draga foi emitida pela D... . Deste modo, existindo uma fatura ao titular do cartão de microcircuito, mostra-se cumprido o disposto no artigo 95.º, n.º 3, do Código dos IECs, impondo-se, por esta razão, a anulação da correção em apreço.

 

A interpretação propugnada pela administração tributária quanto à emissão da fatura colide com a ratio do cartão de microcircuito. Ao exigir-se que a fatura seja emitida ao titular do cartão, enquanto pressuposto para a aplicação do benefício fiscal, significa exigir à petrolífera que confirme se o titular do cartão é a entidade com quem enceta relações comerciais e quando não o seja, confirme a relação entre as duas entidades. Na prática, esta interpretação conduzirá a que as petrolíferas, como a Requerente, se escusem a vender combustível com benefício fiscal, não obstante a embarcação reunir todos os pressupostos de que depende a aplicação do mesmo, em face dos ónus que tal verificação acarreta e da eventual responsabilidade fiscal que sobre elas poderá recair.

 

Por fim, refira-se que no caso sub judice a circunstância de a fatura ter sido emitida em nome da C... não inviabiliza o controlo da afetação do gasóleo colorido e marcado, pois tal afetação foi confirmada pela Brigada Fiscal da GNR no momento do abastecimento. A Brigada Fiscal da GNR confirmou, no momento do abastecimento, que o combustível teve como destino final a draga B..., titular de cartão de gasóleo verde válido e, por isso, elegível para efeitos do benefício fiscal sob análise.

 

De outra parte, entende a AT que:

 

A Requerente está em clara discordância com a opção legislativa em matéria de comercialização do GCM, na medida em que preconiza a comercialização indireta do GCM, através de diversos intermediários, os quais assumem, eles próprios, a responsabilidade da transação com o beneficiário do GCM, enquanto o regime de comercialização de GCM exige uma relação direta do fornecedor ao beneficiário do GCM, titulada, entre outros, pela emissão da correspondente fatura de venda identificativa (nome e/ou NIF) do titular do benefício.

 

O sistema de controlo, implementado no âmbito do abastecimento de GCM, visa possibilitar que a AT possa controlar a posteriori a realidade e a regularidade dos abastecimentos de GCM realizados, com base nos registos e documentação contabilística, que comprovem o circuito do abastecimento desde o fornecedor até ao destinatário autorizado e fim legalmente previsto.

 

É em função do nível de fraude a que está exposto o sector que têm que ser entendidas as medidas exigidas e o seu grau de exigência, assentando a última alteração à redação do n.º 5, do artigo 93.º, do CIEC, em razões desta natureza, ao reforçar a obrigatoriedade da emissão de fatura por cada abastecimento de GCM em nome, e com a identificação fiscal do titular do cartão de beneficiário, a qual é determinante para aferir a regularidade, face à lei, do circuito do abastecimento deste tipo de produto.

 

Em qualquer caso, as faturas apresentadas pela Requerente para sustentar a comercialização sucessiva dos 119.600 litros de GCM até ao abastecimento da draga, não permitem a rastreabilidade do produto, porquanto a fatura de venda do último agente da cadeia de transações ao titular do benefício não tem a indicação da quantidade do produto transacionado e apresenta um preço de venda que aparenta ser inferior ao preço pago.

 

Anda que o procedimento descrito pela testemunha apresentada pela Requerente exista no mundo negocial da Requerente e seus parceiros económicos, estando em causa, como se referiu, o controlo da comercialização do GCM, nos termos definidos pelo CIEC e portarias regulamentares, nunca poderia entender-se que tal conduta estaria conforme com o regime legal instituído neste âmbito.

 

Quanto ao argumento da Requerente de que não é possível a emissão da fatura em nome do titular do cartão na medida em que o titular do cartão de microcircuito é a embarcação, no caso sub judice a draga B..., responde a AT que esta não tem personalidade jurídica nem personalidade tributária, salientando que uma tal interpretação seria contrária ao que resulta do disposto nos números 2.º a 8.º da Portaria n.º 117-A/2008, 8 de fevereiro. O beneficiário da isenção só pode ser uma pessoa singular ou coletiva, que coincidirá normalmente com o titular do cartão, sendo que, no caso particular da navegação comercial, o cartão, por questões práticas de funcionamento do sistema, é emitido pela DGADR em nome de cada embarcação, o que se deve, nomeadamente, ao facto de uma pessoa poder ser proprietária de várias embarcações e de cada embarcação dever ser devidamente identificada, para efeitos de controlo do benefício.

 

Deste modo, e atendendo a que, de acordo com o n.º 5.º da Portaria n.º 361-A/2008, o gasóleo colorido e marcado só pode ser vendido aos beneficiários de uma isenção ou redução de taxa de ISP que sejam titulares de cartões de microcircuito emitidos para o efeito pela DGADR, forçoso é concluir que, no caso da navegação comercial, o beneficiário é o proprietário da embarcação para a qual exista um cartão emitido e só a este pode ser vendido este produto de venda condicionada.

 

Não tendo a Requerente assegurado, cumulativamente com o cumprimento das outras obrigações no momento da venda, a emissão da correspondente fatura em nome do titular desse benefício, torna-se responsável, por força do n.º 5 do artigo 93.º do CIEC, pela tributação correspondente à diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa do imposto aplicável ao GCM.

 

4. Matéria de facto

4.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é uma sociedade anónima que tem como atividade principal o comércio por grosso de produtos petrolíferos, identificada com o CAE 46711.

 

  1. A Requerente é sujeito passivo de IRC, encontrando-se abrangida pelo RETGS.

 

  1. A Requerente é sujeito passivo de IVA, enquadrada no regime normal de periodicidade mensal.

 

  1. Em 05.05.2015 a Requerente faturou quatro abastecimentos de gasóleo colorido e marcado (GCM), nas quantidades de 29.969 l, 29.973 l, 29.970 l, 29.688 l (perfazendo um montante total de 119.600 l), à entidade C..., S.L.,

 

  1. O destinatário final das quantidades de GCM supra identificadas era a draga identificada com o nome “...B...”;

 

  1. A draga B... não é propriedade da C..., S.L., entidade com quem a Requerente estabeleceu a relação comercial no âmbito da qual foi faturado o gasóleo abastecido.

 

  1. A draga B... é propriedade da sociedade de direito espanhol E..., S.A..

 

  1. No âmbito comercial, a Requerente não foi contactada pela referida draga ou pela entidade proprietária, mas pela C..., S.L. (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha, minuto 16, segundo 50).

 

  1. A C..., S.L. atua como intermediário, no âmbito regional, em operações de abastecimento de combustível a embarcações.

 

  1. Este tipo de intermediação tem vários níveis de complexidade e alguns grupos económicos de grandes dimensões têm “centrais de compras” que contratualizam os abastecimentos das embarcações, procedendo posteriormente à alocação do respetivo custo de acordo com a matriz de custo eleita, sem que, a ora Requerente tenha (ou deva ter) conhecimento (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha, minuto 26, segundo 50; minuto 28, segundo 00).

 

  1. Na generalidade dos abastecimentos efetuados pela Requerente, a intermediação por diversas entidades é uma prática comum (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha, minuto 15, segundo 00).

 

  • A draga B... é titular de um cartão de beneficiário que atesta a autorização para beneficiar da isenção de GCM, emitido pela Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR).

 

  1. Uma vez contactada pelo intermediário, a Requerente procede a uma due diligence prévia junto do Ministério da Agricultura, por forma a confirmar se a embarcação, a cujo gasóleo colorido e marcado se destina, é titular do cartão do gasóleo verde (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha, minuto 04 segundo 05).

 

  • As vendas de GCM em causa no presente processo foram registadas no terminal de pagamento automático (TPA) n.º ... .

 

  • Este tipo de abastecimento é efetuado na presença da Brigada Fiscal da GNR (...) que se encontra em permanência na maioria dos portos nacionais (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha, minuto 04 segundo 54; minuto 49 segundo 28).

 

  1. O guarda da Brigada Fiscal da GNR presente no local confirma, mediante apresentação, que a embarcação é titular do cartão de gasóleo verde (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha, minuto 05 segundo 55).

 

  1. A validade do cartão é verificada pelo guarda da Brigada Fiscal da GNR através do terminal eletrónico (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha, minuto 06 segundo 55).

 

  1. Confirmada a validade do cartão, o guarda da Brigada Fiscal da GNR autoriza o abastecimento, o qual se inicia (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha, minuto 07 segundo 40).

 

  1. A Brigada Fiscal da GNR confirma, deste modo, que o gasóleo colorido e marcado tem como destino a embarcação e que essa embarcação é titular do cartão de microcircuito suporte áudio do depoimento da testemunha, minuto 07 segundo 00);

 

  1. O guarda da Brigada Fiscal da GNR confirma, assim, que o gasóleo colorido e marcado não tem outro fim (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha, minuto 07 segundo 20);

 

  1. Terminado o abastecimento propriamente dito, o guarda da Brigada Fiscal da GNR “encerra” a operação eletronicamente com a inserção de um cartão da Brigada Fiscal da GNR e de um código pin (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha, minuto 07 segundo 20);

 

  1. De seguida, é emitido pelo terminal eletrónico um documento comprovativo do abastecimento do qual consta: a identificação do terminal, a hora e a identificação da transação, a identificação da entidade que faz o abastecimento, o número de identificação fiscal do guarda que presenciou a operação, o número do cartão da embarcação, o número de identificação fiscal do beneficiário, o plafond e o total acumulado antes e após o abastecimento e o montante abastecido (cf. documento exemplificativo apresentado pela testemunha e suporte áudio do depoimento da testemunha, minuto 08 segundo 40, minuto 45 segundo 00);

 

  1. Esta operação dá origem a um ficheiro eletrónico, validado pela Brigada Fiscal da GNR, do qual consta o número do cartão, sendo este ficheiro que serve de suporte à liquidação de ISP (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha, minuto 09 segundo 58);

 

  1. Com base neste ficheiro a administração tributária pode confirmar que a embarcação abastecida é elegível para efeitos de isenção de ISP, bem como a inexistência de qualquer desvio do gasóleo colorido e marcado do beneficiário declarado (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha, minuto 10 segundo 45);

 

  1. Com o “encerramento” do abastecimento o guarda da Brigada Fiscal da GNR confirma que o gasóleo colorido e marcado foi abastecido na embarcação autorizada (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha, minuto 09 segundo 20);

 

  1. Aquando dos referidos abastecimentos, a Requerente procedeu aos registos no sistema eletrónico de controlo, tendo utilizado o cartão de beneficiário n.º ... emitido em nome da draga B... .

 

  1. A Requerente emitiu uma fatura em nome da entidade C..., S.L., identificando como “local de entrega” a draga “B..., ...-... Aveiro”, e indicando as quantidades 29.969 l, 29.973 l, 29.970 l, 29.688 l (totalizando 119.600 m3) de “gasóleo de navegação costeira s/ bio”.

 

  1. A empresa C... S.L., com sede em..., faturou, em 12.05.2015, 119.600m3 de gasóleo verde a € 570,65 por m3, no valor total de € 68.249,74, à empresa F..., com sede na Holanda.

 

  1. A empresa F..., com sede na Holanda, faturou, em 15.05.2015, os mesmos 119.600 l de GCM à entidade D... .

 

  1. A D... faturou 180,000 m3 de GCM (correspondentes a 119,600 da A... e 59,992 de outro abastecimento.à empresa proprietária da draga B...), a entidade E..., titular da draga em questão;

 

  1. As guias de entrega anexas às faturas contêm o carimbo com a menção à draga B...;

 

  1. No decurso do ano de 2016 a entidade E..., S.A., proprietária da draga B..., foi objeto de uma ação de natureza inspetiva, identificada com o n.º..., destinada às suas dragas que se encontravam a executar trabalhos nos portos portugueses.

 

  1. No âmbito dessa ação inspetiva, a equipa inspetiva identificou os quatro registos de abastecimentos ocorridos em 05.05.2015 no TPA n.º ... (da responsabilidade da Requerente) com o cartão de beneficiário n.º..., emitido em nome da draga B... .

 

  1. A equipa inspetiva verificou que na contabilidade da empresa E..., S.A., não existia qualquer fatura emitida pela A... relativa aos referidos abastecimentos, tendo sido, unicamente, apresentadas, pela E..., S.A., guias de remessa (n.º..., referente a 29.969 litros, n.º..., referente a 29.973 litros, n.º..., referente a 29.688 litros, e n.º..., referente a 29.688 litros, perfazendo o total de 119.600 litros de GCM).

 

  1. A equipa inspetiva solicitou à Requerente cópia das faturas relativas aos registos de abastecimento de GCM ocorridos em 05.05.2015, conforme cópia da notificação de controlo cruzado “(…) aos consumos de gasóleo colorido e marcado efetuados pela draga B...”.

 

  1. A Requerente enviou por email cópia da fatura n.º 4110096030, de 11.05.2015, emitida em nome da empresa C... S.L., com sede nas ..., em Espanha, relativamente à qual se constatou não ser titular do cartão eletrónico/microcircuito utilizado, nem estar autorizada a consumir o produto em causa.  

 

  1. Em 09.01.2017, a Requerente foi notificada do projeto de conclusões do procedimento inspetivo n.º OI2016..., no qual a Direção de Serviços Antifraude Aduaneira identificou uma alegada irregularidade e a violação do disposto no n.º 5 do artigo 93.º do Código dos IECs conjugado com o n.º 8 da Portaria n.º 361-A/2008, de 12 de maio, por entender que “o GCM só pode ser adquirido por titulares do cartão eletrónico e que a respetiva fatura, ou documento equivalente, terá de ser emitida em nome do titular do respetivo cartão, de onde resulta que a isenção/redução fiscal está condicionada não só ao registo dos abastecimentos nos TPA, mas também à condição de existir um documento de venda emitido em nome do titular do cartão de microcircuito utilizado, sendo ambas as condições indissociáveis” considerando, por isso, que “não se encontram assim cumpridas as regras de comercialização do GCM, cuja violação tem por consequência a perda do benefício fiscal” e projetando uma dívida em sede de ISP e de CSR no montante total de € 46.573,44.”

 

  • A Requerente apresentou resposta em sede de audição prévia.

 

  1. Em março de 2017, a Requerente foi notificada das conclusões do relatório de inspeção aduaneira e do Despacho datado de 09.03.2017 do Chefe de Divisão da Direção de Serviços Antifraude Aduaneira: “Concordo com o teor e conclusões do Relatório. Notifique-se; Remeta-se à Alfândega do ..., para liquidação e cobrança; Remeta-se também à Direcção de Finanças de Lisboa para efeitos de liquidação e cobrança do IVA, por ser a entidade competente para o efeito; Elabore-se Auto de Notícia relativamente às irregularidades que foram apuradas”.

 

  • A Requerente foi notificada do Ofício n.º ... de 14.11.2017 do Diretor da Alfândega do ... que apurou a dívida de ISP, CSR e juros compensatórios no montante total de € 50.013,49, a ser paga naquela mesma Alfândega, a qual se materializou no ato tributário de ISP, CSR e juros compensatórios com o Registo de Liquidação n.º..., de 13.11.2017.

 

  • Em 29.11.2017 a Requerente procedeu ao pagamento da referida dívida no montante total de € 50.013,49 (€ 13.275,60 a título de CSR, € 33.297,84 a título de ISP e € 3.440,05 a título de juros compensatórios).

 

  1. Foi ainda emitida a ordem de serviço n.º OI2017... para realização de procedimento interno de inspeção ao período de 2015, com o propósito de efetivar a correção em sede de IVA devido na sequência das correções promovidas pela Direção de Serviços Antifraude Aduaneira, tendo a Requerente sido notificada, em dezembro de 2017, do respetivo projeto de correções, que apurava um montante de € 5.884,32 a liquidar adicionalmente por referência ao mês de maio de 2015.

 

  1. Em dezembro de 2017 a Requerente foi notificada das correções resultantes de análise interna, que mantiveram o projeto de correções, determinando a “(…) liquidação adicional do IVA em falta do mês de maio, no montante de 5.884,32 euros, correspondente ao diferencial entre a aplicação da taxa normal de 23% - de acordo com a alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º, do CIVA – e a taxa intermédia 13%, aplicada pelo sujeito passivo, calculada sobre o valor da contraprestação obtida, nos termos do n.º 1 do artigo 16.º do mesmo normativo (…)”.

 

  1. A Requerente foi notificada do ato tributário de IVA do período de 2015/05, consubstanciado na demonstração de liquidação de IVA n.º 2017 ... de 29.12.2017, na demonstração de liquidação de acerto de contas n.º 2018 ... de 02.01.2018, no montante total de € 5.884,32, na demonstração de liquidação de juros de IVA n.º 2017 ... de 29.12.2017 e na demonstração de acerto de contas n.º 2018 ... de 02.01.2018, no montante total de € 575,85.

 

  1. A Requerente procedeu ao pagamento dos referidos montantes de € 5.884,32 e de € 575,85.

 

  1. Factos não provados

 

Não existem factos relevantes para a decisão da causa que não tenham sido dados como provados.

 

  1. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, no processo administrativo, em factos enunciados pelas Partes nas respetivas peças processuais relativamente aos quais não existe controvérsia e na prova testemunhal produzida em audiência.

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que for alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT).

 

Os factos são selecionados de acordo com a respetiva pertinência jurídica, a qual é determinada em função das várias soluções possíveis para a causa (cf. o anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, atual 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).

 

Tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima enunciados.

 

5. Matéria de direito

 

O regime fiscal do gasóleo colorido e marcado (GCM) encontra-se vertido no Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho, com as alterações que, posteriormente, lhe vieram a ser introduzidas.

 

O artigo 93.º do CIEC, relativo ao benefício fiscal consubstanciado na aplicação de taxas reduzidas de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos, quanto à utilização de determinados produtos petrolíferos, designadamente o gasóleo colorido e marcado (GCM), em situações específicas, estabelece o seguinte: 

 

“Taxas reduzidas

(Redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)

1 — São tributados com taxas reduzidas o gasóleo, o gasóleo de aquecimento e o petróleo coloridos e marcados com os aditivos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças. 

2 — O petróleo colorido e marcado só pode ser utilizado no aquecimento, iluminação e nos usos previstos no n.º 3. 

3 — O gasóleo colorido e marcado só pode ser consumido por: 

a) Motores estacionários utilizados na rega; 

b) Embarcações referidas nas alíneas c) e h) do n.º 1 do artigo 89.º; 

c) (Redação dada pelo artigo 211.º, da Lei n.º 42 /2016, de 28 de dezembro) Tratores agrícolas, ceifeiras debulhadoras, motocultivadores, motoenxadas, motoceifeiras, colhedores de batata automotrizes, colhedores de ervilha, colhedores de forragem para silagem, colhedores de tomate, gadanheiras-condicionadoras, máquinas de vindimar, vibradores de tronco para colheita de azeitona e outros frutos, bem como outros equipamentos, incluindo os utilizados para a atividade aquícola e na pesca com a arte xávega, aprovados por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da agricultura e do mar;

d) Veículos de transporte de passageiros e de mercadorias por caminhos-de-ferro; 

e) Motores fixos; 

f) Motores frigoríficos autónomos, instalados em veículos pesados de transporte de bens perecíveis, alimentados por depósitos de combustível separados, e que possuam certificação ATP (Acordo de Transportes Perecíveis), nos termos a definir em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da agricultura e dos transportes. 

4 — O gasóleo de aquecimento só pode ser utilizado como combustível de aquecimento industrial, comercial ou doméstico. 

5 — (Redação dada pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro) O gasóleo colorido e marcado só pode ser adquirido pelos titulares do cartão eletrónico instituído para efeitos de controlo da sua afetação aos destinos referidos no n.º 3, sendo responsável pelo pagamento do montante de imposto, resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, o proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem devidamente registadas no sistema eletrónico de controlo, bem como em relação às quantidades para as quais não sejam emitidas  as correspondentes faturas com a identificação fiscal do titular de cartão. 

(...)”

 

À data dos factos do caso, em 2015, o n.º 5 do mesmo artigo 93.º, dispunha o seguinte:

 

“5 — (Redacção dada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro) O gasóleo colorido e marcado só pode ser adquirido pelos titulares do cartão electrónico instituído para efeitos de controlo da sua afectação aos destinos referidos no n.º 3, sendo responsável pelo pagamento do montante de imposto resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, o proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem devidamente registadas no sistema eletrónico de controlo, bem como em relação às quantidades para as quais não sejam emitidas as correspondentes faturas em nome do titular do cartão.”

 

No que se refere às isenções de ISP, o artigo 89.º do CIEC dispõe o seguinte: 

 “1 — Estão isentos do imposto os produtos petrolíferos e energéticos que, comprovadamente:

a) Sejam utilizados para outros fins que não sejam em uso como carburante ou em uso como combustível, salvo no que se refere aos óleos lubrificantes classificados pelos códigos NC 2710 19 81 a 2710 19 99;

b) Sejam utilizados na navegação aérea, com excepção da aviação de recreio privada;

c) Sejam utilizados na navegação marítima costeira e na navegação interior, incluindo a pesca e a aquicultura, mas com exceção da navegação de recreio privada, no que se refere aos produtos classificados pelos códigos NC 2710 19 41 a 2710 19 49 e 2710 19 61 a 2710 19 69;

(…)

h) Sejam utilizados em operações de dragagem em portos e vias navegáveis, mas com exclusão da extração comercial de areias que não vise o desassoreamento, no que se refere aos produtos classificados pelos códigos NC 2710 19 41 a 2710 19 49 e 2710 19 61 a 2710 19 69;

(…)

7 — As isenções previstas nas alíneas a), c), d), e), f), h), i) e j) do n.º 1 e nas alíneas a), c) e e) do n.º 2 dependem de reconhecimento prévio da autoridade aduaneira competente.”

 

O regime plasmado no CIEC, atinente à tributação e comercialização do GCM, foi regulamentado pelas Portarias n.ºs 117-A/2008, de 8 de Fevereiro, e 361-A/2008, de 12 de Maio, aprovadas ainda na vigência do anterior Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 566/99, de 22 de Dezembro, que veio a ser revogado pelo n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei que aprovou o atual CIEC. Esta regulamentação, assim como as restantes disposições regulamentares aprovadas à luz do CIEC anterior, mantêm-se em vigor por força da norma transitória constante do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho.

 

A Portaria n.º 117-A/2008[4] regulamenta as formalidades e os procedimentos relativos ao reconhecimento dos benefícios fiscais, ao controlo das isenções e taxas reduzidas previstas no n.º 1 do artigo 71.º e artigo 74.º do CIEC (atuais artigos 89.º e 93.º do CIEC em vigor), e regula, por isso, igualmente, a matéria de reconhecimento do benefício relativo a utilização de gasóleo colorido e marcado nos usos referidos no n.º 3 do artigo 93.º, mediante a atribuição prévia de cartão de microcircuito/eletrónico, dispondo o seguinte:  

 

“TÍTULO I

Disposições gerais

1.º A presente portaria regulamenta as formalidades e os procedimentos aplicáveis ao reconhecimento e controlo das isenções e das taxas reduzidas do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) previstas, respectivamente, no n.º 1 do artigo 71.º e no artigo 74.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 566/99, de 22 de Dezembro, abreviadamente designado por CIEC.

2.º Podem beneficiar de isenção ou da aplicação de uma taxa reduzida do imposto as pessoas singulares ou colectivas que, comprovadamente, utilizem produtos petrolíferos e energéticos sujeitos a ISP nas actividades ou nos equipamentos previstos nas disposições legais referidas no número anterior, desde que cumpram as seguintes condições:

a) Essa actividade esteja devidamente declarada, nos termos da legislação tributária aplicável, excepto quando dispensada por lei ou pela natureza da isenção;

b) Tenham a sua situação tributária e contributiva regularizada;

c) Tenham cumprido as suas obrigações declarativas em sede de impostos sobre o rendimento e do imposto sobre o valor acrescentado.

3.º A competência para o acto de reconhecimento e subsequente controlo e reavaliação dos pressupostos e condições dos benefícios fiscais encontra -se definida nos n.ºs 17.º, 32.º,

36.º, 38.º, 39.º, 41.º, 46.º, 50.º, 56.º, 60.º, 61.º e 64.º da presente portaria.

4.º Os pedidos de isenção ou de redução de taxa do imposto devem ser acompanhados de fotocópia dos seguintes documentos, sem prejuízo de outra documentação considerada necessária:

a) Cartão de identificação fiscal;

b) Documento de licenciamento da actividade exercida, quando exigível.

5.º Os benefícios fiscais concretizados através da utilização de gasóleo colorido e marcado são efectuados obrigatoriamente através da utilização de um cartão de microcircuito, previsto no n.º 5 do artigo 74.º do CIEC, o qual é emitido pela Direcção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR) e remetido aos requerentes pela entidade competente para o reconhecimento do benefício fiscal em causa.

6.º Os cartões referidos no número anterior são pessoais e intransmissíveis, sendo os respectivos titulares responsáveis pela sua regular utilização.

 

CAPÍTULO II

Isenção do ISP para utilização na navegação comercial

28.º As isenções do ISP previstas nas alíneas c) e h) do n.º 1 do artigo 71.º do CIEC abrangem as utilizações em embarcações que, para efeitos da presente portaria, se designam por navegação comercial.

29.º Enquadram-se na disposição prevista no número anterior as embarcações efectivamente utilizadas nas seguintes actividades: 

(…)

e) Operações de dragagem em portos e vias navegáveis, com excepção dos equipamentos utilizados na extracção de areias para fins comerciais. 

30.º Os abastecimentos de gasóleo colorido e marcado para as embarcações referidas no número anterior são registados mediante a utilização obrigatória do cartão de microcircuito emitido para o efeito, sendo todos os abastecimentos controlados pela Brigada Fiscal da Guarda Nacional Republicana, através da utilização de um cartão de microcircuito, emitido sob a responsabilidade daquela corporação.

 

A Portaria n.º 361-A/2008, de 12 de Maio, que estabelece as regras de comercialização de GCM e respetivos mecanismos de controlo, estabelece, por seu turno, o seguinte:

“5.º O gasóleo colorido e marcado só pode ser vendido nos postos de abastecimento aos beneficiários de uma isenção ou redução de taxa de ISP que sejam titulares de cartões de microcircuito emitidos para o efeito pela DGADR, através dos quais são registadas todas as transacções de gasóleo colorido e marcado no sistema informático gerido pela Sociedade Interbancária de Serviços (SIBS).

6.º As vendas a que se refere o número anterior são obrigatoriamente registadas nos terminais POS no momento em que ocorram.

7.º Os abastecimentos aos equipamentos autorizados a consumir gasóleo colorido e marcado que não possam ser efectuados no local do posto de abastecimento, nomeadamente alguns equipamentos agrícolas e florestais e os motores fixos, podem ser registados em terminal POS móvel, no acto e no local do respectivo abastecimento.

8.º O registo no sistema informático, através dos terminais POS, de cada abastecimento efectuado, não dispensa a emissão da respectiva factura ou documento equivalente, emitida em nome do titular do respectivo cartão de microcircuito.

9.º Os registos das transacções referidas no n.º 5.º são enviados em suporte informático pela SIBS à DGADR, a qual, para além das funções de coordenação nacional que lhe incumbem, gere a base de dados relativa ao gasóleo colorido e marcado e é responsável pela emissão, suspensão ou cancelamento dos cartões.

(…)

11.º O gasóleo colorido e marcado só pode ser abastecido aos equipamentos previstos no n.º 3 do artigo 74.º do CIEC, após a verificação, pela entidade competente, dos pressupostos e das condições exigíveis nos termos da legislação aplicável e a atribuição aos respectivos beneficiários do cartão referido no n.º 5.º.

12.º Em caso de erros de digitação ou outras anomalias verificadas na utilização dos terminais POS, devem os mesmos ser imediatamente comunicados, por escrito, preferencialmente por correio electrónico, à DGADR, a fim de serem efectuadas as respectivas correcções.

13.º As empresas petrolíferas devem enviar à DGAIEC, até ao último dia útil de cada mês, uma listagem em ficheiro informático com as vendas ou fornecimentos de gasóleo colorido e marcado aos postos de abastecimento ou a distribuidores, efectuados no mês anterior, com indicação dos respectivos números de identificação fiscal e do terminal POS.

14.º No caso de os distribuidores procederem a fornecimentos a postos de abastecimento, devem as empresas petrolíferas obter dos referidos distribuidores a informação sobre os fornecimentos por estes efectuados aos referidos postos de abastecimento, com indicação dos respectivos números de identificação fiscal e do terminal POS.

15.º O controlo das quantidades de gasóleo colorido e marcado vendidas nos postos de abastecimento é da competência da DGAIEC, devendo para o efeito a DGADR disponibilizar à DGAIEC o acesso à base de dados referida no n.º 9.º.”

 

De acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 88.º (incidência objetiva) do CIEC, o gasóleo rodoviário e o gasóleo colorido e marcado encontram-se sujeitos a Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos.

 

Resulta, portanto, do quadro legal e regulamentar descrito, a intenção do legislador de que apenas o GCM utilizado em determinados fins beneficiasse da isenção ou da taxa reduzida de ISP/ISPPE. Tendo em conta essas limitações ao regime de isenção/redução de taxa, foi criado um mecanismo especial de controlo em que os adquirentes do produto têm que ser titulares do cartão eletrónico atribuído pelos serviços da DGADR do Ministério da Agricultura, dependendo a atribuição deste cartão da prova da titularidade ou exploração dos equipamentos elegíveis.

 

A leitura ou registo desse cartão nos terminais ligados ao sistema informático instituído para efeitos de controlo da aquisição e afetação do GCM são obrigatórios no momento do abastecimento, estabelecendo-se uma norma de responsabilidade tributária dos proprietários ou responsáveis pela exploração dos postos de venda ao público de GCM sempre que os abastecimentos efetuados não se encontrem devidamente registados.

 

Além disso, o n.º 8 da Portaria n.º 361-A/2008 estabelece que deve ser emitida uma fatura ou documento equivalente em nome do titular do referido cartão eletrónico.

 

Da análise aos documentos juntos como doc. n.º 9 resulta com razoável grau de certeza que os 119.600 l vendidos pela Requerente à C... SL foram subsequentemente transmitidos até abastecerem a draga B...- equipamento que efetivamente consumiu aquela quantidade de GCM, tal como autorizado pela entidade competente que lhe atribuiu o cartão de microcircuito n.º ... e confirmado pela Brigada Fiscal da GNR (presente no momento da venda) e pela própria entidade E..., S.A. (através da aposição do carimbo nas guias de remessa).

 

Resulta, assim, dos dados de facto apresentados pela Requerente a este processo que, apesar de os 119.600 l de GCM não terem sido vendidos diretamente pela Requerente à proprietária da draga B..., foi este equipamento que consumiu aquela quantidade de GCM titulada pela fatura de venda n.º... .

 

Não obstante se considerar, como parece também considerar a AT, que o GCM em causa no presente processo foi efetivamente utilizado pela draga titular do cartão de beneficiário utilizado na tramitação eletrónica da operação de abastecimento, a questão que se coloca é se, ainda assim, a Requerente deve ser responsabilizada nos termos do n.º 5 do artigo 93.º do CIEC pelo facto de não ter emitido uma fatura diretamente ao titular da draga, mas sim a um intermediário.

 

O n.º 8 da Portaria n.º 361-A/2008, estabelece, recorde-se, o seguinte:

“8.º O registo no sistema informático, através dos terminais POS, de cada abastecimento efectuado, não dispensa a emissão da respectiva factura ou documento equivalente, emitida em nome do titular do respectivo cartão de microcircuito.”

 

E o n.º 5 do artigo 93.º estabelece o seguinte:

“5 – O gasóleo colorido e marcado só pode ser adquirido pelos titulares do cartão eletrónico instituído para efeitos de controlo da sua afetação aos destinos referidos no n.º 3, sendo responsável pelo pagamento do montante de imposto, resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, o proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem devidamente registadas no sistema eletrónico de controlo, bem como em relação às quantidades para as quais não sejam emitidas as correspondentes faturas com a identificação fiscal do titular de cartão.”

 

A norma que estabelece a obrigatoriedade de emissão de uma fatura ou documento equivalente em nome do titular do cartão de microcircuito é, pois, a norma regulamentar prevista no n.º 8 da Portaria n.º 361-A/2008 – cuja interpretação constitui o cerne da discussão no caso vertente. Prossigamos então.

 

A norma em questão estabelece a emissão de fatura como uma obrigação adicional face a uma outra - o registo da operação de abastecimento no terminal POS. A cumulação de obrigações resulta clara do próprio enunciado normativo: “o registo no sistema informático, através dos terminais POS, de cada abastecimento efetuado, não dispensa a emissão da respetiva fatura (…)”.

 

Por outro lado, da interpretação conjugada do texto desta portaria com o texto da Portaria n.º 117-A/2008, mais concretamente com o que consta do n.º 30 desta última, resulta, ainda, um meio adicional de controlo destas operações de abastecimento de GCM consubstanciado no controlo in loco que é realizado pela GNR (UAF) e que assegura que o abastecimento é efetuado ao beneficiário cuja identificação é inserida no terminal POS.  A forma como esta operação se desenrola resulta dos factos considerados provados nesta decisão, sendo evidente que o abastecimento não se realizará se a brigada fiscal não conseguir verificar que quem está a receber o gasóleo é, efetivamente, o beneficiário registado no terminal POS.

 

Do quadro descrito resulta, portanto, que o controlo da qualidade de beneficiário de quem recebe o abastecimento é realizado de uma forma dupla: (i) por um lado através do registo no sistema informático, através dos terminais POS, de cada abastecimento efetuado, (ii) por outro lado através do controlo in loco que é realizado pela GNR e que impede que o abastecimento se realize a outrem que não o beneficiário registado no terminal POS.

 

No entendimento da AT, segue-se ainda uma outra obrigação: a emissão de uma fatura por (1) quem faz o abastecimento ao (2) titular do objeto do abastecimento. Esta fatura, que terá sempre que ser emitida por quem faz o abastecimento (1), não poderá nunca ser emitida a um terceiro (3) que não o titular do objeto do abastecimento (2), como aconteceu no caso vertente. A AT justifica esta leitura da norma sub judice com a necessidade de um controlo “a posteriori da realidade e da regularidade dos abastecimentos de GCM realizados, com base nos registos e documentação contabilística, que comprovem o circuito do abastecimento desde o fornecedor até ao destinatário autorizado e fim legalmente previsto” (cf. ponto 21 das alegações apresentadas pela Requerida).

 

A Requerente lê a norma de maneira diferente, encontrando nela apenas a necessidade de ser emitida uma fatura ao beneficiário do abastecimento, mas não necessariamente por quem o realiza. Dito de outra forma, entende ser admissível, face ao quadro legal e regulamentar aplicável, que seja A a abastecer B, embora a encomenda do abastecimento seja feita por um C a quem é emitida a fatura por parte de A.

 

A norma em questão estabelece que: “o registo no sistema informático, através dos terminais POS, de cada abastecimento efetuado, não dispensa a emissão da respetiva fatura ou documento equivalente, emitida em nome do titular do respetivo cartão de microcircuito.”

 

Parece-nos resultar evidente da mesma que, por cada abastecimento efetuado, deve ser emitida uma fatura. Parece-nos igualmente evidente que essa fatura deve ser emitida ao titular do cartão de microcircuito, isto é, ao beneficiário certificado. Já não nos parece resultar evidente da norma em questão que essa fatura que é emitida ao beneficiário tenha que ser emitida diretamente por quem faz o abastecimento e não por um terceiro (sempre que, evidentemente, existam relações contratuais que sustentem este circuito, como sucede no caso presente).

 

Será que a introdução destes terceiros, descritos no caso vertente como “intermediários”, prejudica o controlo da fraude na comercialização de gasóleo colorido e marcado? Será, portanto, que a obrigação de a relação comercial se processar apenas entre o fornecedor de gasóleo e o titular do objeto do abastecimento, sem terceiros envolvidos, se justifica à luz da necessidade de controlo da fraude? A AT menciona a necessidade de se proceder a um controlo a posteriori das operações, isto é, mesmo depois de os abastecimentos terem lugar e sabendo que estes só ocorrem se a GNR verificar que o abastecimento está a ser feito a um objeto titular do cartão de beneficiário. Por outro lado, entende que esse controlo a posteriori só pode ocorrer se a relação comercial se estabelecer apenas entre o fornecedor e o titular do objeto de abastecimento.

 

Temos dúvidas de que assim seja. Por exemplo, no caso concreto, foi possível à AT conhecer todo o circuito comercial por detrás do abastecimento: foi possível conhecer as entidades intervenientes, as faturas emitidas entre elas e rastrear o próprio abastecimento, isto é, perceber que as quantidades de GCM que foram abastecidas à draga em questão, na data em questão, foram de facto as quantidades de gasóleo transacionadas entre todos os envolvidos na operação, incluindo fornecedor, beneficiário e terceiros. Por outro lado – e o que se afigura ser realmente relevante para o controlo do benefício fiscal associado ao GCM – não restam dúvidas de que o abastecimento foi feito à draga B..., titular do cartão que certifica a sua qualidade de beneficiário do benefício fiscal em questão. E essa certeza não necessitou de quaisquer controlo contabilístico ou de faturação para surgir – ela surge logo no momento em que o abastecimento ocorre por força do duplo controlo a que se aludiu supra (utilização do cartão do beneficiário e controlo da operação por parte da GNR).

 

A interpretação da AT mostra-se, assim, demasiado onerosa para os operadores económicos e para a atividade económica envolvidos, sem que dessa onerosidade pareça resultar qualquer benefício acrescido para o controlo da fraude na aplicação do benefício fiscal em questão. Por outras palavras, o benefício público que se pretende assegurar (o controlo da fraude) não necessita de uma tal compressão ao direito de livre iniciativa económica previsto no n.º 1 do artigo 61.º da Constituição – “1. A iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral.”

 

O artigo 61.º da Constituição insere-se no Título III, relativo aos “Direitos e deveres económicos, sociais e culturais”. Não obstante, o direito de livre iniciativa económica privada que ele consagra é considerado um direito análogo a um direito, liberdade e garantia – vide, a propósito, J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, quando referem que “ao reconhecer a liberdade de a iniciativa económica privada (n.º 1), a Constituição considera-a seguramente (após a primeira revisão constitucional) como um direito fundamental (e não apenas como um princípio objetivo da organização económica), embora sem a incluir diretamente entre os direitos, liberdades e garantias (beneficiando, porém, da analogia substantiva com eles, enquanto direito determinável e de exequibilidade imediata).[5]

 

A categorização da liberdade de iniciativa económica como um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias remete-nos obrigatoriamente para o regime previsto no artigo 18.º da Constituição, do qual resulta que:

  1. O preceito constitucional relativo a este direito é diretamente aplicável e vincula entidades públicas e privadas;
  2. A restrição deste direito só pode ocorrer nos casos diretamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos;
  3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir caráter geral e abstrato e não podem ter efeito retroativo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.

 

Ora, independentemente da problemática de saber se apenas as leis em sentido formal (ou também os regulamentos, como sucede no caso concreto) podem restringir estes direitos – e se os conceitos de «conformação», «regulamentação» ou «concretização» não compreendem, em si, um efeito restritivo em maior ou menor medida – afigura-se claro que, no caso vertente, estamos perante uma norma regulamentar que, interpretada no sentido defendido pela AT, restringiria além do necessário à salvaguarda do interesse constitucionalmente protegido «controlo da fraude fiscal» o direito constitucionalmente protegido «liberdade de iniciativa económica privada». Como tal, entendemos não ser essa a interpretação adequada à salvaguarda deste direito.

 

Em conclusão, entende este Tribunal, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 204.º da Constituição, que a norma que resulta da interpretação conferida pela AT ao enunciado normativo do n.º 8 da Portaria n.º 361-A/2008, bem como, consequentemente, ao do n.º 5 do artigo 93.º do CIEC, é inconstitucional e, como tal, deve ser, in casu, desaplicada. Consequentemente, as liquidações impugnadas consubstanciam atos ilegais, devendo ser anulados por falta de base legal para a sua emissão.

 

Dos juros indemnizatórios

A Requerente peticiona ainda o pagamento de juros indemnizatórios. Nos termos do disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

 

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, permite a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

 

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao estabelecer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

Nos termos do artigo 43.º da LGT, na parte aqui aplicável, “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

No caso concreto, verifica-se um erro de direito, imputável à AT, por ter procedido à incorreta interpretação do artigo 8.º da Portaria n.º 361-A/2008 e do artigo 93.º, n.º 5 do CIEC, pelo que a Requerente tem direito, em conformidade com o disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, aos juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, calculados à taxa resultante do n.º 4 do artigo 43.º da LGT, até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

6. Decisão                      

De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral nos termos que se seguem:

  1. Declarar ilegais os atos tributários impugnados, correspondentes às liquidações adicionais de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP), Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e respetivos juros compensatórios, referentes ao ano de 2015, no montante total de € 50.013,49, identificadas com o Registo de Liquidação n.º ... de 13.11.2017 e do ato tributário de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) do período de 2015/05, consubstanciado na demonstração de liquidação de IVA n.º 2017 ... de 29.12.2017 e na demonstração de liquidação de acerto de contas n.º 2018 ... de 02.01.2018, no montante total de € 5.884,32, e bem assim, na respetiva demonstração de liquidação de juros de IVA n.º 2017 ... de 29.12.2017 e a demonstração de acerto de contas n.º 2018 ... de 02.01.2018, no montante total de € 575,85;
  2. Condenar a Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios que se mostrarem devidos nos termos do estatuído nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, calculados à taxa resultante do n.º 4 do artigo 43.º da LGT, até à data do processamento da respetiva nota de crédito;
  3. Condenar a AT no pagamento das custas do processo.

7. Valor do processo

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 56.473,66 (cinquenta e seis mil, quatrocentos e setenta e três euros e sessenta e seis cêntimos).

 

8. Custas

 

Nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, o montante das custas é fixado em € 2.142,00 (dois mil, cento e quarenta e dois euros) nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 7 de janeiro de 2019

A Árbitro

 

(Raquel Franco)

 

 



[1] Referir-nos-emos a este ponto mais à frente na decisão.

[2] 2 — Os tribunais arbitrais funcionam com árbitro singular quando:

a) O valor do pedido de pronúncia não ultrapasse duas vezes o valor da alçada do Tribunal Central Administrativo; e

b) O sujeito passivo opte por não designar árbitro.

 

[3] O ato de liquidação de ISP e CSR e respetivos juros compensatórios e o ato de liquidação de IVA e respetivos juros compensatórios.

[4] Alterada pelas Portarias n.º 762/2010, de 20 de Agosto e n.º 206/2014, de 8 de Outubro.

[5] Cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada – artigos 1.º a 107.º, 4.ª edição revista, 2007, p. 789.