Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 205/2019-T
Data da decisão: 2019-09-30  Selo  
Valor do pedido: € 2.594,63
Tema: IS – Operações Financeiras – Substitui a Decisão Arbitral de 30 de Setembro de 2019 – Reforma da Decisão Arbitral (anexa à decisão)
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DECISÃO ARBITRAL

REFORMADA

 

Na sequência de requerimento apresentado pela Requerente solicitando a reforma da decisão arbitral em apreço quanto a custas, e esclarecimento da mesma no que respeita à determinação do concreto excesso do valor tributável que deve ser considerado, o qual foi julgado procedente, procede-se à pronúncia de nova decisão arbitral.

 

I – RELATÓRIO

 

1. No dia 21 de Março de 2019, a A..., LDA., com sede na Av. ..., ..., ..., em Lisboa, titular do número único de identificação de pessoa colectiva ..., (doravante Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, abreviadamente designado RJAT), com a redação introduzida pelos artigos 228.º e 229.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro e pelos artigos 9.º da Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro e 17.º da Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, com vista à pronúncia deste tribunal relativamente à:

- Apreciação da legalidade da liquidação adicional de Imposto do Selo n.º 2009..., e, bem assim, da liquidação de juros compensatórios n.º 2009..., referentes ao ano de 2005, com a consequente anulação.

- Condenação da AT no reembolso das quantias indevidamente suportadas pela Requerente, acrescido dos juros indemnizatórios devidos nos termos do artigo 43.º e 100.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

- Reforma da liquidação da liquidação adicional de Imposto do Selo n.º 2009..., e, bem assim, da liquidação de juros compensatórios n.º 2009..., por excesso do valor tributável, com todas as consequências legais.

2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação à AT, em 27 de Março de 2019.

3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

3.1. Em 14 de Maio de 2019, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

3.2. Assim, em conformidade com o preceituado do artigo 11.º, n.º 1, na alínea c) do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 3 de Junho de 2019.

4. No essencial, a Requerente alega que:

a)            A Requerente denominava-se, anteriormente, B..., S.A., sendo então, a accionista única da sociedade C..., S.G.P.S., S.A. e esta, por sua vez, detentora da integralidade do capital das sociedades D..., S.A., E..., S.A. e F..., S.A.

b)           A sociedade C..., S.G.P.S., S.A. mantinha com estas 3 (três) sociedades (D..., S.A., E..., S.A. e F..., S.A.), por si dominadas, respectivamente, três contratos de empréstimo e conta corrente.

c)            Em 27 de Dezembro de 2005, a sociedade C..., S.G.P.S., S.A. foi dissolvida, nos termos do artigo 141.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) e liquidada por transmissão global do seu património para a sua única acionista, a Requerente.

d)           Em consequência, verificou-se a transferência dos activos e passivos do património da sociedade C..., S.G.P.S, S.A, para a esfera da Requerente, detentora da totalidade do capital social daquela, nos termos do artigo 148.º do CSC, entre os quais, os resultantes dos contratos de mútuo celebrados com as sociedades D..., S.A., E..., S.A. e F..., S.A.

e)           Encontram-se cumpridos os requisitos cumulativos de que depende a aplicação da isenção de Imposto do Selo prevista na alínea h) do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo: (i) que as operações financeiras tenham sido realizadas por detentores de capital a entidades nas quais detenham directamente uma participação social no capital de pelo menos 10% e (ii) que esta participação não inferior a 10% tenha permanecido na sua titularidade durante 1 (um) ano consecutivo.

f)            Com efeito, não obstante a sociedade C... S.G.P.S, S.A. ter sido dissolvida e liquidada, verificou-se a transferência do conjunto do activo e do passivo do seu património para a esfera da Requerente, detentora do capital social daquela, nos termos do artigo 148.º do CSC.

g)            Existindo uma continuidade do exercício da actividade pela Requerente, não estamos perante uma participação ex nova.

h)           Esta interpretação é consoante com o princípio geral de neutralidade fiscal visado pelo legislador, sempre que estejamos perante operações cuja substância económica seja idêntica às operações de fusão, cisão e entrada de activos.

i)             Tendo em conta a continuidade do exercício de actividade, não deve deixar de computar-se o período de detenção das participações sociais pela transferência do conjunto do activo e do passivo do património da sociedade C... S.G.P.S., S.A. para a esfera da Requerente.

j)             Atento o regime aplicado ao grupo de sociedades do qual tanto a Requerente como a sociedade C... S.G.P.S., S.A., bem como as respectivas participadas faziam parte, uma vez que o princípio da neutralidade se prende com a correcção de distorções, no caso, no âmbito do tratamento de operações que visam a reestruturação ou a racionalização da actividade das empresas, como forma decisiva para a sua competitividade do tecido empresarial, uma maior eficácia e celeridade, deve-se buscar a substância destas operações independentemente da forma com que são revestidas.

k)            Com a operação de transmissão global do património por parte da C... S.G.P.S., S.A. para a Requerente, deverá, atendendo a uma interpretação teleológica e sistemática, e ainda em virtude do princípio da igualdade, considerar-se que o período de contagem de detenção das participações das sociedades participadas pela Requerente se reporta ao início da detenção das participações por parte da sociedade entretanto liquidada e dissolvida, motivando a isenção de Imposto do Selo e, consequentemente, a ilegalidade da liquidação em apreço e respectivos juros compensatórios, que deverá ser anulada.

l)             Subsidiariamente, a liquidação de Imposto do Selo em apreço e a respectiva liquidação de juros compensatórios deverá ser objecto de anulação parcial em virtude do excesso da matéria colectável quantificada.

m)          O excesso em questão deve-se à interpretação do termo “utilização de crédito”, enquanto facto gerador do Imposto do Selo nas operações financeiras.

n)           Com efeito, o facto gerador do Imposto do Selo nas operações financeiras é a utilização do crédito e não a existência de uma conta-corrente no âmbito de um contrato de mútuo.

o)           Ao calcular como matéria tributável da liquidação de Imposto do Selo com base nos lançamentos contabilísticos da Requerente de acordo com o saldo da conta corrente que a Requerente passou a possuir no dia 27 de Dezembro de 2005, o qual apenas reflectia o saldo transferido da contabilidade da sociedade C..., S.G.P.S., S.A., em resultado da sua liquidação e partilha, a liquidação enferma de ilegalidade.

p)           Ora, ao considerar-se como valor tributável os constantes da transferência da posição contratual de mutuante com a dissolução da sociedade C... S.G.P.S., S.A. para a Requerente, a AT não tem em conta a “utilização de crédito”, ou seja, a entrega de qualquer montante pela Requerente às suas participadas.

q)           Assim, os saldos base utilizados pela AT são bem superiores, denunciando um manifesto excesso do valor tributável, o qual deverá reflectir as somas efectivamente entregues pela Requerente às sociedades por ela participadas. Ou seja, os saldos diários que não reflectem qualquer entrega de crédito pela Requerente às sociedades participadas deverão ser expurgados.

r)            Não aceitando a AT o princípio da continuidade da actividade económica e respectiva neutralidade fiscal da operação de transmissão da totalidade do património da sociedade dissolvida para a Requerente, também não poderá pretender tributar uma operação de utilização de um crédito contratado precisamente com uma sociedade liquidada e dissolvida.

s)            Pelo que a inclusão deste saldo inicial determina, necessariamente, um erro em todos os cálculos a partir daí realizados.

5. No dia 8 de Julho de 2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta, tendo concluído pela improcedência da presente acção, com base, em suma, nos seguintes argumentos:

a)            O elemento decisivo, para que as operações financeiras em causa sejam afastadas da isenção consagrada no artigo 7.º, alínea g) do Código do Imposto do Selo, reside no incumprimento do requisito temporal, i.e., do prazo de detenção das participações adquiridas pela Requerente, na sequência da dissolução e liquidação por transmissão global do património de uma sociedade de que era acionista única, ocorrida em 27 de Dezembro de 2005.

b)           Conforme mencionado no relatório de inspeção tributária, relativamente à sociedade C... S.G.P.S., S.A. foi registada a dissolução e o encerramento da liquidação, tendo as contas sido aprovadas em 27 de Dezembro de 2005.

c)            E, contrariamente ao que sucede, por exemplo, com a fusão, onde a dissolução sem liquidação das entidades absorvidas permite manter a atividade através da entidade incorporante, subsistindo, assim, o ciclo de vida destas empresas, embora de forma nova, na pessoa da nova sociedade, com a verificação do encerramento da liquidação não se observa essa continuidade, considerando-se a sociedade dissolvida e liquidada extinta.

d)           Efetivamente, o registo do encerramento da liquidação tem como consequência a extinção da personalidade jurídica e judiciária da sociedade (cfr. artigo 160.º do Código das Sociedades Comerciais).

e)           Na situação em apreço, a liquidação da C... S.G.P.S., S.A., foi feita através da transmissão global de todo o património, activo e passivo.

f)            A escolha desta solução permitiu manter reunido o património e satisfazer os credores sociais que viram os seus interesses acautelados (cfr., entre outros, o artigo 163.º do Código das Sociedades Comerciais).

g)            Assim, também o activo representado por todas as contas correntes que a C... S.G.P.S., S.A. detinha sobre as suas participadas acabou por ser transmitido para a Requerente, então denominada B..., S.A..

h)           Assim, os empréstimos em conta corrente celebrados entre a Requerente e as sociedades dominadas agora, após a dissolução e partilha da C... S.G.P.S., S.A., D..., S.A., E..., S.A. e F..., S.A., e, ainda, os respetivos juros, estariam isentos de imposto do selo, se fossem:

             por prazo não superior um ano;

             efectuadas por sociedades detentoras de capital social;

             a favor de sociedades sobre as quais detenham diretamente uma participação no capital não inferior a 10% e a participação tenha permanecido na sua titularidade durante um ano consecutivo;

             destinados exclusivamente à cobertura de carência de tesouraria.

i)             Com a dissolução e liquidação da sociedade C... S.G.P.S., S.A., e transmissão global do património desta para a Requerente não perdurou de alguma forma a personalidade jurídica da primeira na segunda, inexistindo assim qualquer continuidade no seu funcionamento.

j)             Ou seja, não ocorre qualquer novação da C... S.G.P.S., S.A., na pessoa da sociedade adquirente do património daquela, a exemplo do que sucederia na fusão por incorporação onde se verifica a dissolução da sociedade incorporada sem que ocorra a sua liquidação.

k)            Assim, embora os pressupostos para reconhecimento da isenção inicialmente estivessem presentes no período em que a C... S.G.P.S., S.A. se encontrava em atividade, deixaram de se verificar com o encerramento da liquidação.

l)             Também não procede a alegação da Requerente que só poderá ser tributada relativamente ao crédito que efetivamente concedeu às sociedades por si participadas, ficando afastado da aplicação da norma de sujeição o crédito que as suas participadas obtiveram junto de uma sociedade que entretanto foi liquidada e dissolvida.

m)          Desde logo, esta posição assenta no pressuposto de que os direitos e obrigações da sociedade liquidada e dissolvida não lhe foram transmitidos, que a relação contratual originária se tem por extinta.

n)           Efetivamente deve entender-se que na tributação do crédito utilizado sob a forma de conta corrente não releva o momento da sua concessão ou a qualidade dos sujeitos credor e devedor originários que intervieram na celebração daquele contrato, antes releva para a aplicação da norma de incidência a ocorrência do facto tributário no final de cada mês e que traduz a posição em dado momento de uma relação crédito/débito que que se prolonga no tempo, sendo que a matéria coletável resulta da média mensal do crédito utilizado.

 

6. Por despacho de 19 de Julho de 2019, foram as Partes notificadas da decisão do Tribunal Arbitral de dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, e convidadas a produzir alegações escritas, tendo sido fixado o dia 30 de Setembro de 2019 como data limite para a prolação da decisão arbitral.

7. As Partes apresentaram alegacões escritas.

 

II – Saneador

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cfr. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades, não tendo sido invocadas quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

 

III – FUNDAMENTAÇÃO

 

III-1. DE FACTO

 

§1. Factos provados

 

Com interesse para a decisão a proferir nos presentes autos consideram-se provados os seguintes factos:

a)            A Requerente denominava-se, anteriormente, B..., S.A., sendo, à época, a accionista única da sociedade C... S.G.P.S., S.A.;

b)           A sociedade C... S.G.P.S., S.A., por sua vez, era detentora da integralidade do capital social das sociedades D..., S.A.,  E..., S.A. e F..., S.A., empresas que integravam à data dos factos o grupo de sociedades em que a sociedade-mãe era a B..., S.A., anterior denominação da Requerente;

c)            A sociedade C... S.G.P.S., S.A. mantinha com estas três sociedades,  D..., S.A., E..., S.A. e F..., S.A., por ela dominadas, respectivamente, três contratos de empréstimo em conta corrente, que se encontravam isentos de Imposto do Selo nos termos do artigo 7.º, alínea g) do Código do Imposto do Selo, na redacção em vigor à data dos factos;

d)           Em 27 de Dezembro de 2005, a sociedade C... S.G.P.S., S.A. foi dissolvida, nos termos do artigo 141.º do CSC e liquidada por transmissão global do seu património para a sua accionista única, a Requerente;

e)           Verificou-se, assim, a transferência dos activos e passivos do património da sociedade C... S.G.P.S., S.A. para a esfera da Requerente, detentora da totalidade das partes representativas do capital social daquela, nos termos do artigo 148.º do CSC, entre os quais, os resultantes dos contratos de mútuo celebrados com as sociedades D..., S.A., E..., S.A. e F..., S.A.;

f)            Consequentemente, a Requerente assumiu todos os direitos e obrigações da sociedade dissolvida, C... S.G.P.S., S.A, incluindo os contratos de empréstimo em regime de conta corrente mantidos com as sociedades D... S.A., E..., S.A. e F..., S.A., com o saldo inicial de € 16.745.823,00, € 10.218.322,23 e € 9.137.882,39, respectivamente;

g)            Após 27 de Dezembro de 2005, existiram fluxos financeiros subsequentes entre a Requerente e as suas participadas (cfr. Documentos n.º 3, n.º 4 e n.º 5 junto com a p.i.;

h)           Em concreto, entre a Requerente e a sua participada F..., S.A., resulta do Documento n.º 3 junto com a p.i. que:

             Em 27 de Dezembro de 2005, constava na contabilidade da Requerente um saldo no valor de € 9.137.882,39, exactamente igual àquele que constava naquela data no activo da sociedade C... S.G.P.S., S.A;

             No dia 30 de Dezembro de 2005, a sociedade F..., S.A. utilizou pela primeira vez um crédito no valor de € 1.695,96 na conta que passou a manter directamente com a Requerente no contrato de financiamento entretanto celebrado entre estas duas entidades;

             No dia seguinte, em 31 de Dezembro de 2005, a Requerente voltou a entregar à sociedade F..., S.A. uma quantia de € 995.801,31;

             A sociedade mutuária F..., S.A. liquidou à Requerente o valor de € 73.237,67, em 29 de Dezembro de 2005, bem como o valor de € 4.200.000,00 no final do ano de 2005, pelo que liquidou o valor total de € 4.273.237,67.

i)             No que se refere ao crédito contraído pela F..., S.A junto da sociedade entretanto liquidada e dissolvida (C... S.G.P.S. S.A.), foi amortizada uma quantia total de € 3.275.740,40, pelo que, atendendo ao valor que constava da contabilidade da Requerente em 27 de Dezembro de 2005, designadamente, um saldo no valor de € 9.137.882,39, referente ao saldo que transitou para a Requerente proveniente do activo da sociedade C... S.G.P.S., S.A, existia à data de 31 de Dezembro de 2005 um saldo devedor referente ao crédito contraído junto da C... S.G.P.S., S.A. no valor de € 5.862.141,99;

j)             Já entre a Requerente e a sua participada E..., S.A., de acordo com o Documento n.º 4 junto com a p.i.:

             Em 27 de Dezembro de 2005, o saldo credor constante do contrato de empréstimo originariamente mantido entre a C..., S.G.P.S., S.A e a sociedade E..., S.A. era igual a € 10.218.322,23;

             Contudo, apenas nas datas de 30 de Dezembro e 31 de Dezembro de 2005, a beneficiária do crédito, a sociedade mutuária E..., S.A., utilizou crédito no valor de € 8.611,21 e € 2.593.868,61, respectivamente.

 

k)            Resulta, ainda, do Documento n.º 4 junto com a p.i. que, no final do ano de 2005, o crédito concedido pela Requerente à sua participada E..., S.A. encontrava-se totalmente amortizado;

l)             Por outro lado, no que se refere ao crédito contraído pela E..., S.A., junto da sociedade entretanto liquidada e dissolvida (C... S.G.P.S. S.A.), verifica-se que foi amortizada uma quantia total de € 5.122.287,27, pelo que, atendendo ao valor que constava da contabilidade da Requerente em 27 de Dezembro de 2005, designadamente, um saldo no valor de € 10.218.322,23, referente ao saldo que transitou para a Requerente proveniente do activo da sociedade C... S.G.P.S., S.A, existia à data de 31 de Dezembro de 2005 um saldo devedor referente ao crédito contraído junto da C..., S.G.P.S., S.A. no valor de € 5.096.034,96;

m)          Por fim, no que se refere às operações efectuadas no âmbito do contrato de abertura de crédito mantido entre a Requerente e a sociedade D..., S.A., resulta do Documento n.º 5 junto com a p.i que:

             Na data de 27 de Dezembro de 2005, constava na contabilidade da Requerente um saldo no valor de € 16.745.823, exactamente igual àquele que constava naquela data no activo da sociedade C..., S.G.P.S., S.A. (tanto que até ao dia 26 de Dezembro de 2005 não existia qualquer saldo, que, como se comprova da análise da contabilidade da Requerente, estava a “zero”, nem este valor corresponde a qualquer saída nesta mesma data);

             No dia 28 de Dezembro de 2005, a sociedade D..., S.A., utilizou pela primeira vez um crédito no valor de € 3.000.000;

             Entretanto, no dia 30 de Dezembro de 2005, a Requerente voltou a entregar à sociedade D..., S.A. uma quantia de € 23.883,28;

             Contudo, no dia 28 de Dezembro de 2005, a sociedade D..., S.A., havia reembolsado a Requerente no montante de € 18.885,30 a título de amortização do crédito entretanto concedido por esta última;

             A sociedade D..., S.A. procedeu a nova amortização no valor de € 10.500.000,00 no dia 31 de Dezembro de 2005.

 

n)           Neste sentido, resulta do Documento n.º 5 junto com a p.i. que, no final do ano de 2005, o crédito concedido pela Requerente à sua participada D..., S.A. encontrava-se totalmente amortizado;

o)           Por outro lado, no que se refere ao crédito contraído pela D..., S.A., junto da sociedade entretanto liquidada e dissolvida (C... S.G.P.S. S.A.), foi amortizada uma quantia total de € 7.495.002,10 pelo que, atendendo ao valor que constava da contabilidade da Requerente em 27 de Dezembro de 2005, designadamente, um saldo no valor de € 16.745.823, referente ao saldo que transitou para a Requerente proveniente do activo da sociedade C... S.G.P.S., S.A, existia à data de 31 de Dezembro de 2005 um saldo devedor referente ao crédito contraído junto da C... S.G.P.S. no valor de € 9.250.821;

p)           A Requerente foi alvo de uma acção de inspecção tributária de âmbito geral, relativa ao exercício de 2005, na sequência da ordem de serviço OI2008...;

q)           No dia 15 de Março de 2009, a Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo n.º 2009... e da Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2009..., resultantes da referida acção de inspecção, no montante de € 2.311,66 e de € 282,97, respectivamente;

r)            Estes montantes foram pagos pela Requerente dentro do prazo de pagamento voluntário;

s)            Não obstante, a Requerente não se conformou com as liquidações em crise, pelo que apresentou, em 6 de Agosto de 2009, Reclamação Graciosa contra as liquidações supra referidas, a qual pugnava pela ilegalidade das liquidações em crise, defendendo, em síntese, que a Requerente estava isenta de Imposto do Selo e, ainda que assim não se entendesse, as liquidações sempre seriam ilegais em virtude de um manifesto excesso de matéria tributável;

t)            Em 26 de Maio de 2010, na sequência do Despacho da Exma. Senhora Directora de Serviços (por subdelegação), veio a AT a propor o indeferimento da Reclamação Graciosa contra a Liquidação n.º 2009..., em sede de Imposto do Selo e Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2009...;

u)           A Requerente exerceu o direito de audição em requerimento apresentado no dia 11 de Junho de 2010;

v)            Em 2 de Julho de 2010, foi a Requerente notificada do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada;

w)          A Requerente apresentou, em 29 de Julho de 2010, Recurso Hierárquico, o qual veio a ser indeferido, mantendo na integralidade o entendimento originalmente propugnado pela AT, por despacho de proferido pela Exma. Senhora Directora de Serviços (por subdelegação), em 18 de Fevereiro de 2018 e notificado em 21 de Dezembro de 2018;

x)            Não se conformando a Requerente com a decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico, a Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral.

 

§2. Factos não provados

 

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não resultam, factos não provados.

 

§3. Fundamentação dos factos provados

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, na análise crítica da prova documental, que consta dos autos, incluindo o processo administrativo.

 

III. 2. DE DIREITO

 

A questão central a dirimir visa determinar se as operações financeiras efetuadas no âmbito de contratos de empréstimo em conta corrente estabelecidos entre a Requerente e as sociedades por ela participadas, no período compreendido entre 27 de dezembro e 31 de Dezembro de 2005, cabem na previsão das normas de isenção das alíneas g) e h), n.º 1, do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, sendo que os referidos contratos de empréstimo foram assumidos pela Requerente, em 27 de Dezembro de 2005, na sequência da dissolução e liquidação por transmissão global do património de uma sociedade de que era acionista única.

 

III.2.1. Da inaplicabilidade da isenção prevista no artigo 7.º, alínea h) do Código do Imposto do Selo na redacção à data aplicável

 

Nos termos do disposto na alínea h) conjugada com a alínea g), ambas, do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, na redação à data aplicável:

 

«1 - São também isentos do imposto:

 

(…)

 

g) As operações financeiras, incluindo os respectivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinados à cobertura de carência de tesouraria e efectuadas por sociedades de capital de risco (SCR) a favor de sociedades em que detenham participações, bem como as efectuadas por sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) a favor sociedades por elas dominadas ou a sociedades em que detenham participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º e nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, e, bem assim, efectuadas em benefício da sociedade gestora de participações sociais que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo.

 

h) As operações financeiras, incluindo os respectivos juros, referidas na alínea anterior, quando realizadas por detentores do capital social a entidades nas quais detenham directamente uma participação no capital não inferior a 10% e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade durante um ano consecutivo ou desde a constituição da sociedade participada, contanto que, neste último caso, a participação seja mantida durante aquele período. (…)»

 

Ou seja, nos termos da alínea g) beneficiam de isenção as operações financeiras efetuadas por sociedades de capital de risco (SCR) e por sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) a favor de sociedades dominadas ou em que detenham participações, e as operações financeiras efetuadas em benefício de uma SGPS por sociedades que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo, desde que verificados cumulativamente os seguintes requisitos:

 

(i)           o prazo das operações não exceda um ano; e

(ii)          sejam destinadas exclusivamente à cobertura de carências de tesouraria.

 

Atenta a factualidade descrita, em causa nos autos apenas se encontra em causa o incumprimento do primeiro dos pressupostos necessários para aproveitamento desta isenção, qual seja, o período de detenção por um ano consecutivo pela Requerente das participações das sociedades D..., S.A., E..., S.A., e  F...S.A., anteriormente detidas pela C... S.G.P.S., S.A., antes da sua dissolução, liquidação e partilha.

 

Efetivamente, conforme consta do Relatório de Inspecção [Ponto III-2)]:

«[…] o sujeito passivo, por força da dissolução da ... [C..., SGPS, S.A.], passou a deter participações nas empresas […] na percentagem de 100%. Se o primeiro requisito está devidamente preenchido, já relativamente ao segundo não podemos afirmar o mesmo, dado estarmos perante empresas já constituídas, onde se exige que a titularidade da participação tenha que ser mantida durante, pelo menos, um ano consecutivo, e de onde se conclui que só depois de decorrido esse período, o qual constitui um pressuposto da aplicação da isenção, se poderá considerar aplicável a isenção.»

 

Assim, o elemento decisivo, para que as operações financeiras em causa sejam afastadas da isenção consagrada na alínea h), n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, reside no incumprimento do requisito temporal, ou seja, do prazo de detenção das participações adquiridas pela Requerente, na sequência da dissolução e liquidação por transmissão global do património de uma sociedade de que era acionista única, ocorrida em 27 de Dezembro de 2005.

 

Note-se ainda que, como referido no Relatório de Inspecção, determina-se no artigo 11.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) que:

«O direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo.»

 

Sustenta a Requerente que:

«A análise da questão, efectuada deste modo, revela-se superficial, na medida em que despreza a sua verdadeira natureza, imprimindo uma solução que atenta contra o princípio geral da neutralidade fiscal, em face do princípio da neutralidade fiscal, deve ser considerada esta aquisição como originária, computando-se para o efeito o período que antecede a extinção da sociedade C... S.G.P.S., S.A., uma vez que, a realidade económica de uma e outra situação são idênticas.»

 

Argumenta ainda que, tanto o princípio da prevalência da substância sobre a forma ínsito no n.º 3 do artigo 11.º da LGT, como uma interpretação sistemática e teleológica da lei, levam a concluir que, verificando-se a continuidade da actividade pela Requerente, deve aplicar-se o regime da neutralidade fiscal como previsto no regime fiscal das fusões, cisões, entradas de activos e permutas de partes sociais, previsto nos artigos 67.º e seguintes do Código do IRC.

Vejamos.

 

A Requerente não põe em causa que adquiriu a titularidade das participações no capital das sociedades mutuárias ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 148.º do CSC, na data da transmissão da totalidade do património da sociedade dissolvida.

 

Conforme mencionado no Relatório de Inspecção, foi registada a dissolução e o encerramento da liquidação, tendo as contas sido aprovadas em 27 de Dezembro de 2005.

 

E, contrariamente ao que sucede, por exemplo, com a fusão, onde a dissolução sem liquidação das entidades absorvidas permite manter a atividade através da entidade incorporante, subsistindo, assim, o ciclo de vida destas empresas, embora de forma nova, na pessoa da nova sociedade, com a verificação do encerramento da liquidação não se observa essa continuidade, considerando-se a sociedade dissolvida e liquidada extinta.

 

Efectivamente, o registo do encerramento da liquidação tem como consequência a extinção da personalidade jurídica e judiciária da sociedade (artigo 160.º do CSC).

 

No caso em apreço, a liquidação da C... S.G.P.S., S.A., foi feita através da transmissão global de todo o património, activo e passivo.

 

A escolha desta solução permitiu manter reunido o património e satisfazer os credores sociais que viram os seus interesses acautelados (cfr., entre outros, o artigo 163.º do CSC).

 

Assim, também o activo representado por todas as contas correntes que a C... S.G.P.S., S.A. detinha sobre as suas participadas acabou por ser transmitido para a Requerente, então denominada B..., S.A..

 

Ora, os empréstimos em conta corrente celebrados entre a Requerente e as sociedades dominadas agora, após a dissolução e partilha da C..., S,G,P.S.,, S.A., D..., S.A, E..., S.A, e F..., S.A, e, ainda, os respectivos juros, estariam isentos de Imposto do Selo, se fossem:

             por prazo não superior um ano;

             efetuadas por sociedades detentoras de capital social;

             a favor de sociedades sobre as quais detenham diretamente uma participação no capital não inferior a 10% e a participação tenha permanecido na sua titularidade durante um ano consecutivo;

             destinados exclusivamente à cobertura de carência de tesouraria.

 

Só que, como se viu, com a dissolução e liquidação da sociedade C..., S.G.P.S., S.A, e transmissão global do património desta para a Requerente não perdurou de alguma forma a personalidade jurídica da primeira na segunda, inexistindo assim qualquer continuidade no seu funcionamento.

 

Ou seja, não ocorre qualquer novação da C..., S.G.P.S., S.A., na pessoa da sociedade adquirente do património daquela, a exemplo do que sucederia na fusão por incorporação onde se verifica a dissolução da sociedade incorporada sem que ocorra a sua liquidação.

 

Assim, embora os pressupostos para reconhecimento da isenção inicialmente estivessem presentes no período em que a C..., S.G.P.S., S.A. se encontrava em actividade, deixaram de se verificar com o encerramento da liquidação.

 

E os requisitos agora exigidos após a transmissão global do património para que fosse reconhecida a isenção de Imposto do Selo não se têm por preenchidos, atento inexistir detenção das participações pelo período de um ano.

 

Assim, no período em causa (entre 27 de Dezembro de 2005 e 31 de Dezembro de 2005), por não se encontrarem preenchidos os requisitos exigidos nas normas de isenção consideram-se os empréstimos em conta corrente celebrados com as sociedades D..., S.A., E..., S.A., e F..., S.A., sujeitos a Imposto do Selo nos termo da verba 17.1.4 da respectiva  Tabela Geral e não estando dele isento.

 

Quanto à invocação feita pela Requerente do princípio da neutralidade fiscal, este não tem aqui aplicação.

 

Desde logo pelo facto de, em sede de Imposto do Selo, inexistir preceito semelhante ao existente no Código do IRC.

 

Efectivamente, tendo em conta que o resultado alcançado através da interpretação com recurso aos elementos sistemático e teleológico tem de ter um mínimo de suporte na literalidade da norma interpretada, torna-se forçoso reconhecer que os requisitos tipificados na alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, dos quais depende a aplicação da isenção, exigem que “uma participação no capital não inferior a 10% e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade durante um ano consecutivo”.

 

Não se encontrando qualquer alusão à forma contratual ou instrumento jurídico a coberto do qual deva efectivar-se a aquisição da titularidade da participação e, tão-pouco, o legislador remete para um regime de neutralidade que permitisse reportar a data de aquisição das participações pela Requerente à data em que foram adquiridas originariamente pela sociedade dissolvida e liquidada, à semelhança do que se encontra previsto no artigo 18.º-A do Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro e no novo artigo 47.º-A do Código do IRC.

 

Ademais, a circunstância de se ter verificado a dissolução com liquidação de uma das sociedades envolvidas obsta igualmente à aplicação daquele princípio.

 

Com efeito, o regime fiscal previsto nos artigos 73.º a 78.º do Código do IRC tem o seu campo de aplicação circunscrito às operações de fusão, cisão, entradas de activos, operação pela qual uma sociedade transfere, sem que seja dissolvida, um ou mais ramos da sua atividade para outra sociedade, permuta de partes sociais.

Ou seja, na previsão do regime da neutralidade fiscal não se incluem as operações de dissolução com liquidação.

 

O que expressamente consta na Circular n.º 8/2004 da DSIRC referida pela Requerente.

 

Nesta instrução administrativa divulga-se o entendimento sobre a forma de contagem dos prazos de detenção das participações sociais quando as participações sejam adquiridas em virtude da realização de uma operação de fusão, cisão ou entradas de activos e permutas de partes sociais às quais seja aplicável o regime de neutralidade fiscal previsto nos artigos 67.º e seguintes do Código do IRC mas, em simultâneo, esclarece que esta regra só é valida nessas situações, ao estabelecer que:

«Para efeitos, especificamente, da aplicação dos regimes de eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos (artigo 46.º) e da partilha (artigo 75.º), não se encontra expressamente prevista a aplicação deste princípio, no que respeita à contagem do período de tempo de detenção das participações recebidas em consequência da realização de uma operação de fusão, cisão, entrada de ativos ou permuta de ações.»

 

Donde resulta que o regime de neutralidade fiscal, no que concerne à contagem dos prazos de detenção de participações sociais está associado exclusivamente às operações de reestruturação empresarial abrangidas pelo regime especial de tributação em IRC e, portanto, está circunscrito às situações tipificadas no respectivo Código.

 

Posto isto, não faz sentido, por falta de sustentação legal e violação do princípio da legalidade, a pretensão da Requerente de transpor para a alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, os efeitos em termos de contagem do prazo de detenção de participações sociais, do regime da neutralidade fiscal consagrado no Código do IRC para operações aí especificamente definidas e onde não cabe a operação de liquidação por transmissão global, prevista no artigo 148.º CSC.

 

Assim sendo, não ocorre qualquer ofensa ao princípio da igualdade, como a Requerente defende.

 

Importa ainda relembrar as normas que estabeleçam benefícios fiscais não são susceptíveis de integração analógica conforme prescreve o artigo 10.º do EBF.

 

Como vem sido entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência [cfr. entre outros os acórdãos do STA de 23-11-2011 (Processo n.º 0592/11), que aqui se segue de perto], em matéria de benefícios fiscais, como em matéria de incidência tributária ou de definição de tipos legais de crimes (fiscais ou outros), não há, por definição, lacunas, pois as situações não previstas como isentas de imposto (como as não sujeitas a imposto ou as não descritas como crimes) estão, pura e simplesmente, fora do âmbito da norma de isenção (ou de incidência, ou punitiva, consoante os casos), mercê do especial vigor que o princípio da legalidade, na sua vertente de tipicidade (tributária - artigos 103.º n.º 2 da Constituição e penal – artigo 29.º n.º 1 da Constituição) assume nestes domínios.

 

A integração analógica encontra-se, pois, vedada naquelas matérias mercê do princípio constitucional da legalidade, sendo as afirmações concordantes do legislador ordinário nesse sentido – contidas, no domínio tributário, nos artigos 11.º, n.º 4 da LGT e (actual) 10.º do EBF, meros corolários daquelas normas constitucionais.

 

Não é, pois, constitucionalmente permitido ao juiz integrar uma suposta lacuna existente numa norma tributária de isenção, não podendo o princípio ordinário da substância sob a forma ter aqui aplicação em detrimento do princípio constitucional da legalidade.

 

E, embora não seja constitucionalmente vedada a possibilidade de interpretação extensiva – como, aliás, expressamente o admite a parte final do artigo 10.º do EBF –, esta, para operar tem como pressuposto a necessária demonstração de que o legislador minus dixit quam voluit.

 

Ora, atento o exposto, não há senão que concluir que a omissão constante seja em caso de dissolução e partilha seja ainda para efeitos de Imposto do Selo foi intencional, nada corroborando a tese da Requerente que tenha estado no espírito do legislador também a situação sob análise estar isenta.

 

III.2.1. Do excesso da matéria tributável quantificada

 

Nos termos do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, este incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens, exceptuadas as operações sujeitas ao Imposto sobre o Valor Acrescentado.

 

Já o artigo 9.º do Código do Imposto do Selo determina que o valor tributável do imposto é o que resulta da respectiva Tabela Geral.

 

No caso em apreço, a Verba n.º 17 da Tabela Geral, que prevê como hipótese de incidência objectiva do respectivo imposto nas operações financeiras a “utilização de crédito”, em virtude da concessão de crédito a qualquer título.

 

Ou seja, o aspecto material do elemento objectivo associado ao facto gerador do Imposto do Selo em causa é o acto de utilizar crédito.

 

Como realçam SILVÉRIO MATEUS e CORVELO DE FREITAS: “o facto tributário tipificado nesta verba é a concessão de crédito, ou seja, a utilização de crédito com base em negócio jurídico de concessão de crédito, cujos elementos essenciais se traduzem na prestação de um bem presente contra a promessa de restituição futura.” [Os Imposto sobre o Património e o Imposto do Selo, 2005, anotação à Verba n.º 17 da Tabela Geral].

[...]       

Não é o contrato de financiamento, sublinhe-se, mas o acto que se consubstancia na utilização do crédito concedido em qualquer espécie de contrato de mútuo (cfr. Parecer n.º 629, de 11 de Agosto de 2005, emitido pela Direcção de Serviços Jurídicos e do Contencioso).

 

Por outro lado, o artigo 5.º do Código do Imposto do Selo fixa o critério temporal do imposto: a obrigação tributária considera-se constituída nas operações de crédito no momento em que forem realizadas ou, se o crédito for utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outro meio em que o prazo não seja determinado ou determinável, no último dia de cada mês, como é o caso.

 

O que confirma os aspectos da norma de incidência supra delineados, ratificando o verdadeiro critério material do Imposto do Selo.

 

Acrescente-se que, nos termos da Verba n.º 17.1.4 da Tabela Geral, quando o prazo de utilização do crédito não seja determinado ou determinável, como na situação da Requerente, o valor tributável do Imposto do Selo será a média mensal do crédito utilizado sob a forma de conta corrente, obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30, sobre a qual é aplicada a taxa de 0,04%.

 

Estes são os aspectos objectivos da norma de incidência tributária de Imposto do Selo que deverão pautar qualquer interpretação sobre os factos tributários concretizadores dessa hipótese.

 

Curial, de igual modo, é destacar que estes componentes normativos que completam a hipótese de incidência de Imposto do Selo (aspecto material, temporal, territorial, quantitativo, subjectivo) têm, cada um, uma função que não pode ser desprezada na interpretação dos factos concretizadores da norma ora analisada.

 

Paralelamente à composição específica da determinação da dívida tributária, demarcando o conteúdo do objecto da relação tributária, o valor tributável tem ainda a virtude de atestar o aspecto material expresso na composição do antecedente normativo.

 

Obrigatoriamente, o valor tributável deve reflectir uma grandeza que mensure adequadamente a materialidade do facto tributário.

 

É por isto que o valor tributável de qualquer imposto tem que ter uma relação directa com o seu critério material.

 

Tudo isto para concluir no sentido de que o valor tributável da liquidação de Imposto do Selo ora em crise terá que corresponder à materialidade que assinalámos supra, ou seja, a utilização do crédito.

 

Acresce que, ao examinar o núcleo do aspecto material do Imposto do Selo objecto da liquidação em crise, e sendo o Direito Fiscal um ramo do direito de sobreposição, o qual utiliza constantemente os conceitos presentes nos diversos ramos do direito (cfr. artigo 11.º da LGT),

 

E porque o Código do Imposto do Selo não define o conceito de utilização de crédito ou contrato de mútuo, reafirme-se, aspectos objectivos da norma de incidência tributária, mostra-se como tarefa indispensável apurar o sentido com que estas expressões foram empregues no Direito Civil, a fim de comparar a definição com o essencial da previsão do facto gerador do Imposto do Selo em questão.

 

Assim, nos termos do artigo 1142.º do Código Civil, o contrato de mútuo é aquele no qual uma das partes empresta à outra dinheiro, ou coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género.

 

“O mútuo implica transferência da propriedade, não porque a função do contrato se dirija a esse fim, mas porque a «translatio domini» é indispensável – como meio ou instrumento jurídico – ao gozo da coisa que se visa proporcionar ao mutuário, dada a natureza fungível dela.” (cfr. ANTUNES VARELA in Código Civil Anotado, vol. II, p. 601),

 

O mesmo é dizer, no mútuo é pressuposto a entrega da coisa: “o mútuo é, de sua natureza, um contrato real, no sentido de que só se completa pela entrega (empréstimo) da coisa” (ibidem).

 

É este contrato que subjaz à incidência do Imposto do Selo definido na Verba n.º 17 da Tabela Geral.

 

Assentes estas premissas, sobre todo o contorno da hipótese de incidência do imposto objecto da liquidação em crise, voltemos à presente situação.

 

Do exame do Relatório de Inspecção, verifica-se que a AT calcula o Imposto do Selo sobre o valor utilizado sobre a forma de conta corrente no último dia de cada mês.

 

Como exposto acima, os contratos suporte das operações financeiras que consubstanciam, supostamente, os factos geradores do Imposto do Selo liquidado, decorrem da transferência da posição contratual de mutuante com a dissolução da sociedade C..., S.G.P.S., S.A. para a Requerente.

 

É a própria AT que afirma, nos termos do Relatório de Inspecção que, “com a dissolução, liquidação e consequente partilha da ACE, que ocorreu em 2005-11-27 (embora a data correcta e assumida pela Administração Tributária no mesmo relatório seja 2005-12-27), todas as contas correntes que esta detinha nas suas participadas foram transferidas para o sujeito passivo.”.

 

Nestes termos, a AT calculou a matéria colectável da liquidação de Imposto do Selo em apreço com suporte nos lançamentos da contabilidade da Requerente de acordo com o saldo da conta corrente que a Requerente passou a possuir no dia 27 de Dezembro de 2005, o qual reflectia apenas o saldo transferido da contabilidade da sociedade C..., S.G.P.S., S.A. em resultado da sua liquidação e partilha.

 

No entanto, não é possível estabelecer uma equivalência entre o saldo de uma conta que transitou para a titularidade da Requerente e os valores efectivamente entregues pela Requerente numa relação directa entre a mesma e as três sociedades por ela dominadas.

 

Sendo estes os únicos que se subsumem ao critério material do facto gerador do Imposto do Selo.

 

Com efeito, parece elementar o pensamento de que o facto de ter existido uma transferência de posição contratual do credor não implica que a Requerente tenha, ela própria, financiado todo o valor transitado para a sua contabilidade. Muito pelo contrário.

 

A mera transição do saldo de uma conta (da sociedade liquidada, C... S.G.P.S., S.A.) para outra (da Requerente) revela apenas a cessão de posição contratual onde a credora daquele saldo passou a ser a Requerente.

 

Mas isto não realiza a hipótese de incidência do Imposto do Selo que consubstancia a entrega do dinheiro.

 

Se não foi a Requerente quem entregou aqueles montantes, por conseguinte, não foi a Requerente quem financiou as sociedades por ela participadas.

 

Consequentemente, só poderá ser levado em conta na liquidação de Imposto do Selo o aspecto material do imposto, a utilização de crédito.

 

Ora, o saldo que “surgiu” na contabilidade da Requerente não revela a entrega de crédito às sociedades por ela participadas, mas sim, reafirme-se, a transferência do património da sociedade C..., S.G.P.S., S.A..

 

Relembrando o exposto supra com base na legislação que regula a incidência de Imposto do Selo objecto da liquidação em crise, a subsunção da norma jurídico tributária requer, como aspecto material da hipótese de incidência, a entrega da coisa.

 

Apenas se verifica a subsunção à norma de incidência de Imposto do Selo no momento em que o mutuário utiliza o crédito financiado, ao passo que o mutuante entrega ao mutuário o objecto do empréstimo.

 

Aliás, é essa a ratio legis expressa pelo legislador do Código do Imposto do Selo quando, a propósito da reforma da tributação sobre o património, expressamente refere no preâmbulo do referido diploma que “merece especial relevo a alteração da filosofia de tributação do crédito, que passou a recair sobre a sua utilização e já não sobre a celebração do respectivo negócio jurídico de concessão”, marcando uma tendência de conferir à tributação um alcance mais económico e real do que formal, o que tem como consequência a essencialidade deste imposto como uma tributação sobre operações que, independentemente da sua materialização, revelem rendimento ou riqueza.

 

Uma interpretação correcta, pois, deverá incluir um mecanismo teleológico a fim de aferir o alcance da norma no sentido pretendido e prestigiado pelo legislador do Código do Imposto do Selo.

 

Na situação suporte da liquidação em crise, os valores das entregas às sociedades D..., S.A., E..., S.A. e F..., S.A. não equivalem aos valores que simplesmente migraram da conta da sociedade liquidada, C..., S.G.P.S., S.A., para a Requerente, como decorre dos lançamentos contabilísticos datados de 27 de Dezembro de 2005.

 

Na verdade, os saldos base utilizados pela AT são bem superiores, denunciando um manifesto excesso do valor tributável, o qual, como referido anteriormente, deverá reflectir as somas efectivamente entregues pela Requerente às sociedades por ela participadas.

 

Em concreto, a AT considerou nas correspondentes operações financeiras efectuadas no âmbito de contratos de empréstimo em regime de conta corrente mantida entre a Requerente e as sociedades D..., S.A.,  E..., S.A. e F..., S.A., o saldo inicial de € 16.745.823,00, € 10.218.322,23 e € 9.137.882,39, respectivamente.

 

Os quais reflectem apenas o resultado que, em virtude da cessão de posição entre a C... S.G.P.S., S.A. e a Requerente em 27 de Dezembro de 2005, transitou para o activo da Requerente.

 

Como se fossem estes os valores efectivamente financiados pela Requerente.

 

Utilizando este ponto de partida, fundamentado, reafirme-se, em valores que não correspondem a nenhuma entrega pela Requerente às sociedades por ela participadas, a AT procede ao cálculo da matéria tributável computando o saldo diário reflectido nos lançamentos da contabilidade da Requerente.

 

Incluindo aquele saldo inicial, o que determina, necessariamente, um erro em todos os cálculos a partir daí realizados.

 

Ou seja, incidindo Imposto do Selo sobre o crédito utilizado sob a forma de conta corrente, a Requerente apenas poderá ser tributada relativamente ao crédito que efectivamente concedeu às sociedades por si participadas e não sobre o crédito que as suas participadas obtiveram junto de uma sociedade que entretanto foi liquidada e dissolvida.

 

Ora, se AT não aceita, no caso vertente, o princípio da continuidade da actividade económica e respectiva neutralidade fiscal da operação de transmissão da totalidade do património da sociedade dissolvida para a Requerente, também não poderá pretender tributar uma operação de utilização de um crédito contratado precisamente com uma sociedade liquidada e dissolvida.

 

Uma vez que o Imposto do Selo incide unicamente sobre a efectiva utilização do crédito e não sobre a contratação do mesmo.

 

Por conseguinte, haverá que distinguir, de forma clara e inequívoca, o crédito que a Requerente efectivamente concedeu em forma de conta corrente e o crédito que havia sido concedido pela sociedade entretanto dissolvida, uma vez que não poderá a Requerente ser tributada em sede de Imposto do Selo sobre operações contraídas junto de outra entidade, ainda que todos os direitos da sociedade dissolvida tenham transitado para a esfera jurídica da Requerente.

 

Assim, distinguindo claramente a AT a entidade dissolvida e a Requerente, não poderá apenas para efeitos de tributação em sede de Imposto do Selo ficcionar que a totalidade do crédito sobre o qual incide a tributação foi efectivamente concedido pela Requerente, dado que tal interpretação não corresponde à realidade.

 

Senão vejamos,

 

Em 27 de Dezembro de 2005, constava na contabilidade da Requerente um saldo no valor de € 9.137.882,39, exactamente igual àquele que constava naquela data no activo da sociedade C... S.G.P.S., S.A. (tanto que até ao dia 26 de Dezembro de 2005 não existia qualquer saldo, que, como se comprova da análise da contabilidade da Requerente, estava a “zero”, nem este valor corresponde a qualquer saída nesta mesma data.

 

Saldo que não corresponde a nenhuma entrega pela Requerente à sociedade F..., S.A., pelo que deve ser diferenciado do saldo que se estabelece na contabilidade da Requerente aquando da primeira utilização de crédito pela sociedade F..., S.A. efectivamente concedido pela Requerente,

 

E que deverá ser expurgado do valor tributável da liquidação em apreço.

 

No dia 30 de Dezembro de 2005, a sociedade F..., S.A. utilizou pela primeira vez um crédito no valor de € 1.695,96 na conta que passou a manter directamente com a Requerente no contrato de financiamento entretanto celebrado entre estas duas entidades.

 

Em 31 de Dezembro de 2005, a Requerente voltou a entregar à sociedade F..., S.A. uma quantia de € 995.801,31.

 

Logo, a base de cálculo do Imposto do Selo liquidado deveria ter considerado as movimentações que ocorreram apenas a partir de 27 de Dezembro de 2005, considerando o saldo credor que havia a partir de então, apenas relativo aos montantes efectivamente entregues pela Requerente na relação directa com a sociedade F..., S.A.

 

Assim, verificando por exemplo a efectiva utilização de crédito no mês de Dezembro de 2005, constatamos que a soma total perfaz € 997.497,27 (€ 1.695,96 + € 995.801,31) sendo, pois, apenas este o montante verdadeiramente entregue pela Requerente à sociedade F..., S.A..

 

Uma vez que o Imposto do Selo incide sobre a utilização de crédito, é inexorável que o critério quantitativo do imposto observe necessariamente o critério material da norma, conformando-o.

 

Assim, o Imposto do Selo deveria ter sido calculado sobre a soma dos saldos em dívida apurados diariamente a partir de 27 de Dezembro de 2005.

 

Não obstante, a AT considerou como matéria tributável a média dos saldos diários do mês de Dezembro de 2005 constante na contabilidade da Requerente no valor de € 1.408.963,07 que reflectem, todo o valor transitado aquando da cessão da posição contratual, mas que não revelam em nenhuma hipótese, os valores que esta disponibilizou à sociedade participada, F..., S.A.

 

Note-se que, não se ignoram as liquidações que a sociedade mutuária, F..., S.A. fez à Requerente no valor de € 73.237,67, em 29 de Dezembro de 2005, nem aquela efectuada no final do ano de 2005, no valor total de € 4.200.000,00.

 

Contudo, deverá assumir-se que tais transferências servem, em primeiro lugar, para cobrir o crédito directamente contraído junto da Requerente, devendo as quantias entregues em excesso servir para amortizar a dívida anteriormente constituída junto da sociedade entretanto liquidada e dissolvida.

 

Pelo que tais pagamentos destinam-se à amortização, em primeiro lugar, da dívida constituída junto da Requerente e, em segundo lugar, quando o pagamento supere tal montante em dívida deverá ser utilizado para amortização do saldo transitado para a conta da Requerente em decorrência da cessão de posição contratual.

 

Todas as operações de utilização de crédito por parte desta sociedade participada pela Requerente podem ser aferidas no Mapa de Registo de Transacções [cfr. Documento n.º 3 junto com a p.i.] que não difere nos dados referentes às entradas e saídas de capital, ao fluxo de caixa da operação de financiamento, mas sim na contabilização do saldo diário desta conta, em função do saldo tido como ponto de partida o que, naturalmente, tem como consequência uma significativa diminuição de tributação em sede de Imposto do Selo.

 

Através da análise do documento em causa é possível verificar que, no final do ano de 2005, o crédito concedido pela Requerente à sua participada F..., S.A. encontrava-se totalmente amortizado.

 

Por outro lado, no que se refere ao crédito contraído pela F..., S.A. junto da sociedade entretanto liquidada e dissolvida (C... S.G.P.S. S.A., S.A.) verificamos que foi amortizada uma quantia total de € 3.275.740,40, pelo que, atendendo ao valor que constava da contabilidade da Requerente em 27 de Dezembro de 2005, designadamente, um saldo no valor de € 9.137.882,39, referente ao saldo que transitou para a Requerente proveniente do activo da sociedade C... S.G.P.S., S.A, existia à data de 31 de Dezembro de 2005 um saldo devedor referente ao crédito contraído junto da C... S.G.P.S., S.A. no valor de € 5.862.141,99.

 

A mesma lógica aplica-se às outras duas sociedades.

 

Ressalva-se, contudo, que não é possível considerar para efeitos de valor tributável do Imposto do Selo das liquidações ora reclamadas o saldo das contas derivadas do contrato de empréstimo contraído pelas sociedades D..., S.A.,  E..., S.A. e F..., S.A. com a sociedade C..., S.G.P.S., S.A.

 

Mas apenas aquele contraído directamente na relação mantida entre as mesmas com a Requerente, correspondendo aos valores efectivamente entregues pela Requerente.

 

Ora, ao analisar as movimentações da conta corrente do contrato de empréstimo em que é mutuária a sociedade E..., S.A., temos que, em 27 de Dezembro de 2005, aquando da liquidação da sociedade C..., S.G.P.S., S.A., assumiu a Requerente a posição de credora de um saldo no valor de € 10.218.322,23, e é sobre este saldo que a AT calcula o valor tributável do imposto liquidado objecto do presente processo arbitral, ainda que apenas em observância ao aspecto temporal do imposto.

 

Não obstante, também neste caso deverão separar-se as duas contas correntes tituladas pela Requerente em face da sociedade E..., S.A., (i) uma originária da cessão de posição contratual derivada da liquidação da sociedade C..., S.G.P.S., S.A. e (ii) a outra onde a Requerente entrega directamente à sociedade E..., S.A., os montantes convencionados no contrato de mútuo que passa manter com esta a partir de 27 de Dezembro de 2005.

 

Usando esse paralelo, temos que, em 27 de Dezembro de 2005, o saldo credor constante do contrato de empréstimo originariamente mantido entre a C..., S.G.P.S., S.A e a sociedade E..., S.A. era igual a € 10.218.322,23.

 

Contudo, apenas nas datas de 30 de Dezembro e 31 de Dezembro de 2005, a beneficiária do crédito, a sociedade mutuária E..., S.A., utiliza crédito no valor de € 8.611,21 e € 2.593.868,61, respectivamente, no âmbito do contrato de abertura de crédito mantido entre a mesma e a Requerente.

 

Efectivamente, serão estes valores conjugados com as amortizações efectuadas, que constituem o valor de referência que deverá ser considerado como ponto de partida para apurar o saldo da conta corrente objecto da liquidação do Imposto do Selo eventualmente devido pela Requerente.

 

Ainda neste sentido, refira-se que, tal como na situação anterior, todos os montantes reembolsados por parte da E..., S.A., apenas serão abatidos até à concorrência do saldo resultante do mútuo contratado com a Requerente, devendo os montantes transferidos em excesso servir para amortizar a dívida originária contraída pela E..., S.A., junto da C... S.G.P.S., S.A..

 

A AT, ao fixar a matéria tributável do Imposto do Selo liquidado nos meses de 2005, considerou erroneamente o saldo que transitou para o património da Requerente por simples cessão de posição contratual, sem que este consubstanciasse a realização do facto gerador do imposto, a efectiva utilização de crédito.

 

Sucede que, até o dia 30 de Dezembro de 2005, não se podia falar em qualquer utilização de crédito, logo, o valor de € 10.218.322,23 levado em consideração para o cálculo do saldo-valor para o apuramento do Imposto do Selo supostamente devido nunca poderia ter servido de base para o apuramento do imposto.

 

Igualmente, todas as operações referentes à utilização de crédito em conta corrente, contraído junto da Requerente, por parte da E..., S.A, estão dispostas em mapa de fluxo das entradas e saídas de crédito e respectivo saldo (cfr. Documento n.º 4).

 

Assim, é possível verificar que, no final do ano de 2005, o crédito concedido pela Requerente à sua participada E..., S.A. encontrava-se totalmente amortizado.

 

Por outro lado, no que se refere ao crédito contraído pela E..., S.A., junto da sociedade entretanto liquidada e dissolvida (C... S.G.P.S., S.A.) verificamos que foi amortizada uma quantia total de € 5.122.287,27, pelo que, atendendo ao valor que constava da contabilidade da Requerente em 27 de Dezembro de 2005, designadamente, um saldo no valor de € 10.218.322,23, referente ao saldo que transitou para a Requerente proveniente do activo da sociedade C... S.G.P.S., S.A, existia à data de 31 de Dezembro de 2005 um saldo devedor referente ao crédito contraído junto da C... S.G.P.S., S.A. no valor de € 5.096.034,96.

 

Por último, no que se refere às operações efectuadas no âmbito do contrato de abertura de crédito mantido entre a Requerente e a sociedade C..., S.A., é possível constatar que na data de 27 de Dezembro de 2005, constava na contabilidade da Requerente um saldo no valor de € 16.745.823, exactamente igual àquele que constava naquela data no activo da sociedade C... S.G.P.S., S.A. (tanto que até ao dia 26 de Dezembro de 2005 não existia qualquer saldo, que, como se comprova da análise da contabilidade da Requerente, estava a “zero”, nem este valor corresponde a qualquer saída nesta mesma data),

 

Saldo que, uma vez mais, não corresponde a nenhuma entrega pela Requerente à sociedade D..., S.A., pelo que deve ser diferenciado do saldo que se estabelece na contabilidade da Requerente aquando da primeira utilização de crédito pela sociedade D..., S.A., efectivamente concedido pela Requerente.

 

E que, tal como no caso das restantes sociedades participadas, deverá ser expurgado do valor tributável da liquidação em apreço.

 

Nestes termos, no dia 28 de Dezembro de 2005, a sociedade D..., S.A., utilizou pela primeira vez um crédito no valor de € 3.000.000,00 na conta que passou a manter directamente com a Requerente no contrato de financiamento entretanto celebrado entre estas duas entidades.

 

Entretanto, no dia 30 de Dezembro de 2005, a Requerente voltou a entregar à sociedade D..., S.A. uma quantia de € 23.883,28.

 

Contudo, no dia 28 de Dezembro de 2005, a sociedade D..., S.A., havia reembolsado a Requerente no montante de € 18.885,30 a título de amortização do crédito entretanto concedido por esta última,

 

Tendo procedido a nova amortização no valor de € 10.500.000 no dia 31 de Dezembro de 2005, sendo que parte do reembolso se destinou, em primeiro lugar, a amortizar o crédito constituído junto da Requerente, destinando-se o valor reembolsado em excesso à amortização da dívida contraída originalmente por parte da D..., S.A., junto da sociedade C... S.G.P.S., S.A..

 

Sendo assim, o saldo credor que a Requerente possuía com a sociedade D..., S.A., em 31 de Dezembro de 2005 era de valor zero, em virtude da amortização efectuada pela D..., S.A., precisamente nesta data.

 

Logo, a base de cálculo do Imposto do Selo liquidado ora em crise deve considerar as movimentações que ocorreram apenas a partir de 27 de Dezembro de 2005, considerando o saldo credor que havia a partir de então, apenas relativo aos montantes efectivamente entregues pela Requerente na relação directa com a sociedade D..., S.A., e tendo em consideração todas as amortizações efectuadas.

 

Do mesmo modo, todas as operações referentes à utilização de crédito em conta corrente, contraído junto da Requerente, por parte da D..., S.A, estão dispostas em mapa de fluxo das entradas e saídas de crédito e respectivo saldo (cfr. Documento n.º 5 junto com a p.i.).

 

Assim, é possível verificar que no final do ano de 2005 o crédito concedido pela Requerente à sua participada D..., S.A. encontrava-se totalmente amortizado.

 

Por outro lado, no que se refere ao crédito contraído pela D..., S.A., junto da sociedade entretanto liquidada e dissolvida (C... S.G.P.S. S.A.) verificamos que foi amortizada uma quantia total de € 7.495.002,10 pelo que, atendendo ao valor que constava da contabilidade da Requerente em 27 de Dezembro de 2005, designadamente, um saldo no valor de € 16.745.823,00, referente ao saldo que transitou para a Requerente proveniente do activo da sociedade C... S.G.P.S., S.A, existia à data de 31 de Dezembro de 2006 um saldo devedor referente ao crédito contraído junto da C... S.G.P.S., S.A., no valor de € 9.250.821,00.

 

Por todo o exposto, os valores que constam do Anexo 3 do Relatório de Inspecção devem ser objecto de correcção, a saber:

 

O que resulta numa diferença entre o imposto liquidado e aquele efectivamente devido, a saber:

 

Por todo o exposto, deve proceder o pedido da Requerente.

 

IV - DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)            Julga improcedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo n.º 2009 ... e da liquidação de juros compensatórios n.º 2009 ..., com todas as legais consequências.

b)           Julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, determinar a reforma da liquidação de Imposto do Selo n.º 2009 ... e da liquidação de juros compensatórios n.º 2009 ..., por flagrante excesso do valor tributável, no valor de € 2.191,97, com todas as legais consequências, designadamente, a indemnização da Requerente, pela AT, de todos os prejuízos sofridos por aquela, nomeadamente os resultantes do pagamento indevido das liquidações em crise, incluindo os respectivos juros indemnizatórios, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT e no artigo 61.º do CPPT.

c)            Condenar as Partes em custas repartidas em conformidade com o respetivo decaimento.

 

V - VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 2.594,63 (dois mil, quinhentos e noventa e quatro euros e sessenta e três cêntimos), nos termos do disposto nos artigos 299.º, n.º 1 e 259.º, n.º 1, do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º1, alínea e) do RJAT, e, bem assim, do  artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI - CUSTAS

Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 612,00 (seiscentos e doze euros), repartidas na proporção do respectivo decaimento na proporção de 95% a cargo da AT e de 5% a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

               

Lisboa, 30 de Dezembro de 2019

 

O árbitro,

 

(Hélder Faustino)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

                 

I – RELATÓRIO

 

1. No dia 21 de Março de 2019, a A..., LDA., com sede na Av. ..., ..., ..., em Lisboa, titular do número único de identificação de pessoa colectiva ..., (doravante Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, abreviadamente designado RJAT), com a redação introduzida pelos artigos 228.º e 229.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro e pelos artigos 9.º da Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro e 17.º da Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, com vista à pronúncia deste tribunal relativamente à:

- Apreciação da legalidade da liquidação adicional de Imposto do Selo n.º 2009 ..., e, bem assim, da liquidação de juros compensatórios n.º 2009 ..., referentes ao ano de 2005, com a consequente anulação.

- Condenação da AT no reembolso das quantias indevidamente suportadas pela Requerente, acrescido dos juros indemnizatórios devidos nos termos do artigo 43.º e 100.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

- Reforma da liquidação da liquidação adicional de Imposto do Selo n.º 2009 ..., e, bem assim, da liquidação de juros compensatórios n.º 2009 ..., por excesso do valor tributável, com todas as consequências legais.

2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação à AT, em 27 de Março de 2019.

3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

3.1. Em 14 de Maio de 2019, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

3.2. Assim, em conformidade com o preceituado do artigo 11.º, n.º 1, na alínea c) do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 3 de Junho de 2019.

4. No essencial, a Requerente alega que:

t)            A Requerente denominava-se, anteriormente, B..., S.A., sendo então, a accionista única da sociedade C..., S.G.P.S., S.A. e esta, por sua vez, detentora da integralidade do capital das sociedades D..., S.A., E..., S.A. e F..., S.A.

u)           A sociedade C..., S.G.P.S., S.A. mantinha com estas 3 (três) sociedades (D..., S.A., E..., S.A. e F..., S.A.), por si dominadas, respectivamente, três contratos de empréstimo e conta corrente.

v)            Em 27 de Dezembro de 2005, a sociedade C..., S.G.P.S., S.A. foi dissolvida, nos termos do artigo 141.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) e liquidada por transmissão global do seu património para a sua única acionista, a Requerente.

w)          Em consequência, verificou-se a transferência dos activos e passivos do património da sociedade C..., S.G.P.S, S.A, para a esfera da Requerente, detentora da totalidade do capital social daquela, nos termos do artigo 148.º do CSC, entre os quais, os resultantes dos contratos de mútuo celebrados com as sociedades D..., S.A., E..., S.A. e F..., S.A.

x)            Encontram-se cumpridos os requisitos cumulativos de que depende a aplicação da isenção de Imposto do Selo prevista na alínea h) do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo: (i) que as operações financeiras tenham sido realizadas por detentores de capital a entidades nas quais detenham directamente uma participação social no capital de pelo menos 10% e (ii) que esta participação não inferior a 10% tenha permanecido na sua titularidade durante 1 (um) ano consecutivo.

y)            Com efeito, não obstante a sociedade C... S.G.P.S, S.A. ter sido dissolvida e liquidada, verificou-se a transferência do conjunto do activo e do passivo do seu património para a esfera da Requerente, detentora do capital social daquela, nos termos do artigo 148.º do CSC.

z)            Existindo uma continuidade do exercício da actividade pela Requerente, não estamos perante uma participação ex nova.

aa)         Esta interpretação é consoante com o princípio geral de neutralidade fiscal visado pelo legislador, sempre que estejamos perante operações cuja substância económica seja idêntica às operações de fusão, cisão e entrada de activos.

bb)         Tendo em conta a continuidade do exercício de actividade, não deve deixar de computar-se o período de detenção das participações sociais pela transferência do conjunto do activo e do passivo do património da sociedade C... S.G.P.S., S.A. para a esfera da Requerente.

cc)          Atento o regime aplicado ao grupo de sociedades do qual tanto a Requerente como a sociedade C... S.G.P.S., S.A., bem como as respectivas participadas faziam parte, uma vez que o princípio da neutralidade se prende com a correcção de distorções, no caso, no âmbito do tratamento de operações que visam a reestruturação ou a racionalização da actividade das empresas, como forma decisiva para a sua competitividade do tecido empresarial, uma maior eficácia e celeridade, deve-se buscar a substância destas operações independentemente da forma com que são revestidas.

dd)         Com a operação de transmissão global do património por parte da C... S.G.P.S., S.A. para a Requerente, deverá, atendendo a uma interpretação teleológica e sistemática, e ainda em virtude do princípio da igualdade, considerar-se que o período de contagem de detenção das participações das sociedades participadas pela Requerente se reporta ao início da detenção das participações por parte da sociedade entretanto liquidada e dissolvida, motivando a isenção de Imposto do Selo e, consequentemente, a ilegalidade da liquidação em apreço e respectivos juros compensatórios, que deverá ser anulada.

ee)         Subsidiariamente, a liquidação de Imposto do Selo em apreço e a respectiva liquidação de juros compensatórios deverá ser objecto de anulação parcial em virtude do excesso da matéria colectável quantificada.

ff)           O excesso em questão deve-se à interpretação do termo “utilização de crédito”, enquanto facto gerador do Imposto do Selo nas operações financeiras.

gg)         Com efeito, o facto gerador do Imposto do Selo nas operações financeiras é a utilização do crédito e não a existência de uma conta-corrente no âmbito de um contrato de mútuo.

hh)         Ao calcular como matéria tributável da liquidação de Imposto do Selo com base nos lançamentos contabilísticos da Requerente de acordo com o saldo da conta corrente que a Requerente passou a possuir no dia 27 de Dezembro de 2005, o qual apenas reflectia o saldo transferido da contabilidade da sociedade C..., S.G.P.S., S.A., em resultado da sua liquidação e partilha, a liquidação enferma de ilegalidade.

ii)            Ora, ao considerar-se como valor tributável os constantes da transferência da posição contratual de mutuante com a dissolução da sociedade C... S.G.P.S., S.A. para a Requerente, a AT não tem em conta a “utilização de crédito”, ou seja, a entrega de qualquer montante pela Requerente às suas participadas.

jj)           Assim, os saldos base utilizados pela AT são bem superiores, denunciando um manifesto excesso do valor tributável, o qual deverá reflectir as somas efectivamente entregues pela Requerente às sociedades por ela participadas. Ou seja, os saldos diários que não reflectem qualquer entrega de crédito pela Requerente às sociedades participadas deverão ser expurgados.

kk)         Não aceitando a AT o princípio da continuidade da actividade económica e respectiva neutralidade fiscal da operação de transmissão da totalidade do património da sociedade dissolvida para a Requerente, também não poderá pretender tributar uma operação de utilização de um crédito contratado precisamente com uma sociedade liquidada e dissolvida.

ll)            Pelo que a inclusão deste saldo inicial determina, necessariamente, um erro em todos os cálculos a partir daí realizados.

5. No dia 8 de Julho de 2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta, tendo concluído pela improcedência da presente acção, com base, em suma, nos seguintes argumentos:

 

[...]

 

6. Por despacho de 19 de Julho de 2019, foram as Partes notificadas da decisão do Tribunal Arbitral de dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, e convidadas a produzir alegações escritas, tendo sido fixado o dia 30 de Setembro de 2019 como data limite para a prolação da decisão arbitral.

7. As Partes apresentaram alegacões escritas.

 

II – Saneador

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cfr. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades, não tendo sido invocadas quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

 

III – FUNDAMENTAÇÃO

 

III-1. DE FACTO

 

§1. Factos provados

 

Com interesse para a decisão a proferir nos presentes autos consideram-se provados os seguintes factos:

y)            A Requerente denominava-se, anteriormente, B..., S.A., sendo, à época, a accionista única da sociedade C... S.G.P.S., S.A.;

z)            A sociedade C... S.G.P.S., S.A., por sua vez, era detentora da integralidade do capital social das sociedades D..., S.A.,  E..., S.A. e F..., S.A., empresas que integravam à data dos factos o grupo de sociedades em que a sociedade-mãe era a B..., S.A., anterior denominação da Requerente;

aa)         A sociedade C... S.G.P.S., S.A. mantinha com estas três sociedades, D..., S.A., E..., S.A. e F..., S.A., por ela dominadas, respectivamente, três contratos de empréstimo em conta corrente, que se encontravam isentos de Imposto do Selo nos termos do artigo 7.º, alínea g) do Código do Imposto do Selo, na redacção em vigor à data dos factos;

bb)         Em 27 de Dezembro de 2005, a sociedade C... S.G.P.S., S.A. foi dissolvida, nos termos do artigo 141.º do CSC e liquidada por transmissão global do seu património para a sua accionista única, a Requerente;

cc)          Verificou-se, assim, a transferência dos activos e passivos do património da sociedade C... S.G.P.S., S.A. para a esfera da Requerente, detentora da totalidade das partes representativas do capital social daquela, nos termos do artigo 148.º do CSC, entre os quais, os resultantes dos contratos de mútuo celebrados com as sociedades D..., S.A., E..., S.A. e F..., S.A.;

dd)         Consequentemente, a Requerente assumiu todos os direitos e obrigações da sociedade dissolvida, C... S.G.P.S., S.A, incluindo os contratos de empréstimo em regime de conta corrente mantidos com as sociedades D..., S.A., E..., S.A. e F..., S.A., com o saldo inicial de € 16.745.823,00, € 10.218.322,23 e € 9.137.882,39, respectivamente;

ee)         Após 27 de Dezembro de 2005, existiram fluxos financeiros subsequentes entre a Requerente e as suas participadas (cfr. Documentos n.º 3, n.º 4 e n.º 5 junto com a p.i.;

ff)           Em concreto, entre a Requerente e a sua participada F..., S.A., resulta do Documento n.º 3 junto com a p.i. que:

             Em 27 de Dezembro de 2005, constava na contabilidade da Requerente um saldo no valor de € 9.137.882,39, exactamente igual àquele que constava naquela data no activo da sociedade C... S.G.P.S., S.A;

             No dia 30 de Dezembro de 2005, a sociedade F..., S.A. utilizou pela primeira vez um crédito no valor de € 1.695,96 na conta que passou a manter directamente com a Requerente no contrato de financiamento entretanto celebrado entre estas duas entidades;

             No dia seguinte, em 31 de Dezembro de 2005, a Requerente voltou a entregar à sociedade F..., S.A. uma quantia de € 995.801,31;

             A sociedade mutuária F..., S.A. liquidou à Requerente o valor de € 73.237,67, em 29 de Dezembro de 2005, bem como o valor de € 4.200.000,00 no final do ano de 2005, pelo que liquidou o valor total de € 4.273.237,67.

gg)         No que se refere ao crédito contraído pela F..., S.A junto da sociedade entretanto liquidada e dissolvida (C... S.G.P.S. S.A.), foi amortizada uma quantia total de € 3.275.740,40, pelo que, atendendo ao valor que constava da contabilidade da Requerente em 27 de Dezembro de 2005, designadamente, um saldo no valor de € 9.137.882,39, referente ao saldo que transitou para a Requerente proveniente do activo da sociedade C... S.G.P.S., S.A, existia à data de 31 de Dezembro de 2005 um saldo devedor referente ao crédito contraído junto da C... S.G.P.S. no valor de € 5.862.141,99;

hh)         Já entre a Requerente e a sua participada E..., S.A., de acordo com o Documento n.º 4 junto com a p.i.:

             Em 27 de Dezembro de 2005, o saldo credor constante do contrato de empréstimo originariamente mantido entre a C..., S.G.P.S., S.A e a sociedade E..., S.A. era igual a € 10.218.322,23;

             Contudo, apenas nas datas de 30 de Dezembro e 31 de Dezembro de 2005, a beneficiária do crédito, a sociedade mutuária E..., S.A., utilizou crédito no valor de € 8.611,21 e € 2.593.868,61, respectivamente.

 

ii)            Resulta, ainda, do Documento n.º 4 junto com a p.i. que, no final do ano de 2005, o crédito concedido pela Requerente à sua participada E..., S.A. encontrava-se totalmente amortizado;

jj)           Por outro lado, no que se refere ao crédito contraído pela E..., S.A., junto da sociedade entretanto liquidada e dissolvida (C... S.G.P.S. S.A.), verifica-se que foi amortizada uma quantia total de € 5.122.287,27, pelo que, atendendo ao valor que constava da contabilidade da Requerente em 27 de Dezembro de 2005, designadamente, um saldo no valor de € 10.218.322,23, referente ao saldo que transitou para a Requerente proveniente do activo da sociedade C... S.G.P.S., S.A, existia à data de 31 de Dezembro de 2005 um saldo devedor referente ao crédito contraído junto da C..., S.G.P.S. no valor de € 5.096.034,96;

kk)         Por fim, no que se refere às operações efectuadas no âmbito do contrato de abertura de crédito mantido entre a Requerente e a sociedade D..., S.A., resulta do Documento n.º 5 junto com a p.i que:

             Na data de 27 de Dezembro de 2005, constava na contabilidade da Requerente um saldo no valor de € 16.745.823, exactamente igual àquele que constava naquela data no activo da sociedade C..., S.G.P.S., S.A. (tanto que até ao dia 26 de Dezembro de 2005 não existia qualquer saldo, que, como se comprova da análise da contabilidade da Requerente, estava a “zero”, nem este valor corresponde a qualquer saída nesta mesma data);

             No dia 28 de Dezembro de 2005, a sociedade D..., S.A., utilizou pela primeira vez um crédito no valor de € 3.000.000;

             Entretanto, no dia 30 de Dezembro de 2005, a Requerente voltou a entregar à sociedade D..., S.A. uma quantia de € 23.883,28;

             Contudo, no dia 28 de Dezembro de 2005, a sociedade D... S.A., havia reembolsado a Requerente no montante de € 18.885,30 a título de amortização do crédito entretanto concedido por esta última;

             A sociedade D..., S.A. procedeu a nova amortização no valor de € 10.500.000,00 no dia 31 de Dezembro de 2005.

 

ll)            Neste sentido, resulta do Documento n.º 5 junto com a p.i. que, no final do ano de 2005, o crédito concedido pela Requerente à sua participada D..., S.A. encontrava-se totalmente amortizado;

mm)      Por outro lado, no que se refere ao crédito contraído pela D..., S.A., junto da sociedade entretanto liquidada e dissolvida (C... S.G.P.S. S.A.), foi amortizada uma quantia total de € 7.495.002,10 pelo que, atendendo ao valor que constava da contabilidade da Requerente em 27 de Dezembro de 2005, designadamente, um saldo no valor de € 16.745.823, referente ao saldo que transitou para a Requerente proveniente do activo da sociedade C... S.G.P.S., S.A, existia à data de 31 de Dezembro de 2005 um saldo devedor referente ao crédito contraído junto da C... S.G.P.S. no valor de € 9.250.821;

nn)         A Requerente foi alvo de uma acção de inspecção tributária de âmbito geral, relativa ao exercício de 2005, na sequência da ordem de serviço OI2008...;

oo)         No dia 15 de Março de 2009, a Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo n.º 2009 ... e da Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2009 ..., resultantes da referida acção de inspecção, no montante de € 2.311,66 e de € 282,97, respectivamente;

pp)         Estes montantes foram pagos pela Requerente dentro do prazo de pagamento voluntário;

qq)         Não obstante, a Requerente não se conformou com as liquidações em crise, pelo que apresentou, em 6 de Agosto de 2009, Reclamação Graciosa contra as liquidações supra referidas, a qual pugnava pela ilegalidade das liquidações em crise, defendendo, em síntese, que a Requerente estava isenta de Imposto do Selo e, ainda que assim não se entendesse, as liquidações sempre seriam ilegais em virtude de um manifesto excesso de matéria tributável;

rr)           Em 26 de Maio de 2010, na sequência do Despacho da Exma. Senhora Directora de Serviços (por subdelegação), veio a AT a propor o indeferimento da Reclamação Graciosa contra a Liquidação n.º 2009 ..., em sede de Imposto do Selo e Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2009 ...;

ss)          A Requerente exerceu o direito de audição em requerimento apresentado no dia 11 de Junho de 2010;

tt)           Em 2 de Julho de 2010, foi a Requerente notificada do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada;

uu)         A Requerente apresentou, em 29 de Julho de 2010, Recurso Hierárquico, o qual veio a ser indeferido, mantendo na integralidade o entendimento originalmente propugnado pela AT, por despacho de proferido pela Exma. Senhora Directora de Serviços (por subdelegação), em 18 de Fevereiro de 2018 e notificado em 21 de Dezembro de 2018;

vv)         Não se conformando a Requerente com a decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico, a Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral.

 

§2. Factos não provados

 

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não resultam, factos não provados.

 

§3. Fundamentação dos factos provados

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, na análise crítica da prova documental, que consta dos autos, incluindo o processo administrativo.

 

III. 2. DE DIREITO

 

A questão central a dirimir visa determinar se as operações financeiras efetuadas no âmbito de contratos de empréstimo em conta corrente estabelecidos entre a Requerente e as sociedades por ela participadas, no período compreendido entre 27 de dezembro e 31 de Dezembro de 2005, cabem na previsão das normas de isenção das alíneas g) e h), n.º 1, do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, sendo que os referidos contratos de empréstimo foram assumidos pela Requerente, em 27 de Dezembro de 2005, na sequência da dissolução e liquidação por transmissão global do património de uma sociedade de que era acionista única.

 

III.2.1. Da inaplicabilidade da isenção prevista no artigo 7.º, alínea h) do Código do Imposto do Selo na redacção à data aplicável

 

Nos termos do disposto na alínea h) conjugada com a alínea g), ambas, do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, na redação à data aplicável:

 

«1 - São também isentos do imposto:

 

(…)

 

g) As operações financeiras, incluindo os respectivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinados à cobertura de carência de tesouraria e efectuadas por sociedades de capital de risco (SCR) a favor de sociedades em que detenham participações, bem como as efectuadas por sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) a favor sociedades por elas dominadas ou a sociedades em que detenham participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º e nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, e, bem assim, efectuadas em benefício da sociedade gestora de participações sociais que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo.

 

h) As operações financeiras, incluindo os respectivos juros, referidas na alínea anterior, quando realizadas por detentores do capital social a entidades nas quais detenham directamente uma participação no capital não inferior a 10% e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade durante um ano consecutivo ou desde a constituição da sociedade participada, contanto que, neste último caso, a participação seja mantida durante aquele período. (…)»

 

Ou seja, nos termos da alínea g) beneficiam de isenção as operações financeiras efetuadas por sociedades de capital de risco (SCR) e por sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) a favor de sociedades dominadas ou em que detenham participações, e as operações financeiras efetuadas em benefício de uma SGPS por sociedades que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo, desde que verificados cumulativamente os seguintes requisitos:

 

(iii)         o prazo das operações não exceda um ano; e

(iv)         sejam destinadas exclusivamente à cobertura de carências de tesouraria.

 

Atenta a factualidade descrita, em causa nos autos apenas se encontra em causa o incumprimento do primeiro dos pressupostos necessários para aproveitamento desta isenção, qual seja, o período de detenção por um ano consecutivo pela Requerente das participações das sociedades D..., S.A., E..., S.A., e F..., S.A., anteriormente detidas pela C... S.G.P.S., S.A., antes da sua dissolução, liquidação e partilha.

 

Efetivamente, conforme consta do Relatório de Inspecção [Ponto III-2)]:

«[…] o sujeito passivo, por força da dissolução da C... [Holding, SGPS, S.A.], passou a deter participações nas empresas […] na percentagem de 100%. Se o primeiro requisito está devidamente preenchido, já relativamente ao segundo não podemos afirmar o mesmo, dado estarmos perante empresas já constituídas, onde se exige que a titularidade da participação tenha que ser mantida durante, pelo menos, um ano consecutivo, e de onde se conclui que só depois de decorrido esse período, o qual constitui um pressuposto da aplicação da isenção, se poderá considerar aplicável a isenção.»

 

Assim, o elemento decisivo, para que as operações financeiras em causa sejam afastadas da isenção consagrada na alínea h), n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, reside no incumprimento do requisito temporal, ou seja, do prazo de detenção das participações adquiridas pela Requerente, na sequência da dissolução e liquidação por transmissão global do património de uma sociedade de que era acionista única, ocorrida em 27 de Dezembro de 2005.

 

Note-se ainda que, como referido no Relatório de Inspecção, determina-se no artigo 11.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) que:

«O direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo.»

 

Sustenta a Requerente que:

«A análise da questão, efectuada deste modo, revela-se superficial, na medida em que despreza a sua verdadeira natureza, imprimindo uma solução que atenta contra o princípio geral da neutralidade fiscal, em face do princípio da neutralidade fiscal, deve ser considerada esta aquisição como originária, computando-se para o efeito o período que antecede a extinção da sociedade C... S.G.P.S., S.A., uma vez que, a realidade económica de uma e outra situação são idênticas.»

 

Argumenta ainda que, tanto o princípio da prevalência da substância sobre a forma ínsito no n.º 3 do artigo 11.º da LGT, como uma interpretação sistemática e teleológica da lei, levam a concluir que, verificando-se a continuidade da actividade pela Requerente, deve aplicar-se o regime da neutralidade fiscal como previsto no regime fiscal das fusões, cisões, entradas de activos e permutas de partes sociais, previsto nos artigos 67.º e seguintes do Código do IRC.

Vejamos.

 

A Requerente não põe em causa que adquiriu a titularidade das participações no capital das sociedades mutuárias ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 148.º do CSC, na data da transmissão da totalidade do património da sociedade dissolvida.

 

Conforme mencionado no Relatório de Inspecção, foi registada a dissolução e o encerramento da liquidação, tendo as contas sido aprovadas em 27 de Dezembro de 2005.

 

E, contrariamente ao que sucede, por exemplo, com a fusão, onde a dissolução sem liquidação das entidades absorvidas permite manter a atividade através da entidade incorporante, subsistindo, assim, o ciclo de vida destas empresas, embora de forma nova, na pessoa da nova sociedade, com a verificação do encerramento da liquidação não se observa essa continuidade, considerando-se a sociedade dissolvida e liquidada extinta.

 

Efectivamente, o registo do encerramento da liquidação tem como consequência a extinção da personalidade jurídica e judiciária da sociedade (artigo 160.º do CSC).

 

No caso em apreço, a liquidação da C... S.G.P.S., S.A., foi feita através da transmissão global de todo o património, activo e passivo.

 

A escolha desta solução permitiu manter reunido o património e satisfazer os credores sociais que viram os seus interesses acautelados (cfr., entre outros, o artigo 163.º do CSC).

 

Assim, também o activo representado por todas as contas correntes que a C... S.G.P.S., S.A. detinha sobre as suas participadas acabou por ser transmitido para a Requerente, então denominada B..., S.A..

 

Ora, os empréstimos em conta corrente celebrados entre a Requerente e as sociedades dominadas agora, após a dissolução e partilha da C..., S,G,P.S.,, S.A., D..., S.A, E..., S.A, e F..., S.A, e, ainda, os respectivos juros, estariam isentos de Imposto do Selo, se fossem:

             por prazo não superior um ano;

             efetuadas por sociedades detentoras de capital social;

             a favor de sociedades sobre as quais detenham diretamente uma participação no capital não inferior a 10% e a participação tenha permanecido na sua titularidade durante um ano consecutivo;

             destinados exclusivamente à cobertura de carência de tesouraria.

 

Só que, como se viu, com a dissolução e liquidação da sociedade C..., S.G.P.S., S.A, e transmissão global do património desta para a Requerente não perdurou de alguma forma a personalidade jurídica da primeira na segunda, inexistindo assim qualquer continuidade no seu funcionamento.

 

Ou seja, não ocorre qualquer novação da C..., S.G.P.S., S.A., na pessoa da sociedade adquirente do património daquela, a exemplo do que sucederia na fusão por incorporação onde se verifica a dissolução da sociedade incorporada sem que ocorra a sua liquidação.

 

Assim, embora os pressupostos para reconhecimento da isenção inicialmente estivessem presentes no período em que a C..., S.G.P.S., S.A. se encontrava em actividade, deixaram de se verificar com o encerramento da liquidação.

 

E os requisitos agora exigidos após a transmissão global do património para que fosse reconhecida a isenção de Imposto do Selo não se têm por preenchidos, atento inexistir detenção das participações pelo período de um ano.

 

Assim, no período em causa (entre 27 de Dezembro de 2005 e 31 de Dezembro de 2005), por não se encontrarem preenchidos os requisitos exigidos nas normas de isenção consideram-se os empréstimos em conta corrente celebrados com as sociedades D..., S.A., E..., S.A., e F..., S.A., sujeitos a Imposto do Selo nos termo da verba 17.1.4 da respectiva  Tabela Geral e não estando dele isento.

 

Quanto à invocação feita pela Requerente do princípio da neutralidade fiscal, este não tem aqui aplicação.

 

Desde logo pelo facto de, em sede de Imposto do Selo, inexistir preceito semelhante ao existente no Código do IRC.

 

Efectivamente, tendo em conta que o resultado alcançado através da interpretação com recurso aos elementos sistemático e teleológico tem de ter um mínimo de suporte na literalidade da norma interpretada, torna-se forçoso reconhecer que os requisitos tipificados na alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, dos quais depende a aplicação da isenção, exigem que “uma participação no capital não inferior a 10% e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade durante um ano consecutivo”.

 

Não se encontrando qualquer alusão à forma contratual ou instrumento jurídico a coberto do qual deva efectivar-se a aquisição da titularidade da participação e, tão-pouco, o legislador remete para um regime de neutralidade que permitisse reportar a data de aquisição das participações pela Requerente à data em que foram adquiridas originariamente pela sociedade dissolvida e liquidada, à semelhança do que se encontra previsto no artigo 18.º-A do Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro e no novo artigo 47.º-A do Código do IRC.

 

Ademais, a circunstância de se ter verificado a dissolução com liquidação de uma das sociedades envolvidas obsta igualmente à aplicação daquele princípio.

 

Com efeito, o regime fiscal previsto nos artigos 73.º a 78.º do Código do IRC tem o seu campo de aplicação circunscrito às operações de fusão, cisão, entradas de activos, operação pela qual uma sociedade transfere, sem que seja dissolvida, um ou mais ramos da sua atividade para outra sociedade, permuta de partes sociais.

Ou seja, na previsão do regime da neutralidade fiscal não se incluem as operações de dissolução com liquidação.

 

O que expressamente consta na Circular n.º 8/2004 da DSIRC referida pela Requerente.

 

Nesta instrução administrativa divulga-se o entendimento sobre a forma de contagem dos prazos de detenção das participações sociais quando as participações sejam adquiridas em virtude da realização de uma operação de fusão, cisão ou entradas de activos e permutas de partes sociais às quais seja aplicável o regime de neutralidade fiscal previsto nos artigos 67.º e seguintes do Código do IRC mas, em simultâneo, esclarece que esta regra só é valida nessas situações, ao estabelecer que:

«Para efeitos, especificamente, da aplicação dos regimes de eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos (artigo 46.º) e da partilha (artigo 75.º), não se encontra expressamente prevista a aplicação deste princípio, no que respeita à contagem do período de tempo de detenção das participações recebidas em consequência da realização de uma operação de fusão, cisão, entrada de ativos ou permuta de ações.»

 

Donde resulta que o regime de neutralidade fiscal, no que concerne à contagem dos prazos de detenção de participações sociais está associado exclusivamente às operações de reestruturação empresarial abrangidas pelo regime especial de tributação em IRC e, portanto, está circunscrito às situações tipificadas no respectivo Código.

 

Posto isto, não faz sentido, por falta de sustentação legal e violação do princípio da legalidade, a pretensão da Requerente de transpor para a alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, os efeitos em termos de contagem do prazo de detenção de participações sociais, do regime da neutralidade fiscal consagrado no Código do IRC para operações aí especificamente definidas e onde não cabe a operação de liquidação por transmissão global, prevista no artigo 148.º CSC.

 

Assim sendo, não ocorre qualquer ofensa ao princípio da igualdade, como a Requerente defende.

 

Importa ainda relembrar as normas que estabeleçam benefícios fiscais não são susceptíveis de integração analógica conforme prescreve o artigo 10.º do EBF.

 

Como vem sido entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência [cfr. entre outros os acórdãos do STA de 23-11-2011 (Processo n.º 0592/11), que aqui se segue de perto], em matéria de benefícios fiscais, como em matéria de incidência tributária ou de definição de tipos legais de crimes (fiscais ou outros), não há, por definição, lacunas, pois as situações não previstas como isentas de imposto (como as não sujeitas a imposto ou as não descritas como crimes) estão, pura e simplesmente, fora do âmbito da norma de isenção (ou de incidência, ou punitiva, consoante os casos), mercê do especial vigor que o princípio da legalidade, na sua vertente de tipicidade (tributária - artigos 103.º n.º 2 da Constituição e penal – artigo 29.º n.º 1 da Constituição) assume nestes domínios.

 

A integração analógica encontra-se, pois, vedada naquelas matérias mercê do princípio constitucional da legalidade, sendo as afirmações concordantes do legislador ordinário nesse sentido – contidas, no domínio tributário, nos artigos 11.º, n.º 4 da LGT e (actual) 10.º do EBF, meros corolários daquelas normas constitucionais.

 

Não é, pois, constitucionalmente permitido ao juiz integrar uma suposta lacuna existente numa norma tributária de isenção, não podendo o princípio ordinário da substância sob a forma ter aqui aplicação em detrimento do princípio constitucional da legalidade.

 

E, embora não seja constitucionalmente vedada a possibilidade de interpretação extensiva – como, aliás, expressamente o admite a parte final do artigo 10.º do EBF –, esta, para operar tem como pressuposto a necessária demonstração de que o legislador minus dixit quam voluit.

Ora, atento o exposto, não há senão que concluir que a omissão constante seja em caso de dissolução e partilha seja ainda para efeitos de Imposto do Selo foi intencional, nada corroborando a tese da Requerente que tenha estado no espírito do legislador também a situação sob análise estar isenta.

 

III.2.1. Do excesso da matéria tributável quantificada

 

Nos termos do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, este incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens, exceptuadas as operações sujeitas ao Imposto sobre o Valor Acrescentado.

 

Já o artigo 9.º do Código do Imposto do Selo determina que o valor tributável do imposto é o que resulta da respectiva Tabela Geral.

 

No caso em apreço, a Verba n.º 17 da Tabela Geral, que prevê como hipótese de incidência objectiva do respectivo imposto nas operações financeiras a “utilização de crédito”, em virtude da concessão de crédito a qualquer título.

 

Ou seja, o aspecto material do elemento objectivo associado ao facto gerador do Imposto do Selo em causa é o acto de utilizar crédito.

 

Como realçam SILVÉRIO MATEUS e CORVELO DE FREITAS: “o facto tributário tipificado nesta verba é a concessão de crédito, ou seja, a utilização de crédito com base em negócio jurídico de concessão de crédito, cujos elementos essenciais se traduzem na prestação de um bem presente contra a promessa de restituição futura.” [Os Imposto sobre o Património e o Imposto do Selo, 2005, anotação à Verba n.º 17 da Tabela Geral].

 

[...]       

Não é o contrato de financiamento, sublinhe-se, mas o acto que se consubstancia na utilização do crédito concedido em qualquer espécie de contrato de mútuo (cfr. Parecer n.º 629, de 11 de Agosto de 2005, emitido pela Direcção de Serviços Jurídicos e do Contencioso).

 

Por outro lado, o artigo 5.º do Código do Imposto do Selo fixa o critério temporal do imposto: a obrigação tributária considera-se constituída nas operações de crédito no momento em que forem realizadas ou, se o crédito for utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outro meio em que o prazo não seja determinado ou determinável, no último dia de cada mês, como é o caso.

 

O que confirma os aspectos da norma de incidência supra delineados, ratificando o verdadeiro critério material do Imposto do Selo.

 

Acrescente-se que, nos termos da Verba n.º 17.1.4 da Tabela Geral, quando o prazo de utilização do crédito não seja determinado ou determinável, como na situação da Requerente, o valor tributável do Imposto do Selo será a média mensal do crédito utilizado sob a forma de conta corrente, obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30, sobre a qual é aplicada a taxa de 0,04%.

 

Estes são os aspectos objectivos da norma de incidência tributária de Imposto do Selo que deverão pautar qualquer interpretação sobre os factos tributários concretizadores dessa hipótese.

 

Curial, de igual modo, é destacar que estes componentes normativos que completam a hipótese de incidência de Imposto do Selo (aspecto material, temporal, territorial, quantitativo, subjectivo) têm, cada um, uma função que não pode ser desprezada na interpretação dos factos concretizadores da norma ora analisada.

 

Paralelamente à composição específica da determinação da dívida tributária, demarcando o conteúdo do objecto da relação tributária, o valor tributável tem ainda a virtude de atestar o aspecto material expresso na composição do antecedente normativo.

 

Obrigatoriamente, o valor tributável deve reflectir uma grandeza que mensure adequadamente a materialidade do facto tributário.

 

É por isto que o valor tributável de qualquer imposto tem que ter uma relação directa com o seu critério material.

 

Tudo isto para concluir no sentido de que o valor tributável da liquidação de Imposto do Selo ora em crise terá que corresponder à materialidade que assinalámos supra, ou seja, a utilização do crédito.

 

Acresce que, ao examinar o núcleo do aspecto material do Imposto do Selo objecto da liquidação em crise, e sendo o Direito Fiscal um ramo do direito de sobreposição, o qual utiliza constantemente os conceitos presentes nos diversos ramos do direito (cfr. artigo 11.º da LGT),

 

E porque o Código do Imposto do Selo não define o conceito de utilização de crédito ou contrato de mútuo, reafirme-se, aspectos objectivos da norma de incidência tributária, mostra-se como tarefa indispensável apurar o sentido com que estas expressões foram empregues no Direito Civil, a fim de comparar a definição com o essencial da previsão do facto gerador do Imposto do Selo em questão.

 

Assim, nos termos do artigo 1142.º do Código Civil, o contrato de mútuo é aquele no qual uma das partes empresta à outra dinheiro, ou coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género.

 

“O mútuo implica transferência da propriedade, não porque a função do contrato se dirija a esse fim, mas porque a «translatio domini» é indispensável – como meio ou instrumento jurídico – ao gozo da coisa que se visa proporcionar ao mutuário, dada a natureza fungível dela.” (cfr. ANTUNES VARELA in Código Civil Anotado, vol. II, p. 601),

 

O mesmo é dizer, no mútuo é pressuposto a entrega da coisa: “o mútuo é, de sua natureza, um contrato real, no sentido de que só se completa pela entrega (empréstimo) da coisa” (ibidem).

 

É este contrato que subjaz à incidência do Imposto do Selo definido na Verba n.º 17 da Tabela Geral.

 

Assentes estas premissas, sobre todo o contorno da hipótese de incidência do imposto objecto da liquidação em crise, voltemos à presente situação.

 

Do exame do Relatório de Inspecção, verifica-se que a AT calcula o Imposto do Selo sobre o valor utilizado sobre a forma de conta corrente no último dia de cada mês.

 

Como exposto acima, os contratos suporte das operações financeiras que consubstanciam, supostamente, os factos geradores do Imposto do Selo liquidado, decorrem da transferência da posição contratual de mutuante com a dissolução da sociedade C..., S.G.P.S., S.A. para a Requerente.

 

É a própria AT que afirma, nos termos do Relatório de Inspecção que, “com a dissolução, liquidação e consequente partilha da C..., que ocorreu em 2005-11-27 (embora a data correcta e assumida pela Administração Tributária no mesmo relatório seja 2005-12-27), todas as contas correntes que esta detinha nas suas participadas foram transferidas para o sujeito passivo.”.

 

Nestes termos, a AT calculou a matéria colectável da liquidação de Imposto do Selo em apreço com suporte nos lançamentos da contabilidade da Requerente de acordo com o saldo da conta corrente que a Requerente passou a possuir no dia 27 de Dezembro de 2005, o qual reflectia apenas o saldo transferido da contabilidade da sociedade C..., S.G.P.S., S.A. em resultado da sua liquidação e partilha.

 

No entanto, não é possível estabelecer uma equivalência entre o saldo de uma conta que transitou para a titularidade da Requerente e os valores efectivamente entregues pela Requerente numa relação directa entre a mesma e as três sociedades por ela dominadas.

 

Sendo estes os únicos que se subsumem ao critério material do facto gerador do Imposto do Selo.

 

Com efeito, parece elementar o pensamento de que o facto de ter existido uma transferência de posição contratual do credor não implica que a Requerente tenha, ela própria, financiado todo o valor transitado para a sua contabilidade. Muito pelo contrário.

 

A mera transição do saldo de uma conta (da sociedade liquidada, C... S.G.P.S., S.A.) para outra (da Requerente) revela apenas a cessão de posição contratual onde a credora daquele saldo passou a ser a Requerente.

 

Mas isto não realiza a hipótese de incidência do Imposto do Selo que consubstancia a entrega do dinheiro.

 

Se não foi a Requerente quem entregou aqueles montantes, por conseguinte, não foi a Requerente quem financiou as sociedades por ela participadas.

 

Consequentemente, só poderá ser levado em conta na liquidação de Imposto do Selo o aspecto material do imposto, a utilização de crédito.

 

Ora, o saldo que “surgiu” na contabilidade da Requerente não revela a entrega de crédito às sociedades por ela participadas, mas sim, reafirme-se, a transferência do património da sociedade C..., S.G.P.S., S.A..

Relembrando o exposto supra com base na legislação que regula a incidência de Imposto do Selo objecto da liquidação em crise, a subsunção da norma jurídico tributária requer, como aspecto material da hipótese de incidência, a entrega da coisa.

 

Apenas se verifica a subsunção à norma de incidência de Imposto do Selo no momento em que o mutuário utiliza o crédito financiado, ao passo que o mutuante entrega ao mutuário o objecto do empréstimo.

 

Aliás, é essa a ratio legis expressa pelo legislador do Código do Imposto do Selo quando, a propósito da reforma da tributação sobre o património, expressamente refere no preâmbulo do referido diploma que “merece especial relevo a alteração da filosofia de tributação do crédito, que passou a recair sobre a sua utilização e já não sobre a celebração do respectivo negócio jurídico de concessão”, marcando uma tendência de conferir à tributação um alcance mais económico e real do que formal, o que tem como consequência a essencialidade deste imposto como uma tributação sobre operações que, independentemente da sua materialização, revelem rendimento ou riqueza.

 

Uma interpretação correcta, pois, deverá incluir um mecanismo teleológico a fim de aferir o alcance da norma no sentido pretendido e prestigiado pelo legislador do Código do Imposto do Selo.

 

Na situação suporte da liquidação em crise, os valores das entregas às sociedades D..., S.A., E..., S.A. e F..., S.A. não equivalem aos valores que simplesmente migraram da conta da sociedade liquidada, C..., S.G.P.S., S.A., para a Requerente, como decorre dos lançamentos contabilísticos datados de 27 de Dezembro de 2005.

 

Na verdade, os saldos base utilizados pela AT são bem superiores, denunciando um manifesto excesso do valor tributável, o qual, como referido anteriormente, deverá reflectir as somas efectivamente entregues pela Requerente às sociedades por ela participadas.

 

Em concreto, a AT considerou nas correspondentes operações financeiras efectuadas no âmbito de contratos de empréstimo em regime de conta corrente mantida entre a Requerente e as sociedades D..., S.A., E..., S.A. e F..., S.A., o saldo inicial de € 16.745.823,00, € 10.218.322,23 e € 9.137.882,39, respectivamente.

 

Os quais reflectem apenas o resultado que, em virtude da cessão de posição entre a C... S.G.P.S., S.A. e a Requerente em 27 de Dezembro de 2005, transitou para o activo da Requerente.

 

Como se fossem estes os valores efectivamente financiados pela Requerente.

 

Utilizando este ponto de partida, fundamentado, reafirme-se, em valores que não correspondem a nenhuma entrega pela Requerente às sociedades por ela participadas, a AT procede ao cálculo da matéria tributável computando o saldo diário reflectido nos lançamentos da contabilidade da Requerente.

 

Incluindo aquele saldo inicial, o que determina, necessariamente, um erro em todos os cálculos a partir daí realizados.

 

Ou seja, incidindo Imposto do Selo sobre o crédito utilizado sob a forma de conta corrente, a Requerente apenas poderá ser tributada relativamente ao crédito que efectivamente concedeu às sociedades por si participadas e não sobre o crédito que as suas participadas obtiveram junto de uma sociedade que entretanto foi liquidada e dissolvida.

 

Ora, se AT não aceita, no caso vertente, o princípio da continuidade da actividade económica e respectiva neutralidade fiscal da operação de transmissão da totalidade do património da sociedade dissolvida para a Requerente, também não poderá pretender tributar uma operação de utilização de um crédito contratado precisamente com uma sociedade liquidada e dissolvida.

 

Uma vez que o Imposto do Selo incide unicamente sobre a efectiva utilização do crédito e não sobre a contratação do mesmo.

 

Por conseguinte, haverá que distinguir, de forma clara e inequívoca, o crédito que a Requerente efectivamente concedeu em forma de conta corrente e o crédito que havia sido concedido pela sociedade entretanto dissolvida, uma vez que não poderá a Requerente ser tributada em sede de Imposto do Selo sobre operações contraídas junto de outra entidade, ainda que todos os direitos da sociedade dissolvida tenham transitado para a esfera jurídica da Requerente.

 

Assim, distinguindo claramente a AT a entidade dissolvida e a Requerente, não poderá apenas para efeitos de tributação em sede de Imposto do Selo ficcionar que a totalidade do crédito sobre o qual incide a tributação foi efectivamente concedido pela Requerente, dado que tal interpretação não corresponde à realidade.

 

Por todo o exposto, deve proceder o pedido da Requerente.

 

IV - DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

d)           Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo n.º 2009 ... e da liquidação de juros compensatórios n.º 2009 ..., com todas as legais consequências.

e)           Julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, determinar a reforma da liquidação de Imposto do Selo n.º 2009 ... e da liquidação de juros compensatórios n.º 2009 ..., por flagrante excesso do valor tributável, com todas as legais consequências, designadamente, a indemnização da Requerente, pela AT, de todos os prejuízos sofridos por aquela, nomeadamente os resultantes do pagamento indevido das liquidações em crise, incluindo os respectivos juros indemnizatórios, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT e no artigo 61.º do CPPT.

f)            Condenar as partes em custas repartidas em conformidade com o respetivo decaimento.

 

V - VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 2.594,63 (dois mil, quinhentos e noventa e quatro euros e sessenta e três cêntimos), nos termos do disposto nos artigos 299.º, n.º 1 e 259.º, n.º 1, do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º1, alínea e) do RJAT, e, bem assim, do  artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI - CUSTAS

Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 612,00 (seiscentos e doze euros), repartidas na proporção do respectivo decaimento na proporção de 50% a cargo da AT e de 50% a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

               

Lisboa, 30 de Setembro de 2019

 

O árbitro,

 

(Hélder Faustino)