Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 109/2018-T
Data da decisão: 2018-10-29  IRS  
Valor do pedido: € 6.050,74
Tema: IRS – Mais-valias – Reinvestimento; Habitação própria e permanente – Domicílio fiscal.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

  1. RELATÓRIO

Em 13 de março de 2018, A..., residente na ..., n.º..., ..., ...-..., Lisboa, com o NIF ... (doravante designada por Requerente), veio, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e 1.º e 2.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março (Portaria de vinculação), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), informando não pretender utilizar a faculdade de designar árbitro.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, e, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, encargo aceite no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

 

  1. Objeto do pedido:

A Requerente vem impugnar o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa da liquidação adicional de IRS do ano de 2007 com o n.º 2009..., no valor de € 6 050,74, pretendendo a declaração de ilegalidade e a consequente anulação de ambos os atos, secundário e primário, antes identificados.

 

B. Síntese da posição das Partes:

1. Da Requerente:

A fundamentar o pedido de anulação do ato tributário de liquidação identificado, invoca a Requerente as seguintes razões de facto e de direito:

  1. A liquidação adicional de IRS do ano de 2007 teria decorrido das mais-valias resultantes da venda do imóvel sito na ..., ..., ..., ..., em julho de 2007, cujo valor de alienação foi reinvestido na aquisição do imóvel sito na ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa;
  2. A AT entendeu que a A. não poderia realizar o reinvestimento porque na altura em que vendera o imóvel sito em ... já não residia no mesmo, pelo que não era a sua casa de habitação própria e permanente;
  3. Sendo que tal se alcançaria do facto de a A. ter alterado o seu domicílio fiscal, em 24.08.2005, junto dos serviços da Administração Tributária, para a Rua..., n.º..., ... Esquerdo, em Lisboa;
  4. Não concordando com tal liquidação adicional, a A. apresentou reclamação graciosa e, do indeferimento desta, recurso hierárquico, na sequência de cujo indeferimento deduziu impugnação judicial, com prestação garantia bancária em vista à suspensão da execução fiscal instaurada;
  5. A impugnação judicial foi julgada improcedente, tendo a sentença sido confirmada por Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido em 05.11.2015;
  6. Ambas as decisões judiciais referem que, tendo a Requerente domicílio fiscal na Rua..., segundo declaração da mesma de 24.08.2005, teria esta que demonstrar que teria efetivamente residência na ..., ..., ..., ..., o que a mesma não logrou fazer;
  7. Em 2016, a A. obteve um documento que demonstra que a declaração de alteração do domicílio fiscal para Rua ..., apresentada em 24.08.2005, foi realizada sem sua intervenção e/ou conhecimento;
  8. Em agosto de 2016, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação adicional de IRS de 2007, ao abrigo do previsto no artigo 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária;
  9. A Requerente foi notificada do indeferimento do pedido de revisão, em cuja decisão a Administração Tributária entendeu que não existiu erro dos serviços e, ainda, que a situação alegada pela A., em teoria, pudesse ser enquadrada no artigo 78.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária (LGT), tal não poderia suceder por já ter decorrido o prazo de 3 anos aí previsto;
  10. Entende a Requerente que o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa padece de ilegalidade, pois existiu efetivamente erro dos serviços que levou à prolação da liquidação adicional de IRS do ano de 2007;
  11. E que, ainda que assim não fosse, não estaria ainda esgotado o prazo para a revisão oficiosa com base no disposto no artigo 78.º, n.º 4, da LGT;
  12. Erro dos serviços, porquanto a alteração do domicílio fiscal da Requerente, em 24.08.2005, para a Rua ..., n.º..., ..., em Lisboa, ocorreu sem sua intervenção e/ou conhecimento ou de qualquer seu representante fiscal, que a Requerente apenas nomeou em 2009;
  13.  Existiu assim um erro dos serviços sobre os pressupostos de facto do ato de liquidação adicional de IRS, que afeta a sua validade e constitui fundamento para a sua anulação, em sede de revisão oficiosa;
  14. A AT considera não ter havido erro dos serviços e que o prazo de 3 anos a que alude o n.º 4 do artigo 78.º, da LGT, se iniciaria a partir da notificação da liquidação adicional, ou seja, em 2009;
  15. No entanto, entende a Requerente que tal prazo de revisão oficiosa só se iniciará com a consolidação definitiva da liquidação adicional na ordem jurídica, ou seja, após o trânsito em julgado da decisão de indeferimento do processo de impugnação judicial;
  16. Pois que o previsto no artigo no artigo 78.º, n.º 4, da LGT tem de ser interpretado de forma sistemática com as demais disposições legais, tendo em consideração os diversos meios de reação, graciosos e judiciais, visando ser a válvula de escape para situações de ilegalidade ou de injustiça grave antes não corrigidas;
  17. Tal é a interpretação a seguir, por ser a única compatível com o disposto no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa;
  18. A decisão do recurso no processo de impugnação só foi proferida em novembro de 2015, não tendo decorrido mais de um ano entre o trânsito em julgado dessa decisão e a apresentação do pedido de revisão oficiosa, que se revela tempestivo.

 

Termina a Requerente por formular os pedidos de: (a) Anulação do indeferimento do pedido de revisão oficiosa e, em consequência, de anulação da liquidação adicional do ano de 2007 e, caso assim se não entenda, (b) Anulação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, por violação do disposto no artigo 78.º, n.º 4, da LGT, com a condenação da Administração Tributária na apreciação da revisão oficiosa, com fundamento em injustiça grave ou notória.

A Requerente junta prova documental e comprovativo de concessão de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, requerendo a produção de prova testemunhal.

 

2. Da Requerida:

Na sequência do despacho de notificação nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou Resposta, na qual se defendeu por exceção e por impugnação, fez juntar o processo administrativo (PA) e pugnou pela legalidade e manutenção da liquidação impugnada, com os seguintes fundamentos:

  1. - Por Exceção:
    1. A Requerente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IRS do ano de 2007 objeto dos autos, recurso hierárquico e impugnação judicial julgada improcedente, o que foi confirmado por Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, transitado em julgado em 14.12.2015;
    2. Em 11.08.2016, a A. deduziu pedido de revisão oficiosa da mesma liquidação, sustentando que residia com o seu agregado familiar no imóvel alienado na data da venda em apreço, juntando um novo documento;
    3. Na sequência do indeferido o pedido, a A. apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem aos presentes autos;
    4. Ora, “O caso julgado visa garantir fundamentalmente, o valor da segurança jurídica (cfr. Miranda, Jorge, in Manual de direito Constitucional, t.II, 3.ª ed., reim., Coimbra,1966, p.494), fundando-se a protecção a essa segurança jurídica, relativamente a actos jurisdicionais, no princípio do Estado de Direito, pelo que se trata de um valor constitucionalmente protegido (Canotilho, Gomes, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra,1998, p.257)”;
    5. Nos termos dos arts. 580 e 581º do CPC, aplicáveis ex vi art.º 2.º al. e) do CPPT, a excepção de caso julgado pressupõe a repetição duma causa, a qual existe quando são idênticos, nas duas acções, os sujeitos, o pedido e a causa de pedir, e visa evitar que o Tribunal seja colocado na situação de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (Vide Ac. do STJ de 1997/07/03, proc. 359/96, 2.ª Secção e de 1999/04/29, proc. 2.ª Secção)”;
    6. O princípio orientador que permite remover as dúvidas, se determinada acção é idêntica a outra, é o da existência ou inexistência da possibilidade de duas ou mais decisões judiciais se poderem contradizer na prática: “as acções considerar-se-ão idênticas, se a decisão da segunda fizer correr ao Tribunal o risco de contradizer ou reproduzir a decisão proferida na primeira”, (Ac.RC. de 00.5.25, Recurso nº970/2000, in http://www.trc.pt/trc09015.html)”;
    7. Em ambos os autos são sujeitos a aqui A e a aqui ED”;
    8. “(…) diz-se que há identidade de causa de pedir, quando a pretensão deduzida em mais que uma acção procede do mesmo facto jurídico concreto, simples ou complexo, de que emerge o direito do A., e fundamenta, portanto, legalmente a sua pretensão, constituindo um elemento definidor do objecto da acção (cfr. art. 498.º, n.4, do C.P.C.), ( Ac. STJ, de 17/1/75, BMJ, 243.º, p. 206; Ac. STJ, de 18/2/88, BMJ, 374.º, p. 423 e Varela, A., RLJ, 121.º, p. 147. )”;
    9. Não sendo necessário que sejam idênticas as demandas formuladas, mas sim, que a questão fundamental levantada nas duas acções seja idêntica, (Ac. STJ, de 26/10/89, BMJ, 390.º, p. 379.)”;
    10. “In casu, constitui causa de pedir, em ambas as acções, a alegação de que à data da venda da fracção em apreço, a A e o seu agregado familiar ali residiam (embora, nos presentes autos, se pretenda provar o facto residência num documento não junto aos autos de impugnação judicial);
    11. Sendo inequívoca a identidade dos pedidos, uma vez que se pretende, em ambos os processos obter o mesmo efeito jurídico – a anulação da liquidação adicional de IRS referente a 2007”;
    12. Pelo que é evidente a repetição da causa, que, por se mostrar já decidida a primeira, constitui caso julgado, nos precisos termos dos arts. 580 e 581º do CPC”;
    13. “(…) o pretenso documento que a A agora traz a juízo, se acaso tivesse a virtualidade de dar por provada a pretendida residência na fracção vendida, à data da respectiva venda, deveria outrossim ter impelido a A. a deduzir recurso de revisão, ancorada na alínea c) do art. 696º do CPC”;

(ii) - Por impugnação:

a. A Requerida impugna as alegações da Requerente, no que concerne à sua residência em 2007, ano da alienação do imóvel que esteve na origem da liquidação adicional de IRS daquele ano, face ao que em sede judicial se decidiu sobre a matéria;

b. A AT impugna ainda o que vem alegado no artigo 35.º, da PI, de que “foi a Administração Tributária que decidiu fixar uma liquidação adicional de IRS com base nos factos que bem entendeu”, porquanto a liquidação foi efetuada com base nos elementos declarados pela Requerente;

c. Considera a AT que a existir erro na liquidação, tal erro não se deve aos serviços, mas sim ao comportamento negligente da Requerente, que recebia as notificações da AT na morada constante do cadastro, que na declaração modelo 3 na origem da liquidação adicional de IRS de 2007 declarou ser “não residente” em Portugal e que, nem em sede administrativa, nem na impugnação judicial, cumpriu com o ónus de alegar e provar que residia na fração que vendeu;

d. Não podendo, por isso, invocar a injustiça grave ou notória, ostensiva ou inequívoca, nem resultante de tributação manifestamente exagerada ou desproporcionada;

e. Não colhe a interpretação da Requerente quanto ao termo inicial do prazo de revisão oficiosa, que não tem qualquer acolhimento na lei, pois que a liquidação impugnada é válida e eficaz, tendo dado origem à instauração de uma execução fiscal, que só se suspende mediante prestação de garantia;

f. Assim, “Nos precisos termos dos nºs 2 e 3 do art. 574º do CPC vai impugnada toda a matéria plasmada na PI que sustenta a pretensão do A, que se mostrar em oposição com a defesa no seu conjunto”;

g. Quanto ao requerimento probatório, entende a AT que o mesmo deve ser totalmente indeferido, porquanto os factos que com ele se pretendem provar (residência na fração vendida à data da respetiva venda) foram já alvo de decisão judicial transitada em julgado.

 

Termina a AT por declarar prescindir da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, bem como da produção de alegações.

*

Tendo sido notificada para responder à matéria de exceção e para indicar quais os artigos da PI sobre que pretendia recaísse prova testemunhal, a Requerente veio dizer:

  1. Quanto à matéria de exceção:
  1. Não existe caso julgado, nem sequer identidade de objeto entre as duas ações, pois o processo de impugnação judicial teve por objeto o ato de liquidação adicional e nos presentes autos se impugna o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa;
  2. Também não estão em causa as mesmas questões de fundo em ambas as ações: a revisão oficiosa funda-se no facto de a alteração do domicilio fiscal da Requerente para a Rua..., n.º..., ... ter sido realizada sem a sua intervenção e/ou conhecimento, que não foi objeto da ação judicial por ser desconhecido na altura, pois a Requerente só dele tomou conhecimento quando obteve o documento n.º 4 junto com o Requerimento Inicial, em 26 de julho de 2016;
  3. Na fundamentação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa é a própria Autoridade Tributária que vem aduzir novos fundamentos que não constavam da liquidação adicional ou do processo judicial referido e que volta a invocar na sua Resposta;
  4. A Requerente invocou ainda uma ilegalidade intrínseca à decisão em causa, de que, ao contrário do referido na decisão do pedido de revisão oficiosa, não fora ultrapassado do prazo previsto no artigo 78.º, n.º 4, da LGT;
  5. Tal como decidido por Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.12.2011, no processo n.º 0419/11, em que se apreciou a questão de saber quando é que existe caso julgado entre a decisão judicial de impugnação do ato de liquidação e a impugnação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa desse mesmo ato de liquidação, “só existe caso julgado quando na impugnação da decisão da revisão oficiosa estejam em causa os mesmos vícios imputados ao acto de liquidação no processo de impugnação e não uma outra situação de facto que consubstancie um erro dos serviços”;
  6. Não existindo identidade das questões de fundo (mormente por a situação de facto aqui invocada que consubstancia o erro dos serviços não ter sido apreciada na impugnação judicial), inexiste caso julgado, devendo tal exceção ser julgada improcedente.
  7. A Requerente impugna a demais matéria de exceção que, embora não se ache como tal identificada, possa constar da Resposta da Autoridade Tributária;
  1. Quanto à produção de prova:
    1. A Requerente pede que a AT seja notificada para juntar aos autos os documentos referentes à nomeação de representante fiscal, de que conste a data em que a nomeação foi efetuada;
    2. Embora admita que a questão principal de facto em discussão nos autos se acha provada pelo documento n.º 4 junto com a PI (que a alteração do domicílio fiscal da Requerente para a Rua ..., n.º..., ... foi realizada sem a intervenção e/ou conhecimento da Requerente), veio a Requerente, para o caso de o tribunal arbitral considerar aquela matéria como não provada, reiterar o pedido de produção de prova testemunhal e formular pedido de prestação de declarações de parte sobre a mesma.

*

Por despacho arbitral de 4 de setembro de 2018, foi a Autoridade Tributária e Aduaneira notificada para, no prazo de 10 dias, juntar aos autos cópia do documento comprovativo da nomeação de representante fiscal pela Requerente, de que constasse a data da respetiva apresentação.

O mencionado documento foi junto ao processo a coberto de Requerimento da Requerida, de 12 de setembro de 2018.

Em 14 de setembro de 2018 foi proferido despacho arbitral, no qual, atendendo à prova documental produzida pelas Partes e à resposta da Requerente à matéria de exceção, foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, determinando-se que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas pelo prazo de 10 dias, com início na Requerente, e fixando-se o dia 29 de outubro de 2018 para prolação da decisão arbitral.

Ambas as Partes produziram alegações escritas, nas quais reiteraram as posições defendidas nos respetivos articulados.

 

II. SANEAMENTO

1.  O Tribunal Arbitral é competente e foi regularmente constituído em 24 de maio de 2018, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro;

2.  As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, do RJAT, e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

3.  O processo não padece de vícios que o invalidem.

 


III.  FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário [CPPT], subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), sob pena de nulidade, cominada pelo n.º 1 do artigo 125.º, do mesmo CPPT.

 

  1. Factos Provados:
  1. Em 29 de julho de 2009, foi apresentada a declaração modelo 3 de IRS referente aos rendimentos obtidos pela Requerente no ano de 2007, integrando um Anexo G – Mais-Valias e Outros Incrementos Patrimoniais, nela tendo sido declarado (cfr. cópia junta à P. I.):
    1. No rosto da declaração – quadro 5, campo B, tratar-se de um contribuinte não residente, fiscalmente representado pelo sujeito passivo com o NIF...;
    2. No Anexo G – quadro 4, a alienação em julho de 2007, da fração J do prédio urbano inscrito sob o artigo ... da freguesia com o código ..., adquirido em abril de 1995, no quadro 5 – a intenção de proceder ao reinvestimento do valor de realização do mesmo imóvel e no quadro 5-A, que o reinvestimento se concretizou na aquisição de outro imóvel em território português, sem que o novo imóvel tivesse sido identificado no quadro 5-B;
  2. Com base nos elementos declarados, a AT emitiu em nome da Requerente a liquidação de IRS n.º 2009..., de 21-09-2009, no valor de € 6 050,74, com data limite de pagamento em 02-11-2009 (cfr. cópia junta à P. I.);
  3. Em 19-11-2009, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação de IRS de 2007 (processo n.º ...2010...), na qual foi prestada a seguinte informação (cfr. cópia junta ao PA):

  1.   Na sequência do exercício do direito de audição (cfr. cópia junta ao PA), foi prestada a seguinte informação complementar:

  1. A decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi notificada à Requerente pelo ofício n.º ... do Serviço de Finanças de Lisboa..., de 25.03.2010 (Registo dos CTT RC...PT), com cópia junta ao PA;
  2. Em 21 de maio de 2010, a Requerente apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, cuja decisão de indeferimento lhe foi notificada pelo ofício n.º ... da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, de 10.11.2010 (Registo dos CTT RC...PT), com cópia junta ao PA;
  3. Em 5 de janeiro de 2010, a Requerente deduziu oposição no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...2009..., instaurado para cobrança coerciva da liquidação ora impugnada (cfr. PA);
  4. A oposição, registada no Tribunal Tributário de Lisboa sob o n.º .../10...BELRS, viria a ser convolada em impugnação judicial, julgada improcedente por sentença de 22 de janeiro de 2014 (cópia junta à P. I. e ao PA), na qual se apurou a seguinte matéria de facto:

 

  1. E, em sede de fundamentação jurídica, considerou a Meritíssima Juíza, nomeadamente, o seguinte:

(…)

(…)

(…)

  1. A Requerente interpôs Recurso Jurisdicional da Sentença proferida no processo n.º .../10...BELRS (Processo n.º .../14 – 2.º Juízo, 2.ª Secção (Contencioso Tributário), do Tribunal Central Administrativo Sul), cujo Acórdão, de 05.11.2015, negou provimento ao Recurso, aderindo aos fundamentos da Sentença recorrida e concluindo que “Não tendo ficado demonstrada a reunião dos pressupostos de aplicação da exclusão de tributação, o presente recurso terá de improceder (…);
  2. Em 2016, a Requerente obteve cópia da declaração de alteração do seu domicílio fiscal para a Rua ..., n.º..., em Lisboa, apresentada em 24.08.2005, sem a sua intervenção ou do seu representante fiscal (cfr. Doc. 4, junto à P.I.);
  3. O representante fiscal da Requerente apenas foi nomeado em 05.05.2009 (cfr. Doc. junto pela AT, por requerimento de 12.09.2018);
  4. Em 11 de agosto de 2016, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRS do ano de 2007, nos termos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, com fundamento em erro imputável aos serviços na alteração do seu domicílio fiscal para a morada indicada em 11, de que decorreria o erro sobre os pressupostos de facto da referida liquidação (cfr. cópia do pedido de revisão oficiosa n.º .../16, junta ao PA);
  5. Nos termos da informação n.º .../17, da Direção de Serviços do IRS, sobre que assentou o projeto de indeferimento notificado à Requerente para efeitos de audição prévia, o pedido de revisão oficiosa não poderia ser enquadrado no n.º 1 do artigo 78.º, da LGT, por não haver erro imputável aos serviços na emissão da liquidação de IRS do ano de 2007, nem a mesma poderia ser revista nos termos n.º 4 do mesmo artigo, porquanto (…)

(…);

  1. A decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa foi notificada à Requerente, através do ofício da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, remetido a coberto do registo dos CTT n.º RD...PT, de 12 de dezembro de 2017 (cfr. cópia junta ao PA);
  2. Da fundamentação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRS do ano de 2007 consta, nomeadamente, o seguinte (cfr. cópias juntas à P.I. e ao PA):

(…)

  (…)

(…)

 

(…).

 

  1. Factos não provados:

Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

  1. Fundamentação da matéria de facto:

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

A matéria de facto acima fixada é a que decorre da análise crítica da prova documental junta aos autos, de acordo com os documentos identificados em cada uma das alíneas supra.

 

III.2 DO DIREITO

  1. Da exceção de caso julgado:

Nos termos do n.º 1 do artigo 608.º, do Código do Processo Civil (CPC), subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, a sentença deve conhecer, prioritariamente, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, enunciadas no artigo 577.º, do CPC, entre as quais a exceção do caso julgado (alínea i), invocada pela Requerida, face ao trânsito em julgado do Acórdão proferido pelo TCA Sul no Processo n.º 07615/14 – 2.º Juízo, 2.ª Secção, em 5.11.2015, que decidiu negando provimento ao Recurso interposto pela Requerente da Sentença prolatada no processo de impugnação judicial n.º .../10...BELRS, que correu termos pelo Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa.

 

Por seu turno, a Requerente nega a existência de caso julgado, por não se encontrarem reunidos os requisitos a que alude o artigo 581.º, do CPC: que a presente ação arbitral seja idêntica à do processo de impugnação judicial n.º .../10...BELRS, porquanto embora se verifique a identidade das Partes, não se verifica a identidade do objeto do processo, pois que na presente ação arbitral se invoca uma ilegalidade intrínseca da decisão do pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRS do ano de 2007, consubstanciada em erro dos serviços e que não chegou a ser discutida na impugnação judicial, dada a superveniência na obtenção pela Requerente da declaração de alteração do seu domicílio fiscal para a Rua ..., n.º ..., em Lisboa, apresentada em 24.08.2005, sem a sua intervenção.

Em abono da sua tese, cita a Requerente o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) proferido em 07.12.2011 no processo n.º 0419/11, em que, apreciando questão idêntica à dos autos, se decidiu que “só existe caso julgado quando na impugnação da decisão da revisão oficiosa estejam em causa os mesmos vícios imputados ao acto de liquidação no processo de impugnação e não uma outra situação de facto que consubstancie um erro dos serviços”.

 

Tratou-se, porém, no referido Acórdão, de um recurso interposto pela Fazenda Pública de um despacho proferido em processo de impugnação judicial em que se discutia a legalidade de liquidações adicionais de IVA, que julgou a exceção dilatória de caso julgado invocada pela AT improcedente, e a que foi dado provimento.

 

Refere o sumário do referido Acórdão do STA, proferido no processo n.º 0419/11, quanto aos limites objetivos do caso julgado:

Sumário: I - Os limites objectivos do caso julgado definem-se por referência ao objecto do processo.

II - No processo de anulação de actos tributários o objecto do processo define-se necessariamente por referência a um acto inválido: o pedido imediato do impugnante corresponde à eliminação do acto impugnado da ordem jurídica, e com ela, a cessação da situação lesiva por ele causada; e a causa de pedir, às específicas causas de invalidade invocadas.

III - Mas o facto do acto ser um elemento essencial da acção impugnatória, não permite concluir que o objecto do processo se identifique com ele, pois, subjacente à pretensão anulatória existe sempre uma relação material constituída pela definição introduzida pelo acto na ordem jurídica e pela lesão que ele causa à posição jurídica subjectiva do impugnante.

IV - O caso julgado material estende-se assim ao juízo que o tribunal faz sobre os pressupostos de que depende o exercício do poder consubstanciado no acto ou sobre a ocorrência de factos impeditivos ou extintivos que obstem a esse exercício.

V - Por isso, há identidade de objecto se já existir uma sentença transitada em julgado que apreciou os concretos fundamentos de facto e de direito em que se baseia a pretensão anulatória do acto impugnado.”.

 

A situação analisada no Acórdão citado consistiu em saber se, perante a formação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa das liquidações de imposto, apresentado após o trânsito em julgado de sentença judicial que julgou improcedente a impugnação judicial que as teve como objeto, deveria o Tribunal reapreciar a legalidade daqueles atos tributários, com fundamento na violação do dever de decisão que impende sobre a Administração Tributária.

 

Na situação em análise nos presentes autos, não se verificou o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRS do ano de 2007; antes foi proferida decisão expressa de indeferimento do pedido, por não se julgar verificado o erro dos serviços na emissão da liquidação (artigo 78.º, n.º 1, da LGT) e por extemporaneidade do pedido, em abstrato enquadrável na previsão dos n.ºs 4 e 5, do mesmo artigo 78.º, da LGT.

 

De acordo com o disposto no artigo 96.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o processo judicial tributário, em que se compreende “a impugnação da liquidação dos tributos” (artigo 97.º, n.º 1, alínea a), do CPPT), “tem por função a tutela plena, efetiva e em tempo útil dos direitos e interesses legalmente protegidos em matéria tributária”, assim concretizando o comando ínsito no n.º 4 do artigo 268.º, da CRP.

 

Nas palavras de Rui Duarte Morais, “Ficou assim afirmado, no domínio específico do direito tributário, que o pressuposto para a concessão da tutela judicial não é a invocação dos vícios de um ato praticado pela administração (ou por ela “validado”, ainda que por forma meramente implícita). A tutela judicial tem, agora, como função a salvaguarda de direitos ou interesses legítimos e tem como pressuposto a sua lesão. Está em causa a superação da tradicional conceção objetivista do contencioso administrativo, dirigido a conseguir que a administração cumpra com a lei – à defesa da legalidade – relativamente a determinado ato.

(…)

Estarão, pois, em causa, impugnações de atos.

Mas, mesmo no contencioso de mera anulação, a sentença que põe termo ao processo de impugnação não se limita ao reconhecimento da invalidade do ato anulado ou declarado nulo, também se estende à definição, em maior ou menor medida, dos termos em que se deve processar e exercício futuro do poder manifestado através desses atos (…)[1].

 

Temos assim que, também no processo tributário, o caso julgado material implica que transitada em julgado a sentença que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele (cfr. o n.º 1 do artigo 619.º, do CPC), impedindo que “as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em ação futura (…)” – cfr. o Acórdão do STJ, de 30.03.2017, processo n.º 1375/06.3TBSTR.E1.S1., disponível em www.dgsi.pt.

 

A exceção do caso julgado tem por objetivo evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão judicial anterior (cfr. o artigo 580.º, n.º 2, do CPC) e verifica-se, nos termos do artigo 581.º, do mesmo Código, sempre que haja identidade de sujeitos (quando as partes são as mesmas em ambas as ações), de pedido (quando seja o mesmo o efeito jurídico pretendido em ambas as ações) e de causa de pedir (quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico).

 

No caso concreto da presente ação arbitral, é possível concluir pela identidade das partes (a Requerente e a Requerida), de pedido (tanto nos autos como no processo de impugnação judicial n.º .../10...BELRS a Requerente pretende obter a anulação da liquidação de IRS do ano de 2007).

 

Quanto à causa de pedir, conclui-se que em ambas as ações o pedido ou pretensão da Requerente decorre do mesmo facto jurídico, ou seja, da não exclusão da tributação das mais-valias obtidas com a alienação de um imóvel, por se não ter provado que o mesmo, à data da respetiva venda, se destinasse à habitação própria e permanente da Requerente ou do seu agregado familiar, como é exigido pelo n.º 5 do artigo 10.º, do Código do IRS.

 

Não coincidindo os conceitos de “domicílio fiscal” e de “habitação própria e permanente do sujeito passivo e do seu agregado familiar”, como foi analisado na Sentença proferida na impugnação judicial e confirmado pelo Acórdão do TCA Sul que julgou improcedente o recurso dela interposto, torna-se irrelevante o erro dos serviços na alteração do domicílio fiscal da Requerente sem a sua intervenção ou conhecimento, ou do seu representante fiscal, nomeado muito após ter sido efetuada aquela alteração.

 

Em face do exposto, tendo a situação tributária material da Requerente sido definida por decisão judicial transitada em julgado, não há como não considerar verificada a invocada exceção de caso julgado.

 

 

IV.    DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados, decide-se em, julgando verificada a exceção de caso julgado, absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância, com todas as consequências legais.

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 6 050,74 (seis mil e cinquenta euros e setenta e quatro cêntimos).

 

CUSTAS: As custas do processo, calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 612,00 (seiscentos e doze euros), ficariam a cargo da Requerente, caso esta não beneficiasse de proteção jurídica, na modalidade de “Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo”, nos termos da Lei n.º 34/2004, de 29.07, conforme o despacho do ISS, EP – Centro Distrital de Lisboa, que lhe foi comunicado por ofício daquele Serviço, de 15.02.2018, com cópia junta aos autos.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 29 de outubro de 2018.

O Árbitro,

 

/Mariana Vargas/

 

 

 



[1] Rui Duarte Morais, “Manual de Procedimento e Processo Tributário”, Almedina, Coimbra, 2012, págs. 241 e 242.