Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 647/2017-T
Data da decisão: 2018-09-05  IVA  
Valor do pedido: € 164.969,82
Tema: IVA – Direito a dedução.
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Nina Aguiar e José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte

 

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 11 de Dezembro de 2017, A...– FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO, NIPC ..., com sede na ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de IVA n.º 2017..., da liquidação de juros compensatórios n.º 2017... e das correspondentes demonstrações de acertos de contas n.º 2017... e 2017..., no valor global de €164.969,82.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese que:
    1. É dedutível o IVA suportado, enquanto estava enquadrado no regime de isenção, com a aquisição de recursos para a realização de operações tributadas;
    2. Os serviços prestados pela B... não correspondem a serviços de construção civil pelo que não estão sujeitos à regra da inversão do sujeito passivo prevista no artigo 2.º, n.º1, alínea j) do Código do IVA. 

 

  1. No dia 12-12-2017, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo a Ex.ª Sr.ª Conselheira Fernanda Maçãs (árbitro-presidente), e a Sr.ª Prof.ª Doutora Nina Aguiar e o Sr. Dr. José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora (árbitros vogais) que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 01-02-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 21-02-2018.

 

  1. No dia 26-03-2018, o ora relator foi nomeado árbitro-presidente, em substituição da Ex.ª Sr.ª Conselheira Fernanda Maçãs, que renunciou às funções arbitrais invocando razões consideradas como justificativas.

 

  1. No dia 06-04-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.

 

  1. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações pelas partes.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações pela Requerida, prazo esse que foi prorrogado até ao termo do prazo fixado no artigo 21.º/1 do RJAT.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. O Requerente é um fundo de investimento imobiliário fechado, constituído por um período inicial de 10 anos, cuja actividade foi autorizada pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, em 9 de Novembro de 2011.
  2. O Requerente destina-se a “promover e desenvolver, em Portugal, privilegiando a Área Metropolitana do Porto, projectos imobiliários de loteamento e construção em terrenos de sua propriedade e de clara aptidão para o efeito, nos termos da legislação em vigor, seja para habitação, seja para comércio ou serviços, bem como a adquirir imóveis que poderão ser destinados a arrendamento ou a posterior venda, distribuindo estes projectos e imóveis de acordo com os parâmetros previstos na lei”.
  3. Até 05-11-2015, o Requerente estava enquadrado, para efeitos de IVA, no regime de isenção relativo à prossecução de operações imobiliárias.
  4. A partir de 06-11-2015, o Requerente passou a estar enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral, para efeitos de IVA, cujo método de dedução é a afectação real de todos os bens.
  5. O Requerente realiza simultaneamente operações que conferem o direito à dedução e operações isentas.
  6. O Requerente adquire recursos que são afectos, simultaneamente, a operações que conferem direito à dedução e a operações isentas.
  7. No período compreendido entre 2013 e 2017, a actividade do Requerente centrou-se em dois projectos imobiliários de loteamento e construção: o C... e o projecto previsto para a rua da ... .
  8. O projecto C... trata-se de um loteamento com alvará emitido pela Câmara Municipal de ..., situado no lugar de ... em ... .
  9. O loteamento é composto por 46 lotes para habitação e 7 lotes para comércio e serviços cuja finalidade é a sua comercialização.
  10. Em 2016, o Requerente vendeu 4 lotes para habitação com projecto de arquitectura incluído.
  11. No período compreendido entre 2013 e 2017, o Requerente procedeu à aquisição de bens e serviços tendo suportado IVA.
  12. A grande maioria dos recursos adquiridos pelo Requerente destinaram-se ao planeamento e construção do C... .
  13. Para a parte afecta a comércio e serviços estava projectada a instalação de uma unidade hoteleira vocacionada para turismo sénior.
  14. De modo a proceder à dedução do IVA suportado no âmbito do projecto C..., o Requerente utilizou o critério objectivo de afectação real, tendo em consideração a área autorizada para a construção comercial ou de serviços e a totalidade da área de construção do empreendimento.
  15. O critério determinado pelo Requerente cifrou-se na percentagem de 29,179% para os anos em referência.
  16. A utilização desta percentagem na dedução do IVA conduziu à dedução do montante de €276.025,78 na declaração periódica do quarto trimestre de 2016 (201612T).
  17. Na declaração periódica de IVA do primeiro trimestre de 2017 (201703T) o Requerente peticionou o reembolso de €272.188,87 que havia sido reportado como excesso do período anterior.
  18. Na sequência desse pedido de reembolso de IVA, a AT iniciou um procedimento inspectivo, relativamente ao período 201703T, através da OI2017... .
  19. O IVA deduzido que originou o crédito foi suportado entre 2012 e 2016, pelo que foram abertos procedimentos de inspecção interna, de âmbito parcial, através das Ordens de Serviço n.º OI2017..., OI2017..., OI 2017... e OI2017..., para os anos de 2013, 2014, 2015 e 2016, respectivamente.
  20. No âmbito da apreciação dos procedimentos em IVA adoptados pelo Requerente no período compreendido entre 2012 e 2017, a AT considerou haver lugar às seguintes correcções:
  • IVA não liquidado na aquisição de serviços de construção civil, no montante total de €314.829,31;
  • IVA indevidamente deduzido, no montante global de €215.278,57, respeitante a:
  1. Imposto suportado pelo Requerente, no montante de €131.422,79, enquanto se encontrava enquadrado no regime de isenção;
  2. Dedução de IVA no montante de €4.538,44 não suportada por documento emitido nos termos do artigo 36.º do CIVA;
  3. Dedução de imposto no montante de €136.71 realizada sem suporte documental;
  4. Dedução de IVA no montante de €78.987,07 indevidamente liquidado por prestadores de serviços de construção civil;
  5. Dedução indevida de imposto em virtude do disposto no artigo 21.º, n.º1, alínea d) do CIVA, no montante de €119,62;
  6. Regularizações indevidas de imposto no montante de €73,94.
  1. As correcções efectuadas pela AT totalizaram um montante de €530.107,88 de imposto a regularizar pelo Requerente.
  2.  O Requerente conformou-se com parte das correcções apresentadas tendo procedido à regularização a favor do Estado dos seguintes montantes de imposto:
  1. €290.734,71, em virtude da aplicabilidade da regra de reverse charge à liquidação de IVA na aquisição de serviços de construção civil;
  2. €77.501,73 referente a IVA considerado indevidamente deduzido;
  1. O Requerente não aceitou as seguintes correcções efectuadas pela AT:
  1. €130.616,22 referentes à dedução indevida do IVA suportado enquanto o Requerente estava enquadrada no regime de isenção;
  2. €24.094,60 relativos à falta de liquidação de IVA na aquisição se serviços à B...;
  3. €7.160,62 referentes à dedução indevida de IVA suportado na aquisição de serviços à B... .
  1. Relativamente à “não liquidação de serviços de construção civil, não obstante os prestadores terem liquidado IVA indevidamente nas facturas”, o Requerente optou por aceitar parcialmente a correcção proposta pela AT, regularizando o montante de €290.734,71.
  2. A diferença entre a correcção proposta e o montante regularizado a favor do Estado respeita ao imposto da operação de aquisição de serviços de ligação à rede e de aumento de potência, à B..., titulada pela factura n.º ... .
  3. Os referidos serviços prestados pela B... dizem respeito à “(…) ligação à rede/aumento de potência, cuja prestação desta tipologia de serviço poderá implicar a construção de um posto de transformação de distribuição de energia e respectivos elementos de rede”.
  4. Tais serviços respeitam à repercussão sobre os clientes dos custos de ligação à rede e ao aumento de potência, que constituem obrigações da B..., regulamentadas no Regulamento das Relações Comerciais do Sector Energético (RRCSE) emitido pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE).
  5. No âmbito da acção inspectiva, com a finalidade de clarificar a natureza dos serviços prestados pelo fornecedor B..., o Requerente apresentou um e-mail da B..., onde, para além do mais esta refere que que os serviços prestados tratam-se de ligação à rede elétrica e como tal considera que não configuram um serviços de construção civil na medida em que não existe uma transferência do direito de propriedade.
  6. Do descritivo da factura emitida pela B... consta a seguinte menção “(…) Constr B... de todos os elementos”.
  7. No decurso da acção inspectiva foi reconhecido pela B... que a descrição do serviço prestado, constante da factura, não se afigurava clara.
  8. Em 17-10-2017, o Requerente foi notificada do relatório final de inspeção através do ofício n.º..., do qual constava o seguinte:

 

                                                   

 

                                                                                                                                 

 

 

 

 


 

 

  1. O Requerente foi notificado dos actos de liquidação de IVA, da demonstração de acerto de contas e da demonstração da liquidação de juros compensatórios.
  2. O Requerente procedeu ao pagamento dos valores de €24.094,60 e de €3.098,38 relativos às demonstrações de acerto de contas n.ºs 2017... e 2017..., tendo o remanescente da dívida liquidada sido paga por compensação com créditos do Requerente em conta-corrente, respeitantes a Imposto do Selo.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

As questões a decidir nos presentes autos arbitrais, tal como configurado pelo Requerente, são as seguintes:

  1. Apurar se é dedutível o IVA suportado, enquanto estava enquadrado no regime de isenção, com a aquisição de recursos que vieram a ser afectados à realização de operações tributadas, após a renúncia àquele regime;
  2. Apurar se os serviços prestados pela B... correspondem ou não a serviços de construção civil, sujeitos à regra da inversão do sujeito passivo prevista no artigo 2.º, n.º1, alínea j) do Código do IVA.

Vejamos.

 

*

i.

            Começa o Requerente por aventar que o entendimento plasmado pela AT na correcção ora em crise, será atentatório do princípio da neutralidade, apresentando vária jurisprudência comunitária e arbitral incidente sobre tal princípio.

            Seguidamente, elenca o Requerente os vários requisitos subjectivos, objectivos e temporais que condicionam o exercício do direito à dedução do IVA, concluindo que se encontram todos preenchidos, e que, como tal, deve a correcção em questão, no montante de €130.616,22 ser anulada.

            Ressalvado o respeito devido, julga-se que o Requerente incorre, nesta matéria, em erro de interpretação, erro esse condensado no entendimento de que, no que diz respeito aos requisitos de ordem temporal, o direito à dedução poderá, ad libitum, ser exercido em qualquer declaração posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas, dentro do limite de 4 anos.

A propósito do direito à dedução, dispõe o artigo 22.º do CIVA que:

“1 - O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efetuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.

2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º, a dedução deve ser efectuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas ou de recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação.

3 — Se a recepção dos documentos referidos no número anterior tiver lugar em período de declaração diferente do da respectiva emissão, pode a dedução efectuar-se, se ainda for possível, no período de declaração em que aquela emissão teve lugar.”.

            Como se refere no Ac. do STA 18-05-2011, proferido no processo 0966/10[2]:

“I – Em regra, estabelecida no art. 22.º, n.º 1, do CIVA, a dedução de imposto deverá ser efectuada na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importação, admitindo-se, no entanto, a possibilidade de correcções previstas no art. 71.º.

II – Assim, a dedução do imposto não pode ser efectuada em qualquer momento, à escolha do sujeito passivo, sendo o alcance útil das normas referidas que indicam os momentos adequados para a dedução precisamente o de excluir que esta se possa fazer em momentos diferentes, quando tal não esteja especialmente previsto.

III – O n.º 2 do art. 92.º do CIVA, ao estabelecer que o direito à dedução só poderá ser exercido até ao limite de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, não tem o alcance de atribuir ao sujeito passivo a liberdade de escolher qualquer momento dentro desse período para efectuar a dedução, mas sim de fixar um limite máximo que não pode ser excedido, mesmo nos casos em que a dedução pode efectuar-se em momentos diferentes dos indicados naquele art. 22.º.

IV – Para além do art. 71.º, n.º 6, do CIVA, não existe qualquer disposição legal que se possa interpretar como permitindo ao sujeito passivo o exercício do direito à dedução em momento posterior aos que resultam deste art. 22.º indicados, nos casos em que, por lapso efectuado na sua contabilidade, só detecte que tinha direito à dedução em momento posterior àquele em que o devia efectuar.”

            Isto é, em regra a dedução do imposto deve ser efectuada, em conformidade com o previsto no artigo 22.º do CIVA, na “declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas. Contudo, poderá ser exercido o direito à dedução em momentos posteriores”, estabelecendo o artigo 98.º/2, do CIVA, um limite máximo de quatro anos quanto ao exercício do direito à dedução, prazo este que se configura como um prazo geral, só aplicável quando não esteja previsto um prazo especial como é o caso do previsto no respectivo artigo 78.º/6. Neste contexto importa aferir, nos casos em que, nos termos de disposições que especialmente o prevejam, a dedução não é efectuada na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas, se se verificam ou não os pressupostos de aplicação dos referidos prazos, podendo, nesse caso, aceitar-se como legítimo o exercício do direito à dedução.

            Ressalvado o respeito devido, não se considera possível subscrever a tese de que o legislador terá, por qualquer forma, pretendido atribuir ao sujeito passivo uma discricionariedade quanto ao momento da dedução do IVA por si suportado.

            Efectivamente, e como se escreveu no Acórdão atrás citado:

“O direito comunitário, que tem primazia sobre o direito interno desde que não sejam violados os princípios fundamentais do Estado de direito democrático (Como está, desde a revisão constitucional de 2004, expressamente estabelecido no n.º 4 art. 8.º da CRP e já anteriormente se entendia.), aponta no sentido de ser correcta esta interpretação. (...)

Desta regulamentação, conclui-se que a dedução de imposto apenas pode efectuar-se fora dos momentos considerados adequados em condições que forem fixadas, o que afasta a viabilidade de uma tese que se reconduza à atribuição ao sujeito passivo do direito de fazer a dedução quando entender, dentro do prazo máximo legalmente admissível.”.

            A própria norma do n.º 2 do artigo 22.º em causa, na sua presente redacção, apenas faz sentido existir, como, justamente, proscrevendo a existência de uma discricionariedade do sujeito passivo na escolha do período para proceder à dedução. A não ser assim, como ocorre na interpretação sustentada pelo Requerente, a norma em questão perderia qualquer efeito útil, já que se limitaria a afastar a dedutibilidade do imposto suportado em período anterior à respectiva incidência, o que não faria qualquer sentido.

            Assim, e deste modo, tendo presente o critério hermenêutico do legislador razoável, a interpretação a fazer da norma do artigo 22.º/2 do CIVA deverá ser no sentido de impor a dedução do imposto suportado na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas ou de recibo de pagamento, licenciando apenas a dedução em período posterior, nas circunstâncias em que o próprio artigo o prevê especificadamente.

            Conclui-se, assim, que a referência a “período posterior” efectuada no n.º 2 do artigo 22.º do CIVA se reporta às situações em que, especialmente, se admite a possibilidade da dedução de imposto em período posterior, sendo esta a única interpretação conforme ao disposto no artigo 179.º da Directiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (Directiva IVA), que dispõe que: “O sujeito passivo efectua a dedução subtraindo do montante total do imposto devido relativamente ao período de tributação o montante do IVA em relação ao qual, durante o mesmo período, surgiu e é exercido o direito à dedução por força do disposto no artigo 178.º.” (sublinhado nosso).     

            Ou seja, em suma, a regra é a de que a dedução do IVA tem de ser feita na declaração periódica correspondente ao período em que o IVA a deduzir foi suportado, e não, livremente, em qualquer outra declaração periódica subsequente, já que tal é a forma adequada a assegurar que o IVA é deduzido no mesmo período em que é suportado.

            Deve, sempre e em todo caso, ter-se em consideração que o exercício do direito à dedução do IVA é um direito fundamental que assegura a neutralidade do IVA, só devendo ser restringido em situações excepcionais.

             Com efeito, tal como o Tribunal de Justiça da União Europeia tem vindo sucessivamente a salientar, e conforme resulta da redacção dos artigos 167.° e 179.°/1, da Directiva IVA, o direito à dedução é exercido, em princípio, durante o mesmo período em que se constituiu, ou seja, no momento em que o imposto se torna exigível. Contudo, nos termos do disposto nos respectivos artigos 180.° e 182.°, o sujeito passivo pode ser autorizado a proceder à dedução do IVA, mesmo que não tenha exercido o seu direito durante o período em que esse direito se constituiu, sem prejuízo da observância de determinadas condições e regras fixadas pelas regulamentações nacionais (v., neste sentido, Acórdão de  8 de Maio de 2008, Proc. C-95/07, Caso Ecotrade, Colect., p. I 03457, n.os 42 e 43).

            Isto é, os sujeitos passivos podem, em situações que o justifiquem, ser autorizados a proceder à dedução, mesmo que não tenham exercido o seu direito durante o período em que esse direito surgiu. Contudo, nesse caso, o seu direito à dedução fica dependente de determinadas condições e modalidades fixadas pelos Estados membros.       

Neste contexto, o TJUE tem vindo a notar que a possibilidade de exercer o direito à dedução sem limites temporais contraria o princípio da segurança jurídica, que exige que a situação fiscal do sujeito passivo, atentos os seus direitos e obrigações face à Administração Fiscal, não seja indefinidamente susceptível de ser posta em causa, pelo que não acolhe a tese segundo a qual o direito à dedução, tal como o direito à liquidação, não pode ser associado a um prazo de caducidade. A este propósito, o TJUE invoca os princípios da eficácia e da equivalência. No tocante ao primeiro, nota que o prazo de caducidade previsto não pode, por si só, tornar praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício do direito à dedução, quanto ao segundo, tem vindo a analisar se nas situações submetidas à sua apreciação há uma equivalência entre o prazo de caducidade concedido aos sujeitos passivos e o prazo concedido à Administração Fiscal para proceder a correcções, tendo concluído, inclusive que, este princípio não é contrariado pelo facto de, em conformidade com a regulamentação nacional, a Administração Fiscal dispor, para exigir a cobrança do IVA devido, de um prazo mais longo do que aquele que é concedido aos sujeitos passivos para solicitarem a sua dedução (cfr., Caso Ecotrade, já cit., n.ºs 43 a 49).

Como nota, embora os Estados membros tenham a faculdade de adoptar, ao abrigo do disposto no artigo 273.° da Diretiva IVA, medidas para assegurar a cobrança exacta do imposto e evitar a fraude, estas não devem, contudo, ir além do que é necessário para atingir tais objectivos e não devem pôr em causa a neutralidade do IVA (veja-se, nomeadamente, Acórdão de 21 de Outubro de 2010, Caso Nidera, Proc. C‑385/09, Colet., p. I‑10385, n.° 49).

            É este o contexto em que, na legislação nacional, se permite que, nomeadamente, ocorrendo um erro material ou de cálculo, que tenha ocorrido em prejuízo do sujeito passivo, o mesmo possa ser corrigido no prazo fixado no artigo 78.º/6 do CIVA.

            Outro tipo de erros, poderão ser corrigidos mediante a apresentação de declaração de substituição[3], caso tal ainda seja, nos termos legais, possível, ou, não o sendo, mediante pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 78.º da LGT, desde que verificados, igualmente, os correspondentes pressupostos.

            Neste contexto, o regime nacional do IVA, que, em consonância com o já referido artigo 179.º da Directiva, impõe que o direito à dedução seja exercido na declaração do período correspondente à génese de tal direito, ou do período em que os elementos necessários à efectivação desse direito tenham chegado à posse do sujeito passivo, complementado por vários mecanismos que, condicionadamente e com o limite de 4 anos, permitem a efectivação de tal direito em excepção ao regime regra, se deve ter por integralmente conforme às imposições comunitárias, não acarretando qualquer atropelo aos princípios fundamentais daquele e, concretamente, ao princípio da neutralidade.

            Nesse sentido, se compreende e acolhe o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 05447/12, de 21 de Maio de 2013, citado pela AT, onde se lê:

“Assim sendo, como é, tem de acompanhar-se o raciocínio da decisão recorrida, apoiada no exposto no Ac. do TCA Norte de 31-07-2008, Proc. nº 00052/02-Porto, www.dgsi.pt, quando aponta que enquanto a impugnante exercia a actividade coberta pela isenção positivada pelo artº 9º do CIVA não podia liquidar nem deduzir o imposto relativo a essa actividade que persiste pelo período em que decorrer a isenção, sendo que a partir do momento em que o contribuinte renuncie à isenção, o mesmo torna-se a partir desse momento e jamais retroactivamente, um normal sujeito passivo, capaz de liquidar e deduzir imposto, referente aos factos geradores verificados após a data a data em que se toma eficaz a renúncia, nos moldes comuns a todas as pessoas não isentas (...), ou seja, após se tornar eficaz a renuncia a isenº﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽acolhe o Ac. do rincrme ao quisitos de ordem temporal, ção de imposto, essa pessoa, na qualidade de entidade isenta, não pode liquidar e deduzir imposto no, ou respeitante ao, aspecto temporal pretérito. Deste modo, e com referência aos vários elementos a que alude a Recorrente, - em 22/01/2008 apresentou a Declaração de Alterações de Actividade (cfr. Doc. 22) e em 24/01/2008 apresentou a Declaração periódica de 2007/12T (cfr. Doc. 23 e 24) -, os mesmos não têm qualquer virtualidade no que concerne às liquidações impugnadas, pois que não se reflectem no domínio em apreço, o que significa que não existe qualquer violação do disposto nos arts. 24.º n.º 6 c) e 25.o do CIVA ex vi art 10 do DL21/2007 de 29/01 e bem como do direito de livre iniciativa privada da Recorrente e demais normas por esta apontadas.”

            Não terá, por outro lado, aderência ao caso a jurisprudência invocada pelo Requerente, designadamente por nenhum dos acórdãos por aquele citados se reportar a situação análoga à sub iudice.

            Assim, quer no Ac. do STA de 13-09-2017, proferido no processo 01923/13, quer no Ac. do mesmo Alto Tribunal de 20-10-2010, proferido no processo 0974/09, ambos citados pelo Requerente, está em causa a situação fiscal da entidade emitente das facturas deduzidas, e não, como no presente caso, da entidade que procede à dedução de facturas.

            Também no Ac. do TJUE de 3 de Março de 2005, proferido no processo C-32/0, não esteve em causa, ao contrário do que sugere o Requerente, uma entidade que, à data da emissão de facturas por bens ou serviços de que foi adquirente, estivesse sujeita a um regime de isenção. Antes, o que está em causa neste referido acórdão, é saber se o direito à dedução persiste, ainda que a actividade em função da qual se realizaram as despesas que incorporaram o imposto a deduzir, não se concretizem, o que nada tem a ver com o presente caso.

            Deste modo, e por todo o exposto, há que concluir que assiste razão à AT quando considera que não assistia ao Requerente direito a deduzir na declaração de 201612T, IVA contido em facturas emitidas anteriormente 06-11-2013[4].

            Pelo exposto, deverá improceder nesta parte o pedido arbitral.

 

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            Já relativamente à questão de saber se os serviços prestados pela B... correspondem ou não a serviços de construção civil, sujeitos à regra da inversão do sujeito passivo prevista no artigo 2.º, n.º1, alínea j) do Código do IVA, que subjazem às correcções no valor de €24.094,60 relativos à falta de liquidação de IVA na aquisição se serviços e de €7.160,62 referentes à dedução indevida de IVA suportado na aquisição de serviços, julga-se não ter sustentação de facto o decidido pela AT.

            Efectivamente, é o seguinte o teor da norma referida:

“1 - São sujeitos passivos do imposto: (...)

j) As pessoas singulares ou colectivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada.”

Ora, conforme decorre da matéria de facto, foram apurados elementos suficientes no sentido de que os serviços efectuados pela B..., e aos quais se reporta a factura n.º ... de 28-02-2014 e as correcções oram em questão, dizem respeito à “(…) ligação à rede/aumento de potência, cuja prestação desta tipologia de serviço poderá implicar a construção de um posto de transformação de distribuição de energia e respectivos elementos de rede”.

            Embora, como refere a Requerida, a documentação disponível indique se levaram “a cabo as obras de construção de infraestruturas para instalação de rede elétrica.” e “que as obras levadas a cabo reconduzem-se à prestação de serviço de construção civil”, não se descortina, à luz de um juízo de normalidade, que as obras em questão tenham sido realizadas por conta do Requerente, no sentido de se tornarem sua propriedade, estando antes em causa, como provado, que tais serviços respeitam à repercussão sobre a Requerente dos custos de ligação à rede e ao aumento de potência, que constituem obrigações da B..., regulamentadas no Regulamento das Relações Comerciais do Sector Energético (RRCSE) emitido pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE).

            O que estará em causa, será, portanto, a prestação de serviços de ligação a rede eléctrica, que implicaram a realização de serviços de construção civil pelo prestador, em instalações suas (e não do adquirente do serviço), em ordem a prestar o serviço de fornecimento e energia eléctrica nas condições necessárias, tendo o custo dos referidos trabalhos sido incluídos no valor facturado pela prestadora de serviços de ligação à rede e fornecimento de energia eléctrica.

            Deste modo e pelo exposto, julga-se não estarem verificados os pressupostos para a aplicação a regra de inversão do sujeito passivo (reverse charge), como aplicada pela AT, enfermando, nesta parte, a liquidação objecto da presente acção arbitral de erro sobre os pressupostos de facto, e consequente erro de direito, devendo, como tal ser anulada no valor de € 31.255,22.

 

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Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pelo Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, o erro apontado que afecta a liquidação na parte anulada é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que praticou o acto de liquidação por sua iniciativa, sem o necessário suporte factual e legal.

Tem, pois, direito a ser reembolsada o Requerente da quantia que pagou (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos actos anulados e, ainda, a ser indemnizado pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data do pagamento da quantia, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  1. Anular parcialmente o acto de liquidação adicional de IVA n.º 2017..., da liquidação de juros compensatórios n.º 2017... e das correspondentes demonstrações de acertos de contas n.º 2017 ... e 2017..., no valor global de € 31.255,22;
  2. Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos acima indicados, sobre o montante referido de €31.255,22;
  3. Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, fixando o montante de € 2.976,00, a cargo do Requerente e de € 696,00, a cargo da Requerida.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 164.969,82, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.672,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respectivo decaimento, acima fixado, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 5 de Setembro de 2018

 

O Árbitro Presidente

 

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Nina Aguiar)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora)

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2] Sublinhado nosso.

[3] Cfr. neste sentido o Ac. do STA de 02-10-2010, proferido no processo 0256/10.

[4] Eventualmente, mas tal não integra o objecto do presente processo, poderia discutir-se se o Requerente podia, ou não, deduzir o imposto em causa na primeira declaração periódica apresentada após a renúncia à isenção, ou se, não o tendo feito, poderia proceder à apresentação de declaração de substituição daquela, ou à apresentação de pedido de revisão oficiosa da mesma.