Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 40/2018-T
Data da decisão: 2018-09-26  IMT  
Valor do pedido: € 9.514,06
Tema: IMT - Art. 236º da lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro - violação do princípio da proibição da retroatividade fiscal - violação do princípio da proteção da confiança.
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Decisão Arbitral

 

 

I – Relatório

 

1. No dia 31.01.2018, a Requerente, A..., lda (doravante abreviadamente designada de “Requerente”), titular do número de identificação fiscal..., com sede na Rua..., n.º..., ..., Lisboa, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à declaração de a ilegalidade dos despachos de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, proferidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), no âmbito dos processos n.os ...2017..., ...2017..., ...2017..., ...2017..., ...2017..., ...2017..., ...2017... e ...2017..., e, consequentemente, se pronunciar sobre a ilegalidade e declaração de anulação dos atos tributários de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) n.os..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., no montante global de € 9.514,06.

 

A Requerente, alegando ter pagado os impostos em causa peticiona ainda a sua devolução, acrescido de juros indemnizatórios.

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 11 de abril de 2018.

 

 

3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:

  1. Os despachos de indeferimento de pedido de revisão oficiosa sub judice respeitam a liquidações de IMT cujo sujeito passivo foi o B...– Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional (doravante abreviadamente designado por “Fundo”).
  2. O Fundo era um organismo de investimento coletivo, em concreto, um fundo de investimento imobiliário fechado para arrendamento habitacional (“FIIAH”) de subscrição particular.
  3. Não obstante, em 6 de Abril de 2017, o Fundo foi objeto de dissolução e liquidação, tendo o produto resultante desta operação sido integralmente entregue à aqui Requerente, na qualidade de única participante do Fundo à data da operação.
  4. No contexto da sua atividade, a sociedade gestora do Fundo – a C...– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento, S.A. (doravante designada por “C...”) – adquiriu, em 2013, um acervo de imóveis com vista a integrá-los no património do Fundo.
  5. No âmbito das referidas operações, o Fundo beneficiou da isenção de IMT legalmente consagrada, à data, para as operações de aquisição de prédios urbanos ou frações autónomas, destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, quando operadas por um FIIAH.
  6. Contudo, em face da circunstância de os referidos imóveis não terem sido objeto de contrato nas condições exigidas pelo n.º 14 do artigo 8.º do Regime Especial dos FIIAH, entendeu a AT pela caducidade da referida isenção de IMT, sustentando que o Fundo havia conferido aos imóveis um “destino diferente” do atribuído aquando do ato de aquisição dos mesmos.
  7. Na sequência do que antecede, a AT procedeu à emissão das liquidações adicionais de IMT e correspondentes juros compensatórios sub judice, e não obstante o Fundo ter procedido ao pagamento, a Requerente não pode concordar com as mesmas e, consequentemente, com o entendimento veiculado pela AT neste âmbito.
  8. O legislador introduziu no ordenamento jurídico português a figura dos FIIAH com a consagração do regime especial aplicável aos mesmos, através dos artigos 102.º e seguintes da Lei n.º 64-4/2008, de 31 de Dezembro – Lei de Orçamento do Estado para 2009 tendo em matéria tributária concedido aos FIIAH uma panóplia de benefícios fiscais referentes aos imóveis integrados na esfera dos mesmos.
  9. Neste âmbito, refira-se a isenção de IMT prevista no n.º 7 do artigo 8.º do referido regime, de acordo com a qual, designadamente, se determinou a isenção em sede deste imposto das aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos “destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente”, pelos fundos de investimento;
  10. Não obstante, a Lei de Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro) introduziu alterações relevantes ao regime fiscal aplicável aos FIIAH, estabelecendo, nomeadamente, novos condicionalismos para a atribuição de benefícios fiscais às operações realizadas por este tipo de fundos de investimento imobiliário.
  11. Neste contexto, importa trazer à colação o n.º 14 acrescido ao anteriormente referido artigo 8.º, que veio determinar que, para efeitos de aplicação da isenção de IMT acima expendida, “considera-se que prédios urbanos destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objecto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo (…)” – norma aditada pelo artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013.
  12. Adicionalmente, o artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013 aditou o n.º 16 ao referido artigo 8.º, que estabelece “Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior”.
  13. No âmbito destas alterações, o legislador previu, ainda, uma norma de carácter transitório, dispondo que as novas regras, além de serem aplicáveis aos prédios urbanos adquiridos pelos fundos de investimento a partir de 1 de Janeiro de 2014, deveriam ser, igualmente, aplicáveis a “ (…) prédios que tenham sido adquiridos por FIAAH antes de 1 de Janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de Janeiro de 2014”– cfr. artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013.
  14. Ora, esta previsão normativa, bem como os benefícios fiscais consagrados neste regime especial, não afastam a possibilidade de aplicação, a estes organismos de investimento coletivo, da isenção estabelecida pelo Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro, que estabeleceu no seu artigo 1.º que “são isentas de Sisa as aquisições de bens imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respectiva sociedade gestora” sendo que Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, determinou no n.º 2 do artigo 28.º do referido Decreto-Lei n.º 287/2003 que “Todos os textos legais que mencionem Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, imposto municipal de sisa ou imposto sobre as sucessões e doações consideram-se referidos ao Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), ao Código do Imposto de Selo, ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e ao imposto do selo, respectivamente” e que  o mesmo Decreto-Lei estabeleceu no n.º 6 do seu artigo 31.º que “Mantêm-se em vigor os benefícios fiscais relativos à contribuição autárquica, agora reportados ao IMI, bem como os respeitantes ao imposto municipal de sisa estabelecidos em legislação extravagante ao Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41969, de 24 de Novembro de 1958, e no Estatuto dos Benefícios Fiscais, que passam a ser reportados ao IMT”.
  15. Não subsistindo dúvidas quanto ao facto de a isenção em causa nunca ter sido revogada, é forçoso concluir que estão isentas de IMT as operações de aquisição de imóveis levadas a cabo por uma sociedade gestora com o intuito de os integrar no património dos fundos de investimento imobiliário geridos pela mesma – independentemente da natureza estrutural desses fundos.
  16. Não obstante a isenção aplicada in casu – contida na alínea a) do n.º 7 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH –, cumpre ter presente que a isenção de IMT estabelecida no artigo  1º do  Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro,  a todo o tempo aplicável às aquisições de imóveis concretizadas pela C..., na medida em que ambas são estruturalmente distintas entre si e isentam situações de facto diferentes.
  17. De facto, enquanto que a primeira isenção tem o seu próprio efeito útil destinando-se a transações envolvendo os imóveis destinados exclusivamente a contratos de arrendamento habitacional, integrados em FIIAH, o efeito útil da segunda isenção assenta numa vasto âmbito de aplicação, destinando-se às operações de aquisição de bens imóveis visados a integrar fundos de investimento imobiliário no geral – a qual seria sempre aplicável in casu e por conseguinte, a operação em análise sempre beneficiaria da isenção de IMT.
  18. Pelo que, afigurando-se estas liquidações como manifestamente ilegais nos termos acima expendidos, a Requerente, na qualidade de sucessora legal do Fundo, conforme demonstrado, deve ser integralmente ressarcida dos valores do IMT liquidado com base nas mesmas, porquanto não devidos, no montante total de € 9.514,06 devendo, igualmente, ser pagos os juros indemnizatórios pelo retardamento no recebimento dos reembolsos solicitados, nos termos previstos nos artigos 43.º e 100.º da LGT.

 

4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:

 

  1. Em 12.09.2013, o Fundo adquiriu ao Banco D..., S.A., um conjunto de imóveis identificados no PA junto, localizados na freguesia e concelho de ... e destinados a habitação;
  2. O Fundo beneficiou de isenção de IMT prevista no artigo 8º nºs 7 e 8 do regime jurídico especial aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH), aprovado pelo art. 104º da Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro(LOE de 2009);
  3. Entre 2015 e 2016, e antes do prazo de três anos introduzido pela Lei nº 83-C/2013, 12.09.2016, o Fundo alienou os referidos imóveis e requereu junto do Serviço de Finanças a liquidação de IMT, conforme PA anexo;
  4. Entre 20.01.2016 e 05.05.2016, foram emitidas liquidações adicionais de IMT relativamente a cada um dos imóveis adquiridos pelo Fundo, com base nas declarações  modelo 1 entregues na sequencia da respetiva venda e por estarem reunidos os pressupostos da caducidade de isenção prevista  no nº16 do art. 8º do regime jurídico dos FIIAH,  aditado pelo art. 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (LOE de 2014);
  5. Em 11.08.2017, a Sociedade Gestora do Fundo requereu a revisão oficiosa das liquidações de IMT, ao abrigo do nº1 do artigo 78º da LGT;
  6. Em 2.11.2017, o Diretor de Finanças de Faro, no uso de competências subdelegadas, indeferiu os pedidos de revisão oficiosa em apreço, com os fundamentos que se dão por integralmente reproduzidos.
  7. Porém, a fundamentação jurídica do pedido arbitral assenta quase exclusivamente, ou seja, dos artigos 54º a 92º, e à exceção de breve referência ao regime dos FIIAH nos artigos 46º a 53º, na invocada ilegalidade das liquidações de IMT em virtude de a aquisição de imóveis, em 2013, pelo Fundo, estar também abrangida pela isenção de IMT prevista no art. 1º do DL 1/87, de 3 de Janeiro, para os fundos de investimento imobiliário em geral.
  8. De facto, a Autora não questiona, antes pelo contrário, a legalidade dos despachos de indeferimento da revisão oficiosa cuja anulação a Autora pede na presente ação arbitral, mas, por via dos referidos despachos, vem impugnar a legalidade das liquidações de IMT com fundamento completamente distinto – violação do art. 1º do DL 1/87, de 3 de Janeiro.
  9. O vício que agora a Autora imputa às liquidações de IMT - violação do art. 1º do DL 1/87, de 3 de Janeiro - nunca foi invocado em sede de revisão oficiosa nem a administração teve ocasião de se pronunciar sobre o mesmo.
  10. Ainda assim, as aquisições dos imóveis pelo Fundo não beneficiariam nunca da isenção de IMT prevista no art. 1º do DL 1/87, de 3 de Janeiro, independentemente da questão da sua vigência, em virtude daquele diploma não se aplicar aos FIIAH.
  11. Com efeito, o regime jurídico aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) foi aprovado pelo artigo 102º da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro, tratando-se de um regime jurídico autónomo, transitório e especial.
  12. Por conseguinte, o nº1 do art. 104º abrange apenas a constituição, o funcionamento e a comercialização dos FIIAH que remete para o regime geral dos Fundos de Investimento Imobiliário.
  13. Não remete para o regime fiscal dos Fundos de Investimento Imobiliário, não sendo aplicáveis aos FIIAH as normas de fiscalidade dos Fundos.
  14. Assim é que o legislador, ao definir no art. 8º um Regime Tributário especial e privativo dos FIIAH, excluiu inequivocamente este tipo de fundos do regime fiscal dos Fundos de Investimento Imobiliário.
  15. O regime tributário dos FIIAH é regulado autonomamente pelo artigo 8º do respetivo Regime Jurídico, e no que se reporta ao caso dos autos, dispõe a al a) do nº7 que “ficam isentos de IMT as aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a habitação própria e permanente, pelos fundos de investimento referidos no nº1.”
  16. Nenhum elemento existe na norma da al a) do art. 7º que permita inferir qualquer remissão para o regime fiscal dos Fundos ou para o DL 1/87, de 3 de Janeiro, contrariamente ao propugnado pela Autora.
  17. Com efeito, se se aplicasse o artigo 1º do DL 1/87, que refere que “São isentas de sisa(IMT) as aquisições de bens imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respectiva sociedade gestora”, não seria necessário, seria mesmo despiciendo, o regime de isenção de IMT previsto pelo legislador no nº 7 do art. 8º do Regime Jurídico dos FIIAH.
  18. Contrariamente ao que pretende a Autora, não se aplicam indiferentemente duas isenções de IMT – a do art. 8º, nº7 do Regime Jurídico dos FIIAH e/ou a do art. 1º do DL 1/87, de 3 de Janeiro.
  19. Aos FIIAH é aplicável unicamente a isenção de IMT prevista na al a), do nº7 do art. 8º do Regime Jurídico dos FIIAH, na medida em que o legislador afastou expressamente o regime geral de isenção de IMT dos fundos de investimento imobiliário a que se refere a norma do art. 1º do DL 1/87.

 

5.Por despacho arbitral de 28.08.2018, com fundamento na sua inutilidade e à luz dos princípios da celeridade, simplificação e informalidade processuais, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT.

 

Foi ainda determinado o seguinte:

 

II-  No acórdão nº 175/2018, de 5.04.2018[1], o Tribunal Constitucional decidiu “Julgar inconstitucional, por violação do princípio da proteção da confiança, decorrente do artigo 2.º da Constituição, a norma decorrente do n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, em conjugação com o n.º 16 do artigo 8.º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH, na versão decorrente das alterações levadas a cabo pela aludida Lei, de acordo com a qual as isenções em sede de IMT e de Imposto de Selo previstas nos n.ºs 7, alínea a), e 8, daquele artigo 8.º caducam se o imóvel adquirido for alienado no prazo de três anos, contados de 1 de janeiro de 2014”, julgando improcedentes os recursos interpostos pela  AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA e pelo MINISTÉRIO PÚBLICO.

 

Por sua vez, nas decisões arbitrais proferidas nos processos 683/2015-T, 64/2016-T, 275/2016-T e 48/2017-T[2], havia-se recusado a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade material, da mesma norma, com a consequente procedência das pretensões anulatórias, com fundamento na violação do princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal.

 

A Requerente na sua petição inicial não invocou a inconstitucionalidade da norma acima mencionada, que constituiu fundamento jurídico da liquidação objeto do presente processo.

Porém, decidiu o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão do pleno de 3-06-2015, processo nº 0793/14[3]:

“na impugnação judicial subsequente a decisão da AT que recaia sobre reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa do acto tributário, podem, e devem, os órgãos jurisdicionais conhecer de todas as ilegalidades de substância que afectem o acto tributário em crise, quer essas ilegalidades tenham ou não sido suscitadas na fase graciosa do litigio, impondo-se-lhes um dever acrescido quando se tratem de questões de conhecimento oficioso, como as dos autos.”
 

Tratava-se, neste recurso, interposto duma decisão arbitral, em que uma das questões de conhecimento oficioso era a inconstitucionalidade de norma, num pedido de pronuncia arbitral apresentado na sequência de indeferimento de pedido de revisão oficiosa.

Pelas razões expostas no douto acórdão do pleno do  STA, vislumbra-se como possível que o tribunal venha a conhecer da constitucionalidade da do n.º 2, do artigo 236.º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, em conjugação com o n.º 16 do artigo 8.º da Lei nº 64-A/2008, de 31 de dezembro, na redação da Lei 83-C/2013, sendo, também, equacionável que o tribunal, à  luz  da jurisprudência  arbitral e/ou constitucional, referidas,  nessa sequência, possa vir a recusar a  aplicação da norma em causa e, na sequência de tal recusa, possa julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral.

 

Assim, em obediência ao princípio do contraditório (art. 16º, al. a) do RJAT) na vertente da proibição de decisões surpresa, notifique-se as partes para, querendo, se pronunciarem sobre estas questões, no prazo de 10 dias.

Em idêntico prazo, poderão as partes apresentar alegações escritas, caso assim o entendam. Neste caso, a pronuncia sobre as mencionadas questões poderá ser exercida no âmbito desta peça processual.

 

As partes não se pronunciaram sobre a questão suscitada pelo Tribunal, nem apresentaram alegações.

 

 

Pode ler-se no referido Acórdão do pleno do STA de 3-06-2015, proferido no processo nº 0793/14, já referido, o seguinte:

 

o objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise (no mesmo sentido, entre outros, o acórdão deste Supremo Tribunal datado de 18/06/2014, rec. n.º 01942/13), também aqui não faz qualquer sentido que o âmbito da impugnação judicial do acto que decide o pedido de revisão oficiosa esteja limitado pela própria decisão da revisão oficiosa, antes se impondo que esta impugnação judicial possa ter como fundamento qualquer ilegalidade de substância (no presente caso apenas se trata deste tipo de ilegalidade) do acto tributário, cfr. acórdão deste STA datado de 08/07/2009, recurso n.º 0306/09 [Em causa está, pois, mediatamente, a legalidade do acto tributário de liquidação: apreciar o acto recorrido - saber se a pretensão da recorrente, de que fosse revisto aquele acto, merecia, ou não, ser indeferida (ainda que presumidamente) - implica sindicar a legalidade da liquidação].
E, não só pode ter como fundamento tal tipo de ilegalidade, quando invocada pelo interessado, como ainda podem ser conhecidas outras ilegalidades do mesmo tipo, quando as mesmas sejam de conhecimento oficioso pelo juiz, ou venham a ser suscitadas pelo Ministério Público no momento processual próprio que o legislador reservou para a sua intervenção no processo judicial tributário, cfr. artigo 121º do CPPT.
Assim, abrindo a decisão do pedido da revisão oficiosa a porta à discussão judicial do acto de liquidação (de autoliquidação) e devendo-se considerar tal acto como ainda não estabilizado na ordem jurídica, não faria qualquer sentido que se limitasse o âmbito de conhecimento no processo de impugnação judicial às ilegalidades anteriormente suscitadas.
(…)

no caso dos autos, em que as questões que o CAAD se recusou a resolver se tratam de questões de conhecimento oficioso obrigatório e suscitadas pela parte, violação do direito constitucional português e violação do direito da união.
Tem sido jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal, que as questões respeitantes a violação de princípios e parâmetros constitucionais devem ser obrigatoriamente conhecidas pelo juiz logo que delas haja notícia no processo, quer as mesmas sejam trazidas aos autos pelas partes na fase inicial do processo, petição inicial, quer na fase final, alegações prévias à sentença, cfr., entre outros, acórdãos datados de 14/05/2014, 04/12/2012 e de 04/10/2000, nos recursos, respectivamente, 0195/13, 01476/02, 045986.
E nem a isso obsta o facto de não ser legalmente permitido à administração tributária o conhecimento de tais questões no âmbito das impugnações e reclamações graciosas, afastando, assim, a aplicação da Lei que à data se encontrar em vigor, cfr. acórdão datado de 04/03/2015, rec. n.º 01529/14.
Tal limitação de conhecimento por parte da AT, que se encontra sujeita ao princípio da legalidade, como já anteriormente vimos, não se aplica aos tribunais, ou aos órgãos jurisdicionais como o CAAD, cfr. acórdão do TJUE, n.º C-377/13, cujas competências são muito mais abrangentes, incumbindo-lhes apreciar a legalidade dos actos da administração nas suas várias vertentes, onde naturalmente se inclui a da conformidade constitucional das normas ordinárias em que esses mesmos actos encontram fundamento, cfr. artigo 204º da CRP.
(…)

Sem mais delongas, podemos, assim, concluir que na impugnação judicial subsequente a decisão da AT que recaia sobre reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa do acto tributário, podem, e devem, os órgãos jurisdicionais conhecer de todas as ilegalidades de substância que afectem o acto tributário em crise, quer essas ilegalidades tenham ou não sido suscitadas na fase graciosa do litigio, impondo-se-lhes um dever acrescido quando se tratem de questões de conhecimento oficioso, como as dos autos.

 

Acompanhando-se  esta jurisprudência, entende-se que nada obsta à apreciação dos fundamentos invocados pela Requerente (de resto alegados em sede de pedido de revisão oficiosa ao contrário do que alega a Requerida), nem à apreciação da conformidade constitucional da  Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, no que se refere ao  regime transitório consagrado no seu artigo 236º, nº 2.

 

 

6. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

7. Cumpre solucionar as seguintes questões:

 

a)  Ilegalidade dos atos de liquidação objeto do presente processo.

 

Em caso de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação,

b)  Direito da Requerente à restituição do imposto pago.

e,

c)  Direito da Requerente a juros indemnizatórios

 

 

II – A matéria de facto relevante

 

8.Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerida procedeu à emissão das seguintes liquidações adicionais de IMT e correspondentes juros compensatórios, cujo sujeito passivo foi B...– Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional, com referência às aquisições, ocorridas em  12.09.2013, dos prédios urbanos, que se indicam:

Liquidação IMT

Imóvel

Montante de IMT

...

U-...-CJ

€ 1.180,83

...

U-...-CL

€ 913,29

...

U-...-AO

€ 1.185,47

...

U-...-AN

€ 1.416,74

...

U-...-BA

€ 1.359,79

...

U-...-AG

€ 1.418,88

...

U-...-AM

€ 842,21

...

U-...-BC

€ 1.196,85

Total

€ 9.514,06

 

 

  1. O Fundo procedeu ao pagamento, integral e atempado, das mencionadas liquidações, num montante global de € 9.514,06.
  2. O Fundo era um organismo de investimento coletivo, em concreto, um fundo de investimento imobiliário fechado para arrendamento habitacional (“FIIAH”) de subscrição particular.
  3. Em 6 de Abril de 2017, o Fundo foi objeto de dissolução e liquidação, tendo o produto resultante desta operação sido integralmente entregue à aqui Requerente, na qualidade de única participante do Fundo à data da operação.
  4. No contexto da sua atividade, a sociedade gestora do Fundo – a C... – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento, S.A. (doravante designada por “C...”) – adquiriu, os imóveis a que se referem as liquidações objeto do presente processo, com vista a integrá-los no património do Fundo.
  5. Os imóveis acima referidos localizam-se na freguesia e concelho de Olhão, encontrando-se todos eles afetos a habitação.
  6. No âmbito das referidas operações, o Fundo beneficiou da isenção de IMT legalmente consagrada, à data, para as operações de aquisição de prédios urbanos ou frações autónomas, destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, quando operadas por um FIIAH de acordo com o Regime Especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, aprovado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (“Regime Especial dos FIIAH”).
  7. Em face da circunstância de os referidos imóveis terem sido alienados antes de decorrido o prazo previsto no regime do Regime Especial dos FIIAH, decorrente da Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, entendeu a Requerida ter ocorrido a caducidade da referida isenção de IMT, sustentando que o Fundo havia conferido aos imóveis um “destino diferente” do atribuído aquando do ato de aquisição dos mesmos.
  8. Foi apresentado, pela C..., pedidos de revisão oficiosa contra os atos tributários de liquidação de IMT em crise, com o fundamento de que as liquidações padecem de ilegalidade por dever ter sido aplicada a isenção estabelecida no artigo 1º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro.
  9. Subsequentemente, em 2 de Novembro de 2017, a AT emitiu os despachos de indeferimento daqueles pedidos de revisão oficiosa ora controvertidos, no âmbito dos quais decidiu pela não concessão da isenção de IMT às operações sub judice.
  10. Destes despachos, consta, designadamente, o seguinte:

44. De acordo com o exposto, o Regime especial aplicável aos FIIAH e às SIIAH, criou uma nova realidade, no caso de isenção á tributação. As alterações introduzidas pela Lei n.º 83-C/2013, não criaram em si uma nova realidade, apenas estendendo no tempo a vigência quer de benefícios, quer das condições necessárias para a manutenção das isenções introduzidas.

45. Este benefício fiscal encontra-se delimitado no tempo sendo por isso temporário, mas encontrava-se condicionado á verificação de pressupostos acessórios de forma resolutiva, cujo incumprimento determina a caducidade da sua atribuição. Tratando-se o benefício fiscal de isenção á tributação uma exceção á regra geral, a alteração das condições subjacentes á sua atribuição implica na reposição automática dessa mesma tributação regra.

46. De acordo com os elementos expostos todas as frações sobre as quais incidiram as liquidações oficiosas de IMT entraram na esfera jurídica da requerente em 2013-09-12, sendo alienadas entre 2015 e 2016, mas antes de terminado em 2016-09-12 o prazo de três anos introduzido pela Lei n.º 83-C/2013.

47. Na prossecução da sua missão e em cumprimento das suas obrigações a AT aplicou a legislação vigente emitindo as devidas liquidações oficiosas face ao incumprimento dos pressupostos a que a concessão inicial da isenção se encontrava condicionada. Nomeadamente a transmissão da propriedade dos prédios supra identificados sem que se verificasse demonstrada a condição dessa transmissão ter sido resultante do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis.

48. Constatando-se a legalidade das liquidações oficiosas em referência, verifica-se por fim terem as mesmas sido emitidas tempestivamente por não ultrapassado o prazo de caducidade do direito á liquidação.”.

 

Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados.

 

9. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo apresentados pelas partes e constantes do processo administrativo, que não foram objeto de impugnação por nenhuma das partes, bem como dos articulados apresentados, sendo de referir, ainda, inexistir controvérsia entre as partes sobre os factos dados como provados.

 

-III- O Direito aplicável                                  

 

10. A primeira questão solucionar é a de saber se, de acordo com o alegado pela Requerente, os atos tributários de liquidação objeto do presente processo são ilegais por desconsideração da isenção fiscal prevista no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro.

Para solucionar a questão é necessário averiguar se tal disposição se encontra em vigor e se, em caso afirmativo, é aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, criados pelo art. 1º da Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro.

Como se considerou na decisão arbitral proferida no processo 544/2016-T[4] cujo entendimento se acompanha:

“(…)dúvidas não subjazem de que a isenção de Sisa prevista o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro, e que passou a reportar-se ao IMT, nos termos dos artigos 28.º e 31.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, que aprovou o CIMT, se mantém, ainda, em vigor, pelo que, estão isentas de IMT as aquisições de bens imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário pela sua respectiva sociedade gestora, ou seja, levadas a cabo com o intuito de as mesmas passarem a integrar o próprio fundo.”.

 

Conclui-se, pelos razões mencionado neste aresto, para que se remete, que a isenção em causa se encontra em vigor.

Cabe agora averiguar se a mesma é aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional.

A resposta a esta questão não pode deixar de ser negativa.

Como escreve Paulo Câmara[5]:

O regime consagrado prevê que os FIIAH e as SIIAH constituídos entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2013, bem como os imóveis por aqueles adquiridos durante estes período, possam beneficiar de um regime especial em sede fiscal

(…)

De forma a incentivar a constituição de FIIAH, foi criado um regime fiscal mais favorável, assente numa ampla série de benefício fiscais. Este regime fiscal vigorará até 31 de Dezembro de 2020, data a partir da qual é aplicável o regime geral dos fundos de investimento imobiliário.”[6]

 

 

Na verdade, como se estabelece no art. 102º da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro:

É aprovado o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH), que faz parte integrante da presente lei, e que consta dos artigos seguintes.”

       

 

Por outro lado, consta do art. 8º do regime fiscal especial destes de fundos, na sua redação originária, o seguinte:

 “1 - Ficam isentos de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) os rendimentos de qualquer natureza obtidos por FIIAH constituídos entre 1 de janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2015, que operem de acordo com a legislação nacional e com observância das condições previstas nos artigos anteriores.
2 - Ficam isentos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e de IRC os rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos de investimento referidos no número anterior, pagos ou colocados à disposição dos respectivos titulares, quer seja por distribuição ou reembolso, excluindo o saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias resultantes da alienação das unidades de participação.
3 - Ficam isentas de IRS as mais-valias resultantes da transmissão de imóveis destinados à habitação própria a favor dos fundos de investimento referidos no n.º 1, que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento.
4 - As mais-valias referidas no número anterior passam a ser tributadas, nos termos gerais, caso o sujeito passivo cesse o contrato de arrendamento ou não exerça o direito de opção previsto no n.º 3 do artigo 5.º, suspendendo-se os prazos de caducidade e prescrição para efeitos de liquidação e cobrança do IRS, até final da relação contratual.
5 - São dedutíveis à colecta, nos termos e limites constantes da alínea c) do n.º 1 do artigo 85.º do Código do IRS, as importâncias suportadas pelos arrendatários dos imóveis dos fundos de investimento referidos no n.º 1 em resultado da conversão de um direito de propriedade de um imóvel num direito de arrendamento.
6 - Ficam isentos de IMI, enquanto se mantiverem na carteira do FIIAH, os prédios urbanos destinados ao arrendamento para habitação permanente que integrem o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.
7- Ficam isentos do IMT:
a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;
b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.
8 - Ficam isentos de imposto do selo todos os actos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º
9 - Ficam isentas de taxas de supervisão as entidades gestoras de FIIAH no que respeita exclusivamente à gestão de fundos desta natureza.
10 - Ficam excluídas das isenções constantes do presente artigo as entidades que sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.
11 - As obrigações previstas no artigo 119.º e no n.º 1 do artigo 125.º do Código do IRS devem ser cumpridas pelas entidades gestoras ou registadoras.
12 - Caso os requisitos referidos no n.º 1 deixem de se verificar, cessa a aplicação do regime previsto no presente artigo, passando a aplicar-se o regime previsto no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, devendo os rendimentos dos fundos de investimento referidos no n.º 1 que, à data, não tenham ainda sido pagos ou colocados à disposição dos respetivos titulares ser tributados às taxas previstas no artigo 22.º-A do referido diploma, acrescendo os juros compensatórios correspondentes.
13 - As entidades gestoras dos fundos de investimento referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto dos fundos cuja gestão lhes caiba.

 

Assim, no caso de as aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos as mesmas estão isentas desde que “destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente”, o que constitui norma especial relativamente à isenção. prevista no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro, que é, assim, inaplicável ao caso que nos ocupa, improcedendo, pois, a argumentação da Requerente.

 

 

11. Apreciemos então a questão da constitucionalidade da Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, no que se refere ao regime transitório consagrado no seu artigo 236º, nº 2.

 

A Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro, aprovou o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional.

No seu artigo 8º estabeleceu-se o regime tributário aplicável aos fundos de investimento imobiliário. No que se refere ao Imposto Municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, foi estabelecido no nº 7 do mencionado art. 8º, o seguinte:

7 — Ficam isentos do IMT:

a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;

b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.”

 

Por sua vez, a lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, aditou ao referido art. 8º os números 14º a 16º com a seguinte redação:

 

14 — Para efeitos do disposto nos nºs 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

15 — Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.os 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.

16 — Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.

 

A lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, veio, ainda, consagrar no seu artigo 236º, o seguinte regime transitório:

1 — O disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64 -A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.

2 — Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64 -A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando -se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.”

 

12. Face a este quadro legislativo a questão jurídica que cumpre solucionar é a de saber se, à luz do nº 2, do artigo 236º, da lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro e dos nºs 14º, 15º e 16º da Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro, na redação conferida por aquele diploma, a aquisição do imóvel em causa, ocorrida antes de 1 de Janeiro de 2014, pode ser tributada por o imóvel ter sido vendido antes de decorrido o prazo de três anos contados a partir de 1 de Janeiro  de 2014 e, por outro lado, em caso afirmativo, se tal solução legal é conforme com o art. 103º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa, que determina que “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos (…) que tenham natureza retroactiva (…)”

 

13. É indubitável que, face às normas ordinárias transcritas, um Fundo de investimento imobiliário para arrendamento habitacional que, a partir de 1.01.2014, venda um imóvel adquirido em ano anterior,  que tenha beneficiado de isenção por o imóvel ter como destino o arrendamento para  habitação permanente  e que o venda antes de decorridos 3 anos após 1.01.2014, fica sujeito a imposto por força da lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro.

No nosso entendimento, no caso sub judice, o facto tributário em causa (a aquisição da propriedade por parte do Requerente) verificou-se inteiramente ao abrigo da lei antiga.[7]

 

É também indubitável que o facto tributário em causa é sujeito a tributação face à lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, mas não o era face à Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro, na sua redação originária.

 

14. Na doutrina, diz-nos Ana Paula Dourado que “Nos casos dos impostos de obrigação única (por exemplo, a compra e venda de um imóvel, sujeito a IMT) a proibição da retroatividade implica o respeito pelos factos tributários passados, ou seja, a não aplicação da lei nova a esses factos, pois a obrigação tributária nasceu e está concluída.[8]

Pode também ler-se no acórdão nº 617/2012, de 19 de dezembro de 2012, Processo n.º 150/12, do Tribunal constitucional:

Com efeito, o facto gerador da obrigação fiscal (….)ocorre indubitavelmente antes da publicação da lei nova, não sendo possível entender que se está perante um facto jurídico-fiscal complexo de formação sucessiva.

A aplicação da nova lei a este facto ocorrido anteriormente à sua aprovação envolve, pois, uma retroactividade autêntica.

O que releva, face aos princípios constitucionais enunciados, não é o momento de liquidação de um imposto, mas sim o momento em que ocorre o ato que determina o pagamento desse imposto. É esse ato que vai dar origem à constituição de uma obrigação tributária, pelo que é nessa altura, em obediência ao princípio da legalidade, na vertente fundamentada pelo princípio da proteção da confiança, que se exige, como medida preventiva, que já se encontre em vigor a lei que prevê a criação ou o agravamento desse imposto, de modo a que o cidadão possa equacionar as consequências fiscais do seu comportamento.

 (…)

Ora, tendo já ocorrido o facto que deu origem à obrigação tributária posteriormente agravada por lei nova, as razões que presidiram à consagração da regra de proibição da retroatividade neste domínio estão integralmente presentes, uma vez que importa prevenir o risco abstrato de que a lei publicada com retroação de efeitos provoque agravos financeiros desrazoáveis, pela impossibilidade em que se encontravam os contribuintes afetados, vinculados a tais factos já ocorridos, de prever e prover quanto às suas consequências tributárias, determinadas por lei futura.

15. De acordo com o exposto, e na linha da doutrina e jurisprudência citadas, no entender do tribunal,  o nº 2, do art. 236º da lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, em conjugação com o nº 16º  do art. 8º da Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro, na redação da lei 83-C/2013, estabelece uma tributação retroativa (ratroatividade autêntica), violadora do art. 103º, nº 3, da Constituição da Republica Portuguesa, pelo que não pode o tribunal deixar de desaplicar as mesmas, em obediência à norma consagrada no art. 204º da CRP.[9]

Caso se  considerasse  estarmos perante uma situação de retroatividade inautêntica, conforme se entendeu no referido Acórdão do Tribunal constitucional nº  175/2018, de 5 de abril de 2018,  no entender deste tribunal  sempre a norma em causa seria constitucional por violação do princípio da proteção da confiança, nos termos daquele aresto, pois como aí se sustenta:

15. A conclusão de que a norma constante do n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013 não é, pelo menos com evidência pressuposta pelo acionamento da proibição consagrada no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição, autenticamente retroativa, não é suficiente, porém, para concluir pela respetiva conformidade constitucional.

E isto porque, nos casos de retroatividade inautêntica ou imprópria  isto é, os respeitantes a normas que preveem, de forma inovadora, consequências jurídicas para situações que se constituíram antes da sua entrada em vigor, mas que se mantêm (ou podem manter-se) nessa data, tem este Tribunal reiteradamente sublinhado que, também no âmbito tributário, as mutações da ordem jurídica não podem atingir as expetativas criadas ao abrigo da lei antiga em termos incompatíveis com aquele mínimo de certeza e de segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição.

(…)

Sob a vigência da lei antiga, a destinação do imóvel adquirido ao arrendamento habitacional, através da sua efetiva disponibilização para tal efeito, constituía condição simultaneamente necessária e suficiente para atribuição das isenções concedidas no âmbito do IMT e do imposto de selo. Conforme notado, e bem, pelo Tribunal a quo, nada ali se previa sobre a necessidade de o imóvel adquirido vir a ser efetivamente arrendado e/ou de permanecer na propriedade do fundo adquirente durante um certo prazo, sob pena de caducidade do benefício.

Incentivados pelo regime fiscal previsto na Lei n.º 64-A/2008, os fundos imobiliários realizaram um conjunto de investimentos na aquisição de imóveis, na legítima convicção de que os benefícios fiscais associados a tais aquisições apenas caducariam se o imóvel adquirido não viesse a ser disponibilizado para arrendamento habitacional após a respetiva aquisição e não também se, não obstante essa disponibilização, nenhum contrato de arrendamento viesse efetivamente a ser celebrado dentro de determinado prazo por razões inerentes ao próprio funcionamento do mercado e/ou a fração adquirida acabasse por ser alienada por ausência de qualquer outra alternativa financeiramente viável para a respetiva rentabilização.

A confiança depositada pelos fundos na constância do regime fiscal contemporâneo dos investimentos que decidiram realizar, para além de digna de tutela, não pode deixar de considerar-se atingida pelas consequências da aplicação retroativa dos novos pressupostos da isenção.

Ao determinar a caducidade dos benefícios fiscais no caso de o imóvel adquirido, apesar de disponibilizado para arrendamento habitacional, não vir a ser efetivamente arrendado dentro de determinado prazo por razões não imputáveis ao fundo e/ou acabar por ser por essa razão alienado de modo a conter ou minorar os prejuízos advenientes da objetiva impossibilidade da sua rentabilização no âmbito do destino legalmente prescrito, a lei nova transfere para os fundos o risco inerente ao funcionamento do mercado em termos que não só não tinham paralelo no domínio da lei antiga como não eram, em face dos que aí se previam, de modo algum antecipáveis.

De forma totalmente inovatória, passou a decorrer do regime aprovado pela lei nova que, independentemente das razões que possam ter inviabilizado a efetiva celebração do contrato de arrendamento sobre o imóvel, o benefício fiscal caduca pelo mero facto de tal contrato não chegar a ser efetivamente celebrado e/ou de o imóvel adquirido não ter permanecido na propriedade do fundo por determinado prazo, apesar da ausência de qualquer alternativa financeiramente sustentável para a sua detenção. Deste último ponto de vista que é o que diretamente releva no caso sub judice, decorre da aplicação do novo regime às aquisições realizadas sob a vigência da Lei n.º 64-A/2008 que o fundo imobiliário, ainda que tenha envidado todos os esforços para viabilizar a celebração de um contrato de arrendamento sobre o imóvel adquirido, é obrigado, sob pena de extinção do benefício, a manter a propriedade do prédio, suportando todos os encargos respetivos, durante os três anos subsequentes à entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, mesmo na duradoura e persistente impossibilidade de concretização daquele desiderato.

Ao originar a caducidade das isenções fiscais previstas no âmbito do IMT e do Imposto de selo por via do aditamento dos novos pressupostos, não contemplados na lei vigente à data da adquisição dos imóveis, a aplicação retroativa das alterações introduzidas pela Lei n.º 83-C/2013 frustra as expectativas legitimamente incutidas nos fundos investidores pelo regime fiscal em vista (e sob incentivo) do qual tais aquisições foram decididas realizar, violando aquele mínimo de certeza e de segurança que todos os intervenientes no tráfego jurídico, ao planearem a sua ação e ao realizarem as suas escolhas, devem poder depositar na ordem jurídica de um Estado de Direito.

Não se descortinando qualquer interesse constitucionalmente protegido cuja salvaguarda pudesse justificar a lesão da confiança dos fundos imobiliários na manutenção do regime fiscal contemporâneo do ato de aquisição dos imóveis, é de concluir pela inconstitucionalidade, por violação do princípio da tutela da confiança, da norma constante do n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, em conjugação com o n.º 16 do artigo 8.º do regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH, na versão decorrente da aludida Lei n.º 83-C/2013, por dela resultar que os prédios adquiridos na vigência da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, têm de ser efetivamente arrendados num prazo fixo, sem que possam ser vendidos na hipótese de o contrato de arrendamento não vir a ser celebrado, sob pena de caducidade da isenção.[10]

 

 

16. Pelo que fica exposto, e designadamente pela desaplicação do  nº 2, do art. 236º da lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, em conjugação com o nº 16º  do art. 8º da Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro, na redação da lei 83-C/2013, com fundamento na sua inconstitucionalidade, como impõe o artigo 204º da Constituição da República Portuguesa,     conclui-se que  as liquidações de imposto em causa  carecem de  base legal, o que  tem como  consequência a anulação das mesmas.

 

17. Pedido de restituição das quantias pagas e juros indemnizatórios

 Veio, ainda, a Requerente pedir a condenação da Requerida a reembolso das quantias indevidamente arrecadadas, bem como o pagamento de juros indemnizatórios que se mostrarem devidos, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.

 

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade dos atos de liquidação, é procedente a pretensão do Requerente à restituição por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para restabelecer a situação que existiria se a ilegalidade em causa não tivesse sido praticada.

 

No que concerne aos juros indemnizatórios, cabe ainda apreciar esta pretensão à luz do artigo 43º da Lei Geral Tributária.

Como se decidiu na decisão arbitral proferida no proc. 507/2017-T[11]:

“No que concerne aos juros indemnizatórios, tratando-se de vícios derivados apenas da aplicação de norma inconstitucional, tem de se entender que as liquidações não enfermam de qualquer erro que seja imputável aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que não há direito a juros indemnizatórios, à face do preceituado no artigo 43.º, n.º 1, da LGT, como vem decidindo uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, pelas seguintes razões:

Nesse caso, e a menos que esteja em causa o desrespeito por normas constitucionais directamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP, a AT não pode recusar-se a aplicar a norma com fundamento em inconstitucionalidade (Com interesse sobre a questão, vejam-se os pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República referidos na Colectânea dos Pareceres da Procuradoria-Geral da República, volume V, pontos 10, 3, 3.2 – respetivamente, com as epígrafes «Fiscalização da constitucionalidade», «Fiscalização sucessiva» e «(In)aplicação de norma inconstitucional (poderes e deveres da Administração Pública)» –, cuja doutrina seguimos.). É que a Administração em geral está sujeita ao princípio da legalidade, consagrado constitucionalmente e a AT está-lo também por força do disposto no art. 55.º da LGT.

A nosso ver, a AT deverá aguardar a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, a emitir pelo Tribunal Constitucional (TC), nos termos do art. 281.º da CRP.

É que, como diz VIEIRA DE ANDRADE, «Este conflito [entre a constitucionalidade e o princípio da legalidade] não pode resolver-se através da prevalência automática do direito constitucional sobre o direito legal. Não é disso que se trata, porque o que está em causa é não a constitucionalidade da lei, mas o juízo que sobre essa constitucionalidade possam fazer os órgãos administrativos. Por um lado, a Administração não é um órgão de fiscalização da constitucionalidade; por outro lado, a submissão da Administração à lei não visa apenas a protecção dos direitos dos particulares, mas também a defesa e prossecução de interesses públicos […]. A concessão ao poder administrativo de ilimitados poderes para controlo da inconstitucionalidade das leis a aplicar levaria a uma anarquia administrativa, inverteria a relação Lei-Administração e atentaria frontalmente contra o princípio da divisão dos poderes, tal como está consagrado na nossa Constituição» (Direito Constitucional, Almedina, 1977, pág. 270.).

No mesmo sentido, JOÃO CAUPERS afirma que «a Administração não tem, em princípio, competência para decidir a não aplicação de normas cuja constitucionalidade lhe ofereça dúvidas, contrariamente aos tribunais, a quem incumbe a fiscalização difusa e concreta da conformidade constitucional, demonstram-no as diferenças entre os artigos 207º [hoje, 204.º] e 266º, nº 2, da Constituição. Enquanto o primeiro impede os tribunais de aplicar normas inconstitucionais, o segundo estipula a subordinação dos órgãos e agentes administrativos à Constituição e à lei.

Afigura-se claro que a diferença essencial entre os dois preceitos decorre exactamente da circunstância de se não ter pretendido cometer à Administração a tarefa da fiscalização da constitucionalidade das leis. O desempenho de tal função, por parte daquela tem de ser visto como excepcional» (Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição, Almedina, 1985, pág. 157.).

Concluímos, assim, que no Direito Constitucional Português não existe a possibilidade de a Administração se recusar a obedecer a uma norma que considera inconstitucional, substituindo-se aos órgãos de fiscalização da constitucionalidade, a menos que esteja em causa a violação de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, o que não é manifestamente o caso quando está em causa a aplicação de norma eventualmente violadora do princípio da não retroactividade da lei fiscal.”

 

Acompanhando -se esta jurisprudência, julga-se improcedente o pedido de condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

-IV- Decisão

 

 

Assim, decide o Tribunal arbitral:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, decretar a anulação das liquidações objeto do processo;
  2. Julgar procedente o pedido de reembolso das quantias pagas pela Requerente correspondente às liquidações e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a devolver-lhe tal montante;
  3. Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios e absolver a Requerida deste pedido;

 

 

Comunique-se à Senhora Procuradora-Geral da República, para os fins do artigo 280.º, n.º 5, da CRP.

 

 

Valor da ação: € 9.514,06 (nove mil quinhentos e catorze euros e seis cêntimos), nos termos do disposto no artigo 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas pela Requerida, no valor de    918.00 € (novecentos e dezoito euros) nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

Notifique-se.

 

Lisboa, CAAD, 26.09.2018

 

O Árbitro

 

Marcolino Pisão Pedreiro

                       

 



[1] Disponível in “www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/”

[2] Disponíveis em “https://caad.org.pt/tributario/decisoes”

[3] Disponível em “www.dgsi.pt”

[4] https://caad.org.pt/tributario/decisoes/.

[5]MANUAL DE DIREITO DOS VALORES MOBILIÁRIOS, Almedina, 2011, 2ª Edição, pags. 792-793.

[6] Ob. cit. pag. 794-795.

[7] A nosso ver o vocábulo “destinar” expressa a intenção do sujeito passivo no momento do facto tributário e que, declarada perante a Requerida, legalmente se presume verdadeira face ao art. 75º, nº 1, da Lei Geral Tributária, sem prejuízo da Administração Tributário poder ilidir tal presunção nos termos gerais. Por exemplo, se o sujeito passivo nunca diligenciou no sentido de colocar o imóvel no mercado de arrendamento habitacional ou se num curto espaço de tempo afetar o imóvel a fim diferente do previsto poderá ser de concluir, de acordo com a presunção judicial (arts. 349º e 351º do Código Civil) decorrente das regras da experiência e da “normal sucessão ou relacionação dos factos” (Artur Anselmo de Castro, DIREITO PROCESSUAL CIVIL DECLARATÓRIO, Vol. III, Almedina, Coimbra, 1982), que a manifestada intenção do sujeito passivo não era verdadeira, aquando da verificação do facto tributário.

Salvo o devido respeito por opinião contrária, não parece que estejamos perante uma condição resolutiva. Efetivamente, como escreve Sá Gomes “A condição é resolutiva quando a eficácia do facto tributário suspende os seus efeitos pelas verificação dos pressupostos do benefício fiscal, que é concedido, mas este fica, pela verificação dos pressupostos da referida condição resolutiva, sujeita a caducidade, renascendo então a obrigação tributária (…)” (TEORIA GERAL DOS BENEFÍCIOS FISCAIS, Cadernos de ciência e Técnica Fiscal, CEF, Lisboa, 991, pags 147-148)

Ora, na redação primitiva do regime não foram tipificados os pressupostos da ocorrência de hipotética condição resolutiva, nem a lei a estabeleceu.

Esta foi, sim, no nosso entendimento, estabelecida pela Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro.

Não acompanhamos, assim, nesta parte, o entendimento do acórdão do Tribunal constitucional nº 175/2018, de 5 de abril de 2018 que considerou que o benefício fiscal estava já no primitivo regime sujeito a “condição resolutiva cujo pressuposto se projeta necessariamente para além no momento em que tem lugar o facto tributário”. Assim, Tribunal constitucional considerou tratar-se de retroatividade inautêntica e decidiu julgar inconstitucional a norma em causa, por violação do princípio da proteção da confiança.

 

[8]   DIREITO FISCAL, Lições, Almedina, 2015, pag. 175

[9] O que se acaba de expor corresponde, no essencial, ao discurso fundamentador da decisão arbitral proferida em 20-05-2016, no processo 683/2015-T,  na decisão proferida no processo 64/2016-T, e ainda da decisão arbitral proferida em 18-01-2017 no processo 275/2016-T  nas quais foi árbitro o signatário da presente decisão.

[10] www.tribunalconstitucional.pt/tc.Em sentido idêntica foi a recente decisão sumária deste Tribunal proferida no processo 265/2017 de 10 de Julho de 2018 (ainda não publicado)

[11] https://caad.org.pt/tributario/decisoes/