Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 585/2017-T
Data da decisão: 2018-09-24  IVA  
Valor do pedido: € 170.139,67
Tema: IVA – Isenção; Organismo não lucrativo; Concorrência directa.
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Nina Aguiar e Vasco Valdez, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

 

DECISÃO ARBITRAL  (consultar versão completa no PDF)

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 06 de Novembro de 2017, A..., NIPC..., com sede na ..., n.º..., ...-... ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidações oficiosas de IVA relativas aos anos de 2012, 2013, 2014 2015 e 2016 no valor global de € 170.139,67, designadamente a liquidação de IVA n.º 2016... referente ao período 201203T no valor de € 44.989,64; liquidação de IVA n.º 2016... referente ao período 201206T no valor de € 35.155,96; liquidação de IVA n.º 2016... referente ao período 201209T no valor de € 31.332,68; liquidação de IVA n.º 2016... referente ao período 201212T no valor de € 29.976,50; liquidação de IVA n.º 2016... referente ao período 201303T no valor de € 363.75; liquidação de IVA n.º 2016... referente ao período 201306T no valor de € 363.75; liquidação de IVA n.º 2016... referente ao período 201309T no valor de € 363.75; liquidação de IVA n.º 2016... referente ao período 201312T no valor de € 363.75; liquidação de IVA n.º 2016... referente ao período 201403T no valor de € 363.75; liquidação de IVA n.º 2016... referente ao período 201406T no valor de € 363.75; liquidação de IVA n.º 2016... referente ao período 201409T no valor de € 363,75; liquidação de IVA n.º 2016... referente ao período 201412T no valor de € 363,75; liquidação de IVA n.º 2016... referente ao período 201503T no valor de € 363,75; liquidação de IVA n.º 2016... referente ao período 201506T no valor de € 363,75; liquidação de IVA n.º 2016... referente ao período 201509T no valor de € 363,75; liquidação de IVA n.º 2016... referente ao período 201512T no valor de € 363,75; liquidação de IVA n.º 2016... referente ao período 201603T no valor de € 363,75; liquidação de IVA n.º 2016... referente ao período 201603T no valor de € 363,75, e liquidação de juros n.º 2016... no montante de € 8.011,55; liquidação de juros n.º 2016... no montante de € 5.900,74; liquidação de juros n.º 2016... no montante de € 4.945,36; liquidação de juros n.º 2016... no montante de € 4.427,92; liquidação de juros n.º 2016... no montante de € 51,28; liquidação de juros n.º 2016... no montante de € 47,54; liquidação de juros n.º 2016... no montante de € 43,89; liquidação de juros n.º 2016... no montante de € 40,11; liquidação de juros n.º 2016... no montante de € 36,57; liquidação de juros n.º 2016... no montante de € 32,79; liquidação de juros n.º 2016... no montante de € 29,15; liquidação de juros n.º 2016... no montante de € 25,49, bem como do indeferimento tácito da reclamação graciosa que teve aqueles actos como objecto.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:
  1. a violação do disposto nos artigos 9.º, nº 8, e 10.º do CIVA, ao sujeitar a imposto as prestações de serviços efectuadas pela Requerente, enquanto organismo sem finalidade lucrativa, a pessoas praticantes de desporto;
  2. o erro na aplicação do direito decorrente da violação do disposto nos artigos 9.º, n.º 19, e 10.º do CIVA ao sujeitar a imposto as quotas pagas pelos associados da Requerente, um organismo sem finalidade lucrativa;
  3. o erro na aplicação do direito decorrente da violação do disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA, ao sujeitar ao regime geral de tributação em sede de IVA todas as prestações de serviços relacionadas com a prática desportiva efectuadas pela Requerente, sem considerar o correspectivo direito à dedução do imposto por si suportado a montante para a realização dessas operações;
  4. o vício de forma do procedimento tributário, fundamentado na violação do princípio do inquisitório consagrado no artigo 58.º LGT, decorrente da não realização da investigação necessária à instrução do procedimento.

 

  1. No dia 07-11-2017, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente procedeu à nomeação de árbitro, tendo indicado o Exm.º Sr. Professor Doutor Vasco Valdez, nos termos do artigo 11.º/2 do RJAT. Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, a Requerida indicou como árbitro a Exm.ª Sr.ª Professora Doutora Nina Aguiar.

 

  1. Os árbitros indicados pelas partes foram nomeados e aceitaram os respectivos encargos e nomearam para presidir a este Tribunal Arbitral o ora Relator, que, no prazo aplicável, também aceitou o encargo.

 

  1. Em 15-01-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 06-02-2018.

 

  1. No dia 09-03-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.

 

  1. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações pela Requerida, prazo esse que foi prorrogado até ao termo do prazo a que alude o artigo 21.º/1 do RJAT.

 

  1. Tendo em conta a tramitação do processo e o período de férias judiciais, nos termos e para os efeitos do art.º 21.º/2 do RJAT, prorrogou-se por dois meses o prazo a que se refere o n.º 1 do mesmo artigo.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. A Requerente é, e era em 2012, uma associação sem fins lucrativos.
  2. A Requerente foi constituída por escritura pública de “Constituição de Associação” lavrada no dia 10 de Dezembro de 2004, no ... Cartório Notarial de Competência Especializada de ... .
  3. A Requerente tem por objecto a “promoção e desenvolvimento de actividades desportivas, culturais e recreativas”.
  4. A Requerente encontra-se, desde o início da sua actividade, isenta ao abrigo do artigo 9º do CIVA e, em sede de IRC, no regime geral de tributação – não sujeita.
  5. A Requerente rege-se pelos Estatutos constantes do documento complementar à escritura da sua constituição, os quais sofreram algumas alterações em Agosto de 2013, designadamente os artigos 3º, 4º, 6º, 8º, 9º, 5º, 14º, 15º, 21º e 27º.
  6. Em consequência das alterações introduzidas, esses artigos passaram a ter a seguinte redação:

Artigo 3º

“… A Associação tem por objecto a promoção e desenvolvimento de atividades desportivas, culturais e recreativas,…”

Artigo 4º

“… Na prossecução do seu objecto a sociedade deverá:

  1. Realizar acções de formação para os seus Associados e/ou terceiros para a orientação e administração de actividades desportivas, culturais e recreativas;
  2. Colaborar na realização de acções de divulgação da sua actividade, bem como apoiar ações de promoção do bem-estar físico em geral…”

Artigo 6º - Categorias de sócios:

  1. Sócios fundadores – os fundadores da Associação…
  2. Sócios efectivos – os sócios propostos pela Direcção…
  3. Sócios – pessoas singulares que requeiram a sua admissão à Direcção e cuja admissão seja aprovada pela mesma
  4. Sócios colectivos – pessoas coletivas que requeiram a sua admissão à Direcção
  5. Sócios proponentes – pessoas singulares que tenham preenchido a proposta
  6. Honorários – pessoas singulares que se distinguiram na prestação de serviços em prol da Associação

Artigo 8º - Direito dos Associados

2. São direitos exclusivos dos sócios fundadores e efectivos:

a) votar nas Assembleias Gerais

b) eleger e ser eleitos para cargos associativos

c) requerer a convocação da Assembleia Geral nos termos previstos nestes Estatutos.

3. São direitos exclusivos dos sócios colectivos celebrar protocolos com a Associação com vista à utilização das instalações desta última, pelos trabalhadores, colaboradores, estudantes, do sócio colectivo, conforme aplicável, e desde que sejam fixados os termos e condições dessa utilização e assegurando o pagamento pelo sócio colectivo…”.

Artigo 9º

São deveres de todos os associados:

  1. Pagar a jóia e as quotas contantes da tabela apresentada anualmente pela Assembleia Geral, bem como outros encargos que venham a ser fixados por este órgão”

Artigo 14º

A Assembleia Geral é constituída por todos os sócios fundadores e efectivos no pleno gozo dos seus direitos.

Artigo 15º

Apenas tem direito de voto os sócios fundadores e efectivos.

Artigo 21º

A Direção é constituída por três directores, sendo um deles o Presidente, consoante deliberado em Assembleia Geral…”

Artigo 27º

Constituem receitas da Associação:

  1. O produto das joias e quotas pagas pelos associados;
  2. Os subsídios que o Estado ou outras pessoas colectivas de direito público lhe concedam com vista à realização dos fins estatutários da Associação;
  3. As contribuições ou donativos de quaisquer outras entidades ou de pessoas singulares;
  4. As importâncias cobradas pelas prestações de serviços efectuadas, designadamente, as mensalidades das instalações desportivas.
  1. Em 2012, apenas existiam sócios titulares de 1º grau e sócios titulares de 2º grau.
  2. Os Estatutos em vigor em 2012 estipulavam que todos os sócios tinham direito a participar nas Assembleias Gerais e nos trabalhos das categorias de associados a que pertencem, bem como, eleger e serem eleitos para cargos associativos (artigo 8.º dos Estatutos).
  3.  As alterações aos Estatutos da Requerente vigoraram a partir de 12 Agosto de 2013.
  4. A figura do sócio efectivo e do sócio colectivo foi introduzida pela alteração dos Estatutos em 2013.
  5. Os corpos dirigentes em funções durante o ano de 2012 eram os mesmos que vinham sendo nomeados desde a data da constituição da Requerente, sendo a composição da Direcção a seguinte:

- Presidente – B...

- Vogal – C...

- Vogal –D...

Em Agosto de 2013, foi eleita uma nova Direcção para o quadriénio 2013-2016.

  1. A Requerente tem a sua sede na ..., nº..., ..., local onde desenvolve a actividade de exploração de instalações desportivas.
  2. As instalações da Requerente estavam capacitadas para actividades de ginásio, natação, hidroginástica e aulas de diversas modalidades de índole desportiva, de saúde e bem-estar.
  3. A Requerente dispunha de um amplo espaço de ginásio, com monitores de treino e com pessoal especializado na prática de exercício físico, bem como de salas de aula onde os seus professores leccionavam aulas aos associados em práticas de modalidades desportivas, tais como treino funcional e de manutenção, ginástica global e infantil, step, cycling, pilates, yoga e danças diversas.
  4. A Requerente dispunha de uma piscina onde eram disponibilizadas aulas de natação e de hidroginástica.
  5. A Requerente promovia de forma exclusiva a prática de modalidades aquáticas em ... .
  6. À data dos factos, as piscinas mais próximas situavam-se na freguesia da ... .
  7. Quando a Requerente foi constituída em 2004 não existia nenhuma piscina na ... .
  8. Na cidade de ... não existia, nem existe até à data, nenhuma piscina que não seja a da Requerente.
  9. A Requerente realizava torneios desportivos e outras iniciativas de lazer e desporto e bem-estar, de modo gratuito, para os seus associados.
  10.  A Requerente exercia a sua atividade naquelas instalações ao abrigo de um contrato de cessão de exploração, celebrado com a entidade titular da exploração do imóvel, a sociedade E..., S.A.
  11. O contrato de cessão de exploração de instalações desportivas, foi celebrado em 03-01-2005, pelo valor anual de €75.000,00, no primeiro ano de vigência e de €207.000,00, nos seguintes, aos quais acrescia a taxa legal de IVA em vigor.
  12. O contrato de concessão foi assinado pelo então administrador único da E..., S.A., F... e por B..., associado fundador da Requerente e presidente da Direção desta.
  13. A cessão de exploração tinha a duração limitada de um ano, com início a 01-01-2005 e termo a 31-12-2005, prorrogável por períodos de igual duração.
  14. A E..., S.A. é uma sociedade anónima, constituída em 27-01-2005.
  15. Em 30-12-2005, a Requerente tornou-se accionista da E..., S.A. através da subscrição de um aumento de capital social em dinheiro.
  16. Em 30-12-2005, a E..., S.A. procedeu a um aumento de capital de €50.000,00, mediante a entrada em dinheiro de €5.000,00, destinado à emissão de 5.000 novas acções de 1€ cada a subscrever por um novo accionista, acrescido de um prémio de emissão de 27€ por ação, num valor total de €135.000,00.
  17. No 2º semestre de 2006, surgiu a oportunidade de aquisição das frações A e B, do nº... da ..., em ..., contíguas ao espaço que a Requerente já utilizava.
  18. A Requerente não tinha condições financeiras para adquirir e adaptar tais instalações aos seus fins, nem tinha possibilidade de recorrer ao financiamento bancário.
  19. A Requerente fez um investimento de capital na E..., S.A., de modo a assegurar que conseguiria as verbas necessárias para a referida aquisição.
  20. A Requerente passou a ter uma participação que lhe conferia o controlo sobre o investimento feito.
  21. Em 22-12-2006, a E..., S.A. procedeu a um novo aumento de capital, de €55.000,00, mediante a entrada em dinheiro de €16.000,00, destinado à emissão de 16.000 novas acções de 1€ cada, a subscrever por um accionista, sendo este acrescido de um prémio de emissão de 49€ por ação, num total de €748.000,00.
  22.  Esse aumento de capital foi subscrito pela Requerente.
  23. A Requerente passou a deter 30% da participação no capital da E..., S.A.
  24. A Requerente não auferiu rendimentos de capital derivados da participação social por si detida, em 2012.
  25. Em 30-03-2007, foi efectuada uma adenda ao contracto de cessão de exploração de instalações desportivas, através da qual a E..., S.A. cedeu à Requerente a exploração de todas as zonas desportivas, excluindo todas as zonas comerciais, mantendo-se o valor anual de €207.000,00 + IVA.
  26.  Nesta adenda, a Requerente foi representada por B... e a E..., S.A. foi representada por G..., administrador único à data.
  27. No dia 09-04-2012, foi efectuada uma segunda adenda ao contrato de cessão de exploração de instalações desportivas entre a Requerente e a E..., S.A., na qual esta última, representada naquele acto pelo Administrador Único, H... e a Requerente pelo seu Presidente B..., acordaram alterar os valores a pagar pela exploração dessas instalações, da seguinte forma:
  • no ano de 2012, pagaria €57.750,00 + IVA, até 30-04-2012, relativos ao 1º trimestre, ficando os restantes meses em carência;
  • no ano de 2013 e até 31-05-2014, pagaria o valor de €120.000,00 + IVA
  • E durante aqueles dois anos (2012 e 2013), a E..., S.A. assumia excepcionalmente o pagamento das despesas de eletricidade e gás das instalações desportivas.
  • relativamente a 2014 e até 31 de maio do ano seguinte, iria pagar o valor de €130.000,00 + IVA
  • Para o ano de 2015 e seguintes este valor poderia ser acrescido de 15% caso a cobrança efetiva de quotas aos associados da Requerente tenha o valor de pelo menos 80% das quotas cobradas no ano de 2009.
  1. Na sequência das obras de integração, as instalações da Requerente duplicaram a sua área sendo que:
  • a sala de manutenção cardiovascular praticamente triplicou, o que possibilitou ter material de cardio e fitness mais diversificado;
  • a sala de indoor cycle duplicou a capacidade e passou a ter luz natural;
  • foi criado um estúdio adicional com capacidade para 30 pessoas em simultâneo;
  • os balneários duplicaram, tendo sido criado um balneário específico para crianças;
  • os acessos à piscina foram melhorados e adaptados para pessoas com dificuldades de locomoção;
  • a climatização foi renovada.
  1. As receitas da Requerente eram o produto das jóias e quotas pagas pelos associados, subsídios, contribuições ou donativos, bem como as importâncias cobradas pelas prestações de serviços efectuadas, designadamente, as mensalidades das instalações desportivas (artigo 27.º dos Estatutos).
  2. O pagamento pontual das quotas era um dever de todos os associados (artigo 9.º, n.º 1, alínea a) dos Estatutos)
  3. O valor da joia e da quota era fixado anualmente pela Assembleia Geral (artigo 9.º/1/a) Estatutos)
  4. Os associados pagavam um montante de joia no acto de inscrição que, para o ano de 2012, era no máximo, de 60€.
  5. Os associados pagavam uma quota mínima anual de 10€, que correspondia ao montante de seguro mínimo legalmente obrigatório.
  6. Cada associado pagava uma quota mensal, fixada em conformidade com as modalidades desportivas praticadas.
  7. As quotas relativas ao ano de 2012 foram fixadas tendo em consideração, para além do mais, a conjuntura económica.
  8. A inscrição na Associação era feita através do preenchimento de uma ficha de “adesão semestral”, que mais não é que um contrato, coincidindo o número de inscrição com o número de sócio.
  9. Face à aceitação das condições ali discriminadas, passavam a denominar-se sócios sujeitos ao regulamento interno.
  10. A ficha de adesão bem como os “termos e condições de adesão” e “regulamento do clube” são em tudo idênticos a um “contrato de adesão”.
  11. Todas as quotas pagas pelos associados ao balcão, por transferência bancária ou por débito direto, foram declaradas à AT.
  12. Não foi apresentado qualquer documento de quitação específico para as receitas provenientes das jóias e das quotas.
  13. Não é indicado o número nem o nome do sócio, sendo apenas o número de pagamento a única correspondência com o respetivo documento de quitação, sendo que em ambos os documentos, é indicado o “Código” que corresponde ao já referido “n.º de pagamento” e a “descrição” que indica o mês.
  14. Nos talões não consta qualquer identificação quer do sócio, quer do emitente do documento, sendo que no mês de Abril, do total de 1.400 registos, 99% dos documentos de quitação da receita correspondiam a talões, sendo os restantes 1% facturas/recibo.
  15. Apenas 1% dos documentos que foram apresentado à AT eram facturas.
  16. Os associados não requeriam a emissão de factura por não terem quaisquer incentivos fiscais associados.
  17. Nos documentos de quitação das prestações de serviços, constava no campo referente à taxa do IVA a indicação de 0%, sem qualquer referência quanto à isenção, no caso dos talões, tendo as facturas a menção de “ao abrigo do artigo 9.º do CIVA”.
  18. A Requerente permitia que pessoas não sócias, pudessem frequentar as instalações desportivas da Associação, como convidadas de um sócio em pleno gozo dos seus direitos nas seguintes condições:
  1. Fossem convidadas expressamente por um associado em pleno gozo dos seus direitos, e este o acompanhasse a todo o momento no usufruto das modalidades desportivas disponibilizadas nas instalações desportivas da associação;
  2. O convidado só poderia estar nas instalações desportivas, enquanto o sócio que o tinha convidado também estivesse presente, responsabilizando-se o associado perante a associação pelo comportamento do seu convidado, e pelo cumprimento do regulamento em vigor;
  3. O convidado apresentasse cartão de identificação e preenchesse a ficha de convidado;
  4. O convidado não tivesse nessa qualidade frequentado as instalações desportivas da Associação mais de uma vez por cada trimestre.
  1. Este acesso era totalmente gratuito.
  2. A Requerente tinha vouchers ou cheques/prenda, que eram pré adquiridos/oferecidos, sendo que o detentor do mesmo usufruía de um serviço mediante a sua apresentação, sendo a comercialização destes vouchers aberta, efectuada por uma empresa externa à Requerente, a “I...”.
  3. Os cupões possuíam várias opções para a sua utilização mediante uma inscrição prévia por telefone e a sua disponibilidade, através da internet, onde era indicado o website da Requerente, e traduziam-se num pré-pagamento, que titula o recebimento de bens ou serviços ou um desconto.
  4. As facturas emitidas pela “I...” detalhavam a quantidade e o preço individual do cupão, sendo que sobre o valor de cada factura era calculado o valor da respectiva comissão, que nestas facturas correspondia a 50% do total dos cupões trocados, ao qual acrescia o IVA à taxa de 23%.
  5. Estes cheques-oferta/vouchers tinham por objectivo a promoção e incentivo à prática desportiva, através da divulgação junto de um público mais alargado pela utilização de websites.
  6. A Requerente tinha diversos associados que são pessoas coletivas, que ao se tornarem associadas, adquiriam como benefício o acesso dos seus colaboradores a serviços prestados pela Requerente.
  7. A Requerente tinha como associados diversos estabelecimentos de ensino de ... .
  8. A Requerente adquiriu dois veículos ligeiros de passageiros, com as seguintes matrículas:
  • “...”, marca ..., modelo ..., adquirido em 2008, pelo preço de €80.000,00
  • “...”, marca ..., modelo 221, adquirido em 2012, pelo preço de €60.000,00 através de um contracto de locação financeira com o Banco J... (J...)
  1. A viatura com a matrícula “...” era uma viatura de 6 lugares, com boa capacidade bagageira, classificada enquanto classe 1 para efeitos de portagens e foi adquirida em estado de uso.
  2. A viatura com a matrícula “...” foi vendida a 12-02-2012, pelo preço de €37.500,00, a K... (sócio nº ... e Presidente da Direção), sendo que a mesma foi efectuada por conta da diminuição da dívida da Requerente a este, nessa data.
  3. Contabilisticamente essa venda não foi registada, mantendo-se o saldo da conta “2782193 –K...”, no montante de €295.796,38, desde o início ao final do ano.
  4. A viatura com a matrícula “...” foi adquirida em virtude da alienação da viatura com a matrícula “...”.
  5. A Requerente alienou dois veículos ligeiros de passageiros, com as matrículas “...” e “...” não tendo sido liquidado IVA, nem feita qualquer referência a este imposto nos respetivos documentos de quitação.
  6. Não foi liquidado qualquer imposto aquando a aquisição daqueles veículos.
  7. H... era trabalhador da Requerente desde 2006.
  8. Até à entrada em vigor dos novos estatutos em 2013, H... era um associado titular de 2º grau.
  9. H... tornou-se administrador da E..., S.A. em 2011, e tornou-se Vogal da Direcção da Requerente a 23 de Agosto de 2013.
  10. Em 2012, H... era administrador da cedente, e trabalhador e associado da Requerente (cessionária).
  11. Desde 2011 que a E..., S.A. tem como Administrador Único, H..., o qual tem um vínculo laboral com a Requerente desde 2006.
  12. A expressão “curso ballet não utentes” deriva das limitações do software de gestão e serviu para distinguir os associados que apenas tinham acesso a modalidades específicas (ballet, por exemplo), dos associados cuja quota permitia o acesso a todas as modalidades desportivas.
  13. A Requerente dispõe de escrituração que abrange todas as suas actividades.
  14. A Requerente entregou as declarações de rendimentos modelo 22 de IRC, bem como as declarações de informação contabilística e fiscal (IES), referentes ao exercício fiscal de 2012.
  15. No ano de 2012, A Requerente apresentou o anexo A da IES e na Modelo 22 apurou um lucro tributável de €146.250,96, desdobrando este montante no quadro 09 – Apuramento da matéria coletável, da seguinte forma: €61,68 no campo correspondente ao “Regime Geral” e 146.189,28 “com isenção”
  16. A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva externa, de âmbito parcial, executada através da Ordem de Serviço n.º OI2015..., que incidiu no exercício fiscal de 2012.
  17. A acção inspectiva foi realizada posteriormente a uma outra acção realizada pela EIP (Equipa de intervenção e prospeção) para “Consulta, recolha e armazenamento de elementos”, com vista à “verificação de exercício de atividade na ..., nº..., ...”, efectuada à Requerente.
  18. No âmbito da acção inspectiva, a Requerente foi notificada na pessoa do seu representante H..., Vogal da Direcção para apresentar elementos sobre as empresas e os respetivos montantes investidos, correspondentes ao total do saldo da conta 4141 “Participações de capital” no montante de €940.000,00, constante do balancete analítico do exercício de 2012.
  19. No decorrer do procedimento de inspecção tributária, o responsável da Associação foi questionado acerca dos fins da mesma e da utilização dos seus recursos na aquisição de veículos ligeiros de passageiros, ao que respondeu “… foram decisões do presidente”.
  20. A Requerente foi notificada do Projecto de Relatório de Inspecção e para querendo, exercer o seu direito de audição, nos termos do artigo 60.º da LGT e artigo 60.º RCIPT.
  21.  Em 01-08-2016, a Requerente requereu a prorrogação do prazo para o exercício do direito de audição no sentido de “preparar convenientemente o seu direito de audição de modo a acautelar cabalmente o direito ao contraditório”.
  22. Através do Ofício nº..., de 02-08-2016 foi comunicado à Requerente o deferimento do pedido de prorrogação do prazo para o exercício do direito de audição.
  23. A Requerente exerceu o seu direito de audição, que consta do RIT nos seguintes termos:

 

 

 


 

 

 

E ainda,

 

 

 

  1. A Requerente foi notificada do relatório de inspecção tributária, do qual consta, em síntese, o seguinte:

                                

 

 

 

                  

 

 

  1. A Requerente foi notificada das demonstrações de liquidações de IVA e de juros compensatórios e moratórios, respeitantes a todos os períodos trimestrais dos anos de 2012, 2013, 2014 e 2015 e aos dois primeiros trimestres de 2016:

  1. A Requerente procedeu ao pagamento das referidas liquidações através do programa PERES.
  2. A Requerente apresentou junto do Serviço de Finanças de ... reclamação graciosa (nº ...2017...).
  3.  Decorreu o prazo legal para a decisão sem que fosse notificada à Requerente a decisão da reclamação graciosa.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

            Conforme resulta do Relatório da presente decisão, a Requerente começa por arguir a violação do disposto nos artigos 9º, n.º 8, e 10.º do CIVA, por terem sido sujeitas a imposto as prestações de serviços por si efectuadas, enquanto organismo sem finalidade lucrativa, a pessoas praticantes de desporto.

Está assim primeiramente em causa a aplicação do disposto no referido artigo 9.º/8 do CIVA aplicável, que determina a isenção daquele imposto relativamente às “prestações de serviços efetuadas por organismos sem finalidade lucrativa que explorem estabelecimentos ou instalações destinados à prática de atividades artísticas, desportivas, recreativas e de educação física a pessoas que pratiquem essas atividades”, em conjugação com o disposto na al. d) do artigo 10.º do mesmo Código, do qual resulta que “Para efeitos de isenção, apenas são considerados como organismos sem finalidade lucrativa os que, simultaneamente: (...) Não entrem em concorrência direta com sujeitos passivos do imposto”.

            As referidas norma têm correspondência na al. m) do artigo 132.º da Directiva IVA, correspondente à anterior al. m), n.º1, da parte A do artigo 13.º da Sexta Directiva, que impõe aos Estados Membros a isenção de “Determinadas prestações de serviços estreitamente relacionadas com a prática de desporto ou de educação física, efectuadas por organismos sem fins lucrativos a pessoas que pratiquem desporto ou educação física;” e no artigo 133.º/d) daquela, correspondente à anterior al. a), n.º 2,  da parte A do artigo 13.º da Sexta Directiva, primeiro a quarto travessões,  que dispõe que “Os Estados–Membros podem fazer depender, caso a caso, a concessão de qualquer das isenções previstas nas alíneas b), g), h), i), l), m) e n) do n.º 1 do artigo 132.º a organismos que não sejam de direito público da observância de uma ou mais das seguintes condições: (...) d) As isenções não podem ser susceptíveis de provocar distorções de concorrência em detrimento de empresas comerciais sujeitas ao IVA.”.

            A primeira conclusão que se retira, na matéria que nos ocupa, da análise das normas em causa, é que a regra do Direito da UE relativa às condições do reconhecimento da isenção quanto aos organismos sem fins lucrativos de direito privado, não é uma imposição, mas sim uma permissão aos Estados Membros (EEMM). Dito de outro modo, o regime comum do IVA permite que os EEMM isentem as prestações de serviços estreitamente relacionadas com a prática de desporto ou de educação física, efectuadas por organismos sem fins lucrativos de direito privado a pessoas que pratiquem desporto ou educação física, podendo fazer depender a concessão de tal isenção, casuisticamente, da observância de uma ou mais das condições enunciadas (não se reportando nunca à selecção de todas, opção esta que foi adoptada pelo legislador português). Trata-se, pois, de uma faculdade, como nota Rui Laires[2].

            Quer isto dizer, desde logo, que a isenção dos referidos organismos, ainda que não sejam de direito público, quanto àquelas prestações de serviços, mesmo que não verificadas as condições do artigo 133.º da Directiva, não é contrária às regras e princípios do Direito da União Europeia relativos ao IVA.

            Com efeito, ao conferir a possibilidade dos EEMM fazerem depender a isenção das condições nele previstas, do referido artigo 133.º resulta a possibilidade de os EEMM não o fazerem, aplicando directamente aos organismos sem fins lucrativos ainda que não sejam de direito público, a isenção da al. m) do artigo 132.º, relativamente às prestações de serviços aí em causa. Ou seja: mesmo, no que para o caso interessa, a isenção possa ser susceptível de provocar distorções de concorrência em detrimento de empresas comerciais sujeitas ao IVA, não será contrária ao regime comum do IVA a aplicação da mesma a organismos sem fins lucrativos que não sejam de direito público, relativamente às prestações de serviços estreitamente relacionadas com a prática de desporto ou de educação física a pessoas que pratiquem desporto ou educação física, tal como acontece relativamente à sua aplicação a organismos sem fins lucrativos de direito público, relativamente aos quais os EEMM são obrigados a aplicar a isenção, ainda que a mesma seja susceptível de provocar distorções de concorrência em detrimento de empresas comerciais sujeitas ao IVA.

            Deste modo, e não estando em causa nos autos uma situação em que se discuta se Portugal excedeu os limites consagrados no artigo 133.º da Directiva, deverá ser no quadro do direito nacional que se deve averiguar o âmbito e extensão dos condicionalismos consagrados no artigo 10.º do CIVA, maxime, e no que ao caso importa, da al. d) daquela norma.

            Efectivamente, não estando em questão, como se apontou, que se tenha excedido o âmbito das previsões do artigo 133.º da Directiva, cumpre apurar se o regime nacional transpôs simplesmente aquelas, quedando-se no âmbito máximo da faculdade de não isenção consagrada em tal norma, ou se, antes, se quedou aquém, fixando um regime mais restrito, ou seja, não utilizando, em toda a sua amplitude, aquela mesma faculdade.

            Ora, compulsado o referido artigo 10.º do CIVA aplicável, e, em concreto a sua al. d), verifica-se que o mesmo veio excluir a aplicação da isenção que nos ocupa, quando ocorrer “concorrência direta com sujeitos passivos do imposto”, e não, como consta do texto da Directiva, quando haja susceptibilidade de “provocar distorções de concorrência em detrimento de empresas comerciais sujeitas ao IVA.”.

            Conclui-se, assim, que o condicionalismo de exclusão da isenção consagrada, no caso, no artigo 9.º/8 do CIVA, é mais restrito do que aquele permitido pela Directiva, não se bastando com a mera susceptibilidade de provocar distorções na concorrência, mas exigindo a verificação de concorrência directa com sujeitos passivos do imposto. No caso concreto, como salienta Rui Laires, impõe-se uma interpretação da condição prevista na al. d) do artigo 10.º do CIVA “…no sentido de que visa impedir a isenção dos organismos sem finalidade lucrativa em todos os casos em que estes entrem em concorrência directa  - disponibilizando no mercado os mesmos tipos de bens ou serviços comercializados por empresas submetidas a tributação e a preços inferiores -, mas apenas quando a eventual isenção de que beneficiassem pudesse gerar distorções de concorrência com as empresas comerciais.”[3]

Como o autor reconhece, revela-se difícil para as administrações fiscais avaliarem da ocorrência ou não de distorções de concorrência, dado tal avaliação pressupor um conhecimento aprofundado de cada um dos sectores de actividade em causa, incluindo as respectivas condições de mercado.

O Tribunal de Justiça da União Europeia tem analisado a questão das distorções de concorrência sobretudo ao nível da delimitação negativa de incidência das entidades púbicas acolhida entre nós no artigo 2.º/2 do CIVA, cuja matriz se encontra no artigo 13.º/1 da Directiva IVA. Como o TJUE salienta, estando em causa o respeito pelo princípio da neutralidade, a regra de tributação contida nesta disposição não deve ser interpretada de forma demasiado restrita, sendo que uma das questões que se tem vindo a analisar nesta sede é a de saber se as distorções de concorrência se devem apreciar em relação à actividade no seu conjunto ou casuisticamente em relação aos mercados locais[4].

            No que tange às isenções este requisito foi poucas vezes analisado, destacando-se  para o efeito o Acórdão de 20 de Novembro de 2003, proferido no Processo C-8/01, conhecido como Caso Taksatorrigen. Neste contexto, embora no que se reporta ao disposto na al. f) do artigo 132.º da Directiva IVA (relativa a agrupamentos autónomos de pessoas), o TJUE veio salientar que é a própria isenção que não deve provocar distorções de concorrência, sendo necessário que o risco das distorções de concorrência seja real e não apenas hipotético. Como salienta Rui Laires, este deve ser igualmente o entendimento acolhido no que se reporta à disposição que por ora nos ocupa[5].

Feitos estes considerandos e para efeitos do caso em análise, deve-se ainda notar que a apreciação da existência ou não de concorrência pode ser feita a vários níveis.

            Assim, poder-se-á considerar que a oferta lúdica de serviços de desporto concorre com outros serviços como cinemas e espetáculos, na medida em são dirigidos à ocupação de tempos livres, mas crê-se que não se poderá, manifestamente, falar aí de concorrência efectiva, nos termos que nos ocupam.

            Dentro da oferta lúdica de serviços de desporto, pode-se dizer que serviços ligados, por exemplo, ao atletismo, ao futebol, ao ténis, à natação, e ao golfe, concorrem entre si, enquanto oferta de serviços desportivos, mas, também aí, não se poderá falar de concorrência efectiva, nos termos que nos ocupam.

            E mesmo dentro da oferta de serviços relacionados com uma mesma modalidade desportiva, poderá não haver concorrência directa. Assim, por exemplo, uma escola de Futebol em que a formação seja dada por Cristiano Ronaldo, ou uma escola de Ténis em que a formação seja dada por João Sousa, não concorrerão directamente, em princípio, com uma escola da mesma modalidade, com formação ministrada por um curioso local.

            Por outro lado, ainda ao nível da densificação do conceito de concorrência relevante para os efeitos que nos ocupam, cumpre ter presente o regime da al. c) do artigo 10.º do CIVA, que, na sequência da al. c) do artigo 133.º da Directiva IVA, admite expressamente a existência de actividades análogas, bem como a prática de preços (desde que homologados por autoridades públicas) que se equiparem aos praticados pelas empresas comerciais que se dediquem àquelas, sem que daí decorra uma concorrência relevante.

            Com efeito, se o artigo 10.º do CIVA impõe que sejam cumulativamente cumpridos os requisitos consagrados nas suas diversas alíneas, daí decorre, necessariamente, que o cumprimento cumulativo das als c) e d) é possível, ou seja, que uma entidade não lucrativa pode praticar preços homologados por uma autoridade pública, que não sejam “inferiores aos exigidos para análogas operações pelas empresas comerciais sujeitas de imposto”, sem que se verifique “concorrência direta com sujeitos passivos do imposto”.

            Assim, como se escreveu no Acórdão do STJ de 09-10-2002, proferido no processo 02S1905, em situação distinta mas directamente transponível, “Para que possa realizar-se com adequação e legitimidade o confronto de uma situação concreta com o dever de não concorrência é, pois, necessário ter em conta, mais do que a identidade ou semelhança dos bens ou serviços produzidos pelas empresas consideradas, e muito mais do que o facto de pertencerem ao mesmo “ ramo”, “ género” ou “sector” de actividade económica este requisito elementar da hipótese de concorrência: a possibilidade factual do desvio de clientela.[6].

            E como refere Jorge Patrício Paúl[7]:

“O acto de concorrência é aquele que é idóneo a atribuir, em termos de clientela, posições vantajosas no mercado.

A concorrência não é susceptível de ser definida em abstracto e só pode ser apreciada em concreto, pois o que interessa saber é se a actividade de um agente económico atinge ou não a actividade de outro, através da disputa da mesma clientela.(...)

O conceito de concorrência é, pois, um conceito relativo, que não pode ser aprioristicamente definido mas apenas casuisticamente apreciado, tendo em conta a actuação concreta dos diversos agentes económicos e a realidade da vida económica actual.”[8].

            Visto, no quanto se tem por relevante, as notas essenciais do regime legal em discussão, cumpre então avançar para verificar o acerto, ou falta dele, na sua aplicação ao caso concreto.

 

*

            Conforme decorre da leitura do RIT, a cujos fundamentos o Tribunal se deverá ater, já que, como se escreveu no Ac. do STA de 23-09-2015, proferido no processo 0134/11[9], “É exclusivamente à luz da fundamentação externada pela AT quando da prática da liquidação adicional de IVA que deve aferir-se a legalidade desse acto tributário.”, verifica-se que aquele Relatório se fundamenta, essencialmente, em três circunstâncias, a saber:

            a) A Requerente presta serviço a sócios e não sócios;

            b) A Requerente “gera excedentes que depois não afecta à execução das suas prestações”;

            c) A Requerente entra em concorrência directa com outros operadores económicos.

            Face ao referido, conclui-se no RIT (cfr. p. II.3.5) que não se reúnem “nenhum” dos requisitos das n.ºs 8 e 19 do CIVA, do art.º 9.º do CIVA, nem do art.º 10.º do mesmo Código.

            Vejamos, então.

 

*

            Relativamente à primeira das circunstâncias invocadas, deverá considerar-se que a mesma não assumirá relevância para apreciação da questão ora em discussão, relativa à invocada violação do disposto no n.º 8 do art.º 9.º do CIVA aplicável.

            Com efeito, a eventual circunstância de a Requerente prestar serviços a não sócios não se repercutirá na legalidade da aplicação daquela norma, na medida em que a mesma garante a isenção que a Requerente aplicou, sem impor qualquer restrição à sua aplicação no que diz respeito aos destinatários da prestação, que não a de que estes sejam pessoas que pratiquem as actividades que subjazem à isenção em questão.

            A propósito deste último requisito, e sem prejuízo de se afigurar que a AT não se fundamentou na não verificação do mesmo, sempre se dirá que se poderia questionar se a circunstância de a Requerente ter pessoas colectivas como associados, não poderia evidenciar que estariam a ser prestados serviços a pessoas que não praticavam actividades desportivas, uma vez que, por natureza, as pessoas colectivas não praticam desporto.

            Todavia, como refere o TJUE no Acórdão proferido no processo C-253/07:

 “O artigo 13.°, A, n.º 1, alínea m), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que abrange igualmente, no contexto de pessoas que praticam desporto, prestações de serviços fornecidas a pessoas colectivas e a associações não registadas, desde que – o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar – essas prestações tenham uma estreita conexão com a prática do desporto e sejam indispensáveis à sua realização, sejam efectuadas por organismos sem fins lucrativos e que os beneficiários efectivos das referidas prestações sejam pessoas que praticam desporto.”.

            Também a AT nacional acolheu o referido entendimento na Ficha Doutrinária emergente do processo n.º 12791[10], por despacho de 07-03-2018, onde também se pode ler o seguinte:

Face a este entendimento, considera-se que a isenção consignada na alínea 8) do artigo 9.º do CIVA abrange, ainda, as prestações de serviços fornecidas a pessoas coletivas e associações não registadas, desde que os beneficiários efetivos das mesmas sejam pessoas que praticam as atividades aí referidas.”.

            Deste modo, não se deverá, face ao fundamento analisado, ter por afastada a aplicação do n.º 8 do artigo 9.º do CIVA, ora em análise.

 

*

Relativamente à segunda linha de fundamentação do RIT, acima elencada (a Requerente “gera excedentes que depois não afecta à execução das suas prestações”), afigura-se que a mesma carece, manifestamente, de suporte factual, designadamente no que respeita a poder afirmar-se que a Requerente não se apresenta como uma entidade sem fins lucrativos.

            Com efeito, a Requerente está constituída, formal e validamente, como associação, e não se demonstra que tenha distribuído excedentes a alguns associados ou a terceiros, não se podendo considerar, nos termos em que é apresentada no RIT, a aquisição de participações sociais da E... como uma “distribuição de lucros”, desde logo porquanto a distribuição de lucros pressupõe a ausência de qualquer contrapartida, e a operação referida teve como contrapartida, para a Requerente, a titularidade de participações sociais daquela sociedade, nada havendo nos autos que permita afirmar, para lá de qualquer dúvida razoável, estarmos perante uma operação fraudulenta.

            O mesmo se dirá, mutatis mutandis, relativamente à aquisição de viaturas relatada na matéria de facto dada como provada.

            Conforme refere o TJUE no Acórdão proferido no Processo C-174/00 (cfr. ponto 26.), “a qualificação de um organismo como «sem fins lucrativos», na acepção desta disposição, deve ser efectuada à luz da finalidade por ele prosseguida, a saber, o organismo em causa não deve ter como objectivo gerar lucros a favor dos membros, contrariamente à finalidade de uma empresa comercial”, mais ali se referindo (cfr. ponto 27) que “Cabe às instâncias nacionais competentes na matéria determinar, à luz do objecto estatutário do organismo em causa e das circunstâncias de um caso concreto, se um organismo cumpre as exigências que lhe permitem ser qualificado como organismo «sem fins lucrativos».”.

            Ora, como se mencionou, inexiste no processo qualquer elemento que aponte, para lá de qualquer duvida razoável, no sentido de a Requerente se orientar para a geração de lucros a favor dos seus membros, ou de terceiros, pelo que se deverá ter a mesma como um organismo sem fins lucrativos, para efeitos do artigo 9.º, n.º 8 do CIVA aplicável, sem prejuízo de tal qualidade poder ser desreconhecida nos termos do artigo 10.º do mesmo diploma, questão que se analisará de seguida.

 

*

            O terceiro dos supra-elencados fundamentos do RIT incorpora a questão principal a decidir nos presentes autos arbitrais, que é a de saber se está afastado o carácter não lucrativo da Requerente, por via da aplicação da al. d) do art.º 10.º do CIVA, designadamente por a Requerente actuar em concorrência directa com outros operadores económicos.

Será esta a pedra de toque para dirimir o litígio sub iudice, na medida em que se se demonstrar a existência de uma situação de concorrência directa, não será aplicável a isenção (e será irrelevante se a Requerente prestou ou não serviços a terceiros), e se aquela demonstração não for feita, será aplicável a isenção do nº 8 do art.º 9.º do CIVA em questão (independentemente de terem sido prestados serviços a terceiros ou não).

            Relativamente a esta questão, e na sequência do que previamente se expôs, julga-se que:

  1. A Directiva IVA impõe a isenção deste imposto mas não impõe os condicionamentos à mesma, de onde decorre que, mesmo que se verifique uma situação de distorção na concorrência (art.º 133.º/d) da Directiva), a isenção não será contrária à Directiva, uma vez que os Estados Membros não estão obrigados a condicionar a isenção à não verificação daquela circunstância;
  2. Neste quadro, a interpretação do art.º 10.º, e em concreto da al. d), deve ser feita à luz do direito nacional;
  3. A Directiva menciona “distorção na concorrência”, enquanto que a norma nacional se refere a “concorrência directa”, sendo, por isso, o termo da legislação nacional mais restrito que o da Directiva, implicando, portanto, a demonstração da afectação real de uma clientela concreta pela actividade do operador isento (concorrência directa);
  4. Esta interpretação é reforçada pela circunstância de a al. d) do art.º 10.º do CIVA aplicável, ser precedida pela al. c) onde se prevê a exigência de que se pratiquem preços homologados ou “preços inferiores aos exigidos para análogas operações pelas empresas comerciais sujeitas de imposto” (note-se que, no caso, a própria AT reconhece que a Requerente pratica preços inferiores ao “normal”; cfr. p. 21 do RIT);
  5. Daí que, se para beneficiar da isenção o operador tem de praticar preços inferiores aos praticados para operações análogas pelas empresas comerciais sujeitas a imposto (al. c)) e não estar em concorrência directa com sujeitos passivos de imposto (al. d)), deverá conclui-se, necessariamente, que a existência de empresas comerciais sujeitas a imposto que pratiquem operações análogas, não configura, só por si, a existência de uma situação de concorrência directa, para efeitos da norma do art.º 10.º do CIVA, não se verificando aí qualquer violação do direito Comunitário, na medida em que o legislador nacional se contém dentro da liberdade conferida pelo art.º 133.º da Directiva.

Face ao exposto, julga-se que, para que se conclua pela verificação de uma tal situação de concorrência directa das actividades da Requerente com sujeitos passivos do imposto, será necessária a demonstração em concreto da disputa da clientela destes por aquela.

Tal entendimento tem, de resto, correspondência directa nos serviços da própria AT, por via da já citada Ficha Doutrinária emergente do processo n.º 12791, na qual se pode ler que “um organismo sem finalidade lucrativa tem de pautar o seu comportamento económico pela preocupação de bem servir a comunidade em que se insere, alheando-se de práticas concorrenciais próprias das empresas que, enquanto entidades produtivas, pugnam primordialmente pela obtenção do lucro, com recurso à disputa de fornecedores, distribuidores, vendedores, trabalhadores e, acima de tudo, da clientela, pela conquista de posições vantajosas em determinados setores do mercado.[11].

 Prossegue a mesma Informação, referindo que “Deve entender-se que entram em concorrência direta com empresas que exploram atividades visando o lucro, se os organismos sem finalidade lucrativa oferecerem os mesmos serviços em condições semelhantes e a preços em que, embora reduzidos, a diferença assente essencialmente na não aplicação do imposto.[12].

Neste termos, e em suma, julga-se que, em ordem a legitimar o afastamento da qualidade de organismos sem finalidade lucrativa da Requerente, nos termos do artigo 10.º, al. d) do CIVA, aplicado no RIT, impunha-se à AT a demonstração de que aquela disputa fornecedores, distribuidores, vendedores, trabalhadores e, acima de tudo, clientela, pela conquista de posições vantajosas em determinados sectores do mercado, oferecendo os mesmos serviços que outras empresas comerciais, em condições semelhantes e a preços em que, embora reduzidos, a diferença assente essencialmente na não aplicação do imposto.

            Ora, o RIT não fornece elementos que permitam concluir que exista algum operador económico em concreto que tenha a sua clientela afectada pela actividade da Requerente, nos termos referidos.

Efectivamente, o RIT limita-se à alegação genérica de que a actividade da Requerente é “susceptível” (o que desde logo é um termo eventual, ou hipotético, não compatível com a demonstração de uma situação de “concorrência directa”) de provocar distorções de concorrência (remetendo para a terminologia da Directiva, e não para a do art.º 10.º/d) do CIVA), em detrimento de empresas comerciais (não identificadas) sujeitas a IVA e dele não isentas que realizam serviços idênticos.

            Tal alegação, de índole genérica e conclusiva, não se julga susceptível de conter os elementos fácticos necessários ao preenchimento de uma situação de concorrência directa, tal como pressuposta pelo art.º 10.º/d) do CIVA, interpretado nos termos supra indicados, pelo que enfermarão as liquidações de erro nos pressupostos de facto.

            Com efeito, não obstante se possa conceber que, à luz do entendimento plasmado no RIT relativo à interpretação da al. d) do artigo 10.º do CIVA aplicável, os elementos recolhidos nesta matéria pudessem, até, fundar um juízo de susceptibilidade de provocar distorções na concorrência, o certo é que não foi esse o critério adoptado pelo legislador nacional, como se viu, mas um mais restritivo, que pressupõe a verificação de uma concorrência efectiva afectada pela isenção de imposto.

            Ora, para que fosse possível fazer tal juízo, eram necessários elementos que permitissem afirmar que a clientela visada era a mesma, e que a distribuição de tal clientela era real ou potencialmente afectada pela actividade da Requerente, em função de esta assumir uma posição privilegiada naquela disputa, por via da isenção de imposto.

            Como se viu, a efectividade da concorrência implica uma afectação directa da clientela de sujeitos passivos de IVA, o que não se pode concluir face aos dados recolhidos no RIT, não se apurando que entidades exercem que actividades alegadamente concorrenciais, e em que termos tais actividades são afectadas pela isenção da Requerente.

            Face ao exposto, aqui, como no processo arbitral nº 274/2016-T[13], que versou sobre matéria idêntica, conclui-se que:

“Para se poder concluir pela existência de distorção da concorrência seria necessário conhecer os concretos serviços prestados e preços praticados pelas entidades que a Autoridade Tributária e Aduaneira considera concorrentes, pois poderão tratar-se de serviços distintos com preços distintos, destinados a tipos de público diferentes”.

            E, como no processo arbitral nº 209/2015-T[14], que também versou sobre matéria idêntica, conclui-se que:

“No caso sub juditio não se revela essa distorção de concorrência porquanto não está demonstrado, por um lado, a existência concreta de entidades com oferta de serviços equiparáveis aos prestados pela Requerente e, por outro, quais os preços praticados pelas entidades (e identificação das mesmas) que alegadamente disponibilizam os equipamentos adequados e idênticos aos da Requerente e quais as concretas condições de utilização e características (...) e os concretos equipamentos com caraterísticas ou semelhanças quando comparados com (...) equipamentos explorados pela Requerente”.

            Como nota final assinala-se ainda que os elementos constantes dos autos, e nos quais a AT fundou as correcções operadas, poderão legitimar a suspeita de que a actuação da Requerente será susceptível de ser prosseguida no sentido de favorecer patrimonialmente algumas pessoas, beneficiando-as com o produto da sua actividade económica.

            A confirmarem-se tais suspeitas, poder-se-ia concluir pela verificação de uma situação de abuso de formas, em que a Requerente estaria formalmente constituída como entidade de fins não lucrativos para beneficiar do enquadramento fiscal próprio de tais entidades, tendo em vista potenciar a geração de lucros a distribuir a determinadas pessoas.

            Não obstante, e como se escreveu no Acórdão do STA de 27-01-2016, proferido no processo 01720/13:

“suspeitando a AT da existência de uma prática abusiva, impunha-se-lhe a instauração do procedimento prévio e obrigatório previsto no art.º 63º do CPPT, que se caracteriza pela audição da pessoa em causa no prazo de 30 dias, pelo direito de apresentação, pelo interessado, das provas que entender pertinentes, pela obtenção de uma autorização do dirigente máximo do serviço ou do funcionário em quem este último tiver delegado a competência para aplicar as disposições anti-abuso e pelo dever de fundamentação da respectiva decisão. Procedimento que não utilizou (...).

Deste modo, e independentemente da questão de saber se existiu ou não uma utilização abusiva de figuras jurídicas anómalas e se a AT tinha ou não razão na suposição que alicerça e fundamenta a correcção que efectuou (questão que [...] não está em causa nestes autos), o certo é que, face à aludida fundamentação, impunha-se à AT a utilização da cláusula geral anti-abuso contida no artigo 38º, nº 2, da LGT e do mecanismo procedimental previsto no artigo 63º do CPPT, o que não fez.”

            Assim, e por todo o exposto, considera-se que as correcções operadas pela AT em questão na presente acção arbitral enfermam de erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, por violação do artigo 9.º, n.º 8 do CIVA aplicável, devendo como tal ser anuladas, procedendo, consequentemente, o pedido arbitral e ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.

 

*

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, o erro apontado que afecta a liquidação na parte anulada é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que praticou o acto de liquidação por sua iniciativa, sem o necessário suporte factual e legal.

Tem, pois, direito a ser reembolsada a Requerente da quantia que pagou (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos actos anulados e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através de juros indemnizatórios, devidos desde a data do pagamento da quantia indevidamente liquidada, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  1. Anular os actos tributários objecto da presente acção arbitral;
  2. Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos atrás indicados.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 170.139,67, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

Lisboa, 24 de Setembro de 2018

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Nina Aguiar – vencida, conforme declaração de voto)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Vasco Valdez)

 

 

Declaração de Voto de Vencido

 

Votei contra a decisão do Tribunal, por considerar os atos de liquidação impugnados legais, pelas razões que a seguir se expõem.

  1. A questão fundamental a decidir é a de saber se os serviços prestados pela Requerente – uma associação que tem como objeto a promoção de atividades desportivas – se incluem no âmbito de aplicação da isenção estabelecida na alínea 8) ou da isenção estabelecida na al. 19) do art. 9º do CIVA.
  2. A al. 8) do art. 9º CIVA isenta:

8) As prestações de serviços efectuadas por organismos sem finalidade lucrativa que explorem estabelecimentos ou instalações destinados à prática de actividades artísticas, desportivas, recreativas e de educação física a pessoas que pratiquem essas actividades;

 

Por sua vez, de acordo com a al. 19) do mesmo preceito, estão isentas:

19) As prestações de serviços e as transmissões de bens com elas conexas efectuadas no interesse colectivo dos seus associados por organismos sem finalidade lucrativa, desde que esses organismos prossigam objectivos de natureza política, sindical, religiosa, humanitária, filantrópica, recreativa, desportiva, cultural, cívica ou de representação de interesses económicos e a única contraprestação seja uma quota fixada nos termos dos estatutos;

  1. A isenção da al. 19) pressupõe que o sujeito passivo receba como “única contraprestação”, pelos serviços prestados, “uma quota fixada nos termos dos estatutos”. A Autoridade Tributária, no Relatório de Inspeção (RIT), e serve de fundamento aos atos impugnados, alega e demonstra suficientemente que a documentação contabilística da Requerente não permite provar que a mesma recebe como “única contraprestação” pelos serviços prestados “uma quota fixada nos termos dos estatutos”.
  2. A Autoridade Tributária demonstra estatisticamente (através de amostragem), no RIT, que 99% dos documentos de quitação emitidos pelo pagamento dos serviços prestados, não contêm qualquer menção que se refira ao pagamento de uma “quota” e tão pouco identificam o pagador como “sócio”. A Requerente não contrapõe este facto. O que permite concluir que em relação a 99% dos serviços prestados e remunerados, a Requerente não prova que a única prestação recebida seja “uma quota fixada nos termos dos estatutos”. Sendo que é sobre a Requerente que impende o ónus daa prova quanto aos factos de que depende a isenção, em conformidade com o art. 74º da LGT e com a jurisprudência específica sobre a matéria dos benefícios fiscais (vg. Ac. TCA-S, 24-01-2012, proc. nº 5079/11).
  3. Para além disso, também fica provado nos autos que a Requerente comercializa os seus serviços através da empresa “I...”. Ao vender os serviços da Requerente aos seus clientes, a I... não lhes exige que se tornem previamente sócios da Requerente. O que significa que os consumidores adquirem os serviços da Requerente através da “I...”, sem serem sócios. Isto apenas reforça a conclusão anterior, de que nada, na contabilidade ou nos documentos de suporte, permite concluir que os utentes do ginásio sejam sócios.
  4. Resta assim, para fundamentar a isenção da Requerente, a al. 8) do art. 9º, acima transcrita, pelo que é apenas sobre os pressupostos de aplicação da isenção aí prevista que tem que incidir a análise a partir de agora.
  5. Já vimos que a al. 8) se aplica apena a entidades sem fins lucrativos.
  6. O art. 10º do IVA esclarece o que, para efeitos deste imposto, se deve entender por “organismo sem finalidade lucrativa, sendo a seguinte a sua redação:

Artigo 10.º (Conceito de organismos sem finalidade lucrativa)

Para efeitos de isenção, apenas são considerados como organismos sem finalidade lucrativa os que, simultaneamente:

a) Em caso algum distribuam lucros e os seus corpos gerentes não tenham, por si ou interposta pessoa, algum interesse directo ou indirecto nos resultados da exploração;

b) Disponham de escrituração que abranja todas as suas actividades e a ponham à disposição dos serviços fiscais, designadamente para comprovação do referido na alínea anterior;

c) Pratiquem preços homologados pelas autoridades públicas ou, para as operações não susceptíveis de homologação, preços inferiores aos exigidos para análogas operações pelas empresas comerciais sujeitas de imposto;

d) Não entrem em concorrência directa com sujeitos passivos do imposto.

  1. A Autoridade Tributária põe expressamente em causa (pág. 22 do RIT) a verificação da última condição: que o sujeito passivo que pretende a isenção “não entre em concorrência direta com sujeitos passivos do imposto”. A última questão que se coloca é assim a de saber se a Requerente está em “concorrência direta com sujeitos passivos de imposto e dele não isentos.” Para isso torna-se necessário fixar o que se deve entender por “entrar em concorrência direta com sujeitos passivos do imposto”.
  2. O artigo 10º do CIVA realiza a transposição do art. 133º da Diretiva IVA, que diz:

Artigo 133.º

Os Estados–Membros podem fazer depender, caso a caso, a concessão de qualquer das isenções previstas nas alíneas b), g), h), i), l), m) e n) do n.º 1 do artigo 132.º a organismos que não sejam de direito público da observância de uma ou mais das seguintes condições:

a) Os organismos em causa não devem ter como objectivo a obtenção sistemática de lucro, não devendo os eventuais lucros ser em caso algum distribuídos, mas sim afectados à manutenção ou à melhoria das prestações fornecidas;

b) Esses organismos devem ser geridos e administrados essencialmente a título gratuito por pessoas que não tenham, por si mesmas ou por interposta pessoa, qualquer interesse directo ou indirecto nos resultados da exploração;

c) Esses organismos devem praticar preços homologados pelas autoridades públicas ou que não excedam tais preços ou, no que diz respeito às actividades não susceptíveis de homologação de preços, preços inferiores aos exigidos para actividades análogas por empresas comerciais sujeitas ao IVA;

d) As isenções não podem ser susceptíveis de provocar distorções de concorrência em detrimento de empresas comerciais sujeitas ao IVA.

  1. O dispositivo diz: “Os Estados–Membros podem fazer depender (...)”. Trata-se inequivocamente de uma faculdade. Mas parece-me claro que os Estados Membros apenas podem fazer depender a isenção das condições enumeradas e não de outras. Não podem redefinir as condições, acrescentando outras que achem mais convenientes, ou apertando ou flexibilizando essas condições, pois isso seria contrário tanto ao princípio da aplicação uniforme do direito da União Europeia como à própria letra do art. 133.
  2. Além disso, a norma portuguesa que faz a transposição da Diretiva, neste caso o art. 10º, não pode deixar de ser interpretado à luz dos princípios fundamentais do sistema comum do IVA, entre os quais se inclui, e acima de todos eles, o princípio da neutralidade do mesmo imposto e das suas isenções. Cita-se a respeito o acórdão do TJUE no caso C-89/81, Hong-Kong Trade (par. 5 e 6):

 (...) É aconselhável identificar as características relevantes do sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado à luz da sua finalidade.

Essa finalidade, que a Segunda Diretiva menciona no seu preâmbulo remetendo para a Primeira Diretiva (...) resulta evidente do preâmbulo desta última, que refere a necessidade de se conseguir uma harmonização da legislação em matéria de impostos sobre transações  que logre eliminar os fatores que podem distorcer as condições de concorrência,  e dessa maneira garantir a neutralidade na concorrência, no sentido de que, dentro de cada Estado, bens similares devem suportar o mesmo imposto,  seja qual for a extensão da cadeia de produção e distribuição.

  1.  Sobre o alcance do princípio escreve English[15]:

Em inúmeras ocasiões, o TJUE elaborou sobre as duas principais dimensões da neutralidade fiscal no IVA e as suas implicações para a concreta aplicação de normas legais em matéria de IVA: em primeiro lugar, ela exige a imediata e total dedução do IVA suportado na medida em que as aquisições fonte desse imposto sejam usadas em transações sujeitas a imposto. Em segundo lugar, o princípio garante tratamento igual de fornecedores concorrentes que oferecem os mesmos produtos e serviços. Em ambos os aspetos, o princípio da neutralidade é idée directrice tanto para o TJUE como para os tribunais nacionais na aplicação teleologicamente dirigida da Diretiva IVA e da legislação doméstica em matéria de IVA.[16]

  1.  Sobre o princípio da neutralidade fiscal do IVA na sua dimensão de tratamento igual, cite-se a decisão do TJUE nos processos apensos C-110/98 a C-147/98, Gabalfrisa SL e o. contra Agência Estatal de Administración Tributaria, de 21-03-2000, Gol. Jur. 2000 I-01577, par. 44:

O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, elas próprias, sujeitas ao IVA (v., nomeadamente, os acórdãos de 14 de Fevereiro de 1985, Rompelmann, 268/83, Colect., p. 655, n.° 19, e de 15 de Janeiro de 1998, Ghent Coal Terminal, C-37/95, Colect., p. I-1, n.° 15).

  1. O Autor citado acima continua dizendo:

Além disso, como o Tribunal afirmou recentemente no caso Rusedespred, o princípio da neutralidade também limita a discricionariedade dos Estados membros em áreas em que estes ainda têm algumas opções ou mesmo autonomia. Aqui, o princípio pode ter efeito direto, sobrepondo-se à legislação nacional em favor dos sujeitos passivos.

  1. Ou seja, na interpretação da legislação nacional, o aplicador do direito (o juiz) está obrigado a guiar-se pelo princípio da neutralidade fiscal no IVA, na sua dupla vertente de direito à dedução e de tratamento igual.
  2. Ainda a respeito do princípio da neutralidade na sua vertente de exigência de tratamento igual, continua o autor citado:

Constitui jurisprudência assente do TJUE que o princípio da neutralidade fiscal tem que ser visto como um reflexo do princípio da igualdade de tratamento tributário no campo do IVA.

  1. Também o TJUE assim o afirmou já expressamente e por diversas vezes, como por exemplo na sua decisão sobre o caso C-174/08, NCC Construction Danmark, de 29-10-08, Col. Jur. 2009 I-10567, par. 41, que se passa a citar:

O referido princípio da neutralidade fiscal constitui a tradução, pelo legislador comunitário, em matéria de IVA, do princípio geral da igualdade de tratamento (v., neste sentido, acórdão de 10 de Abril de 2008, Marks & Spencer, C‑309/06, Colect., p. I‑2283, n.° 49 e jurisprudência aí referida).

  1. É, pois, quanto a nós, à luz do princípio da neutralidade, na sua dimensão de igualdade de tratamento, que deve ser aplicado o art. 10º do CIVA, pois a exclusão, do âmbito da isenção, das entidades sem fins lucrativos, que estão em concorrência direta com sujeitos passivos não isentos só pode ter o seu fundamento no princípio da neutralidade fiscal na sua dimensão de igualdade de tratamento.
  2. A esta luz, as exigências que a decisão, à qual se opõe este voto de vencido, coloca à volta do conceito de “entrar em concorrência direta com sujeitos passivos” não só, a meu ver, não se justificam como privam a norma de todo e qualquer efeito útil, fazendo dela uma interpretação nihilista.
  3. Por exemplo, na decisão afirma-se que “dentro da oferta de serviços relacionados com uma mesma modalidade desportiva, poderá não haver concorrência direta. Assim, por exemplo, uma escola de Futebol em que a formação seja dada por Cristiano Ronaldo, ou uma escola de ténis em que a formação seja dada por João Sousa, não concorrerão diretamente, em princípio, com uma escola da mesma modalidade, com formação ministrada por um curioso local.” Não se compreende este raciocínio. É o mesmo que dizer que o supermercado de uma grande rede de distribuição não faz concorrência à mercearia do bairro próxima. Ou que a pessoa que vende gelados na rua não faz concorrência à gelataria. A ideia é contrária ao senso comum, mesmo na ausência de uma definição legal de “situação de concorrência”, por ser do conhecimento comum que estas são situações que colocam problemas de concorrência, que são alvo de preocupação política e legislativa.
  4. Afirma também a decisão que “se o artigo 10.º do CIVA impõe que sejam cumulativamente cumpridos os requisitos consagrados nas suas diversas alíneas, daí decorre, necessariamente, que o cumprimento cumulativo das als c) e d) é possível, ou seja, que uma entidade não lucrativa pode praticar preços homologados por uma autoridade pública, que não sejam “inferiores aos exigidos para análogas operações pelas empresas comerciais sujeitas de imposto”, sem que se verifique “concorrência direta com sujeitos passivos do imposto”. Também não se compreende este raciocínio. Parece pressupor que só existe concorrência entre duas entidades quando uma delas pratica preços mais baixos do que outra. Nesse caso, seria impossível ao juiz concluir que uma rede de supermercados está em concorrência com outra, ou que uma operadora de telecomunicações está em concorrência com outra, ou que um banco está em concorrência com outro, pois é impossível, na prática, dizer qual pratica os preços mais baixos. Mais uma vez, é uma ideia contrária ao senso comum, pois é do conhecimento comum que a concorrência entre estas entidades existe, é intensa e faz-se sentir nas relações com os consumidores.
  5. Para efeitos do princípio da neutralidade fiscal na sua vertente de igualdade de tratamento, só uma noção é possível: estão em concorrência duas entidades que oferecem produtos ou serviços iguais ou semelhantes ao mesmo público. Esta é a definição dada pelo TJUE na sua decisão sobre os casos acumulados C-259/10 e C‑260/10, The Rank Group, 10-11-11 (par. 32): “O princípio da neutralidade fiscal opõe-se em especial a que mercadorias ou prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA”.
  6. Mas esta noção não é suficiente para uma aplicação do art. 10º, al. d) à luz do princípio da neutralidade. Retomemos o exemplo da escola que contrata um jogador de futebol famoso para professor. Para contratar um jogador famoso, a escola tem que dispor de recursos financeiros que lhe permitam fazê-lo. Suponhamos ainda que a entidade em questão é ajudada fiscalmente, o que lhe permite pagar o salário a esse desportista famoso, continuando a praticar os mesmos preços da escola que tem como treinador um desportista menos qualificado. O fator de concorrência não serão os preços, mas a qualidade. Essa entidade em pouco tempo eliminará a concorrência, pois oferece um muito melhor serviço aos mesmos preços. Quando toda a concorrência na proximidade tiver sido eliminada, diremos que a entidade que foi beneficiada fiscalmente não está em concorrência direta com sujeitos passivos e por isso deve poder beneficiar da isenção? Nesse caso, a norma que visa proteger a concorrência não poderá ser aplicada nas situações em que a distorção se consumou ao mais alto grau. O que é um evidente contrassenso.
  7.  Para precaver este resultado totalmente contrário à finalidade da norma, o TJUE considera que há “suscetibilidade de distorção de concorrência” mesmo quando a existência não seja atual mas apenas potencial.
  8. Ainda na vigência da Sexta Diretiva, a propósito do caso Wight Council e Outros [C‑288/07], o Tribunal considerou que a distorção de concorrência, a que o diferente tratamento fiscal pode ou não conduzir, deve ser avaliada por referência à actividade em si, e não por referência a um mercado local em particular. Ou seja, é indiferente que na localidade em que o organismo se encontra existam sujeitos concorrentes. O que interessa é que a atividade em si seja concorrencial, ie, que seja uma atividade exercida em regime concorrencial no mercado único, e que portanto possam surgir operadores concorrentes.
  9. Também na decisão sobre o processo The Rank Group plc [casos acumulados C-259/10 e C‑260/10], o Tribunal chegou a relevantes conclusões sobre a noção de “existência de uma distorção de concorrência”. Diz o Tribunal, que:
  • O princípio da neutralidade fiscal opõe-se em especial a que mercadorias ou prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA (par. 32);
  • Resulta desta descrição do referido princípio que a semelhança de duas prestações de serviços tem a consequência de estas se encontrarem em concorrência entre si (par. 33);
  • Consequentemente, a existência de uma situação efectiva de concorrência entre duas prestações de serviços não constitui uma condição autónoma e suplementar da violação do princípio da neutralidade fiscal se as prestações em causa forem idênticas ou semelhantes do ponto de vista do consumidor e satisfizerem as mesmas necessidades deste (par. 34);
  • Esta consideração também é válida no que diz respeito à existência de uma distorção da concorrência. O facto de duas prestações idênticas ou semelhantes e que satisfazem as mesmas necessidades serem tratadas de forma diferente do ponto de vista do IVA implica, regra geral, uma distorção da concorrência.

E concluindo o Tribunal:

  • À luz das considerações precedentes, deve responder‑se à primeira questão, alíneas b) e c), no processo C‑259/10 que o princípio da neutralidade fiscal deve ser interpretado no sentido de que uma diferença de tratamento em termos de IVA de duas prestações de serviços idênticas ou semelhantes do ponto de vista do consumidor e que satisfazem as mesmas necessidades deste basta para demonstrar uma violação deste princípio. Assim, essa violação não exige que também seja demonstrada a existência efetiva de concorrência entre os serviços em causa ou uma distorção da concorrência causada pela referida diferença de tratamento.

 

  1. Ora, em minha opinião, sob pena de dissociação da realidade, o Tribunal não podia ignorar que a atividade que a Requerente exerce – a atividade de ginásio - é uma atividade que é exercida na atualidade de forma comercial no território português, por sujeitos passivos não isentos de IVA, mais especificamente por comerciantes em nome individual e por sociedades comerciais. 

 

  1. Por outro lado, a Autoridade Tributária demonstra abundantemente que a Requerente oferece esses serviços ao público em geral e não a grupos específicos que não tenham acesso, por razões económicas ou outras, aos mesmos serviços prestados por sujeitos passivos.

 

  1. Assim, há que concluir que a atividade levada a cabo pela Requerente entra em concorrência direta com sujeitos passivos de IVA, e que, por conseguinte, não pode beneficiar da isenção da al. 8) do art. 9º do CIVA.

 

Em conclusão, a atividade exercida pela Requerente é uma “atividade em si (...) concorrencial, ie, que (...)  uma atividade exercida em regime concorrencial no mercado único ( C-259/10 e C‑260/10), a Requerente oferece os seus serviços ao público em geral e não a um público que não tenha acesso a serviços semelhantes oferecidos por sujeitos passivos não isento, logo não cumpre a condição da al. d) do art. 10º do Civa.

Consequentemente, não pode, para efeitos da isenção prevista na al. 8) do art. 9º do CIVA, ser considerada “entidade sem fins lucrativos”, em conformidade com o art. 10º.

Por esse motivo, considero que as liquidações impugnadas são legais.

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Nina Aguiar)

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2] Rui Laires, O IVA nas Actividades Culturais, Educativas, Recreativas, Desportivas e de Assistência Médica ou Social, Cadernos IDEFF n.º14,  Almedina, Julho 2012, pp. 302-341, em especial pp. 325-341.

[3] Rui Laires, O IVA nas Actividades Culturais, Educativas, Recreativas, Desportivas e de Assistência Médica ou Social, op. cit., pp. 337.

[4] Neste sentido Clotilde Celorico Palma, As Entidades Públicas e o Imposto sobre o Valor Acrescentado: uma ruptura no princípio da neutralidade, Almedina Dezembro de 2010 e “O IVA e as entidades públicas A revolução do Caso Salix”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, n.º2, Ano IV, Julho 2011.

[5] Rui Laires, O IVA nas Actividades Culturais, Educativas, Recreativas, Desportivas e de Assistência Médica ou Social, op. cit., pp. 336-339.

[6] Sublinhado nosso.

[7] “Concorrência desleal e direito do consumidor”, disponível em: http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=45650&ida=45680.

[8] Sublinhado nosso.

[9] Disponível em www.dgsi.pt.

[11] Sublinhado nosso.

[12] Idem.

[15] ENGLISCH, Joachim, Development of the EU VAT System, in Michael Lang, Pasquale Pistone, Josef Schuch, Claus Staringer, Donato Raponi (eds.), ECJ - Recent Developments in Value Added Tax,

Viena, Linde Verlag, 2014, p. 27.

[16] Tradução da signatária. lSublinhado nosso também.