Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 206/2019-T
Data da decisão: 2020-02-14  Selo  
Valor do pedido: € 133.973,24
Tema: IS - efeito da dissolução de sociedade holding nos contratos de mútuo com as suas participadas; transmissão global do património; artigo 7º, alíneas g) e h) do Código de Imposto de Selo.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

Acordam os Árbitros Fernanda Maçãs (Árbitro Presidente) José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora e Maria do Rosário Anjos, designados para formarem o presente Tribunal Arbitral, no seguinte:

 

1.            Relatório

 

A sociedade A..., S.A., contribuinte fiscal n.º ..., com sede na ..., n.º..., ...º (Requerente ou B...) apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT).

Com o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, a Requerente pretende:

i)             A declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo n.º  2009 ... e das liquidações de juros compensatórios n.º 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ... e 2009 ..., com todas as legais consequências, designadamente, a sua anulação, bem como a anulação da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico, e a devolução à Requerente dos montantes pagos, incluindo os respectivos juros indemnizatórios, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 43.º e no artigo 100.º da LGT, e no artigo 61.º do CPPT;

ou, subsidiariamente,

ii)            A reforma da liquidação de Imposto do Selo n.º  2009 ... e das liquidações de juros compensatórios acima referidas, por flagrante excesso do valor tributável, com todas as legais consequências, designadamente a indemnização da ora Requerente, pela Administração Fiscal, de todos os prejuízos sofridos por aquela, nomeadamente os resultantes do pagamento indevido da liquidação em crise, incluindo os respectivos juros indemnizatórios, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT e no artigo 61.º do CPPT, perfazendo o valor agregado de € 133.973,24 (cento e trinta e três mil, novecentos e setenta e três euros e vinte e quatro cêntimos).

 

Uma vez que a Requerente não indicou um dos árbitros a integrar o Tribunal Colectivo, foram estes designados pelo Conselho Deontológico do CAAD, tendo comunicado a sua aceitação no prazo fixado na lei.

Como nenhuma das Partes manifestou oposição a tais designações, o presente Tribunal Arbitral ficou constituído em 3 de junho de 2019.

 

A sustentar o pedido alega a Requerente, em resumo, o seguinte:

 

a.            A alínea h) do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo prevê a isenção de imposto nas operações financeiras referidas na alínea g), incluindo os respectivos juros, quando realizadas por detentores de capital social a entidades nas quais detenham directamente uma participação no capital não inferior a 10% e desde que tenha permanecido na sua titularidade durante um ano consecutivo;

b.            Interpretando a referida norma, verifica-se que são exigidos dois requisitos cumulativos para o gozo da isenção: (i) que as operações financeiras tenham sido realizadas por detentores de capital social a entidades nas quais detenham directamente uma participação no capital de pelo menos 10% e (ii) que esta participação não inferior a 10% tenha permanecido na sua titularidade durante um ano consecutivo;

c.            Não obstante a sociedade C... S.G.P.S., S.A., ter sido dissolvida e liquidada, verificou-se a transferência do conjunto do activo e do passivo do seu património para a esfera da Requerente, detentora da totalidade das partes representativas do capital social daquela, nos termos do artigo 148.º do CSC;

d.            Assim, em face do princípio da neutralidade fiscal, deve ser considerada esta aquisição como originária, computando-se para o efeito o período que antecede a extinção da sociedade C... S.G.P.S., S.A., porquanto se trata de uma transferência global do activo e passivo da sociedade liquidada para uma única beneficiária, a Requerente, detentora da globalidade das participações sociais da C... S.G.P.S., S.A.;

e.            O princípio da neutralidade fiscal não deverá ser entendido como sendo de aplicação exclusiva às operações de fusão, cisão e entrada de activos – isto porque, respeitando o princípio de continuidade da actividade empresarial, sempre que estejamos perante operações cuja substância económica seja idêntica às operações de fusão, cisão e entrada de activos deverá aplicar-se igualmente o princípio da neutralidade fiscal, seguindo igualmente o entendimento, definido administrativamente, que perante operações deste tipo tal princípio deverá ser respeitado em todas as normas referentes ao período de contagem da detenção das participações;

f.             Sob outra óptica, atento o regime aplicado ao grupo de sociedades, diremos que, uma vez que o princípio da neutralidade se prende com a correcção de distorções, no caso, no âmbito do tratamento de operações que visam a reestruturação ou a racionalização da actividade das empresas, como forma decisiva para a competitividade do tecido empresarial, uma maior eficácia e celeridade, deve-se buscar a substância destas operações independentemente da forma com que são revestidas;

g.            A sociedade participada – C... S.G.P.S., S.A. – liquidada e incorporado o seu património e actividade na sociedade-mãe – a Requerente – nada muda, no fundo, em relação à realidade prévia de um ponto de vista material;

h.            Ao ser liquidada a sociedade C... S.G.P.S., S.A., detida em 100% pela sociedade Requerente, nada mudou substancialmente – existiam efectivamente duas sociedades com um único interesse social que se concentram numa única subordinada ao mesmo interesse com manutenção do património, activos, passivos e actividade;

i.             Com a operação de transmissão global do património por parte da C... S.G.P.S., S.A., para a ora Requerente, deverá, atendendo a uma interpretação teleológica e sistemática considerar-se que o período de contagem de detenção das participações das sociedades participadas pela Requerente se reporta ao início de detenção das participações por parte da sociedade entretanto liquidada e dissolvida (C... S.G.P.S., S.A.);

 

Subsidiariamente, caso se entenda que as operações em análise não poderiam beneficiar de isenção em sede de Imposto do Selo:

 

j.             A verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo prevê como hipótese de incidência objectiva do respectivo imposto nas operações financeiras a “utilização de crédito”, em virtude da concessão de crédito a qualquer título, i.e., o aspecto material do elemento objectivo associado ao facto gerador do Imposto do Selo em causa é o acto de utilizar crédito;

k.            Nos termos da verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo, quando o prazo de utilização do crédito não seja determinado ou determinável, como na situação da Requerente, o valor tributável do Imposto do Selo será a média mensal do crédito utilizado sob a forma de conta corrente, obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30, sobre a qual é aplicada a taxa de 0,04%;

l.             A Administração Tributária calculou a matéria colectável da liquidação de Imposto do Selo ora em crise com suporte nos lançamentos da contabilidade da Requerente de acordo com o saldo da conta corrente que a Requerente passou a possuir no dia 27 de Dezembro de 2005, o qual reflectia apenas o saldo transferido da contabilidade da sociedade C... S.G.P.S., S.A. em resultado da sua liquidação e partilha;

m.          Não é possível estabelecer uma equivalência entre o saldo de uma conta que transitou para a titularidade da Requerente e os valores efectivamente entregues pela Requerente numa relação directa entre a mesma e as três sociedades por ela dominadas;

n.            A mera transição do saldo de uma conta (da sociedade liquidada, C... S.G.P.S., S.A.) para outra (da Requerente) revela apenas a cessão de posição contratual onde a credora daquele saldo passou a ser a Requerente;

o.            Assim, o saldo que “surgiu” na contabilidade da Requerente não revela a entrega de crédito às sociedades por ela participadas, mas sim a transferência do património da sociedade C..., S.G.P.S., S.A.;

p.            Aliás, é essa a ratio legis expressa pelo legislador do Código do Imposto do Selo quando, a propósito da reforma da tributação sobre o património, expressamente refere no preâmbulo do referido diploma que “merece especial relevo a alteração da filosofia de tributação do crédito, que passou a recair sobre a sua utilização e já não sobre a celebração do respectivo negócio jurídico de concessão”,

q.            Na situação suporte da liquidação em crise, os valores das entregas pela Requerente às sociedades D..., S.A., E..., S.A. e F..., S.A. não equivalem aos valores que simplesmente migraram da conta da sociedade liquidada, C... S.G.P.S., S.A., para a Requerente, como decorre dos lançamentos contabilísticos datados de 27 de Dezembro de 2005;

r.             Em concreto, a Administração Tributária considerou nas correspondentes operações financeiras efectuadas no âmbito de contratos de empréstimo em regime de conta corrente mantida entre a Requerente e as sociedades D..., S.A., E..., S.A. e F..., S.A., o saldo inicial de € 16.745.823,00, € 10.218.322,23 e € 9.137.882,39, respectivamente,

s.            Os quais reflectem apenas o resultado que, em virtude da cessão de posição entre a C... S.G.P.S., S.A., e a Requerente, em 27 de Dezembro de 2005, transitou para o activo da Requerente, como se fossem estes os valores efectivamente financiados pela Requerente;

t.             Por conseguinte, haverá que distinguir, de forma clara e inequívoca, o crédito que a Requerente efectivamente concedeu em forma de conta corrente e o crédito que havia sido concedido pela sociedade entretanto dissolvida, uma vez que não poderá a Requerente ser tributada em sede de Imposto do Selo sobre operações contraídas junto de outra entidade, ainda que todos os direitos da sociedade dissolvida tenham transitado para a esfera jurídica da Requerente;

u.            O saldo credor que a Requerente possuía com a sociedade F..., S.A., em 1 de Janeiro de 2006 era de € 997.497,27 e não, como considera a Autoridade Tributária, de € 5.862.141,99;

v.            Não obstante, a Autoridade Tributária considerou como matéria tributável a média dos saldos diários do mês de Janeiro de 2006 constante na contabilidade da Requerente no valor de € 6.043.389,76 que reflectem todo o valor transitado aquando da cessão da posição contratual, mas que não revelam, em nenhuma hipótese, os valores que a Requerente disponibilizou à sociedade participada, F..., S.A.;

w.           No final do ano de 2006, o crédito concedido pela Requerente à sua participada F..., S.A., encontrava-se totalmente amortizado;

x.            Existia, à data de 31 de Dezembro de 2006, um saldo devedor referente ao crédito contraído junto da C... S.G.P.S. no valor de € 4.092.568,80;

y.            Em 27 de Dezembro de 2005, aquando da liquidação da sociedade C..., S.G.P.S., S.A., assumiu a Requerente a posição de credora da sociedade E..., S.A., no valor de € 10.218.322,23, sendo sobre este saldo que a Autoridade Tributária calculou o valor tributável do imposto liquidado;

z.            Não obstante, também neste caso deverão separar-se as duas contas correntes tituladas pela Requerente em face da sociedade E..., S.A., (i) uma originária da cessão de posição contratual derivada da liquidação da sociedade C..., S.G.P.S., S.A. e (ii) a outra onde a Requerente entrega directamente à sociedade E..., S.A., os montantes convencionados no contrato de mútuo que passa a manter com esta a partir de 27 de Dezembro de 2005;

aa.          Usando esse paralelo, temos que, em 27 de Dezembro de 2005, repita-se, o saldo credor constante do contrato de empréstimo originariamente mantido entre a C..., S.G.P.S., S.A e a sociedade E..., S.A. era igual a € 10.218.322,23.

bb.         Contudo, apenas nas datas de 30 de Dezembro e 31 de Dezembro de 2005, a beneficiária do crédito, a sociedade mutuária E..., S.A., utiliza crédito no valor de € 8.611,21 e € 2.593.868,61, respectivamente;

cc.          Será este o valor de referência que deverá ser considerado como ponto de partida para apurar o saldo da conta corrente objecto da liquidação do Imposto do Selo eventualmente devido pela Requerente;

dd.         Todos os montantes reembolsados por parte da E..., S.A., apenas serão abatidos até à concorrência do saldo resultante do mútuo contratado com a Requerente, devendo os montantes transferidos em excesso servir para amortizar a dívida originária contraída pela E..., S.A., junto da C... S.G.P.S., S.A.;

ee.         A Administração Tributária, ao fixar a matéria tributável do Imposto do Selo liquidado nos meses de 2006, considerou erroneamente o saldo que transitou para o património da Requerente por simples cessão de posição contratual, sem que este consubstanciasse a realização do facto gerador do imposto, a efectiva utilização de crédito;

ff.           Sucede que, até o dia 30 de Dezembro de 2005, não se podia falar em qualquer utilização de crédito, logo, o valor de € 10.218.322,23 levado em consideração para o cálculo do saldo-valor para o apuramento do Imposto do Selo supostamente devido nunca poderia ter servido de base para o apuramento do imposto;

gg.          Assim, é possível verificar que, no final do ano de 2006, o crédito concedido pela Requerente à sua participada E..., S.A. encontrava-se totalmente amortizado;

hh.         Por outro lado, no que se refere ao crédito contraído pela E..., S.A., junto da sociedade entretanto liquidada e dissolvida (C... S.G.P.S. S.A.) verificamos que foi amortizada uma quantia total de € 5.308.758,87, pelo que, atendendo ao valor que constava da contabilidade da Requerente em 27 de Dezembro de 2005, designadamente, um saldo no valor de € 10.218.322,23, referente ao saldo que transitou para a Requerente proveniente do activo da sociedade C... S.G.P.S., S.A, existia à data de 31 de Dezembro de 2006 um saldo devedor referente ao crédito contraído junto da C... S.G.P.S. no valor de € 4.909.563,36;

ii.            Por fim, no que se refere às operações efectuadas no âmbito do contrato de abertura de crédito mantido entre a Requerente e a sociedade D..., S.A., é possível constatar que, na data de 27 de Dezembro de 2005, constava na contabilidade da Requerente um saldo no valor de € 16.745.823; reafirme-se, exactamente igual àquele que constava naquela data no activo da sociedade C... S.G.P.S., S.A. (tanto que até ao dia 26 de Dezembro de 2005 não existia qualquer saldo, que, como se comprova da análise da contabilidade da Requerente, estava a “zero”, nem este valor corresponde a qualquer saída nesta mesma data);

jj.            Nestes termos, no dia 28 de Dezembro de 2005, a sociedade D..., S.A., utilizou pela primeira vez um crédito no valor de € 3.000.000 na conta que passou a manter directamente com a Requerente no contrato de financiamento entretanto celebrado entre estas duas entidades;

kk.          Entretanto, no dia 30 de Dezembro de 2005, a Requerente voltou a entregar à sociedade D..., S.A. uma quantia de € 23.883,28;

ll.            Contudo, no dia 28 de Dezembro de 2005, a sociedade D... S.A., havia reembolsado a Requerente no montante de € 18.885,30 a título de amortização do crédito entretanto concedido por esta última;

mm.      Tendo procedido a nova amortização no valor de € 10.500.000 no dia 31 de Dezembro de 2005, sendo que parte do reembolso se destinou, em primeiro lugar, a amortizar o crédito constituído junto da Requerente, destinando-se o valor reembolsado em excesso à amortização da dívida contraída originalmente por parte da D..., S.A., junto da sociedade C... S.G.P.S., S.A.;

nn.         Sendo assim, o saldo credor que a Requerente possuía com a sociedade D... S.A., em 1 de Janeiro de 2006, era de € 6.607,96, em virtude da utilização de crédito neste valor por parte da D... S.A., precisamente nesta data, e não, como considera a Autoridade Tributária, de € 5.862.141,99;

oo.         Logo, a base de cálculo do Imposto do Selo liquidado ora em crise deve considerar as movimentações que ocorreram apenas a partir de 1 de Janeiro de 2006, considerando o saldo credor que havia a partir de então, apenas relativo aos montantes efectivamente entregues pela Requerente na relação directa com a sociedade D..., S.A., e tendo em consideração as amortizações efectuadas antes de 1 de Janeiro de 2006;

pp.         No final do ano de 2006, o crédito concedido pela Requerente à sua participada D..., S.A. encontrava-se totalmente amortizado;

qq.         Por outro lado, no que se refere ao crédito contraído pela D..., S.A., junto da sociedade entretanto liquidada e dissolvida (C... S.G.P.S. S.A.) verificamos que foi amortizada uma quantia total de € 10.390.760, pelo que, atendendo ao valor que constava da contabilidade da Requerente em 27 de Dezembro de 2005, designadamente, um saldo no valor de € 16.745.823, referente ao saldo que transitou para a Requerente proveniente do activo da sociedade C... S.G.P.S., S.A, existia à data de 31 de Dezembro de 2006 um saldo devedor referente ao crédito contraído junto da C... S.G.P.S. no valor de € 6.355.063;

rr.           Por fim, não pode a Requerente deixar de observar a ilegalidade do montante de Imposto do Selo liquidado em 31 de Dezembro de 2006, observação que se estende aos outros dois contratos de abertura de crédito mantido com as sociedades F..., S.A. e E..., S.A.;

ss.          É que a alínea g) do art.º 5.º do Código do Imposto do Selo define o nascimento da obrigação tributária do Imposto do Selo nas operações de crédito, quando utilizado sob a forma de conta corrente, como sendo no último dia de cada mês;

tt.           Conjugando esta disposição legal com a norma de isenção referida pela própria Administração Tributária, a alínea g) do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, que preceitua o prazo de um ano como condição para a constituição desse direito,

uu.         Então, se a própria Autoridade Tributária afirma que “o sujeito passivo deveria ter liquidado imposto do selo durante o período de um ano que decorre da data de 2005-12-27 (data da aquisição das participações ainda que por dissolução de uma sua participada) até 2006-12-26 e só a partir de 2006-12-27 é que reúne as condições para que lhe seja concedida a referida isenção”,

vv.          Se em 27 de Dezembro de 2006 a Requerente já reunia as condições para que lhe fosse concedida a isenção, como afirma a Requerida, e porque o Imposto do Selo relativo ao mês de Dezembro de 2006 só é devido no respectivo dia 31, último dia do mês e do ano, é forçoso concluir que no mês de Dezembro não é constituída qualquer obrigação fiscal relativa ao Imposto do Selo sobre os contratos em análise.

ww.       Face a tudo o exposto, os valores que constam do anexo 3 do Relatório de Conclusão da Acção de Inspecção devem ser objecto de correcção nos seguintes termos:

 

xx.          O que resulta numa diferença entre o imposto liquidado e aquele efectivamente devido, nos termos infra:

 

yy.          Caso se discorde da forma de contabilização apresentada pela Requerente, não poderá deixar de se considerar as amortizações efectuadas como o pagamento dos débitos inicialmente constituídos, de acordo com a regra First In, First Out (“FIFO”), assumindo-se que as entradas de dinheiro servem para cobrir os primeiros créditos concedidos e entregues às sociedades participadas, sendo contabilizados tais pagamentos como referentes ao débito anteriormente contraído junto da C... S.G.P.S., S.A.;

zz.          Todas as operações supra descritas, realizadas de acordo com a regra FIFO, podem ser aferidas nos Mapas de Registo de Transacções referentes à sociedade F... S.A. (Cfr. Documento n.º 15), à sociedade E..., S.A. (Cfr. Documento n.º 16) e à sociedade D... S.A., (Cfr. Documento n.º 17), que não diferem nos dados referentes às entradas e saídas de capital, ao fluxo de caixa da operação de financiamento, mas apenas na contabilização do saldo diário desta conta, em função do saldo tido como ponto de partida;

aaa.       Sendo que, adoptando este método de contabilização, todos os pagamentos efectuados pela F... S.A., E..., S.A., e D... S.A., destinar-se-iam, em primeiro lugar, à amortização do saldo transitado para a conta da Requerente em decorrência da cessão de posição contratual;

bbb.      Logo, de acordo com a aplicação da regra FIFO, os valores que resultam do anexo 3 do Relatório de Conclusão da Acção de Inspecção devem ser objecto de correcção nos seguintes termos:

 

ccc.        O que resulta numa diferença entre o imposto liquidado e aquele efectivamente devido, nos termos infra:

 

ccci.       A Autoridade Tributária reconhece nas orientações internas que emite, tais como a Circular n.º 15, de 5 de Julho de 2000, da Direcção de Serviços dos Impostos do Selo e das Transmissões do Património e o Parecer n.º 629, de 11 de Agosto de 2005, emitido pela Direcção de Serviços Jurídicos e do Contencioso, que o facto tributário da verba 17.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo apenas se considera completo com a utilização do crédito ao abrigo de contrato de abertura de crédito;

cccii.      Neste mesmo sentido vai o STA no acórdão de 14-03-2018, proferido no processo n.º 0800/17, onde se refere que

a.            “I - A concessão de crédito está sujeita a imposto do selo, qualquer que seja a natureza e forma, relevando, contudo, para o efeito a efectiva utilização do crédito concedido.

II - O facto tributário eleito para tributação em imposto de selo é, sempre, a concessão de crédito - prestação de valores monetários de uma parte a outra obrigando-se esta última a restituir aquele montante (em singelo ou acrescido de valor convencionado), no futuro.

III - A mera celebração do contrato de concessão de crédito nem sempre gera facto tributário do imposto. Quando a utilização do crédito for imediata, o facto tributário emerge na data de utilização que coincide com a data de celebração do contrato de concessão de crédito.

IV - Quando a utilização do crédito não for imediata, o facto tributário emerge na data de utilização que não coincide com a data de celebração do contrato concessão de crédito.”

 

ccciii.     Uma vez que a Requerente procedeu ao pagamento da liquidação em crise, bem como dos respectivos juros compensatórios, deverá ser reembolsada do montante de € 133.973,24, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1 e 100.º, ambos da LGT, contados desde a data do pagamento da liquidação em crise, i.e., 25 de Março de 2009, até o integral reembolso do referido montante.

 

A Requerida juntou aos autos o processo administrativo e apresentou a sua Resposta, na qual, em suma, advoga o seguinte:

1.            Nos termos da alínea g) do artigo 7.º do CIS, beneficiam de isenção as operações financeiras efetuadas por sociedades de capital de risco (SCR) e por sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) a favor de sociedades dominadas ou em que detenham participações e as operações financeiras efetuadas em benefício de uma SGPS por sociedades que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo, desde que verificados cumulativamente os seguintes requisitos:

(i) o prazo das operações não exceda um ano; e

(ii) sejam destinadas exclusivamente à cobertura de carências de tesouraria.

2.            conforme consta do RIT (Ponto III-2):

«[…] o sujeito passivo, por força da dissolução da ... [C..., SGPS, S.A.], passou a deter participações nas empresas […] na percentagem de 100%. Se o primeiro requisito está devidamente preenchido, já relativamente ao segundo não podemos afirmar o mesmo, dado estarmos perante empresas já constituídas, onde se exige que a titularidade da participação tenha que ser mantida durante, pelo menos, um ano consecutivo, e de onde se conclui que só depois de decorrido esse período, o qual constitui um pressuposto da aplicação da isenção, se poderá considerar aplicável a isenção.»

3.            Assim, o elemento decisivo para que as operações financeiras em causa sejam afastadas da isenção consagrada na alínea h), n.º 1 do artigo 7.º do CIS, reside no incumprimento do requisito temporal, i.e., do prazo de detenção das participações adquiridas pela Requerente, na sequência da dissolução e liquidação por transmissão global do património de uma sociedade de que era acionista única, ocorrida em 27-12-2005.

4.            Contrariamente ao que sucede com a fusão, onde a dissolução sem liquidação das entidades absorvidas permite manter a atividade através da entidade incorporante, subsistindo, assim, o ciclo de vida destas empresas, embora de forma nova na pessoa da nova sociedade, com a verificação do encerramento da liquidação não se observa essa continuidade, considerando-se a sociedade dissolvida e liquidada extinta.

5.            Na situação em apreço, a liquidação da C... SGPS, S.A, foi feita através da transmissão global de todo o património, ativo e passivo.

6.            Os empréstimos em conta corrente celebrados entre a Requerente e agora, após a dissolução e partilha da C... SGPS, S.A., das sociedades dominadas, D..., S.A, E..., S.A, e F..., S.A, e, ainda, os respetivos juros, estariam isentos de imposto do selo, se fossem:

• por prazo não superior um ano;

• efetuadas por sociedades detentoras de capital social;

• a favor de sociedades sobre as quais detenham diretamente uma participação no capital não inferior a 10% e a participação tenha permanecido na sua titularidade durante um ano consecutivo;

• Destinados exclusivamente à cobertura de carência de tesouraria.

7.            Só que, com a dissolução e liquidação da sociedade C... SGPS, S.A, e transmissão global do património desta para a ora Requerente, não perdurou de alguma forma a personalidade jurídica da primeira na segunda, inexistindo assim qualquer continuidade no seu funcionamento.

8.            Ou seja, não ocorre qualquer novação da C... SGPS, S.A., na pessoa da sociedade adquirente do património daquela, a exemplo do que sucederia na fusão por incorporação onde se verifica a dissolução da sociedade incorporada sem que ocorra a sua liquidação.

9.            Assim, embora os pressupostos para reconhecimento da isenção inicialmente estivessem presentes no período em que a C... SGPS, S.A. se encontrava em atividade, deixaram de se verificar com o encerramento da liquidação.

10.          E os requisitos agora exigidos após a transmissão global do património para que fosse reconhecida a isenção de imposto do selo não se têm por preenchidos, atento inexistir detenção das participações pelo período de um ano.

11.          Só quando esse ano se perfizer (a partir de 27-12-2006) é que será possível aplicar a isenção.

12.          Assim, no período em causa (01-01-2006 a 26-12-2006), por não se encontrarem preenchidos os requisitos exigidos nas normas de isenção consideram-se os empréstimos em conta corrente celebrados com as sociedades D..., S.A., E..., S.A., e F..., S.A., sujeitos a imposto do selo da verba 17.1.4 da TGIS e não estando dele isento.

13.          Em sede de Imposto do Selo inexiste preceito semelhante ao existente no CIRC sobre neutralidade fiscal.

14.          Tão-pouco, o legislador remete para um regime de neutralidade que permitisse reportar a data de aquisição das participações pela Requerente à data em que foram adquiridas originariamente pela sociedade dissolvida e liquidada, à semelhança do que se encontra previsto no artigo 18.º-A do Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro e no novo artigo 47.º-A do Código do IRC.

15.          Ademais, a circunstância de se ter verificado a dissolução com liquidação de uma das sociedades envolvidas obstaria também à aplicação daquele princípio.

16.          Com efeito, o regime fiscal previsto nos artigos 73.º a 78.º do CIRC tem o seu campo de aplicação circunscrito às operações de fusão, cisão, entradas de ativos, operação pela qual uma sociedade transfere, sem que seja dissolvida, um ou mais ramos da sua atividade para outra sociedade, permuta de partes sociais.

17.          Ou seja, na previsão do regime da neutralidade fiscal não se incluem as operações de dissolução com liquidação.

18.          O que expressamente consta na Circular n.º 8/2004 da DSIRC referida pela Requerente.

19.          Posto isto, não faz sentido, por falta de sustentação legal e violação do princípio da legalidade, a pretensão da Requerente de transpor para a alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, os efeitos em termos de contagem do prazo de detenção de participações sociais, do regime da neutralidade fiscal consagrado no Código do IRC para operações aí especificamente definidas e onde não cabe a operação de liquidação por transmissão global, prevista no art.º 148.º CSC.

20.          As normas que estabeleçam benefícios fiscais não são suscetíveis de integração analógica conforme prescreve o artigo 10.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).

21.          Em matéria de benefícios fiscais, como em matéria de incidência tributária ou da definição de tipos legais de crimes (fiscais ou outros), não há, por definição, lacunas, pois as situações não previstas como isentas de imposto (como as não sujeitas a imposto ou as não descritas como crimes) estão, pura e simplesmente, fora do âmbito da norma de isenção (ou de incidência, ou punitiva, consoante os casos), mercê do especial vigor que o princípio da legalidade, na sua vertente de tipicidade (tributária - artigos 103.º n.º 2 da Constituição e penal – artigo 29.º n.º 1 da Constituição) assume nestes domínios.

22.          A integração analógica encontra-se, pois, vedada naquelas matérias mercê do princípio constitucional da legalidade, sendo as afirmações concordantes do legislador ordinário nesse sentido – contidas, no domínio tributário, nos artigos 11.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária e (actual) 10.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), meros corolários daquelas normas constitucionais.

23.          Também não procede a alegação da Requerente que só poderá ser tributada relativamente ao crédito que efetivamente concedeu às sociedades por si participadas, ficando afastado da aplicação da norma de sujeição o crédito que as suas participadas obtiveram junto de uma sociedade que entretanto foi liquidada e dissolvida.

24.          Desde logo, esta posição assenta no pressuposto de que os direitos e obrigações da sociedade liquidada e dissolvida não lhe foram transmitidos, que a relação contratual originária se tem por extinta.

25.          Deve entender-se que na tributação do crédito utilizado sob a forma de conta corrente não releva o momento da sua concessão ou a qualidade dos sujeitos credor e devedor originários que intervieram na celebração daquele contrato,

26.          Importando apenas, para a aplicação da norma de incidência, a ocorrência do facto tributário no final de cada mês e que traduz a posição em dado momento de uma relação crédito/débito que que se prolonga no tempo, sendo que a matéria coletável resulta da média mensal do crédito utilizado [cfr. alínea g), n.º 1, do artigo 5.º do CIS, e verba 17.1.4. da TGIS].

27.          A Requerente labora em erro de interpretação ao pretender fazer um “corte” entre os fundos entregues às mutuárias, até 27.12.2005, pela sociedade dissolvida e liquidada e os fundos por ela disponibilizados entre essa data e 26.12.2006, esquecendo que o imposto do selo incidente sobre as operações de concessão de crédito constitui encargo dos titulares do interesse económico, que a norma da alínea f), n.º 3 do artigo 3.º do Código do Imposto do Selo identifica como sendo as beneficiárias ou as utilizadoras do crédito, in casu, as três sociedades dominadas, em conformidade com o disposto na alínea f), n.º 3 do artigo 3.º do Código do Imposto do Selo.

28.          Ora, se estas sociedades beneficiaram da isenção, quando a entidade concedente era a C..., S.A., a cessação do benefício com a transmissão da posição credora para a Requerente tem por consequência a reposição automática da tributação-regra (cf., n.º 1, artigo 14.º EBF).

29.          O que significa que, mantendo-se a utilização, pelas sociedades dominadas, dos fundos cedidos sob a forma de conta corrente, a partir de 27.12.2005, nos termos da alínea g) do art.º 5.º do Código do Imposto do Selo, a obrigação de liquidação do imposto passou a constituir-se no último dia de cada mês, sendo materializada mediante a aplicação da taxa fixada na verba 17.1.4 ao valor tributável determinado segundo a regra aí estabelecida, i.e,, tomando para base de cálculo os saldos em dívida apurados diariamente.

30.          É, assim, irrelevante a distinção, por um lado, entre os valores dos saldos, à data da transferência, para a Requerente, do património da sociedade dissolvida e liquidada e, por outro, os valores por ela entregues às sociedades dominadas, após essa data e, como tal, perde qualquer utilidade o recurso aos critérios LIFO ou FIFO para determinar se os reembolsos respeitam aos saldos transferidos para a Requerente ou aos valores por ela entregues às sociedades dominadas, entre 27.12.2005 e 31.12.2005.

 

 

Atendendo a que, no caso, não se verificava nenhuma das finalidades que legalmente estão cometidas à reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, e tendo em conta a posição tomada pelas partes nos articulados, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º e no artigo 19.º, ambos do RJAT, bem como dos princípios da economia processual e da proibição de actos inúteis, por despacho de 12 de Julho, o Tribunal dispensou a realização desta reunião, tendo as partes sido notificadas para, querendo, apresentar alegações, com carácter sucessivo. Nesse mesmo despacho o Tribunal designou o dia 2 de Dezembro como prazo limite para prolação da decisão arbitral, que foi prorrogado por dois meses, por despacho de 27 de Novembro de 2019, fixando-se como data limite de prolação da Decisão arbitral o dia 3 de fevereiro de 2020. 

 

Nas suas alegações, a Requerente concluiu assim:

A.           Ficou demonstrado que a Requerente denominava-se, anteriormente, B..., S.A., sendo, nessa época, a accionista única da sociedade C... S.G.P.S., S.A. e que esta, por sua vez, era detentora da integralidade do capital social das sociedades D..., S.A., E..., S.A. e F..., S.A.;

B.            A sociedade C... S.G.P.S., S.A. mantinha com estas três sociedades,  D..., S.A., E..., S.A. e F..., S.A., por ela dominadas, respectivamente, três contratos de empréstimo em conta corrente, que se encontravam isentos de Imposto do Selo nos termos do art.º 7.º, alínea g) do Código do Imposto do Selo, na redacção em vigor à data dos factos;

C.            Em 27 de Dezembro de 2005, a sociedade C... S.G.P.S., S.A. foi dissolvida, nos termos do art.º 141.º do CSC e liquidada por transmissão global do seu património para a sua accionista única, a Requerente.

D.           Em consequência, verificou-se a transferência dos activos e passivos do património da sociedade C... S.G.P.S., S.A. para a esfera da Requerente, detentora da totalidade das partes representativas do capital social daquela, nos termos do art.º 148.º do CSC, entre os quais, os resultantes dos contratos de mútuo celebrados com as sociedades D..., S.A., E..., S.A. e F..., S.A.

E.            Após 27 de Dezembro de 2005, existiram fluxos financeiros subsequentes entre a Requerente e as suas participadas.

F.            Em 15 de Março de 2009, a Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo n.º 2009... e das liquidações de juros compensatórios n.º 2009 .../.../... /.../.../.../.../.../.../.../.../..., no montante de total de € 121.872,66 e de € 12.100,58, respectivamente.

G.           Ficou demonstrado nos autos que se encontram cumpridos os requisitos cumulativos para que a Requerente beneficiasse da isenção de Imposto do Selo prevista na alínea h) do art.º 7.º do Código do Imposto do Selo: (i) que as operações financeiras tenham sido realizadas por detentores de capital social a entidades nas quais detenham directamente uma participação no capital de pelo menos 10% e (ii) que esta participação não inferior a 10% tenha permanecido na sua titularidade durante um ano consecutivo.

H.           Com efeito, não se pode olvidar que, não obstante a sociedade C... S.G.P.S., S.A. ter sido dissolvida e liquidada, verificou-se a transferência do conjunto do activo e do passivo do seu património para a esfera da Requerente, detentora da totalidade das partes representativas do capital social daquela, nos termos do art.º 148.º do CSC.

I.             Assim, existindo uma continuidade do exercício da actividade pela Requerente, não estamos perante uma participação ex nova.

J.             Esta interpretação é consonante com o princípio geral de neutralidade fiscal visado pelo legislador, sempre que estejamos perante operações cuja substância económica seja idêntica às operações de fusão, cisão e entrada de activos.

K.            Assim, tendo em conta a continuidade do exercício de actividade, não deve deixar de computar-se o período de detenção das participações sociais pela transferência do conjunto do activo e do passivo do património da sociedade C... S.G.P.S., S.A. para a esfera da Requerente.

L.            Note-se, ainda, que, atento o regime aplicado ao grupo de sociedades do qual tanto a Requerente como a sociedade C... S.G.P.S., S.A., bem como as respectivas participadas faziam parte, diremos que, uma vez que o princípio da neutralidade se prende com a correcção de distorções, no caso, no âmbito do tratamento de operações que visam a reestruturação ou a racionalização da actividade das empresas, como forma decisiva para a competitividade do tecido empresarial, uma maior eficácia e celeridade, deve-se buscar a substância destas operações independentemente da forma com que são revestidas.

M.          Em suma, com a operação de transmissão global do património por parte da C... S.G.P.S., S.A., para a Requerente, deverá, atendendo a uma interpretação teleológica e sistemática, e ainda em virtude do princípio da igualdade, considerar-se que o período de contagem de detenção das participações das sociedades participadas pela Requerente se reporta ao início de detenção das participações por parte da sociedade entretanto liquidada e dissolvida (C... S.G.P.S., S.A.), motivando a isenção de Imposto do Selo e, consequentemente, a ilegalidade da liquidação ora em crise e respectivos juros compensatórios, que deverá ser anulada.

N.           Subsidiariamente e caso assim não se entenda, entende a Requerente que a liquidação de Imposto do Selo sub judice e a respectiva liquidação de juros compensatórios deverá ser objecto de anulação parcial em virtude do excesso da matéria colectável quantificada.

O.           O excesso em questão deve-se à interpretação do termo “utilização de crédito”, enquanto facto gerador do Imposto do Selo nas operações financeiras.

P.            Com efeito, o facto gerador do Imposto do Selo nas operações financeiras é a utilização do crédito e não a existência de uma conta-corrente no âmbito de um contrato de mútuo.

Q.           Assim, ao calcular como matéria tributável da liquidação de Imposto do Selo com base nos lançamentos contabilísticos da Requerente de acordo com o saldo da conta corrente que a Requerente passou a possuir no dia 27 de Dezembro de 2005, o qual apenas reflectia o saldo transferido da contabilidade da sociedade C..., S.G.P.S., S.A., em resultado da sua liquidação e partilha, a liquidação enferma de ilegalidade.

R.            Com efeito, ao considerar-se como valor tributável os constantes da transferência da posição contratual de mutuante com a dissolução da sociedade C... S.G.P.S., S.A. para a Requerente, a Autoridade Tributária não tem em conta a “utilização de crédito”, ou seja, a entrega de qualquer montante pela Requerente às suas participadas.

S.            Assim, os saldos base utilizados pela Administração Tributária são bem superiores, denunciando um manifesto excesso do valor tributável, o qual deverá reflectir as somas efectivamente entregues pela Requerente às sociedades por ela participadas. Por outras palavras, os saldos diários que não reflectem qualquer entrega de crédito pela Requerente às sociedades participadas deverão ser expurgados, bem como os referentes a Dezembro de 2006.

T.            De notar que, não aceitando a Administração Tributária o princípio da continuidade da actividade económica e respectiva neutralidade fiscal da operação de transmissão da totalidade do património da sociedade dissolvida para a Requerente, também não poderá agora pretender tributar uma operação de utilização de um crédito contratado precisamente com uma sociedade liquidada e dissolvida.

U.           Pelo que a inclusão deste saldo inicial e do saldo do mês de Dezembro de 2006, determina, necessariamente, um erro em todos os cálculos a partir daí realizados.

V.           Assim, verifica-se que a liquidação deveria ser de € 22.471,04 ou, na hipótese de se considerar que a amortização do crédito contraída por parte das sociedades participadas pela Requerente não deve ser considerada, de € 62.961,63.

W.          Acresce que, se em 27 de Dezembro de 2006 a Requerente já reunia as condições para que lhe fosse concedida a isenção, como afirma a Autoridade Tributária, e porque o Imposto do Selo relativo ao mês de Dezembro de 2006 só é devido no respectivo dia 31, último dia do mês e do ano, é forçoso concluir que nesse mês não se constituiu qualquer obrigação fiscal relativa ao Imposto do Selo sobre os contratos em análise, pelo que sempre deverá a liquidação ser objecto de reforma em virtude do excesso do valor tributável;

X.            Ora, face ao valor constante da liquidação ora em crise (€ 121.872,62), pode concluir-se que esta é, em qualquer caso, excessiva.

 

A Requerida, em sede de alegações, deu como reproduzida a argumentação constante da respetiva Resposta.

 

2.            Saneamento

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas.

 

3.            Matéria de facto

 

3.1.        Factos provados

 

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada. Tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e o artigo 607.º, n.º 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, aplicáveis por força das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito [cfr. artigo 596.º Código de Processo Civil aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].

 

Com relevo para apreciação e decisão das questões suscitadas, consideram-se provados os seguintes factos:

A. A ora Requerente denominava-se, anteriormente, B..., S.A., sendo, nessa época, a accionista única da sociedade C... S.G.P.S., S.A.;

B. A sociedade C... S.G.P.S., S.A., por sua vez, era detentora da integralidade do capital social das sociedades D..., S.A., E..., S.A., e F..., S.A., empresas que integravam à data dos factos o grupo de sociedades em que a sociedade-mãe era a B..., S.A., anterior denominação da Requerente;

C. A sociedade C... S.G.P.S., S.A. celebrou com estas três sociedades, D..., S.A., E..., S.A., e F..., S.A., em …. , três contratos de empréstimo em conta corrente

D. Em 27 de Dezembro de 2005, a sociedade C... S.G.P.S., S.A., foi dissolvida, nos termos do artigo 141.º do CSC, e liquidada por transmissão global do seu património para a sua accionista única, a Requerente (Cfr. Documento n.º 1 do PPA).

E. Com essa transmissão global do património verificou-se a transferência dos activos e passivos do património da sociedade C... S.G.P.S., S.A., para a esfera da Requerente, entre os quais a titularidade dos contratos de mútuo celebrados com as sociedades D..., S.A., E..., S.A., e F..., S.A (Cfr. Documento n.º 2 do PPA).

F. Essa transmissão dos contratos de empréstimo em regime de conta corrente, referidos na alínea anterior, apresentava relativamente às sociedades D..., S.A., E..., S.A., e F..., S.A., um saldo inicial de € 16.745.823,00, € 10.218.322,23 e € 9.137.882,39, respectivamente.

G. Após 27 de Dezembro de 2005, foram realizados os fluxos financeiros constantes do documento 3, nºs. 4 e 5, com cobrança de juros sobre os montantes registados nas contas das três entidades agora participadas – D..., S.A, E..., S.A, e F..., S.A.

H. Em 27 de Dezembro de 2005, na contabilidade da Requerente constava um saldo devedora da sua participada F..., S.A., no valor de € 9.137.882,39, exactamente igual àquele que constava naquela data no activo da sociedade C... S.G.P.S., S.A.;

I. No dia 30 de Dezembro de 2005, a sociedade F..., S.A., utilizou pela primeira vez um crédito no valor de € 1.695,96 na conta que passou a manter directamente com a Requerente no contrato de financiamento entretanto celebrado entre estas duas entidades;

J. No dia seguinte, em 31 de Dezembro de 2005, a Requerente voltou a entregar à sociedade F..., S.A., uma quantia de € 995.801,31;

 

K. A sociedade mutuária F..., S.A., liquidou à Requerente o valor de € 37.303,63 em 12 de Janeiro de 2006, tendo, no final de 2005, liquidado o valor total de € 4.273.237,67.

L. No que se refere ao crédito contraído pela F..., S.A., junto da sociedade entretanto liquidada e dissolvida (C... S.G.P.S. S.A.), foi amortizada uma quantia total de € 5.045.313,52, pelo que existia à data de 31 de Dezembro de 2006 um saldo devedor referente ao crédito contraído junto da C... S.G.P.S. no valor de € 4.092.568,80.

M. Já entre a Requerente e a sua participada E..., S.A., em 27 de Dezembro de 2005, o saldo credor constante do contrato de empréstimo originariamente mantido entre a C..., S.G.P.S., S.A., e a sociedade E..., S.A., era igual a € 10.218.322,23;

N. Nas datas de 30 de Dezembro e 31 de Dezembro de 2005, a sociedade mutuária E..., S.A., utilizou crédito no valor de € 8.611,21 e € 2.593.868,61, respectivamente.

O. No final do ano de 2006, o crédito concedido pela Requerente à sua participada E..., S.A, encontrava-se totalmente amortizado (cfr. do Documento n.º 4 do PPA).

P. No que se refere ao crédito contraído pela E..., S.A., junto da C... S.G.P.S. S.A. foi amortizada uma quantia total de € 5.308.758,87, pelo que existia à data de 31 de Dezembro de 2006 um saldo devedor referente ao crédito contraído junto da C... S.G.P.S. no valor de € 4.909.563,36.

Q. Por fim, no que se refere às operações efectuadas no âmbito do contrato de abertura de crédito mantido entre a Requerente e a sociedade D..., S.A., na data de 27 de Dezembro de 2005 constava na contabilidade da Requerente um saldo no valor de € 16.745.823, exactamente igual àquele que constava naquela data no activo da sociedade C... S.G.P.S., S.A.;

R. No dia 28 de Dezembro de 2005, a sociedade D..., S.A., utilizou pela primeira vez um crédito no valor de € 3.000.000;

S. Entretanto, no dia 30 de Dezembro de 2005 a Requerente voltou a entregar à sociedade D..., S.A., uma quantia de € 23.883,28;

T. Contudo, no dia 28 de Dezembro de 2005, a sociedade D... S.A., havia reembolsado a Requerente no montante de € 18.885,30 a título de amortização do crédito entretanto concedido por esta última;

U. sociedade D..., S.A. procedeu a nova amortização no valor de € 10.500.000 no dia 31 de Dezembro de 2005.

V. No final do ano de 2006, o crédito concedido pela Requerente à sua participada D..., S.A. encontrava-se totalmente amortizado (Cfr. Documento n.º 5 junto com o PPA).

X. No que se refere ao crédito contraído pela D..., S.A., junto da sociedade C... S.G.P.S. S.A., foi amortizada uma quantia total de € 10.390.760, pelo que existia à data de 31 de Dezembro de 2006 um saldo devedor referente ao crédito contraído junto da C... S.G.P.S. no valor de € 6.355.063.

Y. A Requerente foi alvo de uma acção de inspecção tributária de âmbito geral, relativa ao exercício de 2006, na sequência da ordem de serviço OI2008... (cfr. art.º 18.º do PPA).

Z. No dia 15 de Março de 2009 a Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo n.º 2009... e das liquidações de juros compensatórios n.º 2009 .../.../.../.../... /.../.../.../.../.../.../..., resultantes da referida acção de inspecção (Cfr. Documento n.º 7), no montante total de € 121.872,66 e de € 12.100,58, respectivamente.

AA. Estes montantes foram pagos pela Requerente dentro do prazo de pagamento voluntário (Cfr. Documento n.º 8 do PPA).

BB. A Requerente apresentou, em 23 de Julho de 2009, Reclamação Graciosa contra as liquidações supra referidas (Cfr. Documento n.º 9).

CC. Em 18 de Agosto de 2010, na sequência do Despacho da Exma. Senhora Directora de Serviços (por subdelegação), veio a Autoridade Tributária a propor o indeferimento da Reclamação Graciosa contra a liquidação de Imposto do Selo n.º 2009 ... e das liquidações de juros compensatórios n.º 2009 .../... /.../.../.../.../.../.../.../.../.../... (Cfr. Documento n.º 10).

DD. A Requerente exerceu o direito de audição em requerimento apresentado no dia 30 de Agosto de 2010 (cfr. Documento n.º 11).

EE. Em 23 de Setembro de 2011 foi a Requerente notificada do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada (Cfr. Documento n.º 12).

FF. Em consequência, a Requerente apresentou, em 11 de Outubro de 2011, Recurso Hierárquico (cfr. Documento n.º 13).

GG. Por despacho proferido (por subdelegação) pela Directora de Serviços em 19 de Dezembro de 2018 e notificado em 21 de Dezembro de 2018, veio tal recurso a ser indeferido, mantendo-se na integralidade o entendimento originalmente propugnado pela Administração Tributária, (Cfr. Documento n.º 14).

 

3.2.        Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a apreciação do mérito da causa que hajam sido dados como não provados.

 

3.3.        Fundamentação

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos aos autos pelas Partes e nas posições por elas assumidas nos articulados por si apresentados.

 

4.            MATÉRIA DE DIREITO

4.1.        Questões a decidir

 

A primeira questão que importa decidir é a de saber se as operações financeiras efetuadas no âmbito de contratos de mútuo em conta corrente estabelecidos entre a Requerente e as sociedades por ela participadas, no período compreendido entre 1 de Janeiro e 26 de Dezembro de 2006, cabem na previsão das normas de isenção das alíneas g) e h) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, sendo que os referidos contratos de mútuo foram assumidos pela Requerente em 27 de Dezembro de 2005, na sequência da dissolução e liquidação por transmissão global do património de uma sociedade de que era accionista única.

 

A segunda questão que importa decidir, caso a resposta à primeira seja negativa, é a de saber se a determinação do montante sobre o qual a AT fez incidir o Imposto do Selo peca por excesso.

Caso alguma dessas questões tenha resposta positiva, importará ainda decidir sobre a aplicação de juros indemnizatórios.

 

4.2. Começando pela primeira questão a decidir, há que determinar se as operações financeiras efetuadas no âmbito de contratos de empréstimo em conta corrente estabelecidos entre a Requerente e as sociedades por ela participadas, no período compreendido entre 1 de  janeiro e 31 de Dezembro de 2006, cabem na previsão das normas de isenção das alíneas g) e h), n.º 1, do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, sendo que os referidos contratos de empréstimo foram assumidos pela Requerente, em 27 de Dezembro de 2005, na sequência da dissolução e liquidação por transmissão global do património de uma sociedade de que era acionista única.

 

4.3. As alíneas g) e h) artigo 7.º, do Código do Imposto do Selo (IS) na versão aplicável à data em que ocorreram os factos tributários, tinham a seguinte redação:

 

«1 - São também isentos do imposto:

(…)

g) As operações financeiras, incluindo os respectivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinados à cobertura de carência de tesouraria e efectuadas por sociedades de capital de risco (SCR) a favor de sociedades em que detenham participações, bem como as efectuadas por sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) a favor sociedades por elas dominadas ou a sociedades em que detenha participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º e nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, e, bem assim, efectuadas em benefício da sociedade gestora de participações sociais que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo.

h) As operações financeiras, incluindo os respectivos juros, referidas na alínea anterior, quando realizadas por detentores do capital social a entidades nas quais detenham directamente uma participação no capital não inferior a 10% e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade durante um ano consecutivo ou desde a constituição da sociedade participada, contanto que, neste último caso, a participação seja mantida durante aquele período. (…)» (sublinhado nosso).

 

Assim, do disposto na alínea g) do artigo 7º do CIS beneficiam de isenção as operações financeiras efetuadas por sociedades de capital de risco (SCR) e por sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) a favor de sociedades dominadas ou em que detenham participações, e as operações financeiras efetuadas em benefício de uma SGPS por sociedades que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo, desde que verificados cumulativamente dois requisitos:

 

                (i) o prazo das operações não exceda um ano; e

(ii) sejam destinadas exclusivamente à cobertura de carências de tesouraria.

 

4.4. Na fundamentação das liquidações impugnadas, constante do RI, a AT não questiona a verificação do segundo pressuposto, mas apenas do primeiro (prazo).

 

 Assim sendo e atenta a factualidade assente, constata-se que o que está em causa é saber se assiste razão à AT, ou seja, se o pressuposto do período de detenção por um ano consecutivo das participações da Requerente nas sociedades suas participadas, em concreto na sociedade que se extinguiu após a transmissão global do seu património para  a sociedade mãe, se verifica ou não.

 

Segundo o entendimento da Inspeção Tributária, sufragado pela Direcção de Finanças competente, o requisito temporal não está devidamente preenchido uma vez que considera estar perante empresas já constituídas, onde se exige que a titularidade da participação tenha que ser mantida durante, pelo menos, um ano consecutivo. A AT concluiu que só depois de decorrido o período de um ano após a transmissão global do património, se verificaria o pressuposto temporal para a aplicação da isenção. A Requerente advoga outro entendimento, entende que no caso concreto o requisito do prazo está cumprido, pelo que invoca a ilegalidade das liquidações impugnadas.

É, pois, esta a questão central a decidir por este Tribunal arbitral.

Acompanhando, ainda, o raciocínio da AT e a sua interpretação do disposto na alínea g) do artigo 7.º do CIS, a Requerente não pode beneficiar da isenção aí prevista, porquanto conforme consta do RIT (Ponto III-2):

«[…] o sujeito passivo, por força da dissolução da ...[C..., SGPS, S.A.], passou a deter participações nas empresas […] na percentagem de 100%. Se o primeiro requisito está devidamente preenchido, já relativamente ao segundo não podemos afirmar o mesmo, dado estarmos perante empresas já constituídas, onde se exige que a titularidade da participação tenha que ser mantida durante, pelo menos, um ano consecutivo, e de onde se conclui que só depois de decorrido esse período, o qual constitui um pressuposto da aplicação da isenção, se poderá considerar aplicável a isenção. Assim, o elemento decisivo para que as operações financeiras em causa sejam afastadas da isenção consagrada na alínea h), n.º 1 do artigo 7.º do CIS, reside no incumprimento do requisito temporal, i.e., do prazo de detenção das participações adquiridas pela Requerente, na sequência da dissolução e liquidação por transmissão global do património de uma sociedade de que era acionista única, ocorrida em 27-12-2005.»

 

Em suma, na óptica da AT, a transmissão global do património produz efeitos jurídicos distintos da fusão. Admite expressamente no relatório fundamentador que, “contrariamente ao que sucede com a fusão, onde a dissolução sem liquidação das entidades absorvidas permite manter a atividade através da entidade incorporante, subsistindo, assim, o ciclo de vida destas empresas, embora de forma nova na pessoa da nova sociedade, com a verificação do encerramento e liquidação não se observa essa continuidade, considerando-se a sociedade dissolvida e liquidada extinta.”

Em consequência conclui que o prazo de detenção dos ativos financeiros na titularidade da anterior sociedade não aproveita à sociedade incorporante.

 

4.5 Ora, tal argumento falha por assentar num equívoco quanto ao conceito técnico jurídico de fusão, bem assim como o de transmissão global do património, que têm de ser devidamente analisados. Foi este equívoco na interpretação dos conceitos técnico jurídicos em causa, que conduziu à desconsideração do prazo de detenção dos ativos financeiros na titularidade da sociedade incorporada, uma vez que considera que a forma jurídica da “transmissão global do património” não é equivalente a fusão e, como tal, o prazo previsto como pressuposto para  a isenção inicia a sua contagem após a realização da transmissão, não aproveitando o prazo decorrido anteriormente, na titularidade da empresa extinta. Dito de outro modo, resulta da exposição de motivos vertida no RI que, na óptica da AT, em caso de fusão a Requerente beneficiaria da isenção pois aproveitaria o prazo entretanto decorrido na titularidade da anterior empresa. Porém, considera que a transmissão global do património da sociedade participada para a sociedade mãe não consubstancia uma fusão. É, pois, em torno deste conceito jurídico que reside a solução para o caso em apreço.

 

4.6. Posto isto, constata-se que no caso dos presentes autos, a liquidação da C... SGPS, S.A, foi feita através da transmissão global de todo o património, ativo e passivo da sociedade participada para a sociedade mãe detentora de 100% do seu capital social há vários anos. Nesta matéria há que ter em conta as formas jurídicas previstas no Código das Sociedades comerciais (CSC) aplicável a transformação e reestruturação de sociedades e de grupos de sociedades. E, não há dúvida que a transmissão global do património consubstancia um dos tipos possíveis de operar uma fusão. É nesta categoria jurídica que se insere o tipo de negócio jurídico e análise.  

 

 A este propósito, Paulo Olavo, refere que “a fusão é a reunião de duas empresas numa só.”   Por sua vez, é possível distinguir entre diferentes tipos de fusão, dos quais a designada “fusão por incorporação, a qual pode ocorrer por absorção, isto é, mediante a transferência global do património de uma ou mais sociedades para outra (…)”  

 

No caso em apreço ocorreu uma transmissão do património global da participada para a sociedade mãe, a qual detinha há vários anos a totalidade do capital social da primeira, o que corresponde, precisamente, a uma fusão por incorporação.

 Não se vê por isso, qual a base legal ou doutrinal inspiradora da AT para concluir nos termos sobre expostos, face à factualidade concreta apurada nos autos. Não se vislumbra outra qualificação para a operação efetuada senão a de uma fusão por incorporação a qual ocorre pela transmissão global do património da associada na sociedade mãe.

Assim, e ao contrário da posição defendida pela AT a transmissão global do património, nas condições concretas em que ocorreu, representa uma operação de transformação societária de fusão por incorporação, cujos efeitos jurídicos consistem numa mera transmissão de todos os ativos e passivo da sociedade incorporada a favor da incorporante, mantendo-se a atividade e todos os seus direitos e deveres intactos embora na titularidade da sociedade incorporante ou sociedade mãe.

 

Ficou provado, ainda, que a sociedade mãe detinha o capital social integral da sociedade incorporada, desde sempre. Pelo que, todos os ativos, incluindo os direitos sobre os contratos de empréstimo em causa nos presentes autos persistiram, agora na titularidade da sociedade mãe, sem qualquer outra alteração substancial. Sendo assim, todos os direitos e obrigações transmitidas para a sociedade incorporante se mantêm, com todos os seus efeitos jurídicos sem qualquer alteração, incluindo os prazos de detenção dos respetivos direitos. Mesmo considerando que após a fusão por incorporação se extingue juridicamente a sociedade incorporada, isso em nada altera a realidade material subjacente à atividade da sociedade incorporada, a qual se mantém na titularidade da sociedade incorporante.

 

4.7 Chegados aqui, resta enquadrar as consequências desta operação no que respeita à verificação do prazo de um ano previsto no artigo 7º do CIS. Alega a AT que no caso da fusão a isenção poderia operar e no caso da transmissão integral do património isso não sucede por força da extinção da empresa que se extingue após a transmissão. A liquidação também pode ser feita por transmissão global que, sendo um processo simplificado de liquidação, é mais rápida do que o normal. De todo o modo, o mesmo sucede em qualquer processo de fusão.

 

A transmissão global consiste na transmissão, para algum ou alguns sócios, de todo o património, activo e passivo, da sociedade e tem de estar prevista no contrato de sociedade ou ser objecto de uma deliberação unânime dos sócios (art. 148.º, n.º 1), tomada antes de ter sido realizada alguma operação de liquidação, e mediante acordo escrito de todos os credores sociais, que, desta forma, veem os seus interesses protegidos (não havendo acordo escrito de todos os credores, se ainda assim se tenha efectivado a transmissão global, esta é considera nula). A contrapartida da transmissão pertence à sociedade, devendo ser partilhada entre os outros sócios.

Como bem refere Diogo Costa Gonçalves , na Fusão o feito extintivo não é determinante, nem se deve confundir fusão com extinção de uma sociedade. A fusão corresponde, antes, à reunião na sociedade incorporante ou na nova sociedade que seja criada para o efeito, dos elementos patrimoniais e pessoais da sociedade incorporada.  Não se vê, pois, diferença entre os efeitos da fusão e da transmissão global do património, como sucedeu no caso dos autos, que possa determinar a disparidade de tratamento entre uma situação e a outra. 

 

4.8. Importa assim, por fim, concluir em conformidade com o que vem exposto. Ora, uma interpretação teleológica do artigo 7º do CIS, nomeadamente, da conjugação do disposto nas alíneas g) e h) do referido artigo, verifica-se que a exigência dos dois requisitos cumulativos para o gozo da isenção [i) que as operações financeiras tenham sido realizadas por detentores de capital social a entidades nas quais detenham directamente uma participação no capital de pelo menos 10% e (ii) e que esta participação não inferior a 10% tenha permanecido na sua titularidade durante um ano consecutivo].

Constata-se que, não obstante a data da transmissão operada entre a sociedade C... S.G.P.S., S.A. e a sociedade mãe, como consequência da transferência do conjunto do activo e do passivo do seu património para a esfera da Requerente, esta era já ao tempo em que ocorre a transmissão, detentora da totalidade das partes representativas do capital social daquela, nos termos do artigo 148.º do CSC.

 

Assim, como bem alega a Requerente, esta operação deve ser considerada como uma aquisição originária para efeitos de verificação do prazo a que alude o artigo 7º do CIS, computando-se para o efeito o período que antecede a extinção da sociedade C... S.G.P.S., S.A. Trata-se de uma transferência global do activo e passivo da sociedade liquidada para uma única beneficiária, a Requerente, detentora da globalidade das participações sociais da C... S.G.P.S., S.A.. Outro entendimento desvirtuaria a ratio legis da norma jurídica do artigo 7º do CIS, a qual, ao consagrar a isenção de IS nas condições aí estatuídas, pretende desonerar de imposto as operações de mera reestruturação jurídica dos grupos de sociedades, de modo a proteger os ganhos de eficiência económica e administrativa subjacentes.

 

No caso em apreço, com a transmissão global do património para a esfera da sociedade mãe, que já detinha a totalidade do capital da sociedade, nada muda, incluindo a atividade que por esta era desenvolvida e que vai manter-se, agora na esfera jurídica da sociedade mãe, ou, dito de outro modo, embora juridicamente a sociedade incorporada se extinga, não estamos perante uma extinção e liquidação do património com cessação da sua atividade e incorporação numa nova sociedade criada para o efeito. Não é essa a factualidade subjacente à operação efetuada.

 

É absolutamente claro que se trata de mera incorporação do património da sociedade incorporada na sociedade incorporante, em cuja esfera se manterá a atividade desenvolvida e todos os ativos e passivo da sociedade incorporada. Sendo que tudo isto acontece, num contexto de reestruturação jurídica do grupo, pois que a sociedade mãe (incorporante) já era, há longa data e há muito mais de um ano, a única accionista da sociedade incorporada.

 

4.9. Ainda quanto à aplicação do princípio da neutralidade fiscal, que a AT questiona no caso concreto em apreço, há que ter em devida conta os objetivos subjacentes aos normativos do CSC aplicáveis aos grupos de sociedades. Este princípio é estruturante e transversal em sede de aplicação das normas fiscais, reforçado pela consagração constitucional contida na alínea f) do artigo 81º da CRP.

 

Acompanha-se, assim, o entendimento referente  ao princípio da neutralidade fiscal invocado pela Requerente, segundo o qual, o princípio não deverá ser entendido como sendo de aplicação exclusiva às operações de fusão, cisão e entrada de activos – “isto porque, respeitando o princípio de continuidade da actividade empresarial, sempre que estejamos perante operações cuja substância económica seja idêntica às operações de fusão, cisão e entrada de activos deverá aplicar-se igualmente o princípio da neutralidade fiscal, seguindo igualmente o entendimento, definido administrativamente, que perante operações deste tipo tal princípio deverá ser respeitado em todas as normas referentes ao período de contagem da detenção das participações.”

 

Dito de outro modo, o princípio da neutralidade prende-se com a correcção de distorções, quando estas ocorram, de modo a garantir a proteção das meras operações de transformação jurídica das sociedades. Considerando o regime aplicado ao grupo de sociedades, diremos que, uma vez que, no caso, no âmbito do tratamento de operações que visam a reestruturação ou a racionalização da actividade das empresas, de modo a garantir a sua competitividade e maior eficácia para enfrentar com sucesso os desafios do mercado global, o legislador pretendeu valorizar a substância destas operações independentemente da forma com que são revestidas. A estes desideratos acresce um outro que é o de garantir a verdade material das operações de transformação jurídica de sociedades, de modo a não penalizar fiscalmente essas operações quando estas ocorram no seio do mesmo grupo de sociedades, como é o caso da requerente.

 

Uma última referência quanto ao argumento invocado pela AT, em conformidade com o entendimento vertido no Relatório da Inspeção (RI), segundo o qual em sede de Imposto do Selo inexiste preceito semelhante ao existente no CIRC sobre neutralidade fiscal. E, acrescenta ainda a AT, que “Tão-pouco, o legislador remete para um regime de neutralidade que permitisse reportar a data de aquisição das participações pela Requerente à data em que foram adquiridas originariamente pela sociedade dissolvida e liquidada, à semelhança do que se encontra previsto no artigo 18.º-A do Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro e no novo artigo 47.º-A do Código do IRC. (…) Ou seja, na previsão do regime da neutralidade fiscal não se incluem as operações de dissolução com liquidação. (…) O que expressamente consta na Circular n.º 8/2004 da DSIRC referida pela Requerente. Posto isto, não faz sentido, por falta de sustentação legal e violação do princípio da legalidade, a pretensão da Requerente de transpor para a alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, os efeitos em termos de contagem do prazo de detenção de participações sociais, do regime da neutralidade fiscal consagrado no Código do IRC para operações aí especificamente definidas e onde não cabe a operação de liquidação por transmissão global, prevista no art.º 148.º CSC.”

 

Ora, apesar desta não ser uma questão determinante para o sentido desta decisão arbitral, impõe-se registar que o princípio da neutralidade fiscal é transversal aos diferentes campos de intervenção do Direito Fiscal. Como bem refere Casalta Nabais,  o princípio da neutralidade fiscal decorre expressamente do disposto no artigo 81º, alínea f) da Constituição da República Portuguesa. Deste princípio decorre, como consequência, a não interferência do Estado, no plano fiscal e económico, no que respeite à liberdade de gestão e reestruturação das empresas, sempre com respeito pelos limites impostos pela Lei. O legislador Constitucional pretendeu salvaguarda a liberdade económica, a livre concorrência e a eficiência de organização económica. económica. Logo, a neutralidade fiscal é algo que deve ser garantido legalmente nos diferentes planos da fiscalidade interna e europeia. Aliás, o princípio da neutralidade fiscal tem, também, forte inspiração europeia, quer por influência do direito comunitário, originário e derivado.

 

Por isso este princípio é transversal e deve servir de referência na interpretação e aplicação da norma fiscal, nomeadamente no que respeita às diferentes formas de reestruturação jurídica possíveis. Também nesta matéria encontramos na sua base inspiradora o princípio da neutralidade fiscal e da promoção da eficiência de gestão, a qual não deve ser penalizada fiscalmente. Pretende, assim, o legislador isentar de tributação as situações de mera reestruturação empresarial, que se distinguem claramente, de situações abusivas como planeamento fiscal abusivo ou operações de engenharia financeira ou empresarial concebidas e implementadas apenas e só com o propósito de fuga ao fisco.

 

Ora, retornando ao caso concreto conclui-se que o princípio da neutralidade fiscal foi invocado pela Requerente no contexto de uma transmissão global do património de uma sociedade participada para a sociedade mãe, que, à data da transmissão, detinha 100% do seu capital social. O que significa que a transmissão global do património não gerou na esfera da sociedade incorporante (sociedade mãe) qualquer vantagem económica, nem sequer alteração substancial do seu património, porquanto ele já lhe pertencia antes da transmissão, Eis a razão pela qual o legislador consagrou expressamente, no caso da fusão, o princípio da neutralidade fiscal como fundamento para a consagração da isenção de tributação. Princípio que se aplica ao caso agora em apreço, tanto mais que a transmissão global do património, como vimos, consubstancia uma fusão por incorporação. 

 

4.10. Finalmente, importa referir que as conclusões que vêm expostas decorrem da mera interpretação da lei e da correta qualificação da natureza jurídica da operação de transmissão global do património da sociedade participada para a sociedade mãe, pelo que carecem de sentido as alegações da Requerida sobre a excecionalidade dos benefícios fiscais, a sua obediência ao princípio da legalidade fiscal, e bem assim à proibição da analogia para integração de lacunas, uma vez que não se aplicam ao caso concreto.

 

4.11 Por tudo o que vem exposto, no caso em apreço, do ponto de vista material, não há dúvida que com a incorporação do património e actividade da sociedade participada na esfera jurídica da sociedade Requerente nada muda em relação à realidade anterior à incorporação. Recorde-se que a sociedade incorporada era detida em 100% pela sociedade Requerente, pelo que, substancialmente, nada mudou. Como bem alega a Requerente “existiam efectivamente duas sociedades com um único interesse social que se concentram numa única subordinada ao mesmo interesse com manutenção do património, activos, passivos e actividade. Com a operação de transmissão global do património por parte da C... S.G.P.S., S.A., para a ora Requerente, deverá, atendendo a uma interpretação teleológica e sistemática considerar-se que o período de contagem de detenção das participações das sociedades participadas pela Requerente se reporta ao início de detenção das participações por parte da sociedade entretanto liquidada e dissolvida (C... S.G.P.S., S.A.).”

 

4.12 Face ao que vem exposto e sendo certo que o artigo 7º do CIS não se refere a uma forma especifica de realização do negócio de reestruturação jurídica, apenas impõe um prazo de um ano de manutenção das ditas participações financeiras, há que aferir se este prazo deve ou não considerar-se, no caso concreto, como verificado. Ora, considerando que a sociedade mãe (incorporante) era a única acionista da sociedade incorporada pela transmissão global do património e. por via desta operação jurídica, todo o ativo e passivo passa da primeira para o património da segunda, há que apurar se se trata de uma aquisição originária ou derivada. O critério para a distinção assenta na onerosidade ou não da transmissão dos ativos.

 

No caso em apreço, mais uma vez, constata-se que a operação de transmissão global do património se afigura como uma operação não onerosa, dado que todo o capital social da sociedade incorporada era já titularidade da sociedade mãe. Logo, esta, dado que detinha a totalidade do capital social da sociedade incorporada, era já detentora dos ativos na titularidade desta última. Assim sendo, os empréstimos em conta corrente objeto de tributação em IS impugnada nestes autos, eram desde há muito um ativo da na titularidade da sociedade Requerente e da sociedade mãe.

Ao que vem exposto  acresce um outro argumento decisivo a favor da verificação do pressuposto temporal para operar a isenção prevista no artigo 7º do CIS, e que é o seguinte: do relatório fundamentador resulta que a própria Autoridade Tributária afirma que “o sujeito passivo deveria ter liquidado imposto do selo durante o período de um ano que decorre da data de 2005-12-27 (data da aquisição das participações ainda que por dissolução de uma sua participada) até 2006-12-26 e só a partir de 2006-12-27 é que reúne as condições para que lhe seja concedida a referida isenção”.

A AT segue um critério de interpretação formal da referida isenção, pois o que se passa é uma fusão na perspectiva material. Com efeito, atento o disposto no artº. 97º. Do CSC, a fusão, como refere António Menezes Cordeiro  “compreende uma dimensão objectiva: a reunião de uma ou mais sociedades em uma única estrutura societária, com a transmissão global do património e uma dimensão subjectiva a aquisição da qualidade de sócio da sociedade beneficiária do processo”.

No caso presente, a dimensão objectiva traduz-se apenas na transmissão global do património, pois por força da ausência de dimensão subjectiva, atento o facto de a sociedade incorporada já ser detida a 100% pela sociedade incorporante, essa reunião faz-se pela simples incorporação da sociedade extinta na sociedade dominante.

É este entendimento que se encontra plasmado no artº. 73º., nº. 1, al. c) do CIRC e até se alcança dos elementos dos autos, que a organização beneficiária da fusão continuou a actividade de gestão das participações sociais que a sociedade incorporada já fazia, incluindo a gestão de contratos de empréstimo.

E não obsta a esta fusão o facto de a sociedade incorporada ter sido dissolvida, pois nos termos do nº. 2 do artº. 97º. do CSC essa situação não é relevante.

Deste modo, com o património incorporado de que fazem parte, como activo as participações sociais das sociedades que eram detidas pela sociedade holding e a titularidade dos contratos de empréstimo por esta celebrados, pode dizer-se que a partir da fusão a nova sociedade continua a detenção directa que lhe foi transmitida pela sociedade fundida, podendo beneficiar dos benefícios fiscais das sociedade fundidas (artº. 75º.-A do CIRC), atento o regime fiscal aplicável às fusões, porque preenchidos os requisitos do artº. 74º., nº. 3 do CIRC.

Deste modo, tudo se passa como houvesse a detenção das participações sociais das sociedades devedoras por parte da sociedade que incorpora por fusão a sociedade holding, desde a data da constituição das sociedades devedoras e no montante da respectiva participação.

Podemos concluir com segurança que com a fusão a contagem do prazo de mais de um ano retroage-se ao momento em que a sociedade participada foi constituída, pelo que a detenção dessas participações sociais é desde essa altura directa.

Ora, se assim é, não podemos deixar de dar razão à Requerente também quando vem alegar que “se em 27 de Dezembro de 2006 a Requerente já reunia as condições para que lhe fosse concedida a isenção, como afirma a Requerida, e porque o Imposto do Selo relativo ao mês de Dezembro de 2006 só é devido no respectivo dia 31, último dia do mês e do ano, é forçoso concluir que no mês de Dezembro não é constituída qualquer obrigação fiscal relativa ao Imposto do Selo sobre os contratos em análise.”

 

Assim sendo, quer os empréstimos em conta corrente celebrados entre a Requerente e agora, após a incorporação da participada, por transmissão global do património, na sociedade mãe, ainda, quer os respetivos juros, estão isentos de imposto do selo, uma vez que:

• já se encontravam na titularidade direta da sociedade incorporada por prazo superior a um ano, bem assim como da sociedade incorporante (sociedade mãe) que detinha 100% do capital social da a primeira há muito mais de um ano e, por último, porque a aquisição das participações (ainda que se considere por dissolução de uma sua participada) ocorreu em 2005-12-27;

Acresce, como já se disse, que estão também verificados os outros pressupostos legais para operar a isenção de imposto, a saber:

• as aquisições foram efetuadas por sociedades detentoras de capital social a favor de sociedades sobre as quais detenham diretamente uma participação no capital não inferior a 10% e a participação tenha permanecido na sua titularidade durante um ano consecutivo (no caso concreto a transmissão ocorreu a favor de sociedade que detinha 100% do capital social)

• Destinados exclusivamente à cobertura de carência de tesouraria.

 

A AT reconhece, aliás, sem margem para dúvida que estes dois últimos requisitos se verificam. Porém, apesar de todo o enquadramento factual que vem exposto, a AT entende que, “embora os pressupostos para reconhecimento da isenção inicialmente estivessem presentes no período em que a C... SGPS, S.A. se encontrava em atividade, deixaram de se verificar com o encerramento e liquidação. E os requisitos agora exigidos após a transmissão global do património para que fosse reconhecida a isenção de imposto do selo não se têm por preenchidos, atento inexistir detenção das participações pelo período de um ano. Só quando esse ano se perfizer (a partir de 27-12-2006) é que será possível aplicar a isenção.”

 

Ora, por tudo o que vem exposto, ao concluir deste modo e, por via disso, ao emitir as liquidações de IS aqui impugnadas, a AT incorreu em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, no que concerne à aplicação do artigo 7º, alíneas g) e h) do CIS. Pelo que as liquidações enfermam de ilegalidade e devem ser anuladas. Assim sendo, devem proceder os pedidos formulados pela Requerente.

 

Finalmente, mesmo que assim se não entendesse, considerando o exposto e as circunstâncias concretas do caso, amplamente explanadas e descritas, sempre seria de dar razão ao contribuinte por força de uma interpretação do artigo 7.º, alíneas g) e h), do CIS, em conformidade com a Constituição, por força do princípio da igualdade, o qual exige tratamento igual de situações substancialmente iguais.

 

Face à conclusão e resposta dada à primeira questão de direito a decidir fica prejudicado o conhecimento da segunda questão enunciada.

 

Quanto ao pedido de reembolso das quantias pagas acrescido de juros indemnizatórios peticionados pela Requerente:

 

4.13. No seu pedido a requerente peticiona a anulação das liquidações, por ilegalidade, com todas as consequências legais, designadamente, a condenação da AT a restituir à Requerente as quantias indevidamente pagas, acrescidas de juros indemnizatórios vencidos e vincendos, desde a data do respetivo pagamento até à data da sua integral restituição.

 

 O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Estabelece, por sua vez, o n.º 1 do artigo 43.º da LGT que são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, o erro na aplicação do direito aos factos comprovados nos autos, é imputável à AT, porquanto podia e devia ter procedido revogação dos atos tributários. Assim, não há dúvida que o valor de imposto liquidado foi de sua exclusiva responsabilidade, bem assim como a não revogação da liquidação adicional ilegal. Daí resultou o pagamento indevido de imposto, nos termos supra expostos.

 

Assim, tendo a liquidação sido resultado do erro com a consequente violação de lei, praticado por iniciativa da AT, conclui-se que tal erro lhe é inteiramente imputável, por se encontrarem preenchidos os pressupostos contidos no artigo 43º da LGT.

Tem, pois, a requerente direito a ser reembolsada da quantia que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e n.º 1 do artigo 24.º do RJAT) e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data do pagamento da quantia, até reembolso efetivo da mesma, à taxa legal supletiva, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 43.º e n.º 10 do artigo 35.º da LGT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

5.              DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

a)            Julgar procedentes os pedidos formulados pela Requerente neste processo arbitral, com a consequente declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo e de juros compensatórios, impugnadas nestes autos, com todas as legais consequências, nomeadamente o reembolso das quantias pagas acrescidas de juros indemnizatórios à taxa legal, contabilizados até integral execução da decisão arbitral.

b)           Condenar a parte vencida no pagamento das custas arbitrais.

 

6.            Valor do processo

 

Quando seja impugnado um acto de liquidação, o valor da causa é o da importância cuja anulação se pretende, que corresponde à utilidade económica do pedido. Assim, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 306.º do CPC, no artigo 97.º-A do CPPT e ainda no n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 133.973,24 (cento e trinta e três mil, novecentos e setenta e três euros e vinte e quatro cêntimos).

 

7.            Custas

 

Para os efeitos do disposto no artigo 12.º do RJAT e do n.º 1 do artigo 2.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00 (três mil e sessenta euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 14 de Fevereiro de 2020

 

A Árbitro Presidente

(Fernanda Maçãs)

 

O Árbitro Adjunto,

(José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora)

 

O Árbitro Adjunto,

(Maria do Rosário Anjos)            

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da al. e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e com a grafia anterior ao dito Acordo Ortográfico de 1990.