Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 213/2019-T
Data da decisão: 2020-03-30  IRS  
Valor do pedido: € 2.511.173,18
Tema: IRS - Permuta de partes sociais; disposição anti-abuso; arts. 73.º, n.º 10 do CIRC e art. 10.º, n.º 9, al. b) do CIRS
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)


Os árbitros Conselheiro Doutor Carlos Cadilha (árbitro-presidente), Professor Doutor Sérgio Vasques e João Menezes Leitão (árbitros-vogais), que constituem o presente Tribunal Arbitral, acordam no seguinte

 

I. Relatório 

 

1. A..., contribuinte n.º ..., com domicílio na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... ... (a seguir, o Requerente), ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações posteriores (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, a seguir RJAT), apresentou em 25.3.2019 pedido de pronúncia arbitral, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (a seguir, Requerida ou AT), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos tributários, referentes ao ano de 2014, de Liquidação adicional de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2018..., datada de 12.11.2018, de Liquidações de juros compensatórios n.ºs 2018... e 2018..., datadas de 14.11.2018, e respetiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2018..., datada de 14.11.2018, no valor de €2.511.173,18 (dois milhões quinhentos e onze mil cento e setenta e três euros e dezoito cêntimos).

 

2. No pedido de pronúncia arbitral, em conformidade com o previsto nos artigos 5.º, n.º 3, al. b), 6.º, n.º 2, al. b), 10.º, n.º 2, al. g) e 11.º, n.º 2 do RJAT, o Requerente designou como árbitro o Professor Doutor Sérgio Vasques.

Nos termos do n.º 3 do artigo 11.º do mesmo RJAT, a Requerida indicou como árbitro João Menezes Leitão.

Os árbitros designados pelas partes, ao abrigo do disposto nos artigos 6.º, n.º 2, al. b) e 11.º, n.º 6 do RJAT, com observância do prescrito pelo artigo 3.º, n.º 2, al. b) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, designaram, por acordo, o Conselheiro Doutor Carlos Cadilha como Árbitro-Presidente.

As partes foram devidamente notificadas destas designações, às quais não opuseram recusa nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

3. Nos termos do n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, e conforme comunicação do Senhor Presidente do CAAD, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 18.6.2019.

 

4. No pedido de pronúncia arbitral (a seguir, petição inicial ou PI), o Requerente invoca que a correção em sede de IRS, fundamentada no art. 73.º, n.º 10 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), ex vi art. 10.º, n.º 9, al. b) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), respeitante à permuta de ações realizada no ano de 2014 pelo Requerente com a sociedade B..., SA (posteriormente denominada C... SGPS, SA) mediante a entrega de ações representativas de 50,02% do capital social da sociedade D..., SA (a seguir também abreviadamente D...), que se encontra na base dos atos tributários sindicados, consubstancia um “erro grosseiro e manifesto” (art. 9.º da PI), pelo que “a referida liquidação, e atos subsequentes, enfermam de ilegalidade por erro nos Pressupostos de Facto e de direito para a aplicação do disposto no Artigo 73.º, n.º 10, do Código do IRC” (art. 11.º da PI).

Em sustentação da ilegalidade assim invocada, o Requerente alega, em súmula, o seguinte:

i) a permuta de ações com a sociedade B..., SA, pela qual esta sociedade passou a deter 50,02% do capital social da D..., SA é “a forma adequada de transferência das participações sociais detidas diretamente pelo ora REQUERENTE para a esfera da sociedade holding” B... (depois C...), sendo a “constituição/incorporação de uma sociedade holding que passaria a deter as participações sociais do REQUERENTE (...) a estrutura adequada e normal neste contexto”, e “constituiu uma exigência das instituições bancárias envolvidas na operação de financiamento” necessária à “intenção de aquisição da participação detida por E...” na sociedade D... pelo Requerente, pelo que “[i]nexistem motivações/vantagens fiscais com a concretização desta operação” (arts. 23.º a 45.º, 124.º e 125.º, 148.º e 149.º, 235.º a 238.º, 269.º a 288.º da PI);

ii) como em “Maio/Junho de 2014, começ[ou] a ser evidente a impossibilidade de recuperação da saúde da esposa do REQUERENTE”, que veio a falecer em 17 de Julho de 2014, “por esta altura, confrontado com o evidente futuro falecimento da sua esposa - o que obrigaria a dedicação acrescida às suas filhas menores, prejudicando o tempo que o projeto D... exigiria-, o ora REQUERENTE decidiu alienar a sua participação na D...” e, assim, “a intenção do REQUERENTE de adquirir a participação do acionista E... passou, com este revés pessoal, para a intenção de alienar a sua participação”, o que, após negociações iniciadas em finais de Maio/inícios de Junho, veio a concretizar-se com o FUNDO F..., sendo que “em 30 de Julho de 2014, foi celebrado com esta mesma sociedade contrato promessa de compra e venda das ações que a B... detinha na sociedade D... (50,02%) pelo preço de €8.287.500 e da quota representativa de 50% do capital da G... pelo preço de €12.500” e “Em 15 de Dezembro de 2014, é celebrado o Contrato de Compra e Venda definitivo entre a B... e a sociedade F... para efeitos da aquisição por esta última das ações que a primeira detinha na sociedade D... (50,02%) pelo preço de €8.287.500” (arts. 48.º a 67.º da PI);

iii) a Inspeção Tributária limita-se a alegar que a operação de permuta de ações não teve qualquer racionalidade económica, sem explicar, de forma adequada, os motivos pelos quais chega a tal conclusão, dado analisar apenas “os factos posteriores à realização da operação de permuta - designadamente a posterior alienação das participações da D... -, sem, no entanto, procurar perscrutar, nem contrariar, as razões económicas  subjacentes  a tal permuta, tal como invocadas pelo REQUERENTE”, bastando-se “com a consideração de que a permuta não resultou em qualquer alteração da posição do ora Requerente na estrutura e, como tal, não há motivação económica” e com a invocação da “venda das ações como objetivo final da operação, alegação que implica um juízo final, que não se coaduna com a exigência de afastamento prévio da racionalidade económica, para efeitos de aplicação da referida norma anti-abuso”; ora, “para efeitos de aplicação da norma especial anti-abuso prevista no Artigo 73.º, n.º 10, do Código do IRC, os Serviços de Inspeção deveriam ter procurado demonstrar que a operação de permuta de ações não apresenta qualquer razão económica, à luz do contexto empresarial do ora REQUERENTE, no momento em que ocorreu”, mas o que “os Serviços de Inspeção acabam por fazer é procurar demonstrar a inexistência de razões económicas à luz dos desenvolvimentos posteriores das relações negociais, desconsiderando completamente o enquadramento contemporâneo à prática dos atos em causa e que impulsionou a realização da operação de permuta ora em apreço”, sendo que a “racionalidade económica deve ser analisada à luz da operação em si, em especial se a mesma concorre para uma nova configuração do modelo negocial mais competitiva e eficiente”, não devendo “ser analisada à luz dos desenvolvimentos subsequentes, sem se efetuar uma demonstração clara que a operação em causa não tem qualquer razão económica válida” (arts. 201.º a 216.º da PI);

iv) como “os Serviços de Inspeção direcionaram o foco para a consequência final - venda das participações permutadas - e não para a operação de permuta em si”, dever-se-á “concluir que a fundamentação vertida no Relatório de Inspeção não é apta a demonstrar a inexistência de razões económicas válidas para a operação sub judice e, consequentemente, a possibilitar que os serviços de inspeção presumam que a mesma foi prosseguida com finalidade de elisão fiscal”; como a demonstração da existência dos pressupostos dessa presunção cabe à AT, para o que “não basta invocar as consequências resultantes da  operação  visada,  conforme sucede no caso em apreço”, já que “a análise do requisito da inexistência de razões económicas válidas deve ter por objeto o enquadramento e contexto prévios à realização da operação, no sentido de demonstrar que àquela operação não presidiram quaisquer motivações válidas, o que não foi efetuado pelos Serviços de Inspeção, no caso em apreço”, pelo que “não foi demonstrada, por parte da Autoridade Tributária, e em concreto pelos Serviços de Inspeção, a inexistência de razões económicas válidas para a realização da operação de permuta em apreço, não se encontrando, consequentemente, preenchido um dos requisitos legais para efeitos de aplicação da norma especial anti-abuso, prevista no Artigo 73.º, n.º 10, do Código do IRC” (arts. 217.º a 229.º da PI);

v) dado que a norma anti-abuso, prevista no art. 73.º, n.º 10 do CIRC, constitui uma presunção ilidível, “podendo o sujeito passivo contestar tal avaliação, através da demonstração que, contrariamente ao que invocam os Serviços de Inspeção, a operação teve, efetivamente, motivações económicas, e que, por outro lado, a operação teve outra finalidade e que não visou a obtenção de uma vantagem fiscal por forma artificial”, verifica-se que “existem diversos factos que contribuem para a verificação de razões económicas válidas para a realização da operação de permuta de ações aqui em causa, a saber: i. A intenção de compra por parte do ora REQUERENTE das participações da D... pertencentes ao acionista E...- uma vez que as motivações não carecem de ser exclusivamente económicas, a situação de tensão entre acionistas e a necessidade de resolução da mesma que passaria sempre por uma alienação/aquisição, implica o afastamento da referida presunção; ii. A condição imposta pelos bancos no âmbito das negociações de financiamento da aquisição das participações, no sentido de que fosse constituída uma sociedade holding para contrair o financiamento e adquirir as participações - facto determinante, na medida em que evidencia o contexto da operação e envolve uma entidade terceira, sujeita a supervisão e, portanto, de credibilidade reforçada; iii. A alteração das circunstâncias familiares do Requerente que tiveram lugar no ano de 2014 e os períodos em que ocorrem permitem contextualizar e compreender a alteração das motivações - Aquisição vs. Alienação da participação social na D... (arts. 230.º a 252.º da PI);

vi) “ao abrigo do disposto no referido Artigo 100.º do CPPT, bastaria a existência de dúvidas sobre as razões económicas da operação, para não se recorrer à aplicação do disposto no Artigo 73.º, n.º 10, do Código do IRC” (arts. 248.º a 253.º da PI);

vii) “o que resulta da aplicação do regime da neutralidade à situação em apreço é diferimento temporal da tributação dos elementos patrimoniais transmitidos”, pois o “regime de neutralidade fiscal aplicável às operações permite suspender os efeitos tributários que em condições normais ocorreriam caso a operação se encontrasse sujeita ao regime geral do IRC/IRS”; “a aplicação da norma anti-abuso está dependente da verificação de uma vantagem fiscal, que não se materializa no mero deferimento da tributação, pelo que também por esta via, a liquidação se mostra inquinada de ilegalidade”; “ainda que se considerasse o diferimento de tributação como uma vantagem fiscal para efeitos deste Artigo 73.º, n.º 10, do Código do IRC - o que por mero dever de cautela se concebe sem conceder-, sempre se teria de reconhecer que não foi, certamente, por este motivo que a operação de permuta de ações se realizou, até porque o REQUERENTE teria a consciência de que acabaria por ser tributado em igual medida (i.e. à taxa de 28%, aquando da distribuição de dividendos por parte da C...)” (arts. 291.º a 301.º da PI);

viii) através da correção em apreço, procede-se “à aplicação do regime regra das transmissões onerosas previstas no Código do IRC, impedindo-se assim a eliminação dos tributos como prevê o regime da neutralidade fiscal”; “no entanto, tal tributação é incompatível com o facto de as novas partes sociais serem valorizadas pelo valor atribuído às antigas o que significa que haverá lugar à tributação quando as mesmas forem alienadas, sendo a mais-valia apurada por referência ao valor original, não podendo sujeito passivo beneficiar de um novo valor, o que representa, na prática, uma tributação manifestamente excessiva e sem consagração legal”, pelo que “não tem qualquer cabimento, sendo manifestamente injusta, a correção vertida no ato de liquidação” (arts. 302.º a 306.º da PI).

Para além da anulação dos atos contestados, peticiona ainda o Requerente (arts. 307.º a 309.º da PI) a condenação da AT no pagamento de indemnização pelos custos suportados indevidamente com a garantia para suspensão do processo de execução fiscal instaurado para a cobrança coerciva dos atos de liquidação em apreço, garantia que se propôs prestar mediante o penhor das ações que detém na sociedade C... e que ainda está pendente de apreciação e cujos custos, nesta fase, não consegue quantificar.

 

5. A AT, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, apresentou resposta (a seguir abreviadamente R.) em que se defendeu por impugnação, designadamente mediante a invocação do Relatório final de Inspeção Tributária (a seguir RIT), dado, aliás, como reproduzido (cfr. arts. 8.º, 11.º, 15.º, 33.º, 38.º, 39.º, 40.º, 41.º, 78.º, 88.º, 92.º, 93.º e 101.º da R.), e peticionou a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não provado, e a sua consequente absolvição, fundando-se, de modo fulcral, em que a permuta de ações entre a sociedade B... SA (depois C... SGPS SA, também indicada abreviadamente como C... ou C... ou, por vezes, como B.../C...) e o REQUERENTE, acionista daquela sociedade, através da entrega das participações sociais (50,02%) que o REQUERENTE detinha na sociedade  D...SA, foi realizada com o exclusivo intuito de evitar a tributação sobre as mais-valias decorrentes da transmissão das ações detidas pelo REQUERENTE na D..., que vieram a ser vendidas pela C..., em 15.12.2014, ao fundo de investimento F..., pelo que, conforme a correção resultante do RIT, a referida operação de permuta de ações não reunia as condições necessárias para beneficiar do regime de neutralidade fiscal, previsto no art. 10.º, n.º 8 do CIRS e nos arts. 73.º e 77.º do CIRC, sujeitando-se à aplicação da norma especifica anti abuso prevista no n.º 10 do art. 73.º do CIRC (vd. arts. 9.º, 10.º, 11.º e 41.º da R.).

Em especial, alega ainda a Requerida que:

i) “não houve na permuta efetuada qualquer racionalidade económica, não visou atribuir maior eficácia e eficiência à sociedade D...”; “Independentemente do motivo que levou à permuta, nomeadamente se a venda ou a aquisição da participação social do sócio, esta nunca foi efetuada em prol da sociedade, mas sim do seu sócio”, não podendo interpretar-se o artigo 73.º, e a neutralidade fiscal concedida à permuta, em favor da acionista pessoa singular, que não exerce uma atividade económica, sendo um mero detentor das participações das quais aufere dividendos, mas sim “em favor do grupo e do perímetro económico que o compõe, [d]as sociedades permutadas, no sentido de se reorganizar”, sendo “a raison d’être da postergação da tributação a título de mais-valias pela transmissão das participações sociais” a “defesa de uma economia de mercado concorrencial, achando o Estado por bem diferir o momento da tributação das mais-valias no sentido de permitir que as empresas, os grupos, as unidades económicas se reorganizem, se adaptem às novas conj[un]turas económicas e sociais” (arts. 49.º a 60.º da R.);

ii) “a permuta de ações na forma como foi realizada era inútil tendo em vista o fim a atingir que era a venda das ações da D...” e “as vantagens fiscais da estruturação da operação nos moldes em que foram feitas estão calculadas em 2.210.363,86€ (resultantes da tributação da mais-valia realizada) enquanto que as vantagens económicas resultantes do negócio são diminutas, uma vez que a sociedade C... alienou o ativo permutado pouco tempo depois de o ter recebido (não resultando daí ganhos de eficiência e ainda por cima desinvestindo na sua atividade) pondo em causa o princípio de continuidade subjacente a uma operação desta natureza e que se ancora no regime de neutralidade fiscal previsto na Diretiva das Reorganizações e transposto na legislação nacional” (arts. 88.º a 91.º, 97.º e 98.º da R.);

iii) “não estando reunidas as condições para se aplicar o regime de neutralidade fiscal a esta operação, a tributação da mais-valia deve ocorrer no momento da realização da mais-valia (nos termos propostos no relatório final de inspeção e que deu origem a liquidação adicional agora em crise)”, deixando “de se aplicar o diferimento da tributação da mais-valia realizada em 2014, pelo que, numa eventual venda futura das ações da C... o custo de aquisição a considerar no cálculo da mais-valia realizada é o valor que foi considerado como valor de realização em 2014, ou seja 8.003.200€”, “pelo que não haverá lugar a duplicação da tributação, no caso de uma venda futura das ações da C..., já que o custo de aquisição das ações a considerar no cálculo das mais-valias não será o das ações da D..., mas o custo de aquisição das próprias ações da C...”  (arts. 117.º a 120.º da R.)

 

6. Na sequência de despacho de 23.9.2019 do Presidente do Tribunal Arbitral, foi realizada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT no dia 16.10.2019, na qual se procedeu à inquirição das testemunhas arroladas pelo Requerente, H..., I..., J... e K... e foram tomadas declarações de parte ao Requerente A..., conforme ata constante dos autos.

Nesta mesma reunião, por se verificar que não constavam do PA os anexos ao RIT, foi determinado pelo Tribunal a respetiva junção aos autos, o que a Requerida concretizou em 23.10.2019.

Ao abrigo do n.º 2 do artigo 18.º e do n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, foi designado o dia 18.2.2020 para a prolação da decisão final.

As partes apresentaram alegações escritas, o Requerente em 4.11.2019 e a Requerida em 20.11.2019, em que se pronunciaram sobre a prova testemunhal produzida e sobre as declarações de parte do Requerente e reiteraram as posições expressas nos seus articulados anteriores, acima sumariadas nos n.ºs 4 e 5.

Por despacho de 17.2.2020, ao abrigo do art. 21.º, n.º 1, do RJAT, foi prorrogado pelo período de dois meses o prazo para a emissão da decisão.

 

7. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.3).

Não foram suscitadas questões prévias e não se detetam nulidades.

Cabe, em consequência, proferir decisão sobre o mérito da causa.

 

II. Thema decidendum

 

8. Em face das posições das partes expostas nos seus articulados, o thema decidendum respeita à legalidade da liquidação adicional de IRS do período de 2014 do Requerente com o n.º 2018..., de 12.11.2018, e atos consequentes de liquidações de juros compensatórios e de demonstração de acerto de contas n.ºs 2018..., 2018 ... e 2018..., de 14.11.2018, no montante global de €2.511.173,18, assente na correção, em sede de incrementos patrimoniais, quanto a mais-valias realizadas na alienação de valores mobiliários, tributadas autonomamente à taxa de 28%, relativamente à operação de permuta de ações de 50,02% do capital social da D... realizada entre o Requerente e a sociedade B... SA (posteriormente denominada C... SGPS SA), que aproveitou do regime de neutralidade fiscal, previsto no art. 10.º, n.º 8 do CIRS e nos art. 73.º e 77.º do CIRC (na regulação fiscal ratione temporis aplicável, relativa ao ano de 2014).

Especificamente, a questão fulcral sujeita à cognição deste Tribunal Arbitral prende-se com apreciar a legalidade da referida correção, em atenção à fundamentação que a determinou, segundo a qual a referida operação de permuta de ações, por força da norma anti-abuso do art. 73.º, n.º 10 do CIRC, ex vi art. 10.º, n.º 9, al. b) do CIRS, não reunia as condições necessárias para beneficiar do regime da neutralidade fiscal, por ter sido motivada pelo intuito de evitar a tributação sobre as mais-valias decorrentes da transmissão das participações sociais detidas pelo Requerente na referida sociedade D... SA.

 

III. Fundamentação de facto

 

1. Factos provados

 

9. Examinada a prova documental produzida, quer a que foi apresentada com a PI, quer a que resulta do procedimento administrativo (PA) junto aos autos (que é constituído pelo Relatório de Inspeção Tributária (RIT) e respetivos anexos e pela declaração escrita de exercício do direito de audição pelo Requerente), e apreciados os depoimentos testemunhais prestados por H..., I..., J... e K..., bem como as declarações de parte do Requerente A..., o Tribunal julga provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos (organizados, na maior medida possível, em termos cronológicos):

 

I. A sociedade D..., LIMITADA, pessoa coletiva n.º..., foi constituída em 1998 com o capital social de 10.000.000$ (€49.879,78) pelo Requerente, A..., e sua Mulher, L..., contribuinte n.º..., cada um com 50% do capital social (cfr. ata n.º 1 da assembleia geral da D..., datada de 31.3.1999, que constitui o anexo 1 ao RIT).

II. Em 1999, passaram a ser gerentes e detentores do capital social da D..., entretanto aumentado para 20.000.000$ (€99.759,58), o Requerente A... e E... (também conhecido como E...), respetivamente com 60% (quota de 12.000.000$00) e 40% (quota de 8.000.000$00) do capital (cfr. ata n.º 3 datada de 10.12.1999 que constitui o anexo n.º 2 ao RIT).

III. Conforme ata n.º 23 datada de 17.5.2005, junta como anexo 4 ao RIT, a D..., então com o capital social de €199.519,16, detido pelos dois sócios A... e E..., cada um com uma quota no valor nominal de €99.759,58, foi objeto de aumento do seu capital para €500.000,00 efetuado i) por incorporação de reservas no montante de €294.878,74, na proporção do valor nominal das quotas pertencentes a ambos os sócios, reforçando as quotas existentes, ii) por entradas em dinheiro no montante de €5.202,10, realizado em partes iguais, pelos mesmos sócios, com que reforçaram as respetivas quotas e iii) por entradas em dinheiro de 3 novos sócios, L... e M..., cônjuges dos sócios A... e E..., com uma quota de €100,00 cada uma, e o advogado N..., com uma quota de €200,00, e de subsequente transformação em sociedade anónima, com o capital social de €500.000,00, representado e dividido em 500.000 ações ordinárias com o valor nominal de €1,00 cada uma, nominativas ou ao portador (cfr., para além da referida ata n.º 23, as indicações fácticas coincidentes consignadas no RIT, p. 8 e nos arts. 76.º e 120.º da PI).

IV. Na sequência destas alterações societárias, o capital social da D... ficou distribuído nos termos seguintes (cfr. anexo 4 ao RIT e a afirmação fáctica consignada no RIT, p. 8 e no art. 18.º da PI):

Acionistas           Participação       Valor nominal

A...         49,96% 249.800

E...         49,96% 249.800

N...        0,04%    200

L...          0,02%    100

M...       0,02%    100

                100%     500.000

 

V. A partir do ano de 2012, o Requerente e E... entraram em conflito quanto às perspetivas de desenvolvimento da D... (cfr. declarações de parte do Requerente e os depoimentos de J... e de K...), pelo que E... subscreveu a carta de 5.6.2012, junta como doc. n.º 3 à PI, dirigida ao Requerente, na qual, para além do mais, reportando-se a “divergências no modelo de gestão a seguir”, após declarar estar “disponível para ceder a minha participação na sociedade”, consignou:

- “uma vez que tomo esta posição, fico, necessariamente, obrigado a fazer-te uma proposta para, nos termos que previmos para esta situação e constantes do nosso acordo parassocial, cessar a relação societária que mantemos.

Assim sendo, através de sociedade da qual sou o único sócio, proponho adquirir as participações sociais por ti detidas (direta ou indiretamente), pelo valor de 3.500.000,00”;

- “De acordo com tal pacto parassocial que assinámos, tens o direito de no mesmo prazo e condições, efetuar a compra das ações detidas (direta ou indiretamente) por mim, elevando o preço da proposta em mais de 5%.

Entendo que o valor desta proposta cumpre todos os critérios do acordo parassocial e corresponde ao valor que estou disposto a receber para que fiques com 100% da empresa, assim dando o destino à sociedade que melhor entenderes.

Aguardo por essa razão uma resposta à proposta de compra que te realizo nesta data num prazo máximo de 15 dias findo o qual, na ausência de contraproposta entenderei que aceitas o valor e as demais condições e iniciarei os procedimentos necessários para finalizar a aquisição da tua participação”.

 

VI. Na sequência de contactos do Requerente iniciados em 2012 para obtenção de apoio técnico com vista a alcançar uma solução de financiamento para a aquisição da participação do sócio E..., a O... remeteu ao Requerente, por e-mail de 9.1.2013, proposta de term-sheet igualmente com data de 9.1.2013, “que servirá de suporte à negociação com o banco P...”, em que se apresentava, tendo como “Investidor” “Fundo Q... gerido pela R...” e como “Acionista”  “Eng.º A... ("A..."), detentor de 50% do Capital da D... e de €147.391,81 de prestações suplementares na Sociedade”, a seguinte transação (cfr. documentos juntos no doc. n.º 4 à PI, bem como depoimentos testemunhais de H... e I... e declarações do Requerente):

“1. A... constituirá uma S... para proceder à aquisição de uma participação de 50% na D... ao acionista E... .

2. O capital inicial da S... será realizado em espécie com as ações representativas de 50% do Capital da D... .

3. A aquisição será financiada através de um financiamento bancário, no valor de €5.000.000,00 concedido pelo Banco P... e capitais próprios aportados à S... por A... no montante de €700.000;

4. Após a aquisição a S...  ficará detentor de 100% do capital da D... .

5. A R... adquire à S... ações da D... no valor de €500.000 em idênticas condições a A... e subscreve na totalidade um aumento de capital na D... no valor de €2.500.000,00;

6. A S... inicia atividade comercial em associação com a D...;

7. Em data a definir, a S... incorpora por fusão a D..., passando a designar-se D...;

8. A D... reembolsa €2.500.000 do financiamento bancário contraído junto do P..., pelo que após reembolso, o financiamento relativo à aquisição referida em 1. é de €2.500.000”.

 

VII. Por e-mail de 10.1.2014, foi remetido ao Requerente pela T... “minuta de acordo fechada com o seu Advogado para que possa alterar em conformidade com o que agora pretende e logo avaliaremos as condições para a eventual colaboração”, constando dessa minuta de acordo, datada de 11.12.2013 e em que surgem como “contraentes” o Requerente e a U..., Lda, as seguintes estipulações (conforme documentos juntos no doc. n.º 4 à PI):

“1. Declara o primeiro contraente que, em conjunto com a sua mulher L..., são os atuais detentores de 250.000 (duzentas e cinquenta mil) ações, do valor nominal de um euro cada, e representativas de 50% do capital social da sociedade D..., S.A. (...)

2. Declara ainda o primeiro contraente que, em conjunto com a sua mulher, pretendem exercer o seu direito de preferência na aquisição das restantes ações da "D...", diretamente ou por quem estes venham a indicar para o efeito, garantindo-se ao primeiro contraente uma posição maioritária e de controlo na “D...", ou seja, ser detentor direta ou indiretamente de pelo menos 51% do capital social da sociedade D....

3. A segunda contraente prestará ao primeiro contraente serviços de assessoria no enquadramento financeiro da operação referida no ponto 1 e 2. Para o efeito deverá, nomeadamente, promover contactos com entidades investidoras e/ou financiadoras, emitir recomendações e pareceres sobre o investimento e/ou financiamento, apresentando ao primeiro contraente, as propostas de investimento e/ou financiamento que venha a captar.

4. Para a concretização da operação referida nos pontos 1 e 2, poderá o primeiro contraente optar por uma das seguintes alternativas:

a) Concretizar a dita compra das ações por via da celebração de um CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE ACÇÕES e eventuais adendas respetivas, que resultem de negociação entre os atuais acionistas e que venham a ser assinados pelo primeiro contraente no âmbito do processo de cessão da relação societária, doravante designada como opção "CPCV" ou,

b) Concretizar a dita compra das ações por via da execução da cláusula de "Call Option" prevista no artigo terceiro do acordo parassocial subscrito pelos acionistas da "D..." e despoletada pela carta registada com A/R de E..., datada de 07 de Agosto de 2013 e dirigida ao primeiro contraente, para o mesmo efeito, doravante designada como opção "Call Option".

5. No entanto, o primeiro contraente é e será sempre o detentor da decisão final sobre as várias opções, podendo optar, para além das alternativas referidas no ponto anterior, pela não realização da cessão da relação societária, devendo tão somente transmitir por escrito a sua decisão ao segundo contraente, tornando suspenso de forma imediata o presente acordo”;

“13. A decisão de aceitação de qualquer proposta que a segunda contraente venha a apresentar cabe exclusivamente ao primeiro contraente, podendo este, recusar a mesma, por não cumprimento das condições de negociação, por decidir proceder não à compra mas à venda da participação ao abrigo do contrato promessa referido na alínea a) do ponto 4 ou, por não dar seguimento a nenhuma das opções previstas no referido contrato, suspendendo-se o processo conforme previsto no ponto 5 e, como tal, não será devida a compensação prevista no antecedente ponto 10, nem qualquer outra quantia, seja a que título for, devendo a sua decisão ser transmitida formalmente à segunda contraente nos termos do referido no ponto 5”.

 

VIII. A sociedade B... SA, atualmente C..., SGPS, S.A., NIF ..., foi constituída em 16.12.2011, com o capital de €50.000 e com o objeto social de “Promoção e comercialização de empreendimentos imobiliários, a compra, venda e revenda de imóveis adquiridos para esse fim, bem como, promover e contratar obras de construção, remodelação e ou de beneficiação dos mesmos. A compra de imóveis para arrendamento, a administração e gestão de todo o tipo de imóveis, podendo para o efeito adquirir, alienar ou arrendar quaisquer prédios rústicos ou urbanos, ou parte deles, procedendo à revenda ou não dos adquiridos. Peritagens e avaliações de empresas e património. Consultoria para os negócios, gestão e apoio às empresas e patrimónios”, sendo administrador único da sociedade V..., NIF ... (factualidade consignada no RIT, p. 11 e reconhecimento de facto no art. 38.º da PI).

IX. Por “contrato de compra e venda de ações” datado de 7.1.2014, junto como anexo 3 ao anexo 5 ao RIT, V... vendeu ao Requerente a totalidade das ações ao portador representativas do capital social da B... e no qual se estipulou:

“1.1.1. O PRIMEIRO CONTRAENTE vende as 50.000 (cinquenta mil) ações de que é titular na SOCIEDADE, ao valor unitário de € 1,50 (um euro e cinquenta cêntimos), representativas de 100% do capital social, ao SEGUNDO CONTRAENTE, que as adquire, pelo valor global nominal de € 15.000,00 (quinze mil euros).

1.2. Atendendo a que o capital social da SOCIEDADE ainda não foi realizado, e como condição essencial para a celebração do presente contrato, os (sic) SEGUNDO CONTRAENTE depositarão (sic) em conta bancária aberta em nome da SOCIEDADE o valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) correspondente à realização do capital social inicial, desonerando por esta mesma via o PRIMEIRO CONTRAENTE da referida obrigação.

1.3. A transmissão efectiva das ACÇÕES para a titularidade do ADQUIRENTE opera na presente data, mediante a entrega dos títulos definitivos representativos das ACÇÕES entrando estes nesta data na posse dos mesmos, com todos os inerentes direitos”.

 

X. Segundo declaração constante da comunicação do Requerente à AT-Direção de Finanças de ... de 21.5.2018, junta como Anexo 5 ao RIT, o pagamento pelo Requerente ao alienante do preço das ações da B... “foi efetuado em numerário”.

XI. A alienação ao Requerente das ações da B... não foi comunicada à AT, através da entrega da declaração Modelo 4 (factualidade, não contraditada, indicada no RIT, pp. 12 e 25).

XII. O depósito do capital social de €50.000 da B... SA, atualmente C..., SGPS, S.A, conforme previsto na cláusula 1.2. do contrato de compra e venda de ações, acima citada sub IX, foi realizado em 10.9.2014 (cfr. os documentos constantes do anexo 6 ao RIT).

XIII. No ano de 2014, verificaram-se reajustamentos à estrutura acionista da D..., passando esta sociedade de 5 acionistas – o REQUERENTE, E..., respetivos cônjuges L... e M... e o advogado N..., conforme acima indicado sub III e IV – para apenas dois, o REQUERENTE e E..., o primeiro com uma participação de  50,02%  e  o segundo com uma participação de 49,98%, o que resultou da venda pelos outros acionistas das suas participações aos acionistas A... e E... e da venda por este último de 100 ações representativas de 0,02% a A... pelo preço de 1.400€ (cfr. contrato de compra e venda de 100 ações entre M... e E... com o Requerente, contrato de compra e venda de 100 ações entre N... e mulher com o Requerente, ambos os contratos com indicação de que o pagamento do preço foi em numerário e sem indicação de data; contrato de compra e venda de 100 ações numeradas de 499.901 a 500.000 entre E... e M... com o Requerente, datado de 7.1.2014, com indicação de que o pagamento do preço foi em numerário; contratos estes juntos como anexos 4-A, 4-B e 4-C ao Anexo 5 ao RIT; cfr. também a indicação constante do RIT, p. 20 e a factualidade reconhecida no art. 120.º da PI).

XIV. O Requerente procedeu, no ano de 2014, a uma permuta de participações sociais com a sociedade B... SA (depois redenominada C... SGPS SA), que consistiu na entrega, por parte do REQUERENTE à referida B... SA, de 250.100 ações da sociedade D..., representativas de 50,02% do respetivo capital social, bem como na entrega das quotas que detinha nas sociedades W... LDA, NIPC ... e G... LDA, NIPC..., tendo o Requerente recebido, em contrapartida, 1.600.000 ações da B... SA, no valor total de €8.000.000 (factualidade consignada coincidentemente no RIT, p. 20 e nos arts. 13.º e 14.º da PI).

XV. Esta permuta foi objeto da ata datada de 10.1.2014 da Assembleia Geral da sociedade B..., SA, junta como anexo 1 ao anexo 5 ao RIT, na qual, dando-se como presente o acionista único A... e o seu cônjuge L..., que prestou “o seu total e integral consentimento conjugal a esta operação”, foi deliberado o seguinte:

“Considerando que:

o acionista único, Exmo. Senhor A..., é legítimo proprietário de:

(i) 250.100 (duzentas e cinquenta mil e cem ações), representativas de 50,02% do capital social da sociedade D..., S.A., com sede na Z ..., ..., ..., capital social integralmente subscrito e realizado de €500.000,00 (quinhentos mil euros), pessoa coletiva e de matrícula junto da Conservatória do Registo Comercial de ... n.º...;

(ii) uma quota no valor de € 40.000 (quarenta mil euros), representativa de 40% do capital social da sociedade W... LDA., com sede no Rua ..., n.º..., ..., ...-..., ..., capital social integralmente subscrito e realizado de €100.000,00 (cem mil euros), pessoa coletiva e matrícula junto do Conservatória do Registo Comercial de ... n.º...; e

(iii) uma quota no valor de € 12.500 (doze mil e quinhentos euros), representativa de 50% do capital social da sociedade G... LDA com sede na ..., ..., ..., capital social integralmente subscrito e realizado de €25.000,00 (vinte cinco mil euros), pessoa coletiva e matrícula junto da Conservatória do Registo Comercial de ... n.º...,

e que o referido acionista, consubstanciado em relatório de gestão e estratégia que recomenda, atendendo a razões económicos válidas, a restruturação societária do seu património, pretende formalizar a presente operação de permuta de partes sociais, que resulta na transferência para a Sociedade das participações sociais acima referidas, avaliadas, globalmente, em €8.043.652 (oito milhões, quarenta e três mil, seiscentos e cinquenta e dois euros), sendo €8.003.200 relativos às ações da D..., S.A., €27.952 relativos à quota no W... LDA e €12.500 relativos à quota G... LDA, sendo tal transmissão realizada através de entradas  em espécie para realização do aumento de capital social da Sociedade em €8.000.000 (oito milhões de euros), consubstanciado na subscrição e realização de 1.600.000 ações de valor  nominal de €5. O remanescente de €43.65,00 (quarenta e três mil seiscentos e cinquenta e dois euros) será contabilizado na Sociedade como montante a título de prestação acessória do acionista único à Sociedade, o qual poderá ser, total ou parcialmente, reembolsado, por uma ou mais vezes, desde que (i) a situação líquida da Sociedade não fique inferior à soma do capital social das reservas legais que tenham sido entretanto constituídas e que não possam ser distribuídas aos acionistas, (ii) todas as demais condições e requisitos legais e estatutários se encontrem verificados e ainda desde que (iii) a Sociedade esteja em condições económicas,   financeiras  e  de  tesouraria  para efetuar o reembolso e (iv) tal reembolso seja previamente deliberado em assembleia geral da sociedade.

Assim, foi deliberado aumentar o capital social da Sociedade de €50.000 (cinquenta mil euros) para €8.050.000 (oito milhões e cinquenta mil euros), correspondente a um aumento no montante de €8.000.0000 (oito milhões  de  euros)  a  ser  realizado por entradas em espécie do acionista único, através da transmissão das participações sociais acima identificadas, avaliadas em conformidade com o Relatório de Avaliação emitido por um Revisor Oficial de Contas independente nos termos legalmente exigidos pelo artigo 28º do Código dos Sociedades Comerciais, X..., Lda (...)”.

 

XVI. No Relatório do Revisor Oficial de Contas emitido pela X... com data de 9.1.2014 confirmou-se, quanto às ações da D..., a avaliação efetuada “por um avaliador independente pelo método dos cash-flows descontados em €8.003.200 Euro” e declarou-se que “os valores encontrados atingem o valor nominal das ações atribuídas ao acionista que efetua tal entrada acrescido da contrapartida a pagar pela sociedade” (vd. anexo 2 ao anexo 5 ao RIT e anexo 15 ao RIT).

XVII. Por contrato denominado “Contrato de Prestação de Serviços Financeiros ...”, constante do documento n.º 4 à PI, com data de 24.1.2014, a O..., SA acordou com o Requerente a “Prestação de serviços de assessoria financeira na angariação de financiamento bancário até ao limite de €7,5 milhões de Euros (...) para a aquisição de ações representativas de 50% do capital social da D...”, estimando-se que “a transação possa estar concluída no prazo de 5 semanas a contar da data de obtenção da documentação e informação necessárias”.

XVIII. Por carta datada de 19.3.2014, relativa a “Aprovação de Linha de Crédito”, dirigida à D... o Núcleo de Empresas de ... do Banco P... informou da aprovação de linha de crédito de €7.500.000,00, com validade até 15.4.2014, com, designadamente, as seguintes condições:

Finalidade:         Compra de 50% das ações da D..., SA (atualmente pertencente a E...)

Mutuária:           S..., SA (sociedade veículo a ser detida pelo Eng. A... (≥ 90%) que participará em 100% na D... (...)

Garantia:             1. A S... sociedade veículo a constituir pelo Eng. A... terá de ser detida em mais de 90% pelo mesmo; (...)

Outras condições:           Confirmação de que o Contrato de compra e venda de ações da D..., SA, estabelecido entre o S..., comprador, e E..., vendedor, foi executado e se encontra válido (...),

financiamento este que nunca foi utilizado (cfr. doc. n.º 5 junto à PI; depoimento testemunhal de H... e declarações de parte do Requerente).

XIX. L..., cônjuge do Requerente, faleceu em 17.07.2014, na sequência do agravamento em março de 2014 da sua doença oncológica (factualidade indicada no RIT, p. 6 e no art. 48.º da PI; depoimento testemunhal de H... e declarações de parte do Requerente).

XX. Em 18.07.2014, E... vendeu 19,98% das suas ações na D... à sociedade Y... LDA NIF..., por ele detida em 99,98% (factualidade, não contraditada, indicada no RIT, p. 23 e objeto de declarações de E... conforme termo de declarações constante do anexo 7 ao RIT).

XXI. Em 30.7.2014 foi celebrado entre B..., na qualidade de Promitente-Vendedora, A..., na qualidade de Acionista da Promitente-Vendedora e F...-FUNDO DE CAPITAL DE RISCO, na qualidade de Promitente-Compradora, “CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE AÇÕES E DE QUOTA para aquisição de 50,02% do capital social da Sociedade D..., S.A. e para aquisição de 50,00% do capital social da Sociedade G..., LDA”, que se mostra junto como anexo 8 ao RIT, na qual se clausulou, designadamente, o seguinte:

“2.1 Nos termos e condições previstos no Contrato, a Promitente-Vendedora promete vender à Promitente-Compradora, que lhe promete comprar, por si ou através de sociedade a constituir por si, na qual detenha a totalidade do capital social, livres de quaisquer ónus, encargos ou quaisquer outras responsabilidades e limitações, as Ações e a Quota.

3.1 O Preço global de compra e venda das Ações e da Quota é de €8.300.000,00 (oito milhões e trezentos mil euros), correspondendo €8.287.500,00 (oito milhões duzentos e oitenta e sete mil e quinhentos euros) à aquisição das Ações e €12.500,00 (doze mil e quinhentos euros) à aquisição da Quota.

3.3 O Preço Final de compra e venda das Ações e da Quota será pago da seguinte forma:

3.3.1 Na Data de Assinatura do Contrato Definitivo, será pago € 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil euros) à Promitente-Vendedora, mediante a entrega de cheque bancário ou visado emitido à ordem da Promitente-Vendedora ou a realização de transferência bancária para a conta da Promitente-Vendedora a indicar por esta, ou outra forma que seja acordada entre as Partes;

3.3.2 Na Data de Execução será pago à Promitente-Vendedora o montante de € 7.100.000,00 (sete milhões e cem mil euros), bem como o valor do ajuste positivo calculado nos termos previstos na Cláusula 3.2, se existir, pela mesma forma prevista na Cláusula 3.3.1.

6.1 A Promitente-Vendedora obriga-se a disponibilizar  à  Promitente-Compradora,  no  prazo  de 10 (dez) dias úteis a contar do pedido apresentado por esta, designadamente através da organização de um ou vários data room, toda a informação e/ou  documentação  respeitante às Sociedades, que lhes seja  solicitada pela Promitente-Compradora, necessária e conveniente à realização da Due Diligence e a que a Promitente-Compradora tome conhecimento completo, rigoroso e atual das condições legais, fiscais, operacionais, ambientais, financeiras, contabilísticas, económicas, em que as Sociedades se encontram e operam.

10.1 Na Data de Assinatura do Contrato Definitivo, as Partes procederão à prática simultânea dos seguintes atos:

10.1.1 A Promitente-Vendedora e a Promitente-Compradora procederão à assinatura do Contrato Definitivo, cujo modelo constitui o Anexo 2 ao Contrato;

10.1.2 O montante de € 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil euros) será pago à Promitente-Vendedora conforme previsto na Cláusula 3.3.1;

10.2 O Contrato Definitivo será celebrado no Porto na Data de Assinatura do Contrato Definitivo, em hora a fixar, que será comunicada pela Promitente-Compradora à Promitente-Vendedora com a antecedência mínima de 5 (cinco) dias.

10.3 Na Data de Execução, no Porto e em hora a fixar, que será comunicada pela Promitente­Compradora à Promitente-Vendedora com a antecedência mínima de 5 (cinco) dias, proceder-se-á à prática simultânea dos seguintes atos:

10.3.l A Promitente-Compradora paga à Promitente-Vendedora a parte do preço prevista na Cláusula 3.3.2.

10.3.2 A Promitente-Vendedora:

(a) Entrega à Promitente-Compradora os títulos representativos das Ações;

(b) Entrega à Promitente-Compradora as cartas de renúncia de todos os titulares de cargos sociais nas Sociedade, os quais declararão nada lhes ser devido pelas Sociedades em virtude de tal renúncia ou a qualquer outro título e que não mantêm qualquer outro vínculo com as Sociedades”.

 

XXII. As negociações do Requerente com a F...-FUNDO DE CAPITAL DE RISCO (a seguir também abreviadamente F...) para aquisição das ações da D... começaram em abril/maio/junho de 2014, envolveram a assinatura de um memorando de entendimento em junho de 2014, e a due diligence à D..., mencionada pelas partes no contrato-promessa referido no ponto anterior, iniciou-se, pelo menos, em 1 de julho de 2014 e prolongou-se até outubro de 2014 (cfr. factualidade reconhecida nos arts. 56.º e 176.º da PI; documentos juntos como anexo 9 ao RIT, designadamente comunicação da Z... e; depoimentos testemunhais de J... e de K...).

XXIII. O aumento de capital da B... SA, por força da entrada em espécie resultante da permuta das partes sociais do capital social da D... acima indicada em XIV e XV foi registado na Conservatória do Registo Comercial em 04.08.2014 (indicação fáctica do RIT, p. 12, não contraditada nos arts. 136.º e 140.º da PI e reconhecida nas declarações de parte do Requerente).

XXIV. A AA... foi constituída em 23.09.2014 com o fim específico de ser a sociedade veículo detentora, por parte do F..., do capital da D..., sendo o capital social da AA... detido a 100% pela BB... SA, NIF..., a qual, por sua vez, era detida a 100% pelo fundo de investimento F..., NIF ... (factualidade, não contraditada, indicada no RIT, p. 10, bem como reconhecimento de facto no art. 182.º da PI).

XXV. Em 15.10.2014, a AA... adquiriu 9,98% da D... à sociedade Y..., Lda (factualidade indicada no RIT, p. 23 e reconhecida no art. 186.º da PI; cfr. também a ata n.º 43 junta como anexo 12 ao RIT), pelo que, nesta data, a estrutura acionista da D... passou a ser a seguinte:

 

 

XXVI. Em 15.10.2014, o Conselho de Administração da D... passou a ser constituído por cinco membros, incluindo três novos administradores com ligação ao fundo F..., mantendo-se o Requerente como Presidente do Conselho, a que veio a renunciar em 20.10.2014, passando a Vice-Presidente, assumindo E... o cargo de Presidente, mas mantendo o Requerente o exercício pleno das suas funções de Vice-Presidente, com participação em diversos atos sejam de natureza societária, comercial, contratual e laboral, que veio a reduzir em 15.12.2014, mas não deixando de controlar e estar presente até à conclusão da aquisição pelo F... em 30.3.2015 (cfr. ata n.º 43 de 15.10.2014 junta como anexo 12 ao RIT, ata n.º 44 de 20.10.29014 junta como anexo 13 ao RIT e factos reconhecidos nos arts. 190.º, 191.º e 192.º da PI).

XXVII. Em 17.11.2014 a sociedade B... SA alterou a sua denominação para C..., SGPS, S.A. e o seu objeto social para: “Gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas, assim como prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenha participações, nos termos previstos na lei, ou com as quais tenham celebrado contratos de subordinação, bem como a entidades terceiras” (cfr. factualidade indicada de modo coincidente no RIT, p. 12 e no art. 62.º da PI).

XXVIII. Em 15.12.2014, foi celebrado o Contrato de Compra e Venda definitivo entre a B.../C... e a AA... para aquisição por esta das ações correspondentes a 50,02% do capital social detidas por aquela na sociedade D... pelo preço de €8.287.500 (factualidade referida no RIT, p. 14, e reconhecida no art. 63.º da PI; depoimentos testemunhais de J... e de K...).

XXIX. O pagamento à B.../C... do preço da aquisição das ações da D... e da quota da G..., no montante de €8.300.000,00, concretizou-se mediante entrega de cheques no montante de €1.200.000,00 e de €7.100.000,00 em 16.12.2014, sendo que o preço remanescente de €7.100.000,00 esteve bloqueado em conta escrow até 30.3.2015 (factualidade reconhecida nos arts. 64.º e 65.º da PI e extratos bancários da C... juntos como anexos 5-A, 5-B no anexo 5 ao RIT, bem como no doc. n.º 6 à PI; depoimentos testemunhais de J... e de K... e declarações de parte do Requerente).

XXX. O valor da venda das ações da D... foi, designadamente, utilizado pela B.../C... nos anos subsequentes para aquisição de participações nas sociedades CC..., NIF..., DD..., NIF ..., EE..., NIF..., FF..., NIF..., GG..., NIF ... (factualidade referida no RIT, pp. 14 e segs., e admitida nos arts. 163.º, 166.º, 167.º e 169.º da PI, bem como na al. i) das alegações do Requerente), conforme quadro abaixo:

Aplicação dos meios financeiros recebidos com a venda da D...

Aplicação            Valor

Aquisição de ativos financeiros (ações, obrigações…)     € 3.343.191

Empréstimos à CC..., DD... e EE...              € 3.181.811

Depósitos bancários       € 1.277.884

Capital inicial da DD... e EE...      € 195.000

SOMA   € 7.997.886

 

XXXI. Em 31.07.2015, o Requerente apresentou a sua declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS n.º..., referente ao ano de 2014, no qual declarou, no Anexo A, rendimentos de trabalho dependente no valor total de €184.439 e no anexo G, Q8, campos 801 a 810, Rendimentos de Categoria G, a alienação onerosa das partes sociais e outros valores mobiliários relativos a diversas entidades emitentes, designadamente às sociedades G... LDA, com o NIF ... e CC..., LDA, com o NIF..., mas não indicou qualquer valor relativamente à alienação das ações da sociedade D..., SA, NIF ... (alegação constante do RIT, pp. 26 e 33, não contraditada no art. 134.º da PI).

XXXII. O Requerente não entregou, com a apresentação em 31.07.2015 da sua declaração Modelo 3 relativa a 2014, os elementos indicados na alínea b) do n.º 1 do art. 57.º do CIRS (na redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30.12), a saber, declaração que contenha a descrição da operação de permuta de partes sociais, data em que se realizou, identificação das sociedades intervenientes, número e valor nominal das partes sociais entregues e das partes sociais recebidas, valor fiscal das partes sociais entregues e respetivas datas de aquisição, quantia em dinheiro eventualmente recebida e declaração da sociedade adquirente de que já detinha, ou ficou a deter em resultado da operação de permuta de partes sociais, a maioria dos direitos de voto da sociedade adquirida, o que apenas foi efetuado, após notificações para o efeito no decurso do procedimento de inspeção (cfr. Ofício..., de 07.05.2018, junto como anexo n.º 16 ao RIT e ofício ... de 08.06.2018, junto como anexo n.º 18 ao RIT), pela comunicação datada de 29.6.2018 junta como anexo n.º 15 ao RIT.

XXXIII. Com base na ordem de serviço n.º OI2018..., foi realizada pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ... ação inspetiva ao Requerente em sede de IRS respeitante ao exercício de 2014, de que resultou o Relatório de Inspeção Tributária (RIT) emitido em 24.10.2018, junto como doc. n.º 2 à PI e no PA, constando os anexos ao RIT do ficheiro eletrónico com a designação “Anexos.pdf” junto aos autos pela Requerida em 23.10.2019.

XXXIV. O Requerente foi notificada, pelo Ofício n.º..., de 13.9.2018 (cfr. Nota de Diligência junta ao doc. n.º 2 à PI) para exercício do direito de audição sobre o projecto de RIT, datado de 12.9.2018, que concretizou nos termos que constam dos ficheiros eletrónicos juntos aos autos pela Requerida em 23.10.2019 com as designações “Dt Audição A... parte 1.pdf” e “Dt Audição A... parte 2.pdf”.

XXXV. O RIT, de que o Requerente foi notificado pelo Ofício n.º..., de 29.10.2018, conforme doc. n.º 2 à PI, que aqui se dá por reproduzido, promoveu uma correção em sede de IRS – Categoria G relativamente à mais-valia resultante da permuta de ações realizada em 2014 entre o Requerente e a B.../C... nos seguintes termos (pp. 32-33 do RIT):

“• Valor de realização: € 8.003.200 (valor das ações da C... recebidas e prestações acessórias);

• Valor de aquisição: € 103.960,63 (resulta da soma do capital inicial realizado em 1998 no montante de € 24.939,89 (...), dos aumentos de capital realizados em 1999 no montante de € 34.9215,86 (...), em 2001 no montante de € 39.903,83 (...) e em 2005 no montante de € 2.601,05 (...) e do custo das 300 ações adquiridas em 2014 no montante de €1.600);

• Mais-valia: € 7.899.239,37 (€ 8.003.200 - € 103.960,63)”;

“encontra-se em falta nos cofres do Estado o montante de IRS de € 2.210.363,86 ((€7.899.239,37 - €5.082,73) x 28%)”.

 

XXXVI. Esta correção fundamentou-se nas seguintes considerações constantes do RIT (cfr. doc. n.º 2 e PA), que se transcrevem (pp. 18 e seguintes do RIT):

- “A operação de permuta que vai ser analisada pode ser dividida em 3 fases distintas, os atos preparatórios, a realização da permuta e por fim a alienação dos ativos permutados, conforme de seguida descrito:

A. Atos preparatórios para a permuta de ações

Como atos preparatórios para a realização da operação de permuta de ações que vamos analisar, consideram-se os atos que foram necessários realizar para que a operação pudesse beneficiar do regime de neutralidade fiscal:

1. Alteração da estrutura acionista da D...

Em janeiro de 2014 foram realizadas diversas transações de ações da D... que visaram ajustar a estrutura acionista às operações que viriam a ser realizadas mais adiante. Em resultado destas transações, a D... passou a ter apenas dois acionistas, um deles com 50,02% do capital, o que conforme veremos era essencial para que a operação de permuta pudesse beneficiar do regime de neutralidade fiscal. (...)

(...) A... e E..., conjuntamente com as suas esposas detinham 49,98% do capital da D..., cada um, e N... detinha 0,04%, pelo que nenhum dos acionistas encontrava-se numa situação de maioria dos direitos de voto, já que os dois maiores acionistas tinham a mesma quantidade de ações.

Nos dias 2 e 7 de janeiro de 2014 foram efetuadas as seguintes transações de ações:

Quadro 26: Transações de ações da D... em 02 e 07/01/2014

Data      Vendedor           Comprador        Quantidade       Valor

02-01-2014         L…           E…          100         € 100

02-01-2014         N…         E…          100         € 100

02-01-2014         M…        A…         100         € 100

07-01-2014         N…         A…         100         € 100

07-01-2014         E…          A…         100         € 1.400

    Ou seja, os 3 pequenos acionistas da D... alienaram as suas ações aos dois principais acionistas, que ficaram cada com 50% do capital. No entanto, neste mesmo dia, E... alienou 100 ações a A..., ficando este com a maioria do capital. (...)

Ou seja, a D... passou a ter apenas 2 acionistas, sendo que A... passou a deter a maioria dos direitos de voto, após adquirir 0,02% do capital ao outro acionista, E... . Veja-se que o preço praticado neste negócio avalia cada ação ao preço de € 14, quando, conforme de seguida será apresentado, na operação de permuta, cada ação foi avaliada ao preço € 32. (...)

Veja-se que a transformação da D... em sociedade anónima ocorreu em 23/12/2005, sendo que durante 9 anos, nunca os acionistas sentiram a necessidade de dar cumprimento ao referido acordo verbal segundo o qual A... teria direito a uma posição maioritária no capital da sociedade.

Não se vislumbrando outro motivo para que este reajuste das posições acionistas tenha ocorrido no início de 2014, só pode concluir-se que foi motivado pelos negócios que se seguiram, durante o ano de 2014, nomeadamente a permuta de partes sociais entre A... e a C..., a qual não poderia beneficiar de neutralidade fiscal caso a sociedade adquirente (C...) não passasse a deter a maioria dos direitos de voto na sociedade adquirida (D...), conforme art. 73.º, n.º 5 do CIRC.

2. Aquisição da C...

(...) a C... foi constituída em 2011, sendo que nos anos de 2011, 2012 e 2013 não exerceu qualquer atividade, limitando-se a ser uma “sociedade de prateleira”.

Entretanto, em 2014, A... adquire 100% do capital da sociedade pelo preço de €15.000. O referido contrato foi datado de 07/01/2014 (...), não tendo sido entregue a declaração Modelo 4, prevista no art. 138.º do CIRS, na qual deveria ter sido comunicada a referida transação.

Uma das particularidades do contrato de venda das ações da C... é a cláusula 1.2, na qual é referido que o capital social inicial da sociedade ainda não estava realizada, obrigando-se o adquirente a cumprir esta obrigação, encontrando-se a sociedade em violação do disposto no art. 277.º do Código das Sociedades Comerciais.

A... apenas realizou o capital social inicial em 10/09/2014, conforme cópia do cheque e do depósito bancário que o próprio nos remeteu (anexo n.º 6).

Por outro lado, da consulta aos registos na Conservatória do Registo Comercial, constata-se que:

             Em 04/08/2014, pelas 22h35m19s, foi registado o aumento de capital da sociedade para € 8.050.000 (apesar da ata n.º 5 estar datada de 10/01/2014);

             Em 04/08/2014, pelas 22h43m55s, foi registada a renúncia do administrador único da sociedade V...;

             Em 04/08/2014, pelas 22h43m55s, foi registada a designação do novo conselho de administração da sociedade, sendo A... o presidente (apesar de ter sido indicado como data da deliberação o dia 13/01/2014);

             Em 17/11/2014, pelas 19h04m59s, foi registada a alteração do objeto social da sociedade, passando a exercer a atividade de SGPS;

             Em 24/06/2015, pelas 19h46m13s, foi registada a alteração da sede da sociedade, passando da sede que tinha desde o início de atividade, em ..., para a Rua ... no Porto, num edifício propriedade da DD... .

Assim, a data dos registos na conservatória (04/08/2014), a data do depósito do capital inicial (10/09/2014) e as datas de alteração do objeto social (17/11/2014) e da sede (24/06/2015), indiciam que a data que consta do contrato de venda das ações da C... (07/01/2014) não coincide com a data da efetiva transação. Pois, as datas daqueles atos indiciam que todo este processo foi desenvolvido em datas muito próximas da data em que foi assinado o contrato promessa de venda das ações da D... com o fundo de investimento F..., que ocorreu em 30/07/2014 (...). Por outro lado, notificado para apresentar os comprovativos do pagamento do preço das ações, A... informou que foi efetuado em numerário (anexo n.º 5), impedindo a confirmação da data em que ocorreu. Foi ainda ocultada à AT a informação desta transação (nomeadamente a sua data) por não ter sido entregue a declaração Modelo 4.

B. Permuta das ações

A operação de permuta de partes sociais que está a ser analisada neste relatório, consistiu na entrega, por A..., de 250.100 ações da D..., representativas de 50,02% do capital à C..., tendo recebido 1.600.000 ações desta sociedade, com valor nominal de € 5 cada, perfazendo o valor de € 8.000.000.

Esta operação consta da ata n.º 5 da assembleia de acionistas da C... (anexo n.º 5), a qual foi datada de 10/01/2014, no entanto, conforme anteriormente referido, esta operação apenas foi registada na Conservatória do Registo Comercial em 04/08/2014.

Naquela mesma ata, é referido que as ações da D... permutadas estão avaliadas em € 8.003.200, pelo que, para além das ações da C... recebidas, A... fica com direito a € 3.200 de prestações acessórias. Em 08/06/2018, A... foi notificado (anexo n.º 18) para apresentar o referido relatório de avaliação das ações da D...: “Em anexo … da resposta é remetido um “Relatório do Revisor Oficial de Contas” no qual é referido que as ações da D... foram “avaliadas por um avaliador independente”. Solicita-se uma cópia do referido relatório de avaliação.” Conforme consta do anexo n.º 15, na resposta a esta notificação o contribuinte não enviou o relatório pedido, limitando-se a enviar o relatório do ROC que já tinha remetido na resposta à notificação de 07/05/2018.

Por outro lado, da ata consta que A... entrega ainda uma quota de 40% do capital da W... e uma quota de 50% do capital da G..., pelo preço de € 27.952 e €12.500 respetivamente. Dado que estas operações não reuniam condições para lhes ser aplicado o regime de neutralidade fiscal, por não terem sido transferidas participações representativas da maioria dos direitos de votos, A... declarou a venda destas quotas no anexo G da sua declaração Modelo 3 de 2014. (...)

Ou seja, apesar da operação de permuta realizada, A... continuou a ter o controlo total de 50,02% do capital da D..., não se tendo verificado uma verdadeira alteração na estrutura acionista daquela sociedade, pela simples interposição de uma sociedade entre A... e a D... .

C. Venda das ações da D...

Após esta operação, A..., na qualidade de acionista único da C... celebrou, em 30/07/2014, um contrato promessa de compra e venda das ações representativas de 50,02% da D... pelo preço de € 8.287.500 e da quota representativa de 50% do capital da G... pelo preço de € 12.500. O promitente-comprador era o fundo de investimento FUNDO DE CAPITAL DE RISCO F...– NIF ... (anexo n.º 8).

Este contrato promessa previa que o contrato definitivo deveria ser assinado em 15/12/2014, sendo pago nessa data o montante de € 1.200.000 e que a execução do contrato aconteceria em 30/03/2015, sendo nessa data pago o montante de € 7.100.000.

O contrato promessa previa a realização de uma due diligence. No entanto, contactadas as entidades responsáveis por estes procedimentos, conclui-se que, aquando da celebração do contrato promessa, a due diligence já estava a decorrer:

             Instituto de Soldadura e Qualidade: esta entidade informou o seguinte: “A visita às instalações para efeitos de realização da Auditoria Ambiental, foi efetuada a 1 de julho de 2014 e a data de emissão do relatório é de 9 de julho de 2014.” (anexo n.º 9);

             HH...: esta sociedade informou que prestou o seguinte: “Os serviços de assessoria financeira prestados consistiram no seguinte: preparar e organizar, em colaboração com os responsáveis da D..., a informação financeira e de gestão (actividade recente, equipamentos, recursos humanos, e informação económico-financeira histórica) para apresentação a Investidores;… Os serviços atrás referidos começaram a ser prestados em 07 de Julho de 2014 e foram concluídos em 15 de Outubro de 2014.” (anexo n.º 10);

• II...: esta sociedade de advogados prestou serviços de assessoria jurídica à D..., no âmbito desta transação, emitindo duas faturas no montante total de € 70.635, no entanto, escusou-se a prestar informações sobre as datas de prestação desses serviços ao abrigo do sigilo profissional (anexo n.º 11).

Ou seja, dado que os procedimentos de due diligence iniciaram-se em 1 de julho de 2014, conclui-se que o acordo, ainda que provisório, para a venda das ações de A... ao fundo de investimento F... já tinha sido alcançado antes daquela data.

Sobre este assunto, E... declarou o seguinte: “…Antes desta oportunidade de realizar a venda das ações ao fundo de investimento, os acionistas já estavam a negociar, há cerca de dois anos, a possibilidade de cada um adquirir as ações do outro, nunca se tendo chegado a um acordo, criando uma situação de impasse na gestão corrente e na política de investimento da sociedade. No início de julho, quando se iniciam os procedimentos das due diligence existia a perspetiva de que o negócio ia ser realizado…” (anexo n.º 7).

Entretanto, em 18/07/2014, E... vendeu 19,98% das suas ações a uma sociedade da qual detém 99,98% do capital, a Y... LDA – NIF ..., a qual, em 15/10/2014, vendeu 9,98% daquelas ações à AA... .

Sobre estas transações, E... declarou o seguinte: “…Em 18 de julho, quando vendeu 20 % das suas ações à Y..., já existia uma forte possibilidade de que o negócio ia ser realizado e que posteriormente se veio a concretizar…” (anexo n.º 7).

(...) a partir de 15/10/2014, o fundo de investimento F... passou a ter a capacidade de influenciar as decisões de gestão da D..., refletindo-se no facto de ter nomeado 3 novos administradores que lhe estavam afetos, o anterior presidente do conselho de administração ter renunciado ao cargo e ter sido nomeado um novo revisor oficial de contas. Esta demonstração de poder do fundo de investimento não é consentânea com o facto de apenas deter 9,98% do capital da sociedade. No entanto, tal pode ficar a dever-se ao facto de, no dia 10/10/2014 (anexo n.º 14) a AA... ter efetuado o pagamento de € 8.300.000 a A..., pressupondo que foi nessa data que ocorreu a transmissão efetiva das ações de A..., representativas de 50,02% do capital, apesar do contrato promessa referir que apenas em 15/12/2014 seria celebrado o contrato definitivo, com data de execução em 30/03/2015.

Em 15/10/2014, data de nomeação do novo conselho de administração, a estrutura acionista da D... era a seguinte:

Quadro 29: Estrutura acionista da D... em 15/10/2014

 

 

 

Apesar desta representação, indicia-se que, naquela data, os 50,02% detidos pela C... já seriam controlados pela AA... já que nessa data já tinha ocorrido o pagamento do preço das ações, no montante de € 8.300.000 e esta sociedade teve a capacidade de nomear 3 administradores que lhe estavam afetos, influenciar a alteração do presidente do conselho de administração e nomear um novo revisor oficial de contas”.

- “Efetuada a descrição da operação de permuta de partes sociais entre A... e a C..., conclui-se que esta operação esteve integrada num conjunto de transações estruturadas com o objetivo final de permitir a alteração da estrutura acionista da D..., sendo que no final, o fundo de investimento F..., através da sociedade veículo AA..., passou a deter 70% do capital da D... (50,02% adquiridos a A... através da C... e 19,98% adquiridos a E... através da Y...). Esta transação foi o resultado de negociações que terão durado cerca de 2 anos.

Em janeiro de 2014, iniciaram-se os procedimentos que permitiram chegar ao resultado final, através da concentração das ações da D... em 2 acionistas, sendo que um deles, A..., ficou com uma participação maioritária, o que era essencial para que a operação de permuta a seguir realizada beneficiasse de neutralidade fiscal.

Assim, na posse da maioria dos direitos de voto da D..., A... permuta essas ações por ações da C..., uma “sociedade de prateleira” da qual adquiriu 100% do capital especificamente para efetuar esta operação.

De seguida, A..., enquanto acionista único e administrador da C... acorda com o fundo de investimento F... a venda de ações representativas de 50,02% do capital da D... pelo preço de € 8.300.000.

Conforme descrito, as datas que constam dos documentos que comprovam as transações efetuadas ao longo desta operação, nem sempre coincidem com aquilo que efetivamente aconteceu (...). No entanto, não restam dúvidas que todos os acontecimentos descritos se incluem num encadeamento de atos coordenados que visavam atingir o objetivo final, ou seja, a venda de uma posição acionista maioritária no capital da D...”.

- “(...) a interposição da C... entre A... e a D... não produziu qualquer alteração em termos do poder que A... tinha na D..., já que ao deter 100% do capital da C..., continuou a poder exercer, em pleno, o poder que lhe era conferido pelos 50,02% do capital da D..., agora detidos pela C... .

Ou seja, em termos de racionalidade económica da operação, não se vislumbra qualquer utilidade à introdução da C... neste encadeamento de transações, ficando evidente que se tratou de acrescentar uma entidade inútil, num negócio que desde o seu início teve como finalidade transmitir para o fundo de investimento F... (através da sociedade veículo AA...) o controlo da D... .

Veja-se que se A... tivesse vendido a sua participação de 50,02% no capital da D... , diretamente à AA..., o esquema final do negócio seria idêntico, (...) sem que em termos económicos houvesse qualquer prejuízo para o objetivo final.

Assim, tratando-se de um ato inútil em termos económicos, a única justificação para a permuta de ações realizada entre A... e a C... está relacionada com a motivação fiscal da operação, conforme demonstrado no ponto seguinte deste relatório”.

- “a permuta de ações entre A... e a C... foi inócua em termos económicos, no entanto, em termos fiscais teve um efeito significativo, de tal forma que fica evidente ter sido esta a motivação para a sua realização.

Veja-se que, conforme anteriormente referido, em termos económicos, o objetivo final poderia ter sido alcançado de igual forma, caso A... tivesse vendido as suas ações à AA..., sem recorrer à interposição da C... .

Assim, este artifício foi utilizado para reduzir a carga fiscal aplicável a este negócio, analisando-se de seguida qual a vantagem fiscal obtida:

A. Com permuta de ações

Recorrendo à permuta de ações, conjuntamente com o regime de neutralidade fiscal, previsto nos art.s 73.º e 77.º do CIRC e no art. 10.º, n.º 8 do CIRS, A... transmitiu as suas ações para a C..., sem que houvesse lugar a qualquer tributação em sede de IRS.

Posteriormente, quando a C... vendeu as ações da D... à AA..., apurou uma menos-valia contabilística de € 494.798,55, já que no ano de 2014 a C... tinha contabilizado um ganho em participadas, resultante da aplicação do método de equivalência patrimonial no montante de € 704.075,12. No entanto, esta menos-valia contabilística não foi considerada no apuramento do lucro tributável, sendo considerada uma mais-valia fiscal no montante de € 284.300 (€ 8.287.500 - € 8.003.200).

Assim, com esta estruturação que foi dada à venda das ações representativas de 50,02% da D..., que inicialmente eram detidas por A..., resultou uma tributação em sede de IRC sobre uma mais-valia no montante de € 284.300”.

B. Sem permuta de ações:

Não sendo realizada a permuta de ações, um ato economicamente inútil, A... teria que vender as suas ações diretamente à AA..., sendo tributado em sede da Categoria G de IRS, pela mais-valia apurada na venda das suas ações. Dado que o preço de venda foi de € 8.287.500 e o custo que A... suportou para adquirir aquelas ações foi de € 103.960,63 apuraria uma mais-valia de € 8.183.539,37, tributável em sede de IRS.

De seguida, apresenta-se um quadro comparativo das diferenças de tributação entre cada um dos negócios:

Quadro 31: Comparação dos efeitos fiscais da permuta

                Com permuta    Sem permuta

Mais-valia tributável em sede de IRS      € 0,00    € 8.183.539,37

Mais-valia tributável em sede de IRC      € 284.300            € 0,00

Tributação total                € 284.300            € 8.183.539,37

Perante a discrepância dos valores sujeitos a tributação em cada uma das formas de realizar este negócio, e o facto de ter ficado demonstrado que a realização da permuta não tem qualquer racionalidade económica, conclui-se que a forma como foi desenhada esta transação teve como único objetivo a obtenção de uma vantagem fiscal evidente e relevante”.

- “só pode concluir-se que a permuta de ações não podia beneficiar do regime de neutralidade fiscal, já que este regime visa incentivar o investimento nas atividades empresariais já existentes, enquanto o que se verificou nesta operação foi um forte desinvestimento através da realização de uma mais-valia avultada, que se pretendeu abusivamente não sujeitar a tributação em sede de IRS”.

- “(...) o regime de neutralidade fiscal aplicável às operações de permuta de partes sociais, prevê, no art. 73.º, n.º 10 do CIRC, uma norma anti-abuso (...).

(...) esta norma anti-abuso assenta em duas premissas essenciais:

             A operação tenha sido realizada com o objetivo de evasão fiscal: tal como demonstrado ao longo deste relatório, esta operação teve uma motivação fiscal predominante, visando evitar a tributação da mais-valia realizada por A... na venda das ações da D...  ao fundo de investimento F... .

             A operação não tenha sido realizada por razões económicas válidas: dos factos descritos neste relatório, não restam dúvidas de que esta operação não se inseriu num processo de reestruturação ou racionalização empresarial, enquadrável dentro do espírito que originou a criação do regime de neutralidade fiscal previsto nos art.s 73.º a 78.º do CIRC.

Conforme ficou demonstrado neste relatório, a operação de permuta de partes sociais realizada entre A... e a C... foi uma operação acessória, inserida dentro de uma negociação que visava a alienação das ações da D..., detidas por A..., ao fundo de investimento F... . A introdução da operação de permuta de partes sociais, dentro daquele processo negocial teve como único objetivo evitar a tributação em sede de IRS, da mais-valia gerada pelo negócio, aproveitando abusivamente um regime fiscal que visa não prejudicar operações de reestruturação e racionalização empresarial, através da criação de grandes grupos empresariais, resultando na modernização e no aumento da competitividade do tecido empresarial.

No caso da permuta analisada neste relatório, por um lado, não teve subjacentes os objetivos anteriormente descritos, e por outro lado, ficou demonstrado que, não fosse a motivação fiscal, seria inútil tendo em conta o objetivo final.

Assim, não restam dúvidas de que não se vislumbram quaisquer razões económicas válidas para a realização desta permuta, sendo o seu único objetivo, a obtenção de uma vantagem fiscal ilegítima, através do aproveitamento abusivo do regime de neutralidade fiscal previsto nos art.s 73.º a 78.º do CIRC”.

- “O art. 10.º, n.º 9, al. b) do CIRS prevê que: “É aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 10 do artigo 73.º do Código do IRC” (Redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro).

Ou seja, a norma anti-abuso prevista no CIRC é também aplicável quando estas operações envolvam sujeitos passivos em sede de IRS.

Ora, a norma anti-abuso do art. 73.º, n.º 10 do CIRC, prevê que, concluindo-se que a realização da operação de permuta de partes sociais teve como objetivo a evasão fiscal, o regime de neutralidade não se aplica, procedendo-se às liquidações adicionais de imposto.

Pelo que, estando reunidos os pressupostos para aplicação da referida norma anti-abuso, devem ser liquidados os impostos que deixaram de ser pagos por força da aplicação abusiva do regime de neutralidade, de acordo com as seguintes regras de apuramento:

             O art. 10.º, n.º 1, al. b) do CIRS, prevê que consideram-se mais-valias os ganhos resultantes de permutas de partes sociais;

             O art. 10.º, n.º 4, al. a) do CIRS, prevê que o ganho sujeito a IRS, naquelas situações, resulta da diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição;

             O art. 44.º, n.º 1, al. a) do CIRS, prevê que o valor de realização é o valor dos bens ou direitos recebidos, atribuído no contrato de permuta;

             O art. 48.º, al. a) do CIRS, prevê que o custo de aquisição das quotas ou outros valores mobiliários seja o custo documentalmente provado. (...)

No quadro 8 do anexo G da declaração Modelo 3 de 2014, o contribuinte tinha apurado um saldo negativo de mais e menos valias realizadas na alienação de valores mobiliários no montante de € 5.082,73:

 

Assim, pelo uso abusivo do regime previsto no art. 10.º, n.º 8 do CIRS, encontra-se em falta nos cofres do Estado o montante de IRS de € 2.210.363,86 ((€ 7.899.239,37 - € 5.082,73) x 28%).”.

 

XXXVII. Na sequência da correção promovida pelo RIT, o Requerente foi notificado da liquidação adicional de IRS n.º 2018..., datada de 12.11.2018, referente ao ano de 2014, e das correspondentes liquidações de juros compensatórios n.ºs 2018 ... e 2018..., datadas de 14.11.2018, e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2018..., datada de 14.11.2018, no valor total de € 2.511.173,18, conforme documentos juntos agregadamente como doc. n.º 1 à PI.

 

2. Factos não provados

 

10. Ainda com relevo para a decisão da causa em face das alegações produzidas pelas partes nos seus articulados, o Tribunal julga como não provados os seguintes factos:

 

A) Dos contactos com instituições bancárias, advogados e consultores resulta a necessidade de reestruturação societária do património do REQUERENTE, à data detentor de participações sociais nas sociedades (i) D...; (ii) G...; e (iii) W..., mediante a constituição de uma holding familiar (alegação constante dos arts. 27.º, 28.º, 29.º e 30.º da PI).

B) O reajustamento da estrutura acionista referido no ponto XIII dos factos provados constituiu a formalização do “acordo tácito” ou “acordo verbal” existente entre as partes em 2005, no sentido de reconhecer que a D... era detida pelo ora Requerente e por  E... nas percentagens aludidas (factualidade alegada nos arts 22.º e 121.º da PI e invocada na al. xi) e na p. 8 das alegações do Requerente).

C) A permuta das ações da B... com as ações que o Requerente detinha na D...- concentrando-se todas as ações naquela primeira sociedade - foi o resultado de uma imposição das instituições bancárias para efeitos de concessão do crédito necessário para aquisição por parte do Requerente das participações de E... (factualidade alegada nos arts. 41.º, 45, e) e f) e 148.º e 149.º da PI e invocada na al. x) das alegações do Requerente).

D) Em abril/maio de 2014, o agravamento irreversível do estado de saúde da sua esposa, com a inevitabilidade do seu futuro falecimento, a exigência de dedicação acrescida às filhas menores, e as responsabilidades decorrentes da contração de uma dívida significativa, acrescido da frágil situação emocional e psicológica, levaram o Requerente a desistir de persistir na aquisição delineada da participação do sócio E... e à decisão de vender a sua participação (alegação constante dos arts. 48.º a 53.º da PI e da al. xiii) das alegações do Requerente).

 

3. Motivação da decisão da matéria de facto

 

11. A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados resultou do exame dos documentos carreados para os autos pelas partes, designadamente dos documentos juntos com a PI e dos documentos constantes do PA como anexos ao RIT, das informações oficiais exaradas no RIT não impugnadas ou confirmadas por outros elementos probatórios (cfr. art. 76.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) e art. 115.º, n.º 2 do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT)), do reconhecimento de factos efetuado pelo Requerente na PI e nas suas alegações escritas apresentadas em 4.11.2019, dos depoimentos das testemunhas arroladas pelo Requerente, H..., I..., J... e K..., bem como das declarações de parte do Requerente A..., estas na medida em que foram corroboradas por outros elementos probatórios, tudo conforme se especifica nos pontos acima elencados da matéria de facto provada.

 

12. Explicite-se, mais de pormenor, no que concerne ao depoimento do Requerente A..., que foi pedido pelo próprio, e que, por isso, tem que ser enquadrado, não como “depoimento de parte” (como se descreve na PI e nas alegações do Requerente), mas como “declarações de parte”, com consequente aplicação do art. 466.º do Código de Processo Civil (aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT), que se conferiu relevância ao mesmo na medida em que as declarações produzidas se mostraram suportadas por outros elementos probatórios.

Com efeito, conforme a jurisprudência tem advertido (cfr. por exemplo, o acórdão da Relação do Porto, de 23.3.2015, proc. n.º 1002/10.4TVPRT.P1 e o acórdão da Relação de Guimarães de 14.9.2017, proc. n.º 167447/09.1YIPRT.G1), se quando tais declarações de parte se reportam ao reconhecimento de factos pessoais desfavoráveis ao alegado pela parte configuram confissão (art. 352.º do Cód. Civil e art. 466.º, n.º 3 do CPC), já quando se limitam a afirmar factos que são favoráveis à própria versão da parte que depõe, designadamente quando se limitam a confirmar o alegado pela parte na peça processual apresentada, não obstante submetidas à livre apreciação do tribunal (n.º 3 do art. 466.º do CPC), não são, tendencialmente, suficientes, só por si, para comprovar os factos assim alegados, sendo conveniente a sua complementação e corroboração com outros meios de prova, de modo a sustentar razoavelmente uma convicção nesse sentido, já que só assim se assegura a credibilidade do declarado, dada a natural parcialidade e interesse no resultado do processo por banda do depoente. Como se escreveu no acórdão da Relação do Porto de 15.9.2014, proc. n.º 216/11.4TUBRG.P1, as declarações de parte “devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado”, pois “como meio probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na ação. Seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos”.

Foi nesta decorrência que o Tribunal conferiu relevância às declarações de parte do Requerente para a comprovação dos factos provados n.ºs V, VI, XVIII, XIX, XXIII e XXIX.

 

13. No que respeita aos depoimentos testemunhais, cabe indicar que H..., da O..., e I..., CEO da JJ..., confirmaram ambos, em termos objetivos e credíveis, no primeiro caso ainda com corroboração pelos documentos da O... juntos no doc. n.º 4 à PI, que o Requerente contactou as respetivas sociedades, no ano de 2012, para a prestação de serviços de assessoria e consultadoria com vista à angariação de financiamento, designadamente bancário, para a aquisição da participação de 50% do sócio E... . A testemunha H... esclareceu ter conseguido em 2014 acordo para financiamento de 7,5 milhões pelo Banco P..., o qual, porém, nunca foi utilizado; a testemunha I... declarou que a sua intervenção, que se iniciou em 2012 e terminou em 2013, não tendo tido, depois, mais contactos com o Requerente, não teve sucesso, por não ter sido possível obter qualquer proposta concreta para investimento relativamente à D... . Os depoimentos destas testemunhas assumiram, assim, interesse para a demonstração da matéria de facto dada como provada nos n.ºs VI, XVII, XVIII e XIX do probatório.

As testemunhas J..., que trabalhava em 2014 na KK..., sendo um dos sócios do Fundo..., e K..., administrador e sócio da KK..., pronunciaram-se essencialmente sobre o processo de aquisição pelo F...-FUNDO DE CAPITAL DE RISCO da participação de 50,02% do capital social da D..., tendo explicitado, ainda que sem absoluta exatidão, os termos e períodos de intervenção da F... nesse âmbito, sendo que referiram como início dos contactos abril/maio/junho de 2014 (“foi por aí”) e declararam que, antes da celebração do contrato-promessa referido no facto provado n.º XXI, foi assinado um memorando de entendimento (MoU) em junho de 2014 (documento este que não foi junto aos autos), a propósito do qual estas testemunhas afirmaram não saberem ou não se recordarem se foi assinado pelo Requerente em nome próprio ou pela sociedade B.../C..., assim como não conheciam nada do que respeitava à permuta de partes sociais mencionada nos pontos XIV e XV do probatório, bem como não sabiam, antes da celebração do contrato-promessa referido no facto provado n.º XXI, se estava em causa a aquisição da participação na D... ao Requerente ou à B.../C... (a testemunha J... declarou, a este respeito, “eu não sabia”, “não tem ideia nenhuma”, “não me lembro”, pois isso “não é nada relevante para a nossa análise pois nessa fase só queremos saber se o activo operacional faz sentido comprar, o que é que vamos fazer com essa empresa, se é um sector que nos permite ganhar dinheiro ou não”, “isso não tem impacto”; a testemunha K... declarou não se recordar quem eram os intervenientes no MoU e que não se lembrava se a participação na D... estava parqueada numa sociedade antes da celebração do contrato-promessa).

Para além disso, estas testemunhas confirmaram a existência há anos de conflitos entre os sócios da D... (J...: “sabiam que os dois sócios estavam desavindos há anos e que tentavam comprar um ao outro”; K... [que esclareceu conhecer pessoalmente o Eng. E... desde miúdo e ser vizinho dele na região de ...]: “havia um histórico de relação difícil entre os dois”, “o Eng. A... queria comprar a empresa, o Eng. E... também queria comprar a empresa”, “andavam há anos a ver qual dos dois é que ficava com a empresa, ambos queriam comprar a empresa”).

Atendendo, deste modo, ao que, quando em termos consistentes, revelaram conhecer, os depoimentos destas testemunhas J... e K... foram pertinentes para a comprovação dos factos dados como provados no ponto n.º V, quanto aos conflitos entre os sócios, e nos pontos n.ºs XXII, XXVIII e XXIX, respeitantes ao processo de concretização da aquisição pelo F... da participação na D... .

 

14. Não foram dados como provados os factos elencados acima nas alíneas A) a D), porquanto os documentos juntos aos autos não confirmam e mesmo infirmam as correspondentes alegações, sendo que nenhum depoimento testemunhal foi produzido, de modo pertinente, a respeito de tais alegações, como se passa a fundamentar de modo detalhado.

 

15. Relativamente à factualidade dada como não provada na alínea A), não foram produzidas quaisquer provas, incluindo as próprias declarações de parte, demonstrativas dessa alegação da necessidade de reestruturação do património do Requerente resultante, designadamente, de contactos com as entidades assinaladas, não se podendo, obviamente, dar como demonstradas alegações de factos exaradas nas peças processuais sem a produção de qualquer prova do facto assim invocado.

Esclareça-se, em qualquer caso, que aquilo que se retira dos documentos (nenhum proveniente de advogados) referenciados nos pontos n.ºs VI, VII, XVII e XVIII do probatório é que a constituição de uma sociedade veículo surge colocada em função da perspetiva de compra pelo Requerente da participação social do sócio E... na D... e do financiamento necessário para o efeito, não em razão de qualquer reestruturação societária do património do Requerente.

 

16. No que concerne à alegação de que existia um “acordo verbal” ou “um acordo tácito” entre as partes, alegação esta destinada a explicar o reajustamento acionista descrito no facto provado n.º XIII, assinale-se que a única afirmação nesse sentido proveio das declarações de parte do Requerente que aludiu a que, na altura da aquisição de uma posição igualitária de 50% entre ambos os sócios (cfr. o que foi dado como provado sub III), fez um “acordo de cavalheiros”, um “acordo verbal de cavalheiros”, um acordo que era “verbal”, de “cavalheiros”, segundo o qual, caso no futuro fosse necessário valorizar, por qualquer razão, a posição dos dois sócios, para desempatar seria reconhecida uma posição maioritária ao Requerente, dada a sua condição de fundador da empresa.

Porém, conforme se retira dos documentos dados como provados e juntos pelo próprio Requerente, o que surge apresentado como vigente entre as partes foi um acordo parassocial escrito (vd. no facto provado n.º V a referência, na carta de 5.6.2012, a “nosso acordo parassocial”, a “pacto parassocial que assinámos”, e no facto provado n.º VII a referência, no acordo aí transcrito, ao “artigo terceiro do acordo parassocial subscrito pelos acionistas da D...”). Diga-se, ainda, que, conforme o termo de declarações de E..., constante como anexo 7 ao RIT, este sócio, tendo, efectivamente, afirmado que A...“passou a deter uma posição maioritária de 0,02% porque era o fundador da sociedade”, reportou-se a um “acordo que existia desde que a D... foi transformada em sociedade anónima” (cfr. o facto provado n.º III), não tendo afirmado que se tratava de um acordo verbal.

Este acordo parassocial formalizado por escrito não foi junto aos autos, o que inviabiliza a comprovação consistente das estipulações alegadamente existentes entre o Requerente e o seu sócio E... que determinaram ou conduziram à factualidade dada como provada no ponto n.º XIII.

 

17. Nenhum meio probatório produzido nos autos comprova que a permuta das ações da B... com as ações que o Requerente detinha na D... foi o resultado de uma imposição das instituições bancárias (ou, mais precisamente, do Banco P..., pois quanto ao Banco LL..., que também é invocado no art. 31.º da PI e na alínea vii) das alegações do Requerente, a comunicação, constante do doc. n.º 5 à PI, datada de 28.4.2014 e dirigida à D... não alude senão a uma conta corrente caucionada em USD com um plafond de €1.500.000, o que é manifestamente alheio à operação em causa nos autos de aquisição de participação na D...), razão pela qual se considerou não provada a alegação objeto da alínea C) dos factos não provados.

Desde logo, os documentos juntos aos autos pelo próprio Requerente não demonstram essa alegação, porquanto, como se observa da transcrição realizada no ponto n.º XVIII do probatório, relativo à aprovação de crédito pelo P..., apenas se faz referência a “sociedade veículo a constituir pelo Eng. A...” que participará em 100% na D..., mas sem qualquer condição, designadamente de uma permuta de acções, quanto ao modo de aquisição das participações do Requerente pela sociedade veículo. Deste modo, a documentação proveniente do Banco P... não comprova que foram as “instituições bancárias” ou “bancos financiadores” [recte aquele Banco P...] que impuseram, como condição do financiamento da aquisição da participação de E..., essa operação de permuta de partes sociais com a. B... .

Não se pode, ainda, deixar de observar que, segundo os documentos reportados nos factos provados n.º VI (proposta de term-sheet de 9.1.2013), VII (minuta de acordo de prestação de serviços de 11.12.2013), XVII (contrato datado de 24.1.2014) e XVIII (carta de aprovação do crédito bancário de 19.3.2014), que não mencionam nunca a B..., é sempre indicado em relação ao Requerente a detenção de uma participação de 50% do capital social da D... (o que foi igualmente declarado pela testemunha H... que referiu sobre a D... que a participação dos sócios era “fifty-fifty”, “havia ali uma repartição paritária da estrutura acionista”), o que significa, tendo em atenção o objeto do presente litígio, que uma permuta de partes sociais realizada na base de uma tal participação no capital, por não conferir a maioria dos direitos de voto, não beneficiaria do regime da neutralidade fiscal (cfr. art. 73.º, n.º 5 do CIRC, exposto a seguir em sede de fundamentação de direito).

Depois, como resulta do que acima se deu conta no n.º 13 em relação aos depoimentos testemunhais prestados por H..., I..., J... e K..., nenhum destes depoentes participou ou conheceu ou se recorda da permuta de partes sociais descrita nos n.ºs XIV e XV dos factos provados.

 

18. Nesta sequência, elucide-se quanto à realização desta permuta, com o consequente aumento do capital social que implicou na B.../C..., que o Tribunal deu como provado a seu respeito estritamente o que consta dos referidos n.ºs XIV e XV  e nada mais, porquanto vários elementos documentais não se mostram perfeitamente congruentes com a data de 10.1.2014 indicada na ata referenciada no mencionado ponto n.º XV: nos documentos citados nos n.ºs XVII e XVIII, ambos com datas posteriores, o segundo mais de dois meses depois, não se faz qualquer menção à participação ser detida pela sociedade B... e, como se viu, indica-se mesmo que a participação do Requerente é de 50% (e não de 50,02%); as testemunhas J... e K..., que organizaram o processo de aquisição por parte do F... da participação na D..., que se iniciou por volta de abril, maio ou junho de 2014 (cfr. facto provado n.º XXII), não asseguraram, antes pelo contrário, conforme acima descrito no n.º 13, a intervenção da B... antes da assinatura do contrato promessa de compra e venda mencionado sub XXI; o aumento de capital social da B... decorrente da permuta realizada com o Requerente foi registado apenas em 4.8.2014 (cfr. facto provado n.º XXIII). É certo, como refere o Requerente nas suas alegações (p. 9) e na sua PI (art. 136.º), que esta dúvida quanto à data da operação de permuta implica questionar igualmente a data de 9.1.2014 do Relatório do ROC que foi emitido (cfr. facto provado n.º XVI), o qual, segundo o Requerente, constitui relatório sujeito a registo junto da respetiva Ordem – admitindo que assim seja, então competiria comprovar devidamente a data desse registo.

Acrescente-se que, a este respeito, foram pouco clarificadoras as declarações de parte do Requerente, porquanto apenas justificou a opção pela utilização de uma sociedade já constituída como a B.../C... por razões de celeridade (“basicamente para ganhar tempo”) – sendo certo que, conforme resulta dos factos provados XII e XXVII, o depósito do capital social e a transformação em SGPS com alteração do seu objeto para gestão de participações sociais se mostraram, afinal, bastante demoradas, pois apenas ocorreram em Setembro e Novembro de 2014 –, tendo, no mais, afirmado em relação à operação da permuta e à data do registo comercial, em termos nada elucidativos, que “isso é um assunto que os meus advogados e os meus contabilistas é que têm que responder”, “não fui eu que fiz os registos” e a “permuta foi equacionada pelos consultores”.

 

19. Por último, não se considerou provado o enunciado fáctico objeto da alínea D), em primeiro lugar, por não estar em causa, pelo menos nos termos da própria descrição realizada pelo Requerente da transação à data de abril/maio de 2014, uma “decisão de vender a sua participação” (al. xiii) das alegações), de “alienar a sua participação na D...” (arts. 50.º, 53.º e 54.º da PI), mas, quando muito, de a B... proceder a essa venda; em segundo lugar, por a testemunha K... ter declarado, em termos convincentes,  que  “a primeira pessoa com que eu falo sobre o negócio é o E... que manifesta a vontade de continuar”, de pretender “continuar com a empresa”, e explicado que, para o F..., era muito importante a continuação do sócio E... por ser o responsável comercial, com repercussão sobre a manutenção dos clientes, o que inculca a conclusão de que, por essa altura de abril/maio/junho de 2014 (cfr. facto provado n.º XXII), não existia qualquer segurança quanto à alienação da sua participação na D... por parte de E... (como, aliás, também se retira da condição de execução e validade do contrato de compra e venda de ações entre o S... e E... que é imposta na carta de 19.3.2014 pelo Banco P..., conforme referido em XVIII), pelo que parece excessivo invocar que se desistiu então “de persistir na aquisição delineada”, pois isso pressuporia solidez na intenção de venda da sua participação pelo sócio E... (note-se mesmo que este afirmou, conforme termo de declarações de 11.6.2018 junto como anexo 7 ao RIT, o seguinte: “Antes desta oportunidade de realizar a venda das ações ao fundo de investimento, os acionistas já estavam a negociar, há cerca de dois anos, a possibilidade de cada um adquirir as ações do outro, nunca se tendo chegado a um acordo, criando uma situação de impasse na gestão corrente e na política de investimento da sociedade”); em terceiro lugar, por já na minuta de acordo datada de 11.12.2013 (n.º 13), reportada no n.º VII do probatório, se prever poder o Requerente “decidir proceder não à compra mas à venda da participação”; por fim, por o próprio Requerente, nas suas declarações de parte, ter conexionado a decisão de vender a participação D..., não apenas à sua situação familiar – evidentemente, muito dolorosa e trágica – resultante do agravamento do estado de saúde da sua mulher (cfr. facto provado n.º XIX), mas também ao “facto de as coisas na empresa já estarem a arder, o diferendo entre sócios, acionistas e gerentes era mais que evidente, havia pessoas que tinham tomado partido, havia outras pessoas que estavam na iminência de se despedir, a coisa era pública”, “a empresa estava a perder valor”, “não me sentia com coragem de deixar as coisas deteriorarem-se” (cfr. também a factualidade enunciada no n.º XXVI do probatório). Acresce que, no contexto da aquisição pela F..., não esteve em causa apenas a alienação de participações pelo lado do Requerente, isto é, da sociedade B..., mas igualmente pelo lado do seu sócio E..., isto é, da sociedade Y... (vd. facto provado n.º XXV).

Por estes motivos, não se revela comprovada uma ligação necessária entre o agravamento do estado de saúde da mulher do Requerente e a decisão de venda da participação na D... (que em abril/maio de 2014 já estaria, na descrição apresentada pelo Requerente, na titularidade da sociedade B... e não do Requerente).

 

20. Especificadas as razões decisivas para a convicção do Tribunal quanto à factualidade provada e não provada que resultaram do exame crítico das provas acima explanado, segue-se, na base da matéria fáctica assim apurada, a resolução jurídica do litígio sobre a legalidade da liquidação adicional de IRS respeitante ao ano de 2014 com o n.º 2018 ... e das consequentes liquidações de juros compensatórios no montante total de €2.511.173,18, em atenção à correção, com base na disposição anti-abuso do art. 73.º, n.º 10 do CIRC, ex vi art. 10.º, n.º 9, al. b) do CIRS, quanto à aplicação do regime da neutralidade fiscal à operação de permuta realizada pelo Requerente.

 

IV. Fundamentação jurídica

 

21. Para proceder devidamente à subsunção jurídica da matéria de facto dada como provada é conveniente apresentar o quadro legal aplicável ratione temporis, o qual, por força do art. 12.º do Cód. Civil e do art. 12.º da Lei Geral Tributária (LGT), corresponde à regulação em vigor no ano de 2014 a que se reporta a liquidação de IRS sindicada.

1. Quadro legal

 

22. O quadro jurídico relevante concerne, antes de mais, ao disposto no art. 73.º, n.º 5 do CIRC (objecto da republicação resultante da Lei n.º 2/2014, de 16.1), em sede de “Regime especial aplicável às fusões, cisões, entradas de ativos e permutas de partes sociais”, que considera “permuta de partes sociais a operação pela qual uma sociedade (sociedade adquirente) adquire uma participação no capital social de outra (sociedade adquirida), que tem por efeito conferir-lhe a maioria dos direitos de voto desta última, ou pela qual uma sociedade, já detentora de tal participação maioritária, adquire nova participação na sociedade adquirida, mediante a atribuição aos sócios desta, em troca dos seus títulos, de partes representativas do capital social da primeira sociedade e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro não superior a 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal dos títulos entregues em troca”.

Estabelece, depois, o art. 77.º do CIRC, sobre o “Regime especial aplicável à permuta de partes sociais”, no que aqui mais diretamente releva, que: “A atribuição, em resultado de uma permuta de partes sociais, tal como esta operação é definida no artigo 73.º, dos títulos representativos do capital social da sociedade adquirente, aos sócios da sociedade adquirida, não dá lugar a qualquer tributação destes últimos se os mesmos continuarem a valorizar, para efeitos fiscais, as novas partes sociais pelo valor atribuído às antigas, determinado de acordo com o estabelecido neste Código” (n.º 1), sendo que o assim disposto “apenas é aplicável desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes condições: a) A sociedade adquirente e a sociedade adquirida sejam residentes em território português ou noutro Estado membro da União Europeia e preencham as condições estabelecidas na Diretiva n.º 2009/133/CE, do Conselho, de 19 de outubro; b) Os sócios da sociedade adquirida sejam pessoas ou entidades residentes nos Estados membros da União Europeia ou em terceiros Estados, quando os títulos recebidos sejam representativos do capital social de uma entidade residente em território português”.

Determina, por fim, o n.º 10 do art. 73.º do CIRC o seguinte:

“O regime especial estabelecido na presente subsecção não se aplica, total ou parcialmente, quando se conclua que as operações abrangidas pelo mesmo tiveram como principal objetivo ou como um dos principais objetivos a evasão fiscal, o que pode considerar-se verificado, nomeadamente, nos casos em que as sociedades intervenientes não tenham a totalidade dos seus rendimentos sujeitos ao mesmo regime de tributação em IRC ou quando as operações não tenham sido realizadas por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou a racionalização das atividades das sociedades que nelas participam, procedendo-se então, se for caso disso, às correspondentes liquidações adicionais de imposto”.

 

23. Pelo seu lado, em sede de IRS, aqui diretamente em causa, é necessário ter em conta o estabelecido pelo art. 10.º, n.ºs 8 e 9 do CIRS (na redação anterior à republicação do CIRS operada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31.12):

 “8 - No caso de se verificar uma permuta de partes sociais nas condições mencionadas no n.º 5 do artigo 73.º e no n.º 2 do artigo 77.º do Código do IRC, a atribuição, em resultado dessa permuta, dos títulos representativos do capital social da sociedade adquirente aos sócios da sociedade adquirida não dá lugar a qualquer tributação destes últimos se os mesmos continuarem a valorizar, para efeitos fiscais, as novas partes sociais pelo valor das antigas, determinado de acordo com o estabelecido neste Código, sem prejuízo da tributação relativa às importâncias em dinheiro que lhes sejam eventualmente atribuídas.

9 - No caso referido no número anterior observa-se ainda o seguinte:

(...)

b) É aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 10 do artigo 73.º do Código do IRC”.

Recorde-se, por outro lado, em sede de obrigações formais com relevância para o caso, que, para além do n.º 11 deste mesmo art. 10.º (na redação dada pelo artigo 1.º da Lei 15/2010, de 26.07) determinar que: “Os sujeitos passivos devem declarar a alienação onerosa das ações, bem como a data das respetivas aquisições”, o art. 57.º, n.º 1, al. b) do CIRS previa que: “Os sujeitos passivos devem apresentar, anualmente, uma declaração de modelo oficial, relativa aos rendimentos do ano anterior e a outros elementos informativos relevantes para a sua concreta situação tributária, nomeadamente para os efeitos do artigo 89.º-A da lei geral tributária, devendo ser-lhe juntos, fazendo dela parte integrante: b) Os elementos mencionados no n.º 6 do artigo 78.º do Código do IRC, quando se aplicar o disposto no n.º 8 do artigo 10.º, entendendo-se que os valores a mencionar relativamente às ações entregues são o valor nominal e o valor de aquisição das mesmas, nos termos do artigo 48.º”, constando do n.º 6 do art. 78.º do CIRC o seguinte: “Para efeitos do disposto no artigo 77.º, os sócios da sociedade adquirida devem integrar, no processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 130.º, os seguintes elementos: a) Declaração que contenha a descrição da operação de permuta de partes sociais, data em que se realizou, identificação das sociedades intervenientes, número e valor nominal das partes sociais entregues e das partes sociais recebidas, valor fiscal das partes sociais entregues e respetivas datas de aquisição, quantia em dinheiro eventualmente recebida, resultado que seria integrado na base tributável se não fosse aplicado o regime previsto no artigo 77.º e demonstração do seu cálculo; b) Declaração da sociedade adquirente de que já detinha, ou ficou a deter em resultado da operação de permuta de partes sociais, a maioria dos direitos de voto da sociedade adquirida; c) Nos casos em que a sociedade adquirida ou adquirente seja residente noutros Estados membros da União Europeia, declaração comprovativa, confirmada e autenticada pelas respetivas autoridades fiscais de que se encontram verificados os requisitos para a aplicação da Diretiva n.º 2009/133/CE, do Conselho, de 19 de outubro” (n.º 2).

 

24. A descrição do quadro jurídico relevante não ficaria completo com a transcrição acima realizada das disposições legais pertinentes do “Regime especial aplicável às fusões, cisões, entradas de ativos e permutas de partes sociais”, cabendo igualmente ter em atenção os seguintes preceitos, de âmbito geral, do CIRS (ainda e sempre na redação que vigorou até 31.12.2014, anterior, pois, à republicação do CIRS concretizada pela Lei n.º 82-E/2014):

- art. 9.º, n.º 1, al. a): “Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias: a) As mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte”;

- art. 10.º, n.º 1, al. b): “Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: b) Alienação onerosa de partes sociais, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, e de outros valores mobiliários, a extinção ou entrega de partes sociais das sociedades fundidas, cindidas ou adquiridas no âmbito de operações de fusão, cisão ou permuta de partes sociais, bem como o valor atribuído em resultado da partilha nos termos do artigo 81.º do Código do IRC”;

- art. 43.º, n.º 1: “O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes”;

- art. 72.º, n.º 4: “O saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º, é tributado à taxa de 28%”.

25. Recorde-se, por último, que o “Regime especial aplicável às fusões, cisões, entradas de ativos e permutas de partes sociais” acima citado, dito regime da neutralidade fiscal, assenta na transposição de disposições do Direito Europeu, pelo que importa ter presente as soluções que resultam deste Direito, já que, nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça (vd., por exemplo, recentemente o despacho de 15.7.2019, proc. n.º C-438/18, Galeria Parque Nascente, n.ºs 38 e 39, o acórdão de 22.3.2018, processos apensos C-327/16 e C-421/16, Marc Jacob e o., n.ºs 33 e 34  e o acórdão de 18.9.2019, processos apensos C-662/18 e C-672/18, AQ e o., n.ºs 28 a 30), ainda que a situação não esteja abrangida pelo âmbito de aplicação do Direito da União, por todos os seus elementos estarem confinados a um só Estado-Membro, as disposições ou conceitos resultantes do Direito da União devem ser interpretados de maneira uniforme, independentemente das condições em que devem ser aplicados.

Ora, a Diretiva 2009/133/CE do Conselho, de 19 de Outubro de 2009, relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, cisões parciais, entradas de ativos e permutas de ações entre sociedades de Estados-Membros diferentes e à transferência da sede de uma SE ou de uma SCE de um Estado-Membro para outro (que substituiu a Diretiva 90/434/CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, entradas de ativos e permutas de ações entre sociedades de Estados-Membros diferente), a seguir abreviadamente designada por Diretiva Fusões, prevê o seguinte:

- nos termos do artigo 2.º, alínea e), entendese por ““Permuta de ações, a operação pela qual uma sociedade adquire uma participação no capital social de outra sociedade, que tem por efeito conferir-lhe a maioria dos direitos de voto desta sociedade ou pela qual uma sociedade, já detentora de tal participação maioritária, adquire nova participação mediante a atribuição aos sócios da outra sociedade, em troca dos seus títulos, de títulos representativos do capital social da primeira sociedade e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro não superior a 10 % do valor nominal ou, na ausência do valor nominal, do valor contabilístico dos títulos entregues em troca”;

- nos termos do artigo 8.º: “Em caso de fusão, cisão ou permuta de ações, a atribuição de títulos representativos do capital social da sociedade beneficiária ou adquirente a um sócio da sociedade contribuidora ou adquirida, em troca de títulos representativos do capital social desta última, não deve, por si mesma, implicar qualquer tributação sobre o rendimento, os lucros ou as mais-valias do referido sócio” (n.º 1); “Os n.ºs 1 e 3 são aplicáveis apenas se o sócio não atribuir aos títulos recebidos por permuta um valor fiscal mais elevado que aquele que os títulos permutados tinham imediatamente antes da fusão, cisão ou permuta de ações (n.º 4); “A aplicação dos n.ºs 1, 2 e 3 não impede que os Estados-Membros tributem o ganho resultante da posterior alienação dos títulos recebidos do mesmo modo que o ganho resultante da alienação dos títulos existentes antes da aquisição” (n.º 6); “Para efeitos do presente artigo, por «valor fiscal» entende-se o valor que serviria de base para o eventual cálculo de um ganho ou de uma perda a considerar para efeitos de determinação da matéria coletável de um imposto sobre o rendimento, os lucros ou as mais-valias do sócio da sociedade” (n.º 8);

- nos termos do artigo 15.º, n.º 1, al. a): “Os Estados-Membros podem recusar aplicar ou retirar o benefício de todas ou parte das disposições dos artigos 4.º a 14.º se for evidente que uma das operações referidas no artigo 1.º: a) Tem como principal objetivo, ou como um dos principais objetivos, a fraude ou evasão fiscais; o facto da operação não ser executada por razões comerciais válidas como a reestruturação ou racionalização das atividades das sociedades que participam na operação pode constituir uma presunção de que a operação tem como principal objetivo ou como um dos principais objetivos a fraude ou evasão fiscais”.

 

2. Subsunção jurídica

 

26. A disposição específica ou sectorial anti-abuso que surge consagrada no art. 73.º, n.º 10 do CIRC, acima transcrito – e que é aplicável, por força do disposto no referido 10.º, n.º 9, al. b) do CIRS, a operações realizadas por sujeitos passivos de IRS, como é o caso dos autos – determina que os benefícios ou vantagens fiscais resultantes do regime da neutralidade fiscal (citados arts. 10.º, n.º 8 do CIRS e 77.º do CIRC) não se aplicam ou são retirados, procedendo-se, consequentemente, às correspondentes liquidações adicionais de imposto, sempre que se conclua que as operações abrangidas tiveram como principal objetivo ou um dos principais objetivos a evasão fiscal.

Esta disposição anti-abuso corresponde, como logo se conclui do acima descrito no n.º 25, à transposição da normatividade atualmente constante do indicado art. 15.º, n.º 1, al. a) da Diretiva Fusões, a qual, como o Tribunal de Justiça afirmou no seu acórdão de 10.11.2011, C-126/10, Foggia, n.º 50 e no acórdão de 5.6.2007, Kofoed, C-321/05, n.º 38, “reflete o princípio geral do direito da União segundo o qual o abuso de direito é proibido. A aplicação das normas desse direito não pode ser alargada a ponto de abranger práticas abusivas, isto é, operações realizadas não no âmbito de transações comerciais normais, mas apenas com o objetivo de usufruir abusivamente dos benefícios previstos no referido direito”.

 

27. No que releva para o presente processo, os benefícios ou vantagens fiscais resultantes do regime da neutralidade fiscal, numa operação de permuta de ações que se subsume à definição do n.º 5 do art. 73.º do CIRC, para que remete o art. 10.º, n.º 8 do CIRS, como é aquela de que se trata nos presentes autos, conforme factualidade provada no n.º XIV, já que a sociedade adquirente, B.../C..., adquiriu uma participação no capital social da sociedade adquirida, D..., que teve por efeito conferir-lhe a maioria dos direitos de voto desta última, prendem-se com o diferimento da tributação aplicável aos sócios da sociedade adquirida, pelo qual não há lugar à tributação em razão da permuta de partes sociais, desde que os sócios continuem a valorar, para efeitos fiscais, as participações recebidas da sociedade adquirente pelo mesmo valor das participações originárias na sociedade adquirida (vd. acima os citados artigos 10.º, n.º 8 do CIRS e 77.º do CIRC).

Este mecanismo de diferimento da tributação tem sido devidamente explicitado no âmbito europeu pelo Tribunal de Justiça (vd., por exemplo, o recente acórdão de 18.9.2019, processos apensos C-662/18 e C-672/18, AQ e o., n.ºs 38, 39 e 42) que elucida, em atenção às disposições acima citadas no n.º 25 da Diretiva Fusões, que “[n]os termos do artigo 8.º, n.º 1, da Diretiva 2009/133, em caso de fusão ou permuta de ações, a atribuição de títulos representativos do capital social da sociedade beneficiária ou adquirente a um sócio da sociedade contribuidora ou adquirida, em troca de títulos representativos do capital social desta última, não deve, por si mesma, implicar qualquer tributação sobre o rendimento, os lucros ou as maisvalias do referido sócio, mas que [n]ão obstante, o n.º 6 do artigo 8.º dessa diretiva prevê que a aplicação do n.º 1 do referido artigo não impede que os EstadosMembros tributem o ganho resultante da alienação ulterior dos títulos recebidos do mesmo modo que o ganho resultante da alienação dos títulos existentes antes da aquisição”, reconhecendo, em consequência, que “uma medida que consiste em apurar a maisvalia resultante da operação de permuta de títulos e a diferir o facto gerador do imposto que incide sobre essa maisvalia até ao ano durante o qual se verifica o evento que faz cessar o diferimento dessa tributação constitui unicamente uma «técnica» que, simultaneamente, permite salvaguardar a competência fiscal dos EstadosMembros e, por conseguinte, os seus interesses financeiros, em conformidade com o artigo 8.º, n.º 6, da Diretiva 2009/133, e respeita o princípio da neutralidade fiscal estabelecido pelo artigo 8.º, n.º 1, dessa diretiva, porquanto leva a que a operação de permuta de títulos não dê lugar, por si mesma, a qualquer tributação da referida maisvalia.

Justamente, tendo presente que a base das soluções da Diretiva Fusões e do regime de neutralidade fiscal por ela instituído que foi transposto para o sistema nacional é o diferimento, adiamento ou reporte da tributação das mais-valias (cfr. os acórdãos do Tribunal de Justiça de 22.3.2018, processos apensos C-327/16 e C-421/16, Marc Jacob e o., n.ºs 48 a 55, 63 e 66, de 8.3.2017, C-14/16, Euro Park Service, n.º 67, e de 19.12.2012, 3D I, C 207/11, n.º 28), o que, no caso da permuta de partes sociais, implica que o sócio da sociedade adquirida tem que atribuir às partes sociais recebidas o valor que as partes sociais permutadas tinham antes da permuta (cfr. o acima citado art. 8.º, n.ºs 1, 4 e 6 da Diretiva 2009/133/CE), de modo a assegurar a tributação do ganho resultante da alienação ulterior das partes sociais recebidas do mesmo modo que o ganho resultante da alienação das partes sociais detidas antes da permuta, daqui decorrendo que “não apenas a erosão da base fiscal, mas também o diferimento da pretensão fiscal imediata pode constituir evasão fiscal” (assim, vd. HARM VAN DEN BROEK, Cross-Border Mergers within the EU, 2012, p. 290), como, entre nós, explicitamente se reconhecia, à data dos factos, no art. 38.º, n.º 2 da LGT na sua redação anterior (“atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico”).

A cláusula anti-abuso do n.º 10 do art. 73.º do CIRC visa, neste âmbito, justamente contrariar a situação típica de evasão fiscal associada à reestruturação empresarial “quando na operação (apesar do cumprimento dos requisitos formais) não se mantenha, na realidade, a atividade da sociedade, do investimento do sócio ou, sobretudo quando não exista uma real e verdadeira reestruturação empresarial”, o que implica o “diferimento excessivo da tributação – um abuso de diferimento” (TOMÁS TAVARES, IRC e contabilidade: da realização ao justo valor, 2011, pp. 366-367).

 

 28. Este mecanismo de diferimento da tributação envolve um desagravamento fiscal porquanto, numa operação de permuta de partes sociais a que não seja aplicável o regime da neutralidade fiscal, a entrega de partes sociais da sociedade adquirida, enquanto alienação onerosa de partes sociais, sujeita-se ao regime geral de tributação, acima exposto no n.º 24, pelo que os ganhos resultantes da operação são tributados como mais-valias (categoria G) do IRS), concorrendo para o apuramento do saldo entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, que é sujeito à taxa de 28% (arts. 9.º, n.º 1, al. a), 10.º, n.º 1, al. b) e 43.º, 1 do CIRS).

Neste regime geral, como resulta diretamente do art. 10.º, n.º 1, al. b) do CIRS que se reporta explicitamente à entrega de partes sociais de sociedade adquirida no âmbito de operação de permuta de partes sociais, a permuta de partes sociais, como transmissão onerosa, constitui um ato de realização do ativo em causa, um evento de realização suscetível de gerar um ganho tributável (cfr. ROCHA MENDES, O IRC e as reorganizações empresarias, 2016, pp. 135-136, 141, 168), sendo indiferente para a tributação da mais-valia eventualmente associada resultante da diferença positiva entre o valor de realização dado pelo justo valor das participações adquiridas e a base fiscal das participações entregues, que esse ato, como troca que é, não implique a obtenção de meios monetários (como sucede com o preço numa compra e venda). Com esta explicitação cuida-se de afastar a argumentação apresentada nas alegações do Requerente (p. 18) de que “não se verificaram quaisquer vantagens fiscais para o Requerente, uma vez que este não recebeu qualquer valor no âmbito desta operação, sendo o imposto que se lhe encontra a ser exigido, manifestamente desproporcional, em face do alegado ganho fiscal”, pois, como explica perfeitamente TOMÁS TAVARES, ob. cit., p. 503-504, a pretensão da “necessária associação do facto tributário à libertação de meios monetários para o pagamento do imposto” não tem adequação sistemática ao ordenamento fiscal, já que “o próprio “rendimento-realização” não associa o facto tributário à libertação dos meios financeiros” pois tributam-se rendimentos não líquidos como são as “(óbvias) situações da troca, nas ofertas ou nos pagamentos em espécie” nem adequação teleológica, pois a “capacidade contributiva associa-se à incidência fiscal (objetiva e subjetiva), ao passo que a liquidez se conecta com o pagamento do tributo”, pelo que a “liquidez funciona num segundo momento: pressupõe a incidência e a capacidade contributiva – conexão do tributo a formas económicas de riqueza; mas é-lhe alheia e autónoma; extravasa a relação tributária, na ligação ao ulterior ato de pagamento do tributo”.

Por outro lado, não se pode amalgamar, diferentemente do que pretende o Requerente (cfr. arts. 259.º e 291.º a 301º da PI), a tributação devida em relação ao facto tributário conexo com a realização de mais-valias resultante de permuta no ano de 2014 com o facto tributário distinto da obtenção de rendimentos de capitais em sede de categoria E do IRS pela colocação à disposição de eventuais dividendos futuros no âmbito da sociedade adquirente em função dos seus resultados e das deliberações sociais adotadas (cfr. art. 5.º, n.º 1 e n.º 2, al. h) do CIRS). A evitação fiscal daquela tributação não é obnubilada pela eventual aplicação futura de tributação distinta.

Não procede igualmente a argumentação do Requerente de que “a aplicação do regime regra das transmissões onerosas previstas no Código do IRC [recte Código do IRS], impedindo-se assim a eliminação dos tributos como prevê o regime da neutralidade fiscal” “é incompatível com o facto de as novas partes sociais serem valorizadas pelo valor atribuído às antigas o que significa que haverá lugar à tributação quando as mesmas forem alienadas, sendo a mais-valia apurada por referência ao valor original, não podendo sujeito passivo beneficiar de um novo valor, o que representa, na prática, uma tributação manifestamente excessiva e sem consagração legal”. Como observa fundadamente a Requerida nos arts. 118.º e segs. da sua R., a consequência decorrente da não aplicação do regime da neutralidade fiscal à operação de permuta, por força da correção concretizada pela liquidação adicional sindicada nos autos, é que, para os efeitos da tributação de uma eventual venda futura das ações da C..., recebidas em troca das ações da D...(cfr. os factos provados n.ºs XIV e XV), o valor de aquisição relevante daquelas ações é o valor de realização determinado de €8.003.200 (cfr. facto provado n.º XXXV) dada, precisamente, a inexistência do diferimento da tributação assente no mecanismo do n.º 8 do art. 10.º do CIRS que exigia a valorização, para efeitos fiscais, das ações recebidas pelo valor histórico das ações entregues. Na verdade, “a intervenção da cláusula anti-abuso retira a neutralidade fiscal à operação de reestruturação. Repõe o regime-regra de tributação – tal e qual como no incumprimento do tipo – com as correspondentes liquidações adicionais” (TOMÁS TAVARES, ob. cit., p. 364).

 

29. Feitas estas observações prévias sobre certos argumentos apresentados nos autos, importa concentrar o exame na concretização in casu da cláusula anti-abuso do n.º 10 do art. 73.º do CIRC que constitui o thema decidendum essencial aqui em julgamento (como acima indicado no n.º 8).

A aplicação da cláusula anti-abuso do n.º 10 do art. 73.º do CIRC, como invoca corretamente o Requerente nos arts. 218.º, 219.º, 231.º e 232.º da PI, recorre, no que aqui importa, a uma presunção, pela qual, demonstrando a administração fiscal que a operação não foi efetuada por motivos económicos válidos, como a reestruturação ou racionalização das atividades das sociedades envolvidas, se considera que a operação foi realizada com o principal ou exclusivo objetivo de evasão fiscal.

Trata-se de uma presunção iuris tantum que pode ser ilidida pelo contribuinte refutando a factualidade apresentada quanto à ausência de razões económicas válidas ou comprovando outra finalidade societária para a operação que seja demonstrativa da inexistência de evasão fiscal (vd. FRANCISCO DE SOUSA DA CÂMARA, “As operações de reestruturação e a cláusula anti-abuso prevista no artigo 67.º/10 do CIRC” in AVV, Reestruturações de empresas e limites do planeamento fiscal, 2009, pp. 81 e 87; TOMÁS TAVARES, ob. cit., pp. 366-367; MAGALHÃES RAMALHO, O regime de neutralidade fiscal nas operações de fusão, cisão, entrada de activos e permuta de partes sociais, 2015, pp. 146-147; FILIPE LOBO SILVA, As operações de reestruturação empresarial como instrumento de planeamento fiscal, 2016, pp. 163-164).

Em qualquer caso, seja na apreciação administrativa, seja no escrutínio jurisdicional desta apreciação, a deteção de uma atuação abusiva pressupõe uma apreciação global de todas as circunstâncias relevantes do caso sub judicio, de modo a verificar-se se a operação ou operações realizadas tiveram como propósito, não a concretização de uma transação económica válida e genuína, mas simplesmente aproveitar as vantagens fiscais previstas no regime da neutralidade. Assim o exige o Tribunal de Justiça ao destacar a necessidade de desenvolver casuisticamente uma “análise global da operação” (vd. os acórdãos de 17 de Julho de 1997, Leur-Bloem, C-28/95, n.º 41; de 10.11.2011, C-126/10, Foggia, n.ºs 37 e 38, e de 8.3.2017, C-14/16, Euro Park Service, n.º 55).

 

30. Pois bem, na situação dos autos, a AT, conforme expresso na fundamentação do RIT transcrita no n.º XXXVI do probatório, considerou que “a realização da permuta não tem qualquer racionalidade económica” (p. 29), pois: “em termos de racionalidade económica da operação, não se vislumbra qualquer utilidade à introdução da C... neste encadeamento de transações, ficando evidente que se tratou de acrescentar uma entidade inútil, num negócio que desde o seu início teve como finalidade transmitir para o fundo de investimento F... (através da sociedade veículo AA...) o controlo da D...”; “a interposição da C... entre A... e a D... não produziu qualquer alteração em termos do poder que A... tinha na D..., já que ao deter 100% do capital da C..., continuou a poder exercer, em pleno, o poder que lhe era conferido pelos 50,02% do capital da D..., agora detidos pela C...” (p. 27), “[v]eja-se que se A... tivesse vendido a sua participação de 50,02% no capital da D..., diretamente à AA..., o esquema final do negócio seria idêntico, (...) sem que em termos económicos houvesse qualquer prejuízo para o objetivo final” e assim “tratando-se de um ato inútil em termos económicos, a única justificação para a permuta de ações realizada entre A... e a C... está relacionada com a motivação fiscal da operação” (p. 28); “o que se verificou nesta operação foi um forte desinvestimento através da realização de uma mais-valia avultada, que se pretendeu abusivamente não sujeitar a tributação em sede de IRS” (p. 30); “dos factos descritos neste relatório, não restam dúvidas de que esta operação não se inseriu num processo de reestruturação ou racionalização empresarial, enquadrável dentro do espírito que originou a criação do regime de neutralidade fiscal previsto nos art.s 73.º a 78.º do CIRC” (p. 31).

Conclui-se, em consequência, no RIT, p. 31 (vd. supra n.º XXXVI), que: “a operação de permuta de partes sociais realizada entre A... e a C... foi uma operação acessória, inserida dentro de uma negociação que visava a alienação das ações da D..., detidas por A..., ao fundo de investimento F... . A introdução da operação de permuta de partes sociais, dentro daquele processo negocial teve como único objetivo evitar a tributação em sede de IRS, da mais-valia gerada pelo negócio, aproveitando, abusivamente um regime fiscal que visa não prejudicar operações de reestruturação e racionalização empresarial”.

É manifesto que esta apreciação sobre a ausência de razões económicas válidas associadas à reestruturação ou racionalização das atividades das sociedades intervenientes na operação de permuta de ações sub judicio encontra apoio cabal na matéria de facto acima apurada constante do probatório.

 

31. Efetivamente, a permuta de ações que foi realizada (factos provados n.ºs XIV e XV) não se traduziu ou implicou qualquer reestruturação ou racionalização das atividades, nem produziu quaisquer eficiências organizacionais, no âmbito das sociedades intervenientes, ou seja, da sociedade adquirida D... (sociedade na qual a outra sociedade adquiriu uma participação mediante permuta de títulos) e da sociedade adquirente B.../C... (sociedade que adquiriu uma participação mediante permuta de títulos), porquanto, precisamente, num período curto (entre a data indicada da operação de permuta de 10.1.2014 e as datas de celebração do contrato-promessa em 30.7.2014 e de celebração do contrato definitivo em 15.12.2014), a participação na D... detida pela B.../C... foi vendida à AA... do fundo F..., conforme acima enunciado nos factos provados n.ºs XIV, XV, XXI, XXII, XXIV e XXVII.

Daqui resulta, não só que a sociedade adquirente B... não continuou, enquanto sociedade dominante, com o desenvolvimento da atividade da sociedade operacional D..., como o sócio permutante, o Requerente, não conservou qualquer empenhamento, mediante a sociedade interposta, na atividade empresarial da D...: na verdade, a entidade B.../C... que, numa lógica reorganizativa, manteria o domínio sobre a sociedade operacional D... para desenvolvimento das respetivas atividades, pura e simplesmente descontinuou esse investimento empresarial dada a alienação da participação ao fundo F... .

Carece, neste âmbito, de fundamento a posição do Requerente de que ocorre continuidade da atividade comercial após a permuta, porquanto isso deve ser visto “à luz da sociedade que adquire as participações e esta continua a desenvolver a atividade para a qual foi adquirida, ou seja, a gestão de participações” e que “a venda de uma das participações consubstancia ela própria a prática de um ato próprio da SGPS, sendo que no caso presente pode afirmar-se que a sociedade adquirente vendeu um negócio que já estava desenvolvido e valorizado, tendo agora capital para investir e desenvolver os outros negócios que vai adquirindo e gerindo” (vd. arts. 154.º e segs. da PI). Muito ao contrário, esta alegação consubstancia o próprio reconhecimento de que não ocorreu qualquer reestruturação ou racionalização das atividades das sociedades intervenientes. Aliás, não se pode deixar de notar, que, aquando da celebração em 30.7.2014 do contrato-promessa de compra e venda da participação na D... pela B... com o fundo F... (vd. facto provado n.º XXI), a B... não tinha sequer como objeto social a gestão de participações sociais, pois isso só veio a ocorrer posteriormente com a alteração dos estatutos sociais ocorrida em 17.11.2014  (cfr. factos provados n.ºs VIII e XXVII).

Por outro lado, como se indicou nas alíneas A) a D) dos factos não provados, não ficaram demonstradas, atento o escrutínio fáctico desenvolvido pelo Tribunal, as razões apresentadas pelo Requerente para a operação de permuta de ações, em particular não foi provado que a “operação de permuta de ações entre a B... e o ora Requerente não teve qualquer propósito fiscal, mas resultou, sim, de uma condição essencial para efeitos de obtenção do financiamento necessário à aquisição por parte do Requerente das participações do seu sócio na D..., E...” (vd. p. 7 das alegações do Requerente) e que “sem a utilização da sociedade B... SA, o negócio não se poderia realizar, porquanto a mesma resulta de uma imposição das instituições bancárias financiadoras da operação” (art. 245.º da PI), afirmações estas que, conforme explicitado na motivação da matéria de facto (vd. supra n.º 17), não encontram respaldo nos meios probatórios produzidos nos autos.

Mas, sobretudo, insista-se que a alienação pela B.../C..., sociedade detida pelo Requerente (cfr. facto provado n.º IX), do ativo (participação na D...) que beneficiou do regime de neutralidade fiscal é alheia à reestruturação empresarial das atividades das sociedades intervenientes, evidenciando antes que a sociedade adquirente não promoveu qualquer atuação em relação ao desenvolvimento da empresa operacional adquirida (a D...), mas simplesmente procedeu a monetarização da participação adquirida mediante o preço auferido pela sua venda, com a receita assim obtida a ser destinada e aplicada em outros investimentos (vd. facto provado n.º XXX).

Não se descortina, pois, com a operação dos autos, a prossecução ou realização de quaisquer “sinergias operacionais, financeiras ou de gestão que melhorem os níveis de eficiência” entre as empresas intervenientes que são características da reestruturação empresarial (vd. FREITAS PEREIRA, Fiscalidade, 6ª ed., 2018, p. 510).

 

32. Evidentemente, a alienação assim subsequentemente realizada ao fundo F... pela sociedade B... da participação adquirida na D... é relevante para a aferição do cariz abusivo da operação de permuta sujeita ao regime da neutralidade fiscal, não cabendo apenas, ao contrário do que sustenta o Requerente (arts. 208.º e segs. e 226.º e segs. da PI), aferir o juízo sobre o abuso em relação estritamente à própria permuta em si considerada. Conforme acima explicitado no n.º 29, na aplicação da cláusula anti-abuso deve proceder-se a uma análise global de todas as circunstâncias relevantes do caso, sendo inquestionável, como observa SOUSA DA CÂMARA (ob. cit., pp. 93 e 94), que a “ocorrência de factos e operações supervenientes à reorganização que gozou do regime de neutralidade e/de benefícios fiscais pode suscitar interrogações sobre as motivações que estiveram na génese daquela reorganização e até motivar uma reapreciação daquela operação”, pelo que é possível e legítimo “detectar a posteriori um propósito exclusivo ou principal de elisão fiscal; ou seja, a realização de operações imediatamente subsequentes (na linha da doutrina das “step transactions” norte-americana) pode revelar as motivações elisivas”.

Precisamente, constitui hipótese típica sempre apresentada de abuso neste tipo de situações, naturalmente a apurar em face de uma apreciação global de todas as circunstâncias do caso, o “rapid resale of the shares”, de tal modo que nas próprias conclusões do Conselho relativas à Diretiva 90/434 (que se podem compulsar em HARM VAN DEN BROEK, ob. cit., p. 704 a 706) foi expressamente assinalado como um caso a que se pode aplicar a disposição anti-abuso da Diretiva uma permuta de ações seguida pela rápida revenda dos títulos recebidos, pois, em tal circunstancialismo, a atribuição por um acionista, mediante uma permuta de ações que conferem a maioria do capital, das partes sociais na sociedade adquirida à sociedade adquirente que as contabiliza ao seu valor de mercado, faculta a alienação dessas participações sociais com base nesse valor mediante o step up (atualização) do custo da participação. Como escreve MARIA JÚLIA ILDEFONSO MENDONÇA, Entrada de ativos e permuta de partes sociais no regime da neutralidade fiscal: uma análise comparativa, 2016, p. 105: “Potencialmente abusiva é também a operação de permuta de partes sociais imediatamente seguida da alienação a terceiros, por parte [da] sociedade adquirente, das participações por si obtidas no capital social da sociedade adquirida. Nestes casos, verificando-se um step up do valor fiscal dos títulos recebidos pela sociedade adquirente, não haverá lugar a apuramento de mais-valias, ou estas serão residuais”; “A intenção abusiva é (...) evidenciada pela simultaneidade dessa alienação a terceiros, como se a operação de permuta de partes sociais tivesse sido encetada como um passo intermédio, despido de qualquer racionalidade económica ou jurídica, para essa alienação”.

 

33. Nestes termos, atentos os factos apurados, impõe-se reconhecer que não se descobrem razões económicas válidas atinentes à reestruturação e racionalização das atividades das sociedades D... e B.../C... na operação de permuta realizada, o que implica considerar que tal operação teve como principal objetivo ou com um dos principais objetivos a evasão fiscal, nos termos previstos no n.º 10 do art. 73.º do CIRC e do art. 15.º, n.º 1, al a) da Diretiva Fusões, sendo certo que, como se observou no acórdão do Tribunal de Justiça de 10.11.2011, C-126/10, Foggia, n.º 34 e 46, o conceito de razões económicas válidas “vai além da simples tentativa de obter um benefício puramente fiscal” e “os conceitos de reestruturação e de racionalização devem, portanto, ser entendidos como indo além da simples tentativa de obter um benefício puramente fiscal, e qualquer operação de reestruturação e de racionalização que apenas vise alcançar esse objetivo não pode constituir uma razão económica válida, na aceção da referida disposição”.

Nos termos do disposto no art. 73.º, n.º 10 do CIRC, aplicável em sede de IRS por força do art. 10.º, n.º 9, al. b) do CIRS, quando se conclua que uma operação abrangida pelo regime da neutralidade fiscal, como é o caso da permuta sub judice, teve como principal objetivo ou como um dos principais objetivos a evasão fiscal, não se aplica tal regime, procedendo-se à correspondente liquidação adicional de imposto.

Nestes termos, carece de fundamento a censura de ilegalidade deduzida pelo Requerente à correção ao IRS do ano de 2014 na base dos atos tributários aqui sindicados, improcedendo o pedido de anulação formulado.

 

34. Improcedendo, assim, o pedido de declaração da ilegalidade dos atos tributários impugnados, necessariamente improcede o pedido de condenação da AT em indemnização pelos custos suportados pelo Requerente com a prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal n.º 2018... que é suscitado (cfr. art. 309.º da PI) para o caso de ser julgado procedente o pedido de pronúncia arbitral.

 

V. Decisão

 

Termos em que se decide julgar improcedente o pedido arbitral e manter na ordem jurídica os atos tributários, referentes ao ano de 2014, de liquidação adicional de IRS n.º 2018 ..., de liquidações de juros compensatórios n.ºs 2018... e 2018..., e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2018... .

 

VI. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC), no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, aplicáveis por força das alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de € 2.511.173,18, (dois milhões quinhentos e onze mil cento e setenta e três euros e dezoito cêntimos).

 

VII. Custas

 

Custas a cargo do Requerente, nos termos do artigo 5.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, não cabendo proceder, em conformidade com o disposto no n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, à fixação do respetivo montante.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 30 de março de 2020.

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

(Carlos Fernandes Cadilha)

 

O Árbitro vogal

(Sérgio Vasques)

 

O Árbitro vogal

(João Menezes Leitão)