Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 51/2018-T
Data da decisão: 2018-10-19  IVA  
Valor do pedido: € 61.880,65
Tema: IVA – Isenção; Arrendamento.
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Sofia Ricardo Borges e José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I – RELATÓRIO

 

  • No dia 06 de Fevereiro de 2018, A..., S.A., NIPC..., com sede em ..., caixa postal..., ...-... ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação adicional de IVA n.º 2017..., n.º 2017... e 2017..., bem como das liquidações de juros n.º 2017..., n.º 2017... e n.º 2017..., no valor global de €59.720,88 e, ainda, do despacho de indeferimento de reclamação graciosa que as confirmou.

 

  • Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:
  1. os arrendamentos em causa têm uma natureza mista composta pela locação do imóvel e de um conjunto de bens móveis corpóreos imprescindíveis ao exercício da actividade por parte dos locatários;
  2. as duas locações sob análise jamais poderão ser enquadradas como um arrendamento “paredes nuas” ao qual é aplicável a isenção prevista no artigo 9.º, alínea 29) do CIVA.

 

 

  • No dia 07-02-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  • A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  • Em 27-03-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  • Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 16-04-2018.

 

  • No dia 22-05-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.

 

  • No dia 16-07-2018, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.

 

  • Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  • Nos termos e para os efeitos do artigo 18.º/2 do RJAT foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo fixado no artigo 21.º/1 do RJAT.

 

  • O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. Em 15-10-2010, a Requerente, por contrato de arrendamento, concedeu o gozo temporário do prédio urbano localizado na ..., ..., ..., ...-... Olhão, à sociedade B..., Lda.
  2. O contrato de arrendamento foi celebrado pelo prazo de cinco anos, automaticamente renovável, ascendendo o valor da renda mensal a €13.500,00 (acrescido do respectivo IVA).
  3. Nos termos da cláusula 7ª, n.º 1 do contrato referido no ponto anterior “A arrendatária obriga-se a manter o local arrendado, nomeadamente as paredes, tectos, pavimentos, portas, fechaduras, vidros, encanamentos, bem como todos os pertences e equipamentos nas condições de conservação e limpeza existentes à data da celebração do contrato”.
  4. Os pertences em causa incluíam fibra óptica, câmaras, racks para paletes, escritórios equipados, casas de banho equipadas e armários.
  5. A Requerente renunciou à isenção de IVA relativamente a esta operação de arrendamento, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 12.º do CIVA e do Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro, tendo a mencionada renúncia produzido efeitos a 13-10-2010.
  6. A B..., Lda. decidiu denunciar o contrato de arrendamento antes de decorrido o prazo de 5 anos pelo qual fora celebrado, tendo pago a última renda em Março de 2013.
  7. A partir do momento em que a Requerente foi informada pela B..., Lda. de que iria denunciar o contracto de arrendamento, diligenciou no sentido de encontrar um novo arrendatário para aquele espaço.
  8. A Requerente colocou diversos anúncios publicitários em várias publicações do sector, nomeadamente, no C..., na D..., no E..., na Revista F..., entre outros, tendo pago todos os anúncios às entidades publicitárias.
  9. A Requerente enviou fotografias do imóvel em questão a agências de mediação imobiliária e potenciais interessados.
  10. A B..., Lda. tinha adquirido um conjunto de bens que foram colocados no imóvel e que ali foram deixados após a cessação do contrato de arrendamento, tendo elaborado uma lista de equipamentos, datada de 10-04-2013, da qual constam:
  • paletes com 9 metros de altura;
  • estantes com 4 metros de altura;
  • termoacumuladores para o aquecimento de águas;
  • zona técnica;
  • móveis de escritório;
  • 2 cozinhas;
  • equipamento completo de casas de banho.
  1. Nas fotografias enviadas para as agências de mediação imobiliária e potenciais interessados, constavam os pertences e equipamentos que faziam parte do imóvel, designadamente:
  1. Estantes de armazenamento e logística;
  2. Secretárias;
  3. Cadeiras;
  4. Caixotes do lixo;
  5. Computadores;
  6. Telefones;
  7. Armários de arquivo;
  8. Sofás;
  9. Material de escritório diverso;
  10. Cacifos.
  1. Nos anúncios era feita a seguinte menção: “Completamente equipadas! Prontas a trabalhar!”
  2. A Requerente teve diversos interessados em arrendar e, inclusivamente, comprar o imóvel em causa.
  3. Em 20-04-2015, a Requerente, concedeu o gozo temporário do referido imóvel à sociedade G..., Lda., abrangendo apenas o piso 0, contudo, uma vez que o restante espaço do imóvel não estava ocupado, foi também utilizado pela arrendatária.
  4. O contrato denominado de “Contrato de arrendamento para fins não habitacionais” foi celebrado pelo período de três anos, automaticamente renovável, sendo que o valor mensal da renda ascendia a €2.000,00, não sendo feita no contrato qualquer menção ao IVA.
  5. A cláusula 7.ª, n.º 1 do contrato refere que “A Arrendatária obriga-se a manter o local arrendado, nomeadamente as paredes, tectos, pavimentos, portas, fechaduras, vidros, encanamentos, bem como todos os pertences e equipamentos, nas condições de conservação e de limpeza existentes à data da celebração deste contrato”.
  6. De acordo com o contrato, a G... ficou autorizada/obrigada a utilizar o imóvel para as seguintes finalidades: projecção, construção e reparação naval, construção de objectos em fibra de vidro e materiais similares, compra, venda recolha e armazenamento de embarcações e acessórios de navegação.
  7. Relativamente a este contrato, não foi apresentado pela Requerente pedido de renúncia à isenção.
  8. A Requerente liquidou IVA sobre as rendas facturadas à G... .
  9. No período que decorreu entre a cessação do contrato de arrendamento celebrado com a B..., Lda. e a celebração do contrato com a G..., Lda., o imóvel esteve afecto à actividade da Requerente e apenas não foi arrendado pelo facto de não existirem interessados.
  10. Na locação à G..., Lda., os equipamentos e materiais que se encontravam no locado eram os iniciais, acrescidos dos equipamentos que foram deixados pela anterior arrendatária (B..., Lda).
  11. No dia 12 de Agosto de 2016, na declaração periódica do período 1606T, a Requerente apresentou um pedido de reembolso no valor de €144.956,68.
  12. O IVA deduzido pela Requerente corresponde ao IVA suportado com obras que efectuou no imóvel, e não com a aquisição do mesmo.
  13. Na sequência do referido pedido de reembolso, foi determinada uma inspecção tributária credenciada pelos Despachos n.º DI2016..., DI2016... e DI2016... e pelas Ordens de Serviço n.º OI2016..., OI2016... e OI2016..., de âmbito parcial (IVA), e referente aos períodos de tributação compreendidos entre 2014 e 2015 e ao segundo trimestre de 2016.
  14. A formação do montante de reembolso pedido ocorreu nos períodos de 2008, 2009 e 2010, repercutindo-se o reporte nos períodos subsequentes.
  15. Em 02-12-2016, a Requerente foi notificada do Projecto de Relatório de Inspecção e para, querendo, no prazo de 15 dias proceder ao exercício do direito de audição.
  16. A Requerente não exerceu o direito de audição.
  17. O bastante procurador da Requerente –H...– foi notificado, em 05-01-2017, do Relatório Final de Inspecção Tributária.
  18. Do Relatório de Inspecção Tributária consta o seguinte:

 

 

 

                                                

 

  1. O pedido de reembolso foi totalmente indeferido.
  2. A Requerente foi notificada das seguintes liquidações:

  1. Em 09-06-2017, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra as liquidações acima referidas.
  2. A Requerente foi notificada através do ofício n.º..., de 16-10-2017, do projecto de despacho de indeferimento da reclamação graciosa e para, querendo, exercer o direito de audição.
  3. A Requerente exerceu o seu direito de audição prévia.
  4. Em 09-11-2017, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa através do ofício n.º... .
  5. Nos dias 13 e 14 de Março de 2017, a Requerente efectuou o pagamento de todas as liquidações adicionais, no valor de €59.720,88.
  6. A 06-02-2018 a Requerente apresentou o PPA que originou este processo.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e testemunhal, e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

            Começa a Requerente por arguir o vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, na medida em que terá sido violado o disposto no artigo 9.º/29) do Código do IVA, que dispõe que:

«Estão isentas do imposto:

29) A locação de bens imóveis. Esta isenção não abrange:

a) As prestações de serviços de alojamento, efectuadas no âmbito da actividade hoteleira ou de outras com funções análogas, incluindo parques de campismo;

b) A locação de áreas para recolha ou estacionamento colectivo de veículos; c) A locação de máquinas e outros equipamentos de instalação fixa, bem como qualquer outra locação de bens imóveis de que resulte a transferência onerosa da exploração de estabelecimento comercial ou industrial;

d) A locação de cofres-fortes;

e) A locação de espaços para exposições ou publicidade;»

            Para a Requerente, os contratos celebrados entre  si e a B..., Lda., por um lado, e a G..., Lda., por outro, não se subsumem a meros arrendamentos do imóvel, mas possuem uma natureza mista composta pela locação de um imóvel e de um conjunto de bens móveis corpóreos imprescindíveis ao exercício da actividade por parte dos locatários.

            Esta argumentação é referida pela Requerente com particular enfoque quanto ao segundo dos contratos (G..., Lda.), uma vez que nos presentes autos está apenas em causa a liquidação de IVA referente a períodos ocorridos na vigência deste contrato. Aliás, a referência ao primeiro não deixa de conter uma contradição nos seus termos, note-se, pois que no âmbito do primeiro a Requerente solicitou renúncia à isenção (isenção constante do n.º 29) do art.º 9.º do CIVA). Ou seja, não o considerou, então, abrangido pelo afastamento da isenção constante da al. c) do mesmo 29).

            Considera a Requerente que o contrato de arrendamento celebrado com a G..., Lda. é sujeito a IVA não porque tenha ocorrido a renúncia à isenção de imposto, a qual não seria possível[2], mas porque, materialmente, se estará perante uma prestação de serviços composta, que se traduz na disponibilização de um espaço mobilado e adaptado ao exercício de uma actividade. A qual, assim, recairia no âmbito da já referida al. c) do 29) do art.º 9.º do CIVA.

            Sobre a matéria em questão, tem a AT assumido posições doutrinárias por várias vezes, em informações vinculativas publicadas.

            Assim, na ficha doutrinária emergente do processo n.º 4369, sancionada por despacho do Sub-Director Geral IVA de 04-02-2013, pode ler-se:

13. A Administração Fiscal tem utilizado um critério preciso que permite distinguir as situações de locação de imóvel pura e simples - mero arrendamento - das outras situações em que esse arrendamento, nas condições em que é utilizado, proporciona ao locatário um determinado valor acrescentado.

14. Assim, só se encontra isenta de IVA a locação de bens imóveis para fins habitacionais - comerciais, industriais ou agrícolas - quando for efetuada "paredes nuas", no caso de prédios urbanos ou de parte urbana em prédios mistos, ou "apenas o solo" no caso de prédios rústicos.

15. O conceito de "paredes nuas" não se limita ao facto de a locação ser acompanhada, ou não, de bens de equipamento, mobiliário ou utensílios, estando intrinsecamente relacionado com a aptidão produtiva do imóvel, ou seja, a preparação para o exercício de uma actividade empresarial.”

            Também na ficha doutrinária emergente do processo n.º 1587, sancionada por despacho do Sub-Director Geral dos Impostos de 23-03-2013, citada pela Requerente, pode ler-se:

A isenção na locação de bens imóveis, tal como está desenhada no n.º 29 do artigo 9.º do CIVA, opera apenas nas situações em que se está perante a mera disponibilização do imóvel ou parte do mesmo pelo locador, conferindo ao locatário o direito exclusivo de o ocupar como se lhe pertencesse, por um período de tempo acordado e em contrapartida de uma remuneração igualmente acordada. Esta noção, que se pode considerar decalcada ou conforme com a jurisprudência do TJUE, não obsta a que se utilize o conceito de arrendamento urbano estabelecido na legislação nacional, que não fere a jurisprudência do TJUE, ou até a existência de um contrato de arrendamento, como um elemento para aferir das condições para a isenção, nomeadamente, o contrato de arrendamento habitacional.

Por outro lado, a própria noção exige o estabelecimento de uma fronteira entre a mera disponibilização do imóvel nas condições referidas e uma eventual disponibilização do mesmo acompanhada outros elementos, constitutivos do contrato ou contratados complementarmente, sob pena de, a pretexto da criação de condições favoráveis à concretização do negócio, se desvirtuar a caracterização da operação, assimilando nesta locações de natureza comercial ou industrial que não se enquadram no objectivo da isenção. Efectivamente, o assunto ganha especial relevo quando em causa está, não o arrendamento para fins habitacionais, mas para fins industriais, comerciais ou de serviços.

O estabelecimento do critério de paredes nuas (que engloba em si várias noções, como seja a inexistência de serviços associados à disponibilização do imóvel, tendo em vista um determinado fim, ou do apetrechamento do mesmo com mobiliário para um uso determinado) como forma de materializar essa fronteira é conhecido das requerentes e foi mesmo referido na sua argumentação, sem que tenham cuidado de demonstrar a sua inaplicabilidade ou desconformidade com o direito europeu.”.

            Mais recentemente, na ficha doutrinária emergente do processo n.º 1587, sancionada por despacho do Directora de Serviços do IVA de 22-12-2017, citada pela Requerente, escreveu-se:

24. Por sua vez, a ordem jurídica interna define o conceito de locação de imóveis, conforme disposto no artigo 1022º do Código Civil (CC), com a redação introduzida pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, que aprova o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU): "Locação é um contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição."

25. Estas características, presentes no contrato de locação imobiliária constituem, pois, os seus elementos essenciais e, não só, devem estar presentes numa operação de arrendamento mas, para além disso, constituem as suas características predominantes. A locação do imóvel, no sentido de uma colocação passiva do imóvel à disposição, deve ser a prestação preponderante dessa operação económica.

26. A Jurisprudência Comunitária considera que qualquer prestação que esteja para além deste âmbito não deve beneficiar da isenção. Nos termos do artigo 135, nº 1, alínea l) e nº 2 da Diretiva IVA, não beneficiam da isenção prevista na alínea l) do nº 1 as seguintes operações: "a) As operações de alojamento, tal como definidas na legislação dos Estados-Membros, realizadas no âmbito do sector hoteleiro ou de sectores com funções análogas, incluindo as locações de campos de férias ou de terrenos para campismo; b) A locação de áreas destinadas ao estacionamento de veículos; c) A locação de equipamento e de maquinaria de instalação fixa; d) A locação de cofres-fortes".

27. As exceções à isenção correspondem a operações económicas que englobam não só situações de locação de imóveis propriamente ditas, mas também outro tipo de características provenientes de outros contratos e que, por esse facto, perdem a qualidade de mera colocação à disposição de locais ou de superfícies de imóveis em contrapartida de uma retribuição ligada ao decurso do tempo.

28. Nestas operações estamos perante contratos onde sobreleva a importância de outro tipo de serviços em relação à simples locação de espaço, nomeadamente, instalações ou áreas devidamente preparadas e apetrechadas para dar continuidade ao exercício de atividades comerciais ou industriais.

29. São, assim, de excluir da isenção todas as situações que, embora partilhem alguns elementos presentes num contrato de locação, se caracterizam essencialmente por integrarem outras prestações de serviços conexas à fruição do imóvel e que implicam uma exploração ativa dos bens imóveis, para além do seu simples gozo temporário.

30. A Administração Tributária e Aduaneira (AT) tem utilizado um critério preciso que permite distinguir as situações de mero arrendamento de outras situações em que se verifica um aluguer do bem, pois, nas condições em que é realizado, proporciona ao locatário um determinado valor acrescentado.

31. Assim, só se encontra isenta de IVA a locação de bens imóveis quando for efetuada "paredes nuas", no caso de prédios urbanos ou de parte urbana em prédios mistos, ou "apenas o solo" no caso de prédios rústicos.

32. No entanto, o conceito de "paredes nuas" não se subsume apenas no atrás exposto, deve ser interpretado à luz da ideia de diferenciação entre o conceito civilístico de locação de bens imóveis (nos termos do artigo 1022º do CC), o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição e o conceito de cedência temporária de estabelecimento ou cessão de estabelecimento ou cessão de exploração de estabelecimento (nos termos do artigo 1109º do CC, na redação da Lei no 6/2006, de 27 de fevereiro, NRAU), transferência temporária e onerosa do gozo do prédio ou de parte dele, em conjunto com a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado.

33. Verifica-se, pois, que o conceito de "paredes nuas", não se limita ao facto de a locação ser acompanhada ou não de determinados bens de equipamento, mobiliário ou utensílios. Está, também, intrinsecamente relacionado com a aptidão produtiva do imóvel, ou seja, a sua preparação para o exercício de uma atividade empresarial.

34. Este conceito permite-nos, desde logo, limitar a isenção da locação de imóveis às situações em que cedência do gozo do imóvel não é acompanhada de quaisquer bens de equipamento instalados no imóvel ou acompanhada do fornecimento de mobiliário e/ou de outros utensílios.

35. Tratando-se de uma locação de espaços devidamente preparados para o exercício de uma atividade, apetrechado com um mínimo de condições que vão para além do conceito, necessariamente restrito de "paredes nuas", ou se for acompanhado de outras prestações de serviços, a isenção já não se verifica, ficando sujeita a imposto sobre o valor acrescentado.

36. O TJUE entendeu que a operação de locação de bens imóveis, para poder beneficiar da isenção, deve reunir as caraterísticas essenciais da locação, as quais incluem o direito de ocupar uma propriedade determinada como se se tratasse de um bem próprio e de excluir da mesma ou aí admitir outrem, bem como a tomada em consideração da duração dessa ocupação no consentimento das partes, em especial enquanto critério de fixação do preço; essas características devem, além disso, ser predominantes no contrato (...) isso significa excluir da isenção os contratos que, se bem que partilhem de alguns elementos do contrato de locação, se caraterizam essencialmente por uma prestação de serviços conexa à fruição do imóvel, daí a necessidade de distinguir se a operação deve ser considerada como ocupação de um bem imóvel ou como um serviço prestado, em relação ao qual o bem imóvel constitui uma condição incidental, embora essencial.

37. Alguma jurisprudência do TJUE define o conceito de locação de bens imóveis para efeitos de isenção do IVA, nos seguintes termos: operação económica em que o proprietário de um imóvel cede ao locatário (prestação de serviços) - acórdão de 9 de outubro 2001, proc.º C-409/98; o direito de ocupar o imóvel e dele excluir outras pessoas - acórdão de 12 de Junho 2003, proc.º C-275/01; contra o pagamento de uma renda (contraprestação) - acórdão de 8 de maio 2003, proc.º C-269/00; por um prazo convencionado - acórdão de 18 novembro 2004, proc.º C-284/03.

38. No entanto, para determinar a natureza de uma operação tributável, devem tomar-se em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão para apurar os seus elementos característicos.

39. O TJUE, no citado acórdão de 09 de outubro de 2001, processo c- 409/98, quanto à abrangência da isenção prevista no artigo 13º B da Sexta Diretiva (atual artigo 135º da Diretiva IVA) observa, ainda, "(...) A locação de bens imóveis na acepção do artigo 13o B, alínea b), da Sexta Diretiva consiste, no essencial, no facto do proprietário de um imóvel ceder ao locatário, contra uma renda e por um prazo convencionado, o direito de ocupar o seu bem e dele excluir outras pessoas (...)". "É, pois, o proprietário que efetua a prestação de serviços tributável e o locatário que paga, em troca dela, uma contrapartida (...)".

40. No mesmo processo, consta das conclusões do Advogado-Geral: "Com efeito, a opinião segundo a qual as características da locação devem ser predominantes num dado contrato, a fim de que este possa beneficiar da correspondente isenção, parece-nos muito importante para o objetivo ora em causa. De facto, isso significa excluir da isenção os contratos que, se bem que partilhem de alguns elementos do contrato de locação, se caracterizam essencialmente por uma prestação de serviço conexa à fruição do imóvel (...)".

41. No mesmo documento é, ainda, referido "(...) para avaliar quais são os elementos predominantes num determinado contrato, não nos podemos limitar a um exame abstrato ou puramente formal do mesmo. Sendo necessário identificar a função económica do contrato, isto é, a função concreta que o mesmo é objetivamente chamado a desempenhar para satisfazer os interesses das partes. Por outras palavras, é necessário que seja identificado aquilo que, na tradição jurídica dos vários países europeus, é definido como a causa do negócio jurídico, que é precisamente entendida como a função económica do mesmo, destinada à composição dos interesses em jogo. No caso do contrato de arrendamento, como ficou dito, essa função consiste na transferência, de um sujeito para outro, por um dado período de tempo, da fruição exclusiva de um imóvel (...) Mesmo admitindo que se trata, de facto, de contratos distintos, estar-se-ia, todavia, também neste caso, na presença de dois negócios jurídicos estreitamente conexos, uma vez que se caracterizam pela mesma função económica. Isto é, mais uma vez, para estabelecer se a operação de que falamos pode ser considerada isenta de IVA, é necessário ter em conta a função que ela é chamada a desempenhar no seu todo".

42. Para saber se esta definição se ajusta a um pacto específico, devem tomar-se em consideração todos os elementos característicos da operação e as circunstâncias em que esta se desenvolve, revelando-se decisivo o seu conteúdo objetivo, qualquer que seja a qualificação que as partes lhe tenham concedido.”.

            Já no corrente ano, na ficha doutrinária emergente do processo n.º 12837, sancionada por despacho d Directora de Serviços do IVA de 21-02-2018, consta que:

17. De harmonia com a alínea a) do n.º 1 do artigo 1.o, conjugada com o n.º 1 do artigo 4o, ambos do CIVA, a locação de bens imóveis é considerada uma prestação de serviços sujeita a IVA.

18. Contudo, o artigo 9.º alínea 29) do CIVA, estabelece que estão isentas de IVA as locações de bens imóveis. Não estando, no entanto, abrangidas por esta isenção as prestações de serviços de alojamento, efetuadas no âmbito da atividade hoteleira ou de outras com funções análogas, incluindo parques de campismo.

19. Esta isenção resulta da transposição para o ordenamento jurídico nacional do disposto na alínea I) do no 1 do artigo 135º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, que estabelece que:

"1. Os Estados-Membros isentam as seguintes operações: (...)

l) A Locação de Imóveis".

20. De facto o âmbito da expressão "locação de bens Imóveis" contida no referido preceito legal não foi definida na Sexta directiva nem na Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006.

21. No ordenamento jurídico nacional o conceito de locação de imóveis, consta no artigo 1022.º do Código Civil. Nos termos desta norma, "(l)ocação é um contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição."

22. Considerando esta definição, conclui-se que a característica predominante na locação dos imóveis e o elemento preponderante dessa operação económica, é a da sua colocação passiva à disposição do locatário mediante o recebimento de uma contraprestação.

23. A Jurisprudência Comunitária considera que toda e qualquer prestação que esteja para além deste âmbito não deve beneficiar da isenção. Nos termos do artigo 13º B, alínea b) da Sexta Directiva, que corresponde atualmente ao artigo 135, nº 1 alínea l) e nº 2 da Directiva 2006/112/CE, não beneficiam da isenção prevista na alínea l) do nº 1 as seguintes operações:

a) As operações de alojamento, tal como definidas na legislação dos Estados- Membros, realizadas no âmbito do sector hoteleiro ou de sectores com funções análogas, incluindo as locações de campos de férias ou de terrenos para campismo;

b) A locação de áreas destinadas ao estacionamento de veículos; c) A locação de equipamento e de maquinaria de instalação fixa; d) A locação de cofres-fortes." 24. Estas exceções à isenção correspondem a operações económicas que englobam não só situações de locação de imóveis propriamente ditas, mas também outro tipo de características provenientes de outros contratos e que, por esse facto, perdem a qualidade de mera colocação à disposição de locais ou de superfícies de imóveis em contrapartida de uma retribuição ligada ao decurso do tempo.

25. Nestas operações estamos perante contratos onde sobreleva a importância de outro tipo de serviços em relação à simples locação de espaço, nomeadamente, instalações ou áreas devidamente preparadas e apetrechadas para dar continuidade ao exercício de uma atividade comercial e/ou industrial.

26. São, assim, de excluir da isenção todas as situações que, apesar de partilharem alguns dos elementos preponderantes do contrato de locação, tal como definidos ao longo desta informação, se caracterizam essencialmente por integrarem outras prestações de serviços conexas à fruição do imóvel e que implicam uma exploração ativa dos bens imóveis, para além do simples gozo temporário do bem.

27. A administração fiscal tem utilizado um critério preciso que permite distinguir as situações de locação do imóvel pura e simples - mero arrendamento - das outras situações em que esse arrendamento, nas condições em que é realizado, proporciona ao locatário um determinado valor acrescentado.

28. Assim, só se encontra isenta de IVA a locação de bens imóveis para fins habitacionais ou para fins não habitacionais - comerciais, industriais ou agrícolas - quando for efetuada sem outros serviços adicionados, no caso de prédios urbanos ou de parte urbana em prédios mistos, ou "apenas o solo" no caso de prédios rústicos. Ou seja, o critério distintivo para se considerar uma mera locação é o facto de esta ser acompanhada ou não de determinados bens de equipamento, mobiliário/utensílios ou de serviços. Está intrinsecamente relacionado com a aptidão produtiva do imóvel, ou melhor, a preparação para o exercício de uma atividade empresarial.

29. O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) entende, em resumo, que a operação de locação de bens imóveis, para poder beneficiar da isenção, deve reunir as características essenciais da locação, que incluem o direito de ocupar uma propriedade determinada como se se tratasse de um bem próprio e de excluir da mesma ou aí admitir outrem, bem como a tomada em consideração da duração dessa ocupação no consentimento das partes, em especial enquanto critério de fixação do preço; essas características devem, além disso, ser predominantes no contrato. Isso significa excluir da isenção os contratos que, se bem que partilhem de alguns elementos do contrato de locação, se caracterizam essencialmente por uma prestação de serviços conexa à fruição do imóvel, daí a necessidade de distinguir se a operação deve ser considerada como ocupação de um bem imóvel ou como um serviço prestado, em relação ao qual o bem imóvel constitui uma condição incidental, embora essencial.

30. Em diversos acórdãos, o TJUE definiu o conceito de locação de bens imóveis para efeitos de isenção do IVA, nos seguintes termos:

i) é a operação económica em que o proprietário de um imóvel cede ao locatário (prestação de serviços) - acórdão C-409/98 de 9 de Outubro 2001;

ii) o direito de ocupar o imóvel e dele excluir outras pessoas - acórdão C- 275/01 de 12 de Junho 2003;

iii) contra o pagamento de uma renda (contraprestação) - acórdão C-269/00 de 8 de Maio 2003;

iv) por um prazo convencionado -acórdão C-284/03 de 18 Novembro 2004.

31. Nesta conformidade, para determinar a natureza de uma operação tributável, devem tomar-se em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão para apurar os seus elementos característicos e não atender apenas à denominação do contrato.

            Sendo certo que, como refere a Requerida na sua Resposta, “uma informação vinculativa diz respeito a uma factualidade concreta e apenas obriga a Requerida nesse mesmo caso concreto, sendo que ainda assim, não está esta impedida de alterar o seu entendimento (...) Pelo que, não é a existência de uma informação vinculativa emitida a um SP, que não a Requerente, que determina o direito aplicável à factualidade em apreço.”, menos certo não é que as informações vinculativas não deixam de ser um entendimento institucionalmente expresso pela AT, que está obrigada por princípios de objectividade e igualdade a tratar da mesma forma contribuintes em situação igual, para além de terem uma fundamentação que deve ser apreciada e o seu eventual desacerto evidenciado, nos casos em que a própria AT pretenda afastar-se do teor doutrinário por si publicado.

            Também a jurisprudência nacional tem dado eco de entendimento idêntico ao supra veiculado, podendo ler-se no Acórdão do TCA-Sul de 07-05-2013, proferido no processo 06375/13, também citado pela Requerente, que “A isenção do pagamento de IVA relativamente a locação de imóveis no sentido que lhe é dado pelo art. 1022º do CC (…) no caso de prédios urbanos, só se aplica a isenção caso se trate de paredes nuas, seja para fins habitacionais, comerciais, industriais ou agrícolas, não comportando situações em que a par da colocação à disposição do espaço, são ainda integradas prestações de serviços conexas à fruição do imóvel que impliquem uma exploração activa daquele”.

            Mais esclarece aquele Venerando Tribunal no mesmo aresto que “as características do contrato de locação que constituem os seus elementos essenciais – obrigação assumida por uma das partes de proporcionar a outrem o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição - deve não só estar presente na operação económica considerada como um todo incindível, como ser a prestação preponderante dessa mesma operação”.

            Já no Acórdão do mesmo Tribunal de 23-04-2015, proferido no processo 01324/06, esclareceu-se que “nos casos de contratos mistos de locação e outras prestações de serviço, apenas uma parte se mostra sujeita a imposto, estando as rendas isentas, como entendeu, já a Administração Tributária no seguimento da jurisprudência do TJUE – Acórdão C-572/07, de 11-06-2009, RLRE Tellmer Ptoperty”.

            Neste último acórdão do TJUE, citado pelo TCA-Sul, tinha-se escrito que:

15 A este respeito, cabe recordar, em primeiro lugar, que, segundo jurisprudência assente, as isenções previstas no artigo 13.° da Sexta Directiva constituem conceitos autónomos de direito comunitário, devendo, portanto, ser objecto de uma definição comunitária (v. acórdão de 25 de Outubro de 2007, CO.GE.P., C‑174/06, Colect., p. I‑9359, n.° 26 e jurisprudência aí indicada).

16 Os termos utilizados para designar as isenções visadas no artigo 13.° da Sexta Directiva são de interpretação estrita, dado que essas isenções constituem derrogações ao princípio geral de que o IVA é cobrado por todas as prestações de serviços efectuadas a título oneroso por um sujeito passivo (v., designadamente, acórdãos de 18 de Janeiro de 2001, Stockholm Lindöpark, C‑150/99, Colect., p. I‑493, n.° 25, e de 8 de Dezembro de 2005, Jyske Finans, C‑280/04, Colect., p. I‑10683, n.° 21 e jurisprudência aí indicada).

17 Em segundo lugar, decorre do artigo 2.° da Sexta Directiva que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente (v. acórdão de 21 de Fevereiro de 2008, Part Service, C‑425/06, Colect., p. I‑897, n.° 50 e jurisprudência aí indicada).

18 Por outro lado, em determinadas circunstâncias, várias prestações formalmente distintas, susceptíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes. Tal sucede, por exemplo, quando se verifica que uma ou várias prestações constituem uma prestação principal e que a ou as outras prestações constituem uma ou várias prestações acessórias que partilham do destino fiscal da prestação principal. Em particular, uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador (acórdão Part Service, já referido, n.° 51 e jurisprudência aí indicada).

19 Além disso, pode igualmente considerar‑se que se está em presença de uma prestação única quando dois ou vários elementos ou actos fornecidos pelo sujeito passivo estão tão estreitamente ligados que formam, objectivamente, uma única prestação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial (acórdão Part Service, já referido, n.° 53).

20 De imediato, importa recordar que a locação de bens imóveis, na acepção do artigo 13.°, B, alínea b), da Sexta Directiva, consiste, substancialmente, no facto de um locador conferir a um locatário, por um período acordado e em contrapartida de remuneração, o direito de ocupar um imóvel como se fosse o seu proprietário, excluindo qualquer outra pessoa do benefício desse direito (v., neste sentido, acórdãos de 4 de Outubro de 2001, «Goed Wonen», C‑326/99, Colect., p. I‑6831, n.° 55; de 9 de Outubro de 2001, Mirror Group, C‑409/98, Colect., p. I‑7175, n.° 31; de 8 de Maio de 2003, Seeling, C‑269/00, Colect., p. I‑4101, n.° 49, e de 18 de Novembro de 2004, Temco Europe, C‑284/03, Colect., p. I‑11237, n.° 19).

21 Por conseguinte, as prestações de limpeza das partes comuns de um imóvel, embora estejam associadas à utilização do bem locado, não integram necessariamente o conceito de locação na acepção do artigo 13.°, B, alínea b), da Sexta Directiva.

22 Além disso, é certo que o serviço de limpeza das partes comuns de um imóvel pode ser fornecido segundo modalidades diversas, ou seja, por exemplo, por um terceiro que factura o custo desse serviço directamente aos locatários ou pelo locador que utiliza, para o efeito, o seu próprio pessoal ou recorre a uma empresa de limpezas.

23 Há que sublinhar que, no caso em apreço, a RLRE Tellmer Property factura as prestações de limpeza aos locatários separadamente da renda.

24 Assim, uma vez que a locação dos apartamentos e a limpeza das partes comuns de um imóvel podem, em circunstâncias como as do processo principal, ser dissociadas uma da outra, não se pode considerar que essa locação e a referida limpeza constituem uma prestação única na acepção da jurisprudência do Tribunal de Justiça.”.

            O STA já se pronunciou também sobre a matéria, tendo referido, no seu Acórdão de 29-06-2011, proferido no processo 0497/11, que: “Eventuais prestações de serviços, associadas aos contratos em causa, não fazem desconsiderar a natureza de locação inerente a esses contratos, quando os mesmos consubstanciam meras cláusulas acessórias, não tipificadas na disciplina jurídica civilística da locação, que as partes entenderam estabelecer como complemento do negócio jurídico celebrado, por se adaptarem aos interesses contratuais em presença, sem relevância económica enquanto operações efectuadas, a título oneroso, pelas quais os co-contratantes paguem uma determinada contrapartida e que, por si, sejam tributáveis.”.

 

*

            O acervo doutrinal e jurisprudencial acima exposto, permite definir com segurança os critérios de decisão a seguir.

            Efectivamente, a isenção prevista no art.º 9.º/29) do CIVA é uma imposição do direito comunitário, que deve ser implementada, relativamente às operações abrangidas, de locação de imóveis.

            Por estas, deve entender-se, desde logo, as correspondentes ao arrendamento de imóveis “paredes nuas”, não havendo quaisquer dúvidas a esse respeito.

            Não quer isto dizer, e tal não resulta de qualquer elemento doutrinal ou jurisprudencial coligido, que toda e qualquer locação de imóveis que não se reconduza ao tal arrendamento “paredes nuas”, esteja, automaticamente, excluída do âmbito da isenção em causa.

Com efeito, como se escreveu no supra-citado Acórdão do STA: “Entendimento diferente poderia defraudar os interesses tutelados pela isenção aí atribuída e não se compadecia com o facto de esse mesmo preceito excepcionar, nas suas alíneas a) a e), a locação que traz acoplada outras prestações de serviços que entendeu, dada a preponderância económica desses outros serviços em relação à locação, ser de tributar.”.

            Efectivamente, tal entendimento colidiria frontalmente com o direito comunitário, na medida em que poderia conduzir a situações de afastamento da isenção, proscritas por aquele.

            No seguimento do quanto se expôs previamente, as situações em que a disponibilização do imóvel, em termos substancialmente correspondentes à figura do arrendamento, seja acompanhada da prestação de serviços e/ou do fornecimento de bens adicionais, deverão ser analisadas no sentido de apurar:

  1. Se os serviços e/ou fornecimentos adicionais são ou não autonomizáveis; e
  2. Em caso de resposta negativa, não sendo possível aquela autonomização, qual é o elemento economicamente preponderante.

Apenas no caso de os serviços e/ou fornecimentos que extravasam o mero arrendamento “paredes nuas” constituírem o elemento economicamente preponderante do contrato, é que se haverá de concluir pelo afastamento da isenção prevista no art.º 9.º/29) do CIVA, que nos ocupa.

            Ora, no caso, como se verá de seguida, não será possível atingir tal conclusão, pelas razões que se passam a expor.

            Assim, e em primeiro lugar, compulsado o contrato celebrado entre a Requerente e a G... não se descortina que o mesmo se aparte da tipicidade própria do contrato de arrendamento de bem imóvel.

            Efectivamente, em termos de clausulado contratual não é feita qualquer referência a prestações de bens e/ou fornecimento de bens (ou serviços) adicionais, àquelas que são as prestações típicas num contrato de arrendamento de imóvel para fins não habitacionais, pelo que se terá de considerar que a prestação de renda, contratualmente prevista como estando a cargo da arrendatária, é o correspectivo da mera disponibilização da fruição do local.

            Não se oblitera que, conforme resultou da prova produzida, e está espelhado na matéria de facto, no arrendado foram disponibilizados vários móveis e instalações, que serão, em maior ou menor medida, utilizados pela arrendatária.

            Contudo, e prosseguindo com o Acórdão do STA proferido no processo 0497/11, eventuais prestações de serviços ou fornecimentos de bens que possam existir, “não têm relevância económica enquanto operações efectuadas, a título oneroso, pelas quais os co-contratantes paguem uma determinada contrapartida e que, por si, sejam tributáveis.”.

            Daí que, desde logo, não será passível de acolhimento a pretensão da Requerente de que o contrato por si celebrado com a G... constitua uma prestação de serviços tributável (não abrangida, pois, pela isenção do art.º 9.º/29 por enquadrável na “excepção” à isenção constante da al. c) do mesmo), e de que, consequentemente, se tenha verificado erro de direito na aplicação do art.º 9.º/29) do CIVA, nas correcções contestadas.

            Todavia, e mesmo que assim não fosse, o certo é que não é possível, na situação sub iudice, afirmar que as eventuais prestações de serviços e/ou fornecimentos de bens que a Requerente possa efectuar na relação contratual em causa não sejam autonomizáveis em relação à disponibilização do locado, desde logo porquanto não resulta, sequer, que contratualmente estejam ligadas, e depois porquanto, tendo em conta a actividade da G... exercida no imóvel[3], nada indicia que estejam em causa serviços ou bens próprios ou especificamente destinados ao exercício de tal actividade[4], não querendo tal significar, obviamente, que sejam inúteis ou indiferentes ao gozo do locado, mas apenas que nada indica tratarem-se de elementos essenciais à actividade concretamente ali exercida, cuja ausência prejudicasse significativamente aquele exercício, nem que a sua existência se traduza num ganho económico relevante para a arrendatária.

            Por fim, sempre se teria de concluir, independentemente de tudo o mais, que as tais prestações de serviços e/ou fornecimentos de bens nunca se apresentariam como economicamente predominantes em relação ao arrendamento stricto sensu, não só, porquanto, como se viu, a prestação à G... está contratualmente reportada, de forma exclusiva, à disponibilização do locado, como, para além do mais, nada indicia que o valor económico das eventuais prestações extravagantes assuma um valor económico substancial ou relevante, face ao valor da prestação do gozo do locado, não se podendo deixar de notar que uma parte significativa dos objectos existentes no locado e referidos pela Requerente foram deixados pela primitiva arrendatária, o que, de per si, indicia já não incorporarem um valor significativo.

            Assim, e face a tudo quanto se expôs, haverá que concluir que se está, também quanto ao contrato com a G..., perante um contrato de arrendamento de bem imóvel, nos termos e para os efeitos da isenção prevista no art.º 9.º/29) do CIVA aplicável, não se verificando, por conseguinte, o arguido erro de direito e devendo, como tal, improceder o pedido arbitral.

            Note-se, a terminar, que não se consideraram relevantes as considerações efectuadas pela Requerente relativamente ao primeiro contrato, e ao interim entre este e o segundo, porquanto estão em causa nos presentes autos, unicamente, as liquidações relativas a períodos abrangidos pela vigência do segundo contrato (1512T, 1603T e 1606T, sendo o segundo contrato é de Abril de 2015 - 1506T).

            Improcedendo o pedido principal, improcede, igual e necessariamente, o pedido acessório de juros indemnizatórios formulado pela Requerente.

 

           

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, absolver a Requerida do pedido e condenar a Requerente nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 61.880,65, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 19 de Outubro de 2018

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Sofia Ricardo Borges)

 

O Árbitro Vogal

 

 

 (José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora)

 



[1]              Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2]              Por não se encontrar preenchida a respectiva condição referente ao valor mínimo de renda anual.

[3]              Projecção, construção e reparação naval, construção de objectos em fibra de vidro e materiais similares, compra, venda recolha e armazenamento de embarcações e acessórios de navegação.

[4]              Instalações de fibra óptica e circuito de câmaras de segurança, racks para paletes, escritórios equipados com secretárias, cadeiras, caixotes do lixo, computadores, telefones, armários de arquivo, sofás, material de escritório diverso; cacifos), casas de banho equipadas, 2 cozinhas.