Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 179/2019-T
Data da decisão: 2019-11-11   Outros 
Valor do pedido: € 12.346,44
Tema: CSB – Contribuição sobre o sector bancário; Contribuição financeira; Vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

1. No dia 3.12.2019, a Requerente, A..., S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, com o número único de pessoa coletiva ... e com morada na ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, sucursal em Portugal do B..., S.A, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação  do ato de autoliquidação da Contribuição sobre o Sector Bancário relativa ao ano de 2017  e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que apresentou contra aquele ato.

A requerente peticiona, ainda, a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios sobre o valor da autoliquidação, que alega ter pagado.

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 27 de maio de 2019.

 

 

3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:

a.            O regime legal da CSB é inconstitucional por violação da reserva de lei parlamentar pois que as taxas da CSB e a sua base de incidência, dois dos mais relevantes aspetos essenciais dos tributos, foram fixadas por uma portaria e não por lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei autorizado por lei da Assembleia da República.

b.            Tal regime legal é, também, inconstitucional por violação do princípio da igualdade tributária, na vertente do princípio da equivalência, uma vez que é manifesto que não existem quaisquer presunções, nem mesmo difusas ou presumidas, que sejam provocadas ou sequer aproveitadas pela Requerente.

c.            Ademais, o princípio da equivalência é também violado tendo em conta que a receita da CSB está consignada ao Fundo de Resolução Português que financia exclusivamente medidas de resolução de instituições de crédito residentes em Portugal ou entidades sujeitas às medidas de resolução do Banco de Portugal – que não é o caso de sucursais UE.

d.            Acresce ainda que este regime, aplicado especificamente à Requerente, por ser sucursal de uma Instituição Bancária residente noutro Estado Membro da UE, viola, também, o Direito da União Europeia.

e.            Por um lado, porque viola a proibição de descriminação e a liberdade de estabelecimento, uma vez que as regras de determinação da base de incidência da CSB preveem, grosso modo, a tributação das sucursais UE em sede de CSB sobre o seu passivo «bruto», sem qualquer dedução, designadamente relacionada com capitais próprios, enquanto as mesmas regras de determinação da base de incidência da CSB para as entidades residentes preveem grosso modo, a tributação das entidades residentes em sede de CSB sobre o seu passivo «líquido», permitindo a dedução, designadamente relacionada com os seus capitais próprios.

f.             Acresce que a Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Maio de 2014, que criou um regime harmonizado a nível europeu para a recuperação e resolução de instituições de crédito estabeleceu, também, os critérios legais para a fixação e cálculo das contribuições que as Instituições de Crédito teriam que suportar para o financiamento dos mecanismos nacionais de financiamento das medidas de resolução e para efeitos do financiamento do Fundo Único de Resolução.

g.            Porém, o regime legal da CSB, e os atos de liquidação da CSB daí decorrentes, não cumprem os critérios estabelecidos nesta Diretiva, o que significa que o regime legal português da CSB (atualmente em vigor) perpetuou uma contribuição sui generis, não prevista no âmbito da Diretiva, criando situações de dupla tributação internacional e de violação da concorrência livre, igual e não falseada que enforma o Direito da União Europeia.

h.            Mas mesmo que assim não se entendesse, ou seja, ainda que se concluísse que a CSB é enquadrável e compatível com a Diretiva 2014/59/UE, o que manifestamente não é o caso, então sempre se teria de referir que a Requerente está expressamente excluída da sujeição daquelas contribuições pois, nos termos do artigo 1.º da Diretiva 2014/59/UE, apenas as sucursais de instituições estabelecidas ou situadas fora da União Europeia são sujeitas às regras e procedimentos relativos à recuperação e resolução aí previstos pelo que, de acordo com o art.º 103.º da mesma Diretiva, somente àquelas podem ser impostas as contribuições periódicas (ex ante).

i.             Acresce que, para além da referida violação da Diretiva 2014/59/UE, a imposição desta contribuição à Requerente cria uma verdadeira situação de dupla tributação internacional, em si mesma e pelas suas circunstâncias, também violadora da Diretiva, uma vez que,  o B... é sujeito passivo no Luxemburgo das contribuições previstas na Diretiva 2014/59/UE, sendo que a base de incidência daquelas contribuições, em particular das previstas no artigo 103.º da Diretiva, é formada pelo respetivo passivo na globalidade, em que se inclui o passivo respeitante à Requerente, assim como o passivo das suas restantes sucursais localizadas noutros Estados-Membros da União Europeia.

j.             Nestes termos, é possível concluir que o passivo da Requerente será sempre duplamente tributado, uma vez em Portugal através da CSB e, de novo, no Luxemburgo, através das contribuições previstas na Diretiva, o que não é admitido nos termos da Diretiva, nem faz qualquer sentido no enquadramento europeu harmonizado sobre esta matéria que existe hoje em dia assim se concluindo, de novo,  no sentido de que a CSB se mostra manifestamente violadora da Diretiva 2014/59/UE

k.            Nestes termos deverá o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado procedente por provado e, consequentemente, deverá ser anulada a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada e anulado o ato subjacente de autoliquidação da Contribuição sobre o Sector Bancário referente ao passivo apurado em 2017 e paga pela Requerente em 2018, devendo a AT ser condenada ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

4. A Requerida – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se, em síntese, com os fundamentos seguintes:

Por exceção,

 

a.            Nos termos do disposto no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, a Administração Tributária vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD no que se refere à apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, que se encontrem referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 Janeiro, com exceção de pretensões elencadas nas diversas alíneas desse artigo, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição.

b.            Dado que a CSB é uma contribuição financeira, como uniformemente os tribunais tributários (bem como o tribunal arbitral na decisão arbitral n.º 347/2017-T) se têm vindo a pronunciar, o tribunal arbitral será materialmente incompetente para a apreciação do dissídio.

c.            Face ao exposto, nos termos conjugados dos artigos 4.º n.º 1 do RJAT e o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, o tribunal será materialmente incompetente para apreciar o mérito da presente causa, pelo que deve a Requerida ser absolvida da instância, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, o qual obsta ao conhecimento do pedido e a absolvição da instância da AT, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.ºs 1 e 2 do CPC ex vi artigo 2.º alínea e), do CPPT e artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

Por impugnação,

 

d.            Foi a Lei n.º 55-A/2010 que determinou os elementos essenciais da contribuição, nomeadamente no tocante à incidência subjetiva e objetiva e as taxas aplicáveis, deixando para a Portaria n.º 121/2011 a densificação dos conceitos relevantes para a determinação da base de incidência, pelo que foi dado cumprimento ao estatuído no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição, não se verificando a alegada violação da reserva de lei parlamentar.

 

e.            O objetivo que presidiu à criação da contribuição para o sector bancário foi o de criar um tributo com o duplo propósito de reforçar o esforço fiscal feito pelo sector financeiro e de mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos que lhe estão associados, assim se evitando que sejam os contribuintes a suportar as perdas e os encargos gerados pelo sector bancário, não havendo motivo para considerar verificada a violação do princípio da equivalência, entendido como um meio de impedir que se introduzam nos tributos comutativos diferenciações alheias ao custo ou ao benefício.

f.             O cálculo da base de incidência da contribuição sobre o sector bancário não toma como ponto de partida o valor total do passivo deduzido do valor dos capitais próprios - como se pretende fazer crer - , mas antes o valor do passivo deduzido do valor dos elementos que, embora fazendo parte integrante do passivo que figura no balanço, têm características de capital próprio, sendo assim de refutar a ideia de que há um alargamento da base tributável das sucursais.

g.            E, assim, não se deteta nos normativos que constituem o regime jurídico da contribuição sobre o sector bancário qualquer tratamento desfavorável das sucursais de instituições de crédito com sede em Estados Membros da União Europeia suscetível de violar a liberdade de estabelecimento consagrada no artigo 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

h.            Por outro lado, as chamadas contribuições periódicas ou ex ante têm natureza jurídica diversa da CSB, pois este tem a natureza de tributo aplicável a todas as instituições de crédito que operem em território nacional, ao passo que as contribuições periódicas apenas são devidas pelas instituições participantes no Fundo de Resolução.

i.             Estabelece o nº 6 do  art. 100º da Diretiva  2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de maio de 2014 que: “ Não obstante o n. o 5 do presente artigo, para efeitos do cumprimento das obrigações que lhe incumbem por força do n. o 1 do presente artigo, um Estado-Membro pode criar os seus mecanismos nacionais de financiamento através de contribuições obrigatórias das instituições autorizadas no seu território, contribuições essas que devem basear-se nos critérios a que se refere o artigo 103º, nº 7, e que não podem ser detidas através de um fundo controlado pela sua autoridade de resolução, desde que se encontrem preenchidas cumulativamente as seguintes condições:

(…)

Para efeitos do presente número, os meios financeiros disponíveis a ter em conta para atingir o nível-alvo especificado no artigo 102º podem incluir as contribuições obrigatórias provenientes de um regime de contribuições obrigatórias criado por um Estado-Membro entre 17 de junho de 2010 e 2 de julho de 2014, pagas pelas instituições no seu território para efeitos de cobertura dos custos relacionados com o risco sistémico, a situação de insolvência e a resolução das instituições, desde que o Estado-Membro cumpra o presente título. As contribuições para os sistemas de garantia de depósitos não são contabilizadas para o nível-alvo dos mecanismos de financiamento da resolução previstos no artigo 102º”, donde se retira que a sujeição da Requerente à CSB tem respaldo em disposição especifica da diretiva e, assim sendo detetável qualquer vício conducente à anulação do ato de liquidação ora impugnado com tal fundamento.”

j.             Quanto à alegada ocorrência de  dupla tributação  internacional, por o B... ser sujeito passivo no Luxemburgo das contribuições previstas na Diretiva 2014/59/EU, sempre se dirá que não só a natureza da CSB e das contribuições periódicas ex ante é distinta, dada a qualificação da primeira como tributo, como ainda a determinação dos respetivos montantes não se pauta por regras idênticas, desde logo, nos termos do nº 2 do artº 103º da Diretiva, as contribuições periódicas são “ajustadas em proporção do perfil de risco  das instituições” e são fixadas pelo Banco de Portugal.”

k.            Acresce a isto,  que, se, por analogia, pudesse ser transposto para  este domínio o princípio instituído nas convenções para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento e o património, quando concorrem as competências tributárias exercidas pelo Estado da residência, in casu, da instituição de crédito, e pelo Estado onde se situa a sucursal, em relação aos mesmos elementos, do rendimento ou do património, caberia ao Estado da residência a eliminação da dupla tributação.

 

 

5.  A Requerente apresentou resposta escrita à exceção, em síntese, nos termos seguintes:

 

a.            O artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, deve ser interpretado no sentido de que o âmbito da jurisdição arbitral abrange a apreciação das pretensões relativas a tributos cuja administração esteja cometida à AT, com exceção dos casos enunciados nas alíneas do referido artigo 2.º, abrangendo, portanto, também as pretensões relativas a “contribuições” por ela administradas, como sucede com a contribuição em causa nos presentes autos.

b.            A interpretação do artigo 2.º mencionado que pretendesse restringir o âmbito da jurisdição arbitral às pretensões relativas a impostos, mesmo que estejam em causa outros tributos cuja administração seja conferida por lei à AT, seria inconstitucional, por violação flagrante do princípio da igualdade, conjugado com o princípio da tutela jurisdicional efetiva, com assento, respetivamente, nos artigos 13.º e 20.º da Constituição.

c.            Só a posição a interpretação do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 no sentido de que o âmbito da sujeição da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais abrange todos os tributos cuja administração lhe esteja cometida, incluindo os tributos com natureza de contribuições, é que se mostra conforme com a Constituição, uma vez que assegura a respetiva conformidade com os princípios constitucionais da igualdade e da tutela jurisdicional efetiva.

d.            Nestes termos deve a presente exceção ser julgada improcedente por não verificada.

 

6. Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis.

Foi ainda dispensada a realização de alegações, nos termos do art. 18º, nº 2, do RJAT, “a contrario”.

 

 

7. O tribunal encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

8. Cumpre solucionar as seguintes questões:

1. Vinculação da Requerida à jurisdição do tribunal arbitral.

2. Ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada e do ato de autoliquidação subjacente da Contribuição sobre o Sector Bancário, referente ao passivo apurado em 2017 e paga pela Requerente.

3. Condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios sobre a quantia correspondente à liquidação da Contribuição sobre o Sector Bancário objeto do processo.

 

 

II – A matéria de facto relevante

 

9. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

1.            A Requerente é a sucursal em Portugal do B..., S.A. instituição de crédito de direito luxemburguês, que tem sede e efetiva administração no Luxemburgo.

2.            Desde 2013 que o B... assegura a sua presença em Portugal através da ora Requerente.

3.            Em 15 de Junho de 2018, a Requerente procedeu à autoliquidação da CSB referente ao de 2017, mediante a submissão da declaração relevante Modelo 26.

4.            A autoliquidação assim efetuada pela Requerente incidiu sobre a média anual dos saldos finais de passivo de cada mês do ano de 2017, tendo sido concretizada com base nos dados contabilísticos cristalizados em 31 de Dezembro de 2017.

5.            Naquela declaração foi apurado como montante a pagar de CSB referente ao ano de 2017 o valor de € 12.346,44, o qual foi pago pela Requerente em 19.06.2018.

6.            O B..., S.A. é sujeito passivo no Luxemburgo das contribuições previstas na Diretiva 2014/59/EU.

7.            Referente ao ano de 2017, o B... pagou no Luxemburgo a contribuição periódica prevista na Diretiva 2014/59/EU.

8.            A Requerente apresentou reclamação graciosa contra o ato de autoliquidação objeto do processo, que foi indeferida por decisão proferida em 12.12.2018.

 

Com relevância para a decisão da causa inexistem factos não provados.

 

10.  A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto dada como provada, sobre a qual inexiste discordância entre Requerente e Requerida, alicerçou-se nos documentos constantes do processo, bem como das posições das partes vertidas nos articulados apresentados.

 

-III- O DIREITO

 

11. A Requerida veio suscitar a exceção dilatória de incompetência da jurisdição arbitral em razão da matéria, entendendo que, de acordo com o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, apenas está vinculada à jurisdição dos tribunais arbitrais relativamente a impostos por si administrados e que no processo arbitral está em causa uma contribuição, espécie de tributo diferente.

 

A Requerente, por sua vez, entende que o  artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, deve ser interpretado no sentido de que o âmbito da jurisdição arbitral abrange a apreciação das pretensões relativas a tributos cuja administração esteja cometida à AT, com exceção dos casos enunciados nas alíneas do referido artigo 2.º, abrangendo, portanto, também, as pretensões relativas a “contribuições” por ela administradas, como sucede com a contribuição em causa nos presentes autos. Em segunda linha, sustenta que uma  interpretação do artigo 2.º mencionado que pretendesse restringir o âmbito da jurisdição arbitral às pretensões relativas a impostos, mesmo que estejam em causa outros tributos cuja administração seja conferida por lei à AT, seria inconstitucional, por violação flagrante do princípio da igualdade, conjugado com o princípio da tutela jurisdicional efetiva, com assento, respetivamente, nos artigos 13.º e 20.º da Constituição, e que só a  interpretação do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 no sentido de que o âmbito da sujeição da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais abrange todos os tributos cuja administração lhe esteja cometida, incluindo os tributos com natureza de contribuições, é que se mostra conforme com a Constituição, uma vez que assegura a respetiva conformidade com os princípios constitucionais da igualdade e da tutela jurisdicional efetiva.

 

 Conclui a Requerente pela improcedência da exceção de incompetência do Tribunal arbitral.

 

Vejamos.

 

Na redação em vigor do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT (com a epigrafe “Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável”) consta:

“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; (Redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

c) (Revogada) (Redacção da Lei n.º 64-B/2002, de 30 de Dezembro)”;

 

Por sua vez, determina o n.º 1 do art.º 4º do RJAT que:

“1 — A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos. (Redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)”.

 

Tal vinculação concretizou-se com a Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março (cujo art.º 2.º (com a epígrafe “Objecto de Vinculação”), dispõe:

“Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo .2º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro,”

 

 

Apreciemos.

 

O nº 1 do art. 2º do RJAT, estabelece a competência dos tribunais arbitrais, designadamente, para apreciação das pretensões respeitantes à “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos”.

Tratando-se a espécie tributária em causa no presente processo de um tributo, face a esta norma é inequívoca a competência do tribunal arbitral.

 

Todavia, nos termos do  n.º 1 do art.º 4º do RJAT  “A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos” sendo que na Portaria pela qual a Requerida ficou vinculada é mencionada a vinculação relativa a “pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida” e não “pretensões relativas a tributos”, expressão usada na norma que atribui a competência aos tribunais arbitrais.

 

Face à não coincidência verbal, quanto ao âmbito material das matérias, entre a norma atributiva de competência constante do RJAT e a norma de vinculação constante da Portaria, desenharam-se na jurisprudência arbitral duas linhas interpretativas. Uma que, invocando os elementos histórico, sistemático e teleológico,  procede, na prática, a uma interpretação extensiva do art. 2º da Portaria de vinculação, no sentido entender a alusão à espécie (“impostos”), como referindo-se ao género (“tributos”)  e uma outra que procede a uma interpretação declarativa da norma, entendendo que o legislador da Portaria 112-A/2011 de 22 de Março, no âmbito da liberdade concedida pelo nº 1, do art. 4º do RJAT, se vinculou apenas a uma espécie do género “tributo” mencionado no 2º, nº 1, al. a) do RJAT.

 

Como escreve Miguel Teixeira de Sousa que “A interpretação extensiva ocorre sempre que a letra se refira à espécie e o seu significado deva abarcar, por imposição de elementos não literais da interpretação, o género (…)”.

Na interpretação extensiva, a letra da lei comporta uma exceção implícita que não é admitida pelo seu espírito (…).

Sendo inquestionável, no caso que nos ocupa, que a letra da lei só se refere a uma espécie do género tributo, excecionando, implicitamente, as demais espécies tributárias,  poder-se-á dizer que tal exceção não é admitida pelo seu espírito?

 

O   n.º 1 do art.º 4º do RJAT, determina “A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.”

 

Esta norma, implica, assim, uma margem de livre decisão que permitirá que a vinculação da Portaria fique aquém da competência estabelecida  no art. 2º, nº 1, do RJAT, excluindo matérias aí previstas.

 

Como já se referiu, da letra do art. 2º da Portaria emerge a exclusão implícita das espécies tributárias que não sejam impostos.

 

Nos termos do art. 9º, nº 3, do Código Civil, “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

 

Entendemos que os elementos não literais de interpretação, não apontam para um afastamento da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

 

Pelo contrário.

 

O legislador da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, certamente não ignorava o uso a expressão “tributos” no art. 2º, nº 1, do RJAT, diploma com o qual a Portaria está estreitamente interligada. Consequentemente se tivesse querido vincular-se ao género “tributos” e não à espécie “impostos”, certamente usaria a expressão já usada no RJAT.

 

Não é razoável sustentar que a expressão “tributos” foi usada no seu sentido técnico no RJAT e que na Portaria a expressão “impostos” foi usada no sentido não técnico, tanto mais que decorrendo da lei que   “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos  próprios de outros ramos  de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.”, também não pode deixar de se entender que o mesmo deverá suceder com os termos próprios do direito fiscal, neste caso o nº 2 do art. 3º da Lei Geral Tributária, norma da qual emerge   que o imposto  é uma espécie do género tributo.

 

Atenta esta clareza é perfeitamente legítimo que, não pretendendo a  vinculação para todo o tipo de litígios abrangidos pela competência atribuída pelo art. 2º do RJAT, a Portaria tenha feito uso da terminologia jurídica  coerente com a   usada no RJAT, para proceder a uma delimitação negativa da vinculação relativamente à competência atribuída pelo RJAT, tanto mais que o próprio nº 1 do art. 4º deste diploma indica que a Portaria estabelecerá, designadamente, o tipo de litígios a que a AT se vincula que, necessariamente, terão que se encontrar entre os previstos na norma atributiva de competência, mas que não têm que ser todos os aí previstos.

 

Conforme se pode ler na decisão do processo arbitral 182/2019-T:

“Em primeiro lugar, importa ter presente que a remissão para diploma regulamentar da definição do âmbito da vinculação da Administração à arbitragem tributária teve justamente em vista permitir que fossem os departamentos governamentais com competências administrativas na gestão do sistema fiscal que pudessem aferir da viabilidade do regime legal, tendo em consideração o carácter inovador do recurso à arbitragem em matéria tributária e ausência de quaisquer dados experimentais sobre a eficácia do sistema.

Por outro lado, um segundo nível de limitação do âmbito da arbitragem tributária por via regulamentar encontra-se justificado por razões de política legislativa e nada obstava que a Portaria de vinculação viesse a estabelecer critérios mais restritivos do que os legalmente previstos, quer quanto ao elenco de pretensões que poderiam ser sujeitas aos tribunais arbitrais, quer quanto ao valor processual dos litígios que pudessem ser submetidos à arbitragem ou à composição do tribunal arbitral.

Neste contexto, não oferece especial dúvida que a entidade com competência regulamentar pudesse optar por restringir a vinculação às pretensões referidas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT que apenas fossem incidentes sobre impostos, e deixasse de fora as questões relacionadas com taxas e contribuições que, além do mais, poderiam gerar uma maior grau de conflitualidade e de incerteza quanto à qualificação jurídica e exigir uma maior especialização por via da especificidade das questões que pudessem suscitar-se.”

 

Em conclusão, pelas razões expostas, entendemos que a Requerida não se vinculou à jurisdição do CAAD quanto todas as espécies de tributos administrados pelos serviços e organismos referidos no artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011 mas, apenas, relativamente a impostos.

 

 

12. Na resposta à exceção da incompetência do tribunal arbitral, a Requerente alega, ainda, que A interpretação do artigo 2.º do RJAT que pretendesse restringir o âmbito da jurisdição arbitral às pretensões relativas a impostos, mesmo que estejam em causa outros tributos cuja administração seja conferida por lei à AT seria inconstitucional por violação do princípio da igualdade conjugado com o princípio da tutela jurisdicional efetiva, e que só a  interpretação do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 no sentido de que o âmbito da sujeição da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais abrange todos os tributos cuja administração lhe esteja cometida, incluindo os tributos com natureza de contribuições, é que se mostra conforme com a Constituição, uma vez que assegura a respetiva conformidade com os mencionados princípios constitucionais.

 

Pode ler-se no ACÓRDÃO do Tribunal Constitucional nº 545/2019, proferido no processo n.º 1067/2018, de 16 de outubro de 2019 , o seguinte:

 

“15. Assim, é possível concluir que existem diferenças substanciais de regime entre impostos e os restantes tributos – quer ao nível do enquadramento constitucional, quer ao nível do tratamento legal aplicável, quer ao nível da atividade da administração tributária. A própria natureza distinta das categorias de tributos em causa e as respetivas condições da sua legalidade podem justificar a adoção de regimes normativos diferenciados. As referidas diferenças podem justificar um tratamento distinto relativamente ao acesso à arbitragem tributária, tendo em conta a complexidade das matérias ou o tipo de questões de validade que podem ser suscitadas, por exemplo, que não poderá, por isso, ser considerado arbitrário ou desrazoável, na medida em que tem por base figuras materialmente distintas.

Para além disso, referem Conceição Gamito e Teresa Teixeira Motta (A arbitrabilidade das taxas, revista de Arbitragem Tributária n.º 2, jan. 2015, p. 20) que a limitação da competência material dos tribunais arbitrais, pese embora traduza uma restrição do recurso à arbitragem tributária, é compreensível à luz do contexto em que surge a própria consagração da arbitragem como meio alternativo de resolução de litígios em matéria tributária. Efetivamente, não se pode esquecer que no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o RJAT, se refere que «a introdução no ordenamento jurídico português da arbitragem em matéria tributária, como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos no domínio fiscal, visa três objetivos principais: por um lado, reforçar a tutela eficaz dos direitos e interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos, por outro lado, imprimir uma maior celeridade na resolução de litígios que opõem a administração tributária ao sujeito passivo e, finalmente, reduzir a pendência de processos nos tribunais administrativos e fiscais». Tendo em conta que estes objetivos podem levar a diferentes soluções dependendo de estar em causa determinada categoria de tributo, não é de considerar arbitrário um tratamento diferenciado do contencioso tributário relacionado com impostos face aos restantes tributos.

Nesta medida, tendo em conta a diferença que existe entre as diversas categorias de tributos, conclui-se não ser arbitrária e destituída de qualquer fundamento a opção do legislador no sentido de limitar o âmbito da jurisdição arbitral às pretensões relativas a impostos, mesmo que estejam em causa outros tributos cuja administração seja conferida por lei à Autoridade Tributária. Assim, não se pode concluir por um juízo de inconstitucionalidade por ofensa do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição, correspondendo a norma sindicada a uma opção do decisor democraticamente legitimado tomada no exercício da sua liberdade de conformação.

 

ii)                 Da violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva

 

15. O artigo 20.º da Constituição garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legí¬timos (n.º 1), impondo ainda que, para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegure aos cidadãos procedimentos judiciais caraterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos (n.º 5). Ao assegurar o «acesso aos tribunais, para defesa dos seus direitos», a primeira parte do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição consagra a garantia fundamental que se traduz em confiar a tutela dos direitos individuais àqueles órgãos de soberania a quem compete administrar a justiça em nome do povo (artigo 205.º). No domínio da ação administrativa, onde se insere o âmbito tributário, a Constituição garante aos administrados o direito à tutela jurisdicional efetiva para defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, «a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma», no artigo 268.º, n.º 4.

A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso à tutela juris¬dicional efetiva implica a ga¬rantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito normativo abrange nomeadamente: (a) o direito de ação, no sen-tido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao pro¬cesso, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão funda¬mentada; (c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a deci¬são haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumarie¬dade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas (cfr., v.g., Acórdão n.º 141/2019, 1.ª Secção, ponto 17).

Contudo, tem sido também entendimento reiterado do Tribunal Constitucional que, embora esteja vinculado a criar meios juris¬dicionais de tutela efetiva dos direitos e interesses ofendidos dos cidadãos, «o legislador não deixa de ser livre de os conformar, não sendo de todo o modo obrigado a prever meios iguais para situações diversas, considerando ainda que a identidade ou diversidade das situações em presença há de resultar de uma perspetiva global que tenha em conta a multiplicidade de interesses em causa, alguns deles conflituantes entre si» (cfr. Acórdão n.º 63/2003, 1.ª Secção, ponto 6). No que diz respeito especificamente às vinculações resultantes do artigo 268.º, n.º 4, no Acórdão n.º 329/2013, 3.ª Secção, ponto 7, o Tribunal Constitucional refere que, «embora subordinado a um imperativo de efetividade, na vertente da garantia que agora está em consideração – a impugnação de quaisquer atos administrativos que os (aos direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados) lesem –, o que decorre do n.º 4 do artigo 268.º da Constituição é o dever de conformar o processo impugnatório de tal modo que seja idóneo a apreciar a pretensão de invalidade (ou de inexistência jurídica) incidente sobre as decisões dos órgãos da Administração (ou dotados de poderes materialmente administrativos) que, ao abrigo de normas de direito público, visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta».

 

16. A possibilidade de institucionalizar formas de composição não jurisdicional de conflitos, nos termos do n.º 4 do artigo 202.º, e de submissão de litígios a uma jurisdição arbitral, como prevê o n.º 2 do artigo 209.º, não significa que a Constituição obrigue o legislador a criar vias arbitrais para a resolução de todos os litígios ou que o recurso a um tribunal estadual não seja ainda a principal via de acesso ao direito. A criação de uma via arbitral no domínio do contencioso administrativo ou tributário não é uma obrigação do legislador, decorrente da Constituição. Aliás, com base em reservas de jurisdição estadual constitucionalmente fundadas, deve reconhecer-se a existência de certos limites à constituição de tribunais arbitrais – alguns deles precisamente no domínio de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas ou tributárias.

Neste contexto, como o Tribunal Constitucional afirmou no Acórdão n.º 230/2013, Plenário, ponto 13, «ainda que os tribunais arbitrais constituam uma categoria de tribunais e exerçam a função jurisdicional, não pode perder-se de vista que essa é uma forma de jurisdição privada, (…). O direito fundamental de acesso aos tribunais constitui tendencialmente uma garantia de acesso a tribunais estaduais em resultado da necessária conexão entre esse direito e a reserva de jurisdição, que apenas poderá caracterizar uma reserva de jurisdição arbitral quando o acesso ao tribunal arbitral seja livre e voluntário». A este propósito Pedro Gonçalves observa que a garantia do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, é a do «direito de acesso a tribunais estaduais, não tendo sentido dizer-se que ali se garante o acesso a tribunais a constituir por iniciativa dos interessados. O que a instituição de tribunais arbitrais voluntários representa, ou pode representar, é a voluntária renúncia ao direito de acesso aos tribunais do Estado» (Entidades Privadas com Poderes Públicos, Coimbra, 2005, pág. 565, nota 450).

Por outro lado, existindo a possibilidade de recurso aos tribunais tributários estaduais que, como se viu, constitui a principal via de acesso ao direito, não se pode considerar que o regime adjetivo não proporcione aos cidadãos meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.

Por essa razão, não pode considerar-se que, assegurado que está o recurso aos tribunais estaduais, a não consagração de uma determinada via arbitral no domínio tributário represente uma restrição do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição. Não existindo uma restrição de um direito fundamental, não existe razão para mobilizar o princípio da proporcionalidade no presente caso.

 

17. Conclui-se, assim, que a norma que determina que o âmbito da jurisdição arbitral abrange pretensões relativas a impostos, não incluindo outros tributos cuja administração seja conferida por lei à Autoridade Tributária, decorrente do artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112 A/2011, de 22 de março, não é inconstitucional nem por violação do princípio da igualdade, na vertente de proibição do arbítrio, previsto no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição, nem por violação do direito de direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição.”

 

Acompanha-se integralmente o entendimento vertido neste acórdão do tribunal constitucional, pelo que, em consequência, se julgam improcedentes as questões de inconstitucionalidade e de interpretação conforme à constituição, suscitadas pela Requerente.

 

Assim, sendo a contribuição aqui em causa uma espécie tributária diferente do imposto ,  conclui-se que a Requerida não se encontra vinculada à jurisdição do tribunal arbitral.

No entender deste tribunal, trata-se duma exceção dilatória inominada e não de incompetência material, uma vez que a norma que atribuiu a competência ao tribunal arbitral (art. 2º do RJAT) continua em vigor, não podendo, evidentemente, ser postergada por uma Portaria. O que se verifica é a ausência de vinculação da Requerida, no que respeita ao tipo de atos em questão. Em todo o caso, a consequência é a mesma: a absolvição da instância arbitral, nos termos dos artigos 4º, nº 1, do RJAT e   576.º, n.ºs 1 e 2 e 577º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT. 

 

-IV- Decisão

 

Assim, decide o Tribunal arbitral julgar verificada a exceção dilatória inominada de falta de vinculação da Requerida, absolvendo-se a Requerida da instância.

 

Valor da ação: € 12.346,44 (doze mil trezentos e quarenta e seis euros e quarente e quatro cêntimos) nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas pela Requerente, no valor de novecentos e dezoito euros, nos termos do nº 4, do art. 22º, do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, CAAD, 11.11.2019

 

O Árbitro

Marcolino Pisão Pedreiro