Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 63/2018-T
Data da decisão: 2018-07-19  IRC  
Valor do pedido: € 29.499,44
Tema: IRC - Retenções na fonte; Região Autónoma da Madeira; Incompetência do Tribunal Arbitral.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

  1. A..., SGPS, S.A. (...), pessoa coletiva n.º ..., com sede na ..., n.º..., freguesia do ..., Ilha da Madeira, matriculada na Conservatória do Registo Comercial da ... sob o n.º..., tendo sido notificada do despacho de indeferimento proferido pela Chefe do Serviço de Finanças do Funchal..., no procedimento de Reclamação Graciosa n.º ...2017..., que tinha por objeto as demonstrações de liquidação de retenções na fonte de IRS n.º 2017 ... do ano de 2014, n.º 2017... do ano de 2015, e das liquidações de juros compensatórios n.º 2017... e n.º 2017... do ano de 2014 e n.º 2017... do ano de 2015, no valor total de 29.499,44 €, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 95.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), 99.º, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 140.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”), e 3.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de tribunal arbitral.
  2. O pedido de pronúncia arbitral visa, de forma imediata, a anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa identificada supra, e, de forma mediata, a declaração de ilegalidade e consequente anulação das demonstrações de liquidação de retenções na fonte de IRS n.º 2017 ... do ano de 2014, n.º 2017 ... do ano de 2015, e das liquidações de juros compensatórios n.º 2017 ... e n.º 2017 ... do ano de 2014 e n.º 2017 ... do ano de 2015, no valor total de 29.499,44 €.
  3.  É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada somente por “Requerida” ou “AT”).
  4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 21-02-2018.
  5. A Requerida foi notificada da apresentação do pedido arbitral em 26-02-2018.
  6. Dado que os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, foi o signatário designado como árbitro, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.
  7. Em 11-04-2018 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11.º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
  8. Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 03-05-2018.
  9. A Requerente fundamentou o pedido de pronúncia arbitral alegando, em síntese, o seguinte:
  1. Os beneficiários dos rendimentos, B... e C..., não são residentes em território português
  2. Os serviços prestados pela Dra. C... corresponderam a serviços de consultoria jurídica internacional;
  3. Os serviços prestados por B... dizem respeito a consultoria para a construção de complexos universitários no ...;
  4. Estes rendimentos não se consideram obtidos em território português, dado que os mesmos não são realizados nem utilizados em território português;
  5. Consequentemente, não estão os rendimentos em causa sujeitos a retenção na fonte em Portugal.
  6. Os rendimentos em causa são pagos por uma entidade que está licenciada para operar no D..., pelo que os mesmos se encontram isentos de tributação em Portugal, por força do disposto na alínea b) do nº 5 do artigo 33º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF);
  7. Pelo que, no entender da Requerente, não existe a obrigação legal de efetuar retenção na fonte sobre os rendimentos pagos, devendo ser anuladas as demonstrações de liquidação de retenções na fonte de IRS e respetivas liquidações de juros;
  8. Mas ainda que se entenda que é devido imposto sobre o rendimento em Portugal relativamente aos referidos rendimentos, a Requerida deveria calcular a retenção na fonte aplicando a taxa ao valor que consta das faturas, ou seja, ao valor pago, e não, como fez, encontrando um valor ilíquido ao qual aplicou a taxa de retenção na fonte;
  9.  O valor do gasto fiscalmente dedutível, titulado nas faturas, é inferior ao valor ilíquido que a Requerida encontrou para calcular a retenção na fonte, pelo que ocorreu um erro de quantificação, devendo por isso ser anuladas as demonstrações de liquidação de retenções na fonte de IRS de 2014 e 2015 e as respetivas liquidações de juros compensatórios.
  1. A Requerida apresentou Resposta em 06-06-2018, na qual apresentou defesa por exceção, invocando as exceções de incompetência material do Tribunal Arbitral e falta de legitimidade da AT no processo, e por impugnação, aderindo à argumentação utilizada pela Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira (AT-RAM), constante na decisão da Reclamação Graciosa que indeferiu o pedido da Requerente, assim como do Relatório de Inspeção.
  2. As referidas exceções foram suscitadas com os seguintes fundamentos:
  1. Para que o Tribunal Arbitral possua competência material para decidir alguma das matérias previstas no artigo 2.º do RJAT é necessária uma Portaria de vinculação prévia, conforme resulta do artigo 4.º daquele regime;
  2. A única Portaria de vinculação que existe é a Portaria nº112-A/2011, de 22 de março, que apenas vincula a AT;
  3. O que está em causa no presente processo é um imposto liquidado pela AT-RAM, e não pela AT;
  4. Todo o procedimento gracioso correu na AT-RAM e a decisão final foi proferida pela Chefe do Serviço de Finanças do Funchal ..., no âmbito do exercício de competências delegadas pelo Diretor da Direção Regional dos Assuntos Fiscais da Madeira (DRAF);
  5. Qualquer intervenção que a AT tenha tido no procedimento aqui em causa tê-lo-á feito ao abrigo do dever de cooperação previsto no artigo 3.º do Decreto-Lei nº 18/2005, de 18 de janeiro;
  6. A direção pertence à AT-RAM, conforme se retira da orgânica desta prevista no Decreto Regulamentar Regional nº 4/2017/M, conjugada com o diploma regional que criou a estrutura orgânica da AT-RAM (Portaria da Região Autónoma da Madeira nº 230/2015);
  7. Como se retira do art.º 140º, nº2, al. a) do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de junho e revisto pelas Leis n.º 130/99, de 21 de agosto, e 12/2000, de 21 de junho), a criação dos serviços fiscais competentes para o lançamento, liquidação e cobrança dos impostos de que é sujeito ativo cabe ao Governo Regional;
  8. O IRS é receita da RAM, nos termos definidos no artigo 108º, al. d) e 112º, nº1 al. a) daquele Estatuto;
  9. O Governo Regional é o sujeito ativo de IRS aqui em causa, uma vez que a Requerente tem a sua sede no Funchal e o IRS aqui em questão é receita da Madeira;
  10. Através do Decreto-Lei nº 18/2005, de 16 de janeiro, foram transferidas para a Região Autónoma da Madeira as atribuições e competências fiscais que no âmbito da AT-RAM (na altura DRAF) e de todos os serviços dela dependentes vinham sido exercidas no território da Região pelo Governo da República;
  11. O Governo Regional da Região Autónoma da Madeira passou, assim, a exercer a plenitude das competências previstas na Constituição e na lei em relação às receitas fiscais próprias, praticando todos os atos necessários à sua administração e gestão;
  12. Portanto, teria de ser o Governo Regional a assumir o compromisso de vinculação à jurisdição dos tribunais arbitrais, o que se desconhece se aconteceu;
  13. O Ministério das Finanças passou a prestar, ao Governo Regional da Madeira, tão só e apenas o apoio técnico e administrativo necessário ao funcionamento dos serviços tributários regionais (conforme decorre do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 18/2005, de 18 de janeiro);
  14. Não resulta das atribuições constantes na Lei Orgânica do Ministério das Finanças (Decreto-Lei nº 117/2011, de 15 de dezembro), ou na Lei Orgânica da AT a representação do Governo Regional ou a DRAF no Tribunal Arbitral ou noutro qualquer;
  15. A AT-RAM (DRAF) não faz parte da AT, tendo esta sido demandada indevidamente;
  16. Acresce que a alínea i) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição da República Portuguesa, assim como a alínea f) do n.º 1 do artigo 37.º, e o artigo 107.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira atribuem à referida Região Autónoma poder tributário próprio, consistindo o mesmo, designadamente, no direito de dispor de todas as receitas fiscais cobradas no seu território, independentemente da sua natureza e da sua categoria específica, e de dispor das mesmas;
  17. O artigo 5.º do referido Estatuto Político-Administrativo consagra a autonomia fiscal da Região Autónoma da Madeira a exercer no respeito pela soberania nacional, no quadro da Constituição e daquele Estatuto, ao que o artigo 140.º do mesmo diploma assim como a alínea a) do n.º 2 do artigo 39.º da Lei n.º 13/98, de 24 de fevereiro,  acrescentam ser competência administrativa regional a criação dos serviços fiscais competentes para o lançamento, liquidação e cobrança dos impostos de que é sujeito ativo.
  18. Caso o Tribunal arbitral entenda ser competente para decidir o presente processo, estará a violar o referido artigo 5.º do Estatuto Político-Administrativo daquela região autónoma, bem como a alínea i) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição da República Portuguesa, precisamente por ser competência regional a criação dos serviços fiscais competentes para o lançamento, liquidação e cobrança dos impostos de que é sujeito ativo, como é o presente caso;
  19. A Requerida suporta a sua argumentação invocando, também, a “inúmera jurisprudência do CAAD no sentido do que vimos expondo”, destacando a decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 89/2012-T.
  1. Por Despacho de 08-06-2018, este Tribunal concedeu à Requerente o prazo de 10 dias para exercer o contraditório relativamente às exceções invocadas pela Requerida.
  2. Em 18-06-2018, a Requerente apresentou requerimento de pronúncia sobre a matéria de exceção, sustentando a improcedência das exceções suscitadas pela Requerida, com os seguintes fundamentos:
  1. As liquidações objeto do presente pedido arbitral foram emitidas pelos Serviços Centrais do IRS, tendo sido assinadas pela Diretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, Dra. Helena Alves Borges;
  2. Caso a liquidação tivesse sido efetuada pela Região Autónoma da Madeira, nos termos da LGT, ela teria que identificar essa entidade, conforme exige o artigo 18.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (LGT), o que não aconteceu;
  3. Logo, o Tribunal arbitral é competente para a apreciação da questão sub judice;
  4. Por outro lado, nos termos do nº 4 do artigo 51º da Lei Orgânica n.º 1/2007 de 19-02, “Os impostos nacionais que constituem receitas regionais e os impostos e taxas regionais devem ser como tal identificados aos contribuintes nos impressos e formulários fiscais, sempre que sejam cobrados pela administração fiscal do Estado”, o que também não ocorreu no presente caso;
  5. Em nenhum diploma legal resulta que, sem prejuízo das receitas lhes caberem, às Regiões Autónomas seja cometida a competência para cobrar IRS, nas situações a que alude o artigo 13º n.º 1 alínea b) do LFRA, sendo que o IRS é, inequivocamente, um imposto de âmbito nacional;
  6. Assim sendo, tendo os atos tributários sido praticados pela Requerida e dispondo a mesma de competência para o efeito, administrando o imposto, entende a Requerente que os atos tributários em causa estão sujeitos à jurisdição arbitral nos termos dos artigos 2º nº 1 alínea a) e 4º nº 1 do RJAT e, ainda, dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março;
  7. Por outro lado, o artigo 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, determina que os serviços e organismos referidos no artigo 1.º (onde se inclui a DGCI) se vinculam à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD nos casos em que esteja em causa a “apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida”;
  8. Ainda que se possa discutir o que se deve considerar incluído no conceito de administração, para efeitos do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, a liquidação do imposto enquadra-se, segundo a Requerente, nesse conceito;
  9. Assim, encontrando-se a administração do IRS cometida à AT (e não à DRAF), facto que se torna visível por ter sido a AT a liquidar o imposto, estão verificados os requisitos previstos nos artigos 1º alínea a) e 2º da Portaria de Vinculação (Portaria n.º 112-A/2011 de 22-03), sendo o presente Tribunal competente para dirimir o presente litígio;
  10. Os atos de liquidação em crise nestes autos não apenas identificam a AT – Autoridade Tributária, Área de Imposto sobre o Rendimento, com sede em Lisboa, sendo também assinados pela Diretora-Geral da AT, Helena Alves Borges;
  11. A Requerente invoca as decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos n.ºs 260/2013-T, 635/2014-T e 426/2017-T, que concluíram pela competência material dos respetivos tribunais;
  12. O entendimento segundo o qual a administração do IRS não está cometida à DRAF está em consonância com o artigo 15.º, n.º 1, da Lei Orgânica da Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira (Decreto Regulamentar Regional n.º 14/2015/M, de 19 de agosto), que refere que “[a]té que se encontrem instalados todos os meios logísticos necessários ao exercício da plenitude das atribuições e competências previstas no artigo 2.º do presente diploma, a AT, através dos seus departamentos e serviços, continua a assegurar a realização dos procedimentos em matéria administrativa e informática necessários ao exercício das atribuições e competências transferidas para a Região Autónoma da Madeira, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita própria da Região Autónoma da Madeira”;
  13. Mas ainda inda que a administração do tributo estivesse cometida à RAM, não pode a falta dessa informação nas liquidações lancetar as garantias dos contribuintes.
  14. Por outro lado, existem normativos legais que demonstram que a administração do IRS é da responsabilidade da AT, de que são exemplo os artigos 76.º, n.º 1, alínea b) e 108.º, ambos do CIRS;
  15. Caso se considerasse que a competência para liquidar o imposto é da DRAF, o facto de a liquidação ter sido, como foi, efetivamente efetuada pela AT (área do Imposto Sobre o Rendimento) implicaria a nulidade do ato de liquidação, nos termos do artigo 161.º n.º 2 do CPA, conforme tem sido reconhecido pela maioria da jurisprudência arbitral, designadamente a proferida nos processos n.sº 426/2017-T, 90/2014-T, 260/2013-T e 635/2014-T;
  16. A Requerente entende que, caso se entenda que o Tribunal Arbitral é incompetente para conhecer do pedido, estão a ser violados os princípios da igualdade e de acesso à justiça, constitucionalmente protegidos, em virtude de tal configurar uma restrição inadmissível e injustificada de acesso à tutela jurisdicional efetiva, prevista no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP), tal como refere a decisão do CAAD do processo n.º 90/2014-T.
  1. Por despacho de 19-06-2018, este Tribunal, ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade e da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), considerando que foi exercido o contraditório em matéria de exceção e que não havia lugar à produção de prova testemunhal, decidiu dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, determinando que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas.
  2. Somente a Requerente apresentou alegações, nas quais dá por reproduzida a argumentação de direito já incluída no pedido de pronúncia arbitral e reproduz os argumentos contidos na resposta à matéria de exceção suscitada pela Requerida.

 

II – SANEADOR     

  1. Cumpre decidir as exceções invocadas.
  2. Na delimitação do quadro normativo relevante, importa, desde já, referir que a Constituição da República Portuguesa prevê, no seu artigo 227.º, n.º 1, alíneas i) e j) o seguinte:

1. As regiões autónomas são pessoas coletivas territoriais e têm os seguintes poderes, a definir nos respetivos estatutos:

[…]

i) Exercer poder tributário próprio, nos termos da lei, bem como adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei-quadro da Assembleia da República;

j) Dispor, nos termos dos estatutos e da lei de finanças das regiões autónomas, das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efetiva solidariedade nacional, e de outras receitas que lhes sejam atribuídas e afetá-las às suas despesas;

[…]”

  1. O artigo 107.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira prevê que a “Região Autónoma da Madeira exerce poder tributário próprio, nos termos deste Estatuto e da lei” (n.º 1), reconhece o poder da Região para “adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais nos termos da lei” (n.º 2), e estabelece que a “Região dispõe, nos termos do Estatuto e da lei, das receitas fiscais nela cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efectiva solidariedade nacional, e de outras receitas que lhe sejam atribuídas e afecta-as às suas despesas”.
  2. O Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira prevê ainda, no seu artigo 108.º, que constituem receitas da Região, entre outras aí elencadas, “todos os impostos, taxas, multas, coimas e adicionais cobrados ou gerados no seu território, incluindo o imposto do selo, os direitos aduaneiros e demais imposições cobradas pela alfândega, nomeadamente impostos e diferenciais de preços sobre a gasolina e outros derivados do petróleo” [alínea b)], bem como “[o]utros impostos que devam pertencer-lhe, nos termos do presente Estatuto e da lei, nomeadamente em função do lugar da ocorrência do facto gerador da obrigação do imposto” [alínea d)].
  3. O artigo 108.º citado deve ser interpretado em articulação com o artigo 112.º, também do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, cuja alínea a) do n.º 1 inclui entre as receitas fiscais da região, nos termos da lei, as relativas ao IRS, ou dele resultantes, dispondo a alínea b) o mesmo para as receitas de IRC.
  4. O artigo 140.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira tem por objeto as competências administrativas regionais, aí se prevendo, tal como sucede no artigo 39.º da Lei n.º 13/98, de 24 de fevereiro (Lei das Finanças das Regiões Autónomas), que a Região Autónoma da Madeira tem capacidade para ser sujeito ativo dos impostos nela cobrados, quer de âmbito regional quer de âmbito nacional [n.º 1, alínea a)], e que essa capacidade compreende, entre outros, “[o] poder de o Governo Regional criar os serviços fiscais competentes para o lançamento, liquidação e cobrança dos impostos de que é sujeito activo” (n.º 2, alínea a)].
  5. Através do Decreto-Lei n.º 18/2005, de 18 de janeiro, foram transferidas para a Região Autónoma da Madeira as atribuições e competências fiscais que no âmbito da Direção de Finanças da Região Autónoma da Madeira e de todos os serviços dela dependentes vinham sendo exercidas no território da Região pelo Governo da República (artigo 1.º, n.º 1).
  6. Nos termos do disposto no artigo 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 18/2005, “[c]ompete ao Governo Regional da Região Autónoma da Madeira exercer a plenitude das competências previstas na Constituição e na lei em relação às receitas fiscais próprias, praticando todos os actos necessários à sua administração e gestão”.
  7. O Decreto-Lei n.º 18/2005 veio determinar a extinção da Direção de Finanças da Região Autónoma da Madeira e dos serviços locais dela dependentes (artigo 1.º, n.º 3), prevendo a criação, por decreto regulamentar regional, de um “organismo com vista à prossecução na Região Autónoma da Madeira das atribuições e competências cometidas à Direcção de Finanças da Região Autónoma da Madeira […]” (artigo 2.º).
  8. A criação do novo organismo, prevista no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 18/2005, não obsta à cooperação do Ministério das Finanças, nos termos previstos no artigo 3.º, designadamente através da prestação de apoio técnico e administrativo (artigo 3.º, n.º 1).
  9. Através do Decreto Regulamentar Regional n.º 29-A/2005/M, de 31 de agosto, foi aprovada a orgânica da Direção Regional dos Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira (DRAF), posteriormente alterada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 28/2006/M, de 19 de julho, o que,  em obediência ao Decreto-Lei n.º 18/2005, de 18 de janeiro, veio permitir que o Governo Regional da Madeira passasse a exercer a plenitude das competências previstas nas alíneas i) e j) do artigo 227.º da Constituição da República Portuguesa.
  10. A orgânica da DRAF foi alterada pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 2/2013/M, de 01 de fevereiro.
  11. Conforme é afirmado no artigo 1.º, n.º 1, deste Decreto Regulamentar Regional, a DRAF “é o serviço central da administração direta da Região Autónoma da Madeira […], que tem por missão assegurar e administrar os impostos sobre o rendimento, sobre a despesa, sobre o consumo, sobre o património e de outros tributos legalmente previstos, bem como executar as políticas e as orientações fiscais definidas pelo Governo Regional da Madeira, em matéria tributária a exercer no âmbito da Região Autónoma da Madeira, de acordo com os artigos 140.º e 141.º da Lei n.º 130/99, de 1 de agosto, nomeadamente a liquidação e a cobrança dos impostos que constituem receita da Região”.
  12. No artigo 2.º, n.º 3, alínea a), do Decreto Regulamentar Regional n.º 2/2013/M, de 01 de fevereiro, prevê-se que incumbe em especial à DRAF e relativamente às receitas fiscais próprias “[a]ssegurar a liquidação e cobrança dos impostos sobre o rendimento, sobre o património e sobre o consumo e demais tributos que lhe incumbe administrar, bem como arrecadar e cobrar outras receitas da Região ou de pessoas coletivas de direito público”.
  13. O artigo 12.º do Decreto Regulamentar Regional n.º 2/2013/M refere-se à “cooperação e colaboração recíproca da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e da Direção Regional dos Assuntos Fiscais (DRAF)”, aí se prevendo, no n.º 1, que  “[a]té que se encontrem instalados todos os meios logísticos necessários ao exercício da plenitude das atribuições e competências previstas no artigo 2.º do presente diploma, a AT, através dos seus departamentos e serviços, continuará a assegurar a realização dos procedimentos em matéria administrativa e informática necessários ao exercício das atribuições e competências transferidas para a RAM, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita própria da RAM”, e, no n.º 2, que os atos praticados nos termos do n.º 1 “serão passíveis de recurso hierárquico, a interpor, consoante o procedimento aplicável, perante o membro do governo regional responsável pela área das finanças ou do diretor regional”.
  14. O Decreto Regulamentar Regional n.º 14/2015/M, de 19 de agosto, procedeu a nova alteração à orgânica da Direção Regional dos Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira, agora com a designação de Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira (AT-RAM), a qual foi definida no Decreto Regulamentar Regional n.º 3/2015/M, de 28 de maio.
  15. Nos termos do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto Regulamentar Regional n.º 14/2015/M, de 19 de agosto, a “AT-RAM é um serviço executivo da Secretaria Regional das Finanças e da Administração Pública que tem por missão assegurar e administrar os impostos sobre o rendimento, sobre a despesa, sobre o consumo, sobre o património e outros tributos legalmente previstos, bem como executar as políticas e as orientações fiscais definidas pelo Governo Regional da Madeira, em matéria tributária a exercer no âmbito da Região Autónoma da Madeira, de acordo com os artigos 140.º e 141.º da Lei n.º 130/99, de 1 de agosto, nomeadamente a liquidação e a cobrança dos impostos que constituem receita da Região”.
  16. O artigo 3.º, n.º 3, alínea a) prevê que incumbe em especial à AT-RAM e relativamente às receitas fiscais próprias da Região Autónoma da Madeira “[a]ssegurar a liquidação e cobrança dos impostos sobre o rendimento, sobre o património e sobre o consumo e demais tributos que lhe incumbe administrar, bem como arrecadar e cobrar outras receitas da Região ou de pessoas coletivas de direito público”.
  17. O artigo 15.º, n.º 1, do Decreto Regulamentar Regional n.º 14/2015/M manteve a referência, que constava do artigo 12.º, n.º 1, do Decreto Regulamentar Regional n.º 2/2013/M, à cooperação e colaboração recíproca, agora entre a AT e a AT-RAM.
  18. O Decreto Regulamentar Regional nº 4/2017/M, de 10 de março, procedeu à alteração ao Decreto Regulamentar Regional n.º 14/2015/M, de 19 de agosto, que aprovou a Orgânica da Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira, mas sem implicações no que importa para o caso sub judice.
  19. O que fica dito é suficiente para demostrar que a AT-RAM (DRAF), é distinta da AT.
  20. E que uma eventual colaboração da AT com a AT-RAM (DRAF), designadamente nos procedimentos de liquidação e cobrança dos impostos, não permite concluir que a administração dos impostos que constituam receita da Região Autónoma da Madeira se transfere, por força dessa colaboração, para a AT.
  21. Pelo contrário, a administração dos impostos que constituam receita da Região Autónoma da Madeira compete à AT-RAM (DRAF), conforme resulta das normas explicitadas supra, designadamente as Constantes do Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma da Madeira, em concretização da Constituição da República Portuguesa, do Decreto-Lei n.º 18/2005, de 18 de janeiro, e dos Decretos Regulamentares Regionais citados.
  22. No caso sub judice, a Requerente tem a sua sede no território da Região Autónoma da Madeira, pelo que está sujeita ao regime jurídico-fiscal aplicável na Região Autónoma da Madeira.
  23. A Requerente pretende, “de forma imediata”, a anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2017..., cujo despacho de indeferimento foi proferido pela Chefe do Serviço de Finanças do Funchal ... .
  24. E pretende, “de forma mediata”, a declaração de ilegalidade e consequente anulação das demonstrações de liquidação de retenções na fonte de IRS n.º 2017... do ano de 2014, n.º 2017... do ano de 2015, e das liquidações de juros compensatórios n.º 2017... e n.º 2017... do ano de 2014 e n.º 2017... do ano de 2015.
  25. Pelo exposto supra, a competência para as referidas liquidações é da AT-RAM (DRAF), embora a lei admita a colaboração da AT nesse procedimento.
  26.  A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das pretensões previstas do artigo 2.º do RJAT.
  27. Todavia, o artigo 4.º do RJAT prevê que a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos do RJAT depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça.
  28. A Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, determina, de forma taxativa, a vinculação à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos “seguintes serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública:

a) A Direcção-Geral dos Impostos (DGCI); e

b) A Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC)”.

  1. A AT-RAM (DRAF) não está, pois, entre os serviços vinculados à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.
  2. Com efeito, o Governo Regional da Madeira não se confunde com o Governo da República, e apenas este emitiu portaria de vinculação à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD – a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março – a qual não vincula, nem poderia vincular, a AT-RAM (DRAF).
  3. Assim, pertencendo a administração do imposto em causa, incluindo a sua liquidação, à AT-RAM, tendo a reclamação graciosa sido decidida pela AT-RAM, e não tendo a AT-RAM sido vinculada por qualquer forma à jurisdição do CAAD, nem sendo representada pela AT, conclui-se que está fora da competência deste tribunal a apreciação do litígio sub judice, por força do disposto no artigo 4.º, n.º 1, do RJAT – falta de vinculação.
  4. A conclusão a que se chega não se traduz em qualquer desrespeito pelo princípio da tutela jurisdicional efetiva nem, tampouco, do princípio da igualdade, uma vez que, conforme é referido na decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 336/2017-T, “ […] o Estado Português e a Região Autónoma da Madeira são pessoas colectivas de direito público distintas, que, como tal, são livres de determinar, pelos meios próprios e adequados, a sua vontade de sujeição, ou não, a meios alternativos de resolução de litígios, e depois porquanto existem na ordem jurídica nacional meios próprios de obter a tutela efectiva dos direitos da Requerente […]”.

 

III – DECISÃO

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

- Julgar procedentes as exceções de incompetência material do Tribunal Arbitral e de falta de legitimidade da AT no processo;

- Declarar-se materialmente incompetente para conhecer do mérito da causa e, consequentemente, absolver a Requerida da instância, nos termos do artigo 278.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil;

- Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

 

IV- VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 29.499,44.

 

V – CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.530,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requente.

 

Lisboa, 19/07/2018

 

     O Árbitro

 

(Paulo Nogueira da Costa)