Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 7/2018-T
Data da decisão: 2018-07-03  IRC  
Valor do pedido: € 161.299,22
Tema: IRC - Tributação autónoma - Pagamento especial por conta.
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Decisão Arbitral

 

 

I – Relatório

 

 

            1. A…, S.A., contribuinte fiscal n.º…, com sede na rua … n.º…, …-…, …, apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º e segs. do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar a legalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida contra o acto de autoliquidação de IRC, relativo ao exercício de 2014, na parte em que não admite a dedução à colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma dos benefícios fiscais apurados no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE) e dos pagamentos especiais por conta (PEC), no montante de € 161.299,22.

 

  Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente dispõe de créditos fiscais referentes aos exercícios de 2009, 2014 e 2015 no âmbito do SIFIDE, no valor total de € 362.839,61 e efectuou pagamentos especiais por conta em todos os exercícios desde 2010, no valor total de € 418.746,00, que nunca foram deduzidos por ter tido resultados fiscais negativos entre 2010 e 2013.

No exercício de 2014, a Requerente apurou um montante de imposto a pagar no total de € 171.333,40, mas ao qual não foi possível deduzir os créditos fiscais na parte referente à colecta de IRC produzida pelas tributações autónomas, redundando no pagamento indevido de € 161.299,22.

No entanto, as tributações autónomas, embora sujeitas a uma distinta forma de apuramento no que se refere à base tributável e às taxas aplicáveis, seguem um idêntico procedimento de liquidação de imposto nos termos do artigo 90.º do CIRC.

 

E caso se entenda que o artigo 90.º do Código do IRC não se aplica às tributações autónomas, deverá então ser declarada a ilegalidade da liquidação de tributações autónomas por ausência de base legal para a sua efectivação, atento o disposto no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.

 

Acresce que a finalidade anti-abusiva das tributações autónomas não afasta o procedimento de liquidação de IRC nem frustra o efeito legal pretendido, visto que o sujeito passivo efectua o pagamento das tributações autónomas através da compensação dos créditos fiscais de que dispõe a título de benefícios fiscais ou de pagamentos especiais por conta.

 

De outro modo, a norma do artigo 90.º, n.º 2, do CIRC seria contrária ao princípio da igualdade fiscal na medida em que introduz limites às deduções em IRC que não são aplicáveis a todos os contribuintes.

 

A norma do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, introduzida pela Lei n.º 7-A/20216, de 30 de Março, não obsta à dedução à colecta de IRC das tributações autónomas, visto que dela apenas decorre que não poderão ser efectuadas deduções específicas à colecta das tributações autónomas, e, em qualquer caso, a norma, pela sua natureza interpretativa, seria contrária ao princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal quando se entenda aplicável ao exercício fiscal de 2014.

 

Há ainda a considerar que o benefício fiscal criado pelo SIFIDE, pela sua natureza excepcional, não pode ser objecto de uma interpretação restritiva, à luz do disposto no artigo 10.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, pelo que não é possível contornar, por efeito da interpretação da lei, a intenção legislativa de atribuir uma vantagem fiscal ao contribuinte.

 

Do mesmo modo, a Requerente poderá deduzir à colecta do IRC resultante das tributações autónomas os montantes desembolsados a título de pagamentos especiais por conta por se tratar de créditos fiscais que poderão permitir a compensação do imposto devido.

 

Pede em consequência a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e a anulação parcial da autoliquidação de IRC referente a 2014, na parte em que não permitiu a dedução à colecta produzida pelas tributações autónomas do benefício fiscal e dos pagamentos especiais por conta.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, considera que a inclusão das tributações autónomas no Código de IRC, pela sua natureza e finalidade, tem como corolário lógico a aplicação das normas gerais próprias desse imposto que não contendam com a sua especial forma de incidência, conferindo uma natureza dualista ao sistema normativo do imposto que se corporiza no apuramento separado das respectivas colectas de acordo com diferentes regras.

 

Havendo assim lugar a dois cálculos distintos, que, embora processados nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º, são efectuados com base na aplicação de diferentes taxas às respectivas matérias colectáveis que são determinadas igualmente de acordo com regras próprias.

 

A liquidação do IRC opera mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria colectável apurada nos termos do capítulo III do Código, ao passo que em relação à liquidação da tributação autónoma são apuradas diversas colectas de acordo com as taxas previstas no artigo 87.º, resultantes do disposto nos artigos 88.º e 89.º, consoante a diversidade dos factos que originam a liquidação da tributação autónoma, não podendo, por conseguinte, falar-se num sistema unitário de tributação em IRC.

 

E nesse sentido o montante apurado nos termos da alínea a) do artigo 90.º do CIRC comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades diferentes, pelo que as deduções previstas no n.º 2 desse artigo só podem ser efectuadas à parte da colecta do IRC com a qual exista correspondência directa.

 

De outro modo, a dedução de benefícios fiscais à colecta resultante da tributação autónoma teria um efeito contraditório, permitindo que a concretização de objectivos de incentivo fiscal viesse a eliminar a tributação autónoma em relação a despesas que o legislador pretende desincentivar.

 

Do mesmo modo, para a base do cálculo dos pagamentos por conta, definida no artigo 105.º, n.º 1, do CIRC, apenas é considerado o IRC apurado pela matéria colectável determinada segundo as regras do capítulo III e as taxas do artigo 87.º, que se identifica com o lucro/rendimento do sujeito passivo.

 

Sendo que a natureza jurídica do pagamento especial por conta, como instrumento ou garantia do pagamento do tributo com uma função associada ao combate à evasão e fraude fiscal, exclui que as quantias entregues a esse título possam ser afectos à extinção da dívida resultante das tributações autónomas.

 

Conclui pela improcedência do pedido.

 

2. No seguimento do processo, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a produção de prova testemunhal.

Em alegações, as partes reiteraram as suas anteriores posições.

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, as partes designaram os árbitros e o Conselho Deontológico designou o terceiro árbitro, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 19 de Março de 2018.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

Cabe apreciar e decidir.

 

II -Fundamentação

 

4. A matéria de facto relevante para a decisão da causa é a seguinte:

 

           

a) A Requerente apresentou declaração Modelo 22 de IRC, referente ao exercício de 2014, procedendo à de autoliquidação de tributações autónomas no montante de € 161.299,22;

 

b) O montante de imposto apurado a pagar foi de € 171.333,40;

 

c) A Requerente dispõe de créditos fiscais referentes aos exercícios de 2009, 2014 e 2015 no âmbito do SIFIDE no valor total de € 362.839,61.

 

d) E efectuou pagamentos especiais por conta em todos os exercícios desde 2010 no valor total de € 418.746,00 que não foram deduzidos por ter apurado resultados fiscais negativos entre 2010 e 2013;

 

            e) O sistema informático não permitiu a dedução à colecta de IRC, incluindo a resultante das tributações autónomas, dos montantes de benefício fiscal reconhecido ao abrigo do SIFIDE e dos pagamentos especiais por conta.

 

            f) A Requerente apresentou reclamação graciosa contra a autoliquidação de tributações autónomas do referido exercício de 2014, que não foi objecto de apreciação pela Autoridade Tributária dentro do prazo legalmente previsto.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e os constantes do processo administrativo apresentado pela Autoridade Tributária com a sua resposta.

 

            Matéria de direito

 

            Dedução do benefício fiscal à colecta da tributação autónoma

 

             5. As questões a decidir traduzem-se em saber se há lugar, em sede de IRC à dedução à colecta produzida pelas taxas de tributação autónoma dos benefícios fiscais apurados no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), bem como à dedução dos pagamentos especiais por conta.

 

            A primeira dessas questões tem vindo a ser decidida pela jurisprudência arbitral maioritária em sentido positivo, utilizando como principal argumento a circunstância de a tributação autónoma se encontrar sujeita ao procedimento comum de liquidação de IRC. A colecta proporcionada pela tributação autónoma – afirma-se – constitui colecta de IRC e a dedução dos benefícios fiscais é efectuada em relação ao montante que for apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC, o que leva a concluir que o processamento da liquidação do imposto, tal como resulta do falado artigo 90.º, se aplica a todas as situações previstas no Código, incluindo no tocante às tributações autónomas. Partindo desta ideia central, conclui-se que a autonomia deste tipo de tributação se restringe às taxas aplicáveis e à respectiva matéria colectável, não havendo suporte legal, face ao disposto no artigo 90.º, para distinguir entre a colecta proveniente da tributação autónoma e a que resulta dos rendimentos sujeitos a IRC.

 

            A análise da questão justifica, em todo o caso, uma mais precisa caracterização das chamadas tributações autónomas.

 

            Deve começar por dizer-se que a tributação autónoma constitui a principal excepção à tributação do rendimento segundo o princípio do rendimento líquido ou rendimento real, pelo qual o rendimento das pessoas singulares é apurado depois de deduzidas as despesas feitas para a sua obtenção e a tributação das sociedades é determinada de acordo com o lucro apurado pela contabilidade (Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, Coimbra, pág. 406).

 

Como tem sido frequentemente assinalado, a tributação autónoma começou por se reportar a despesas confidenciais e não documentadas (artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho), passando depois a abranger os encargos com viaturas, as importâncias pagas a pessoas com regime fiscal mais favorável e as despesas de representação, e, mais tarde, os encargos com ajudas de custo ou despesas de deslocação.

 

Com a Lei do Orçamento do Estado de 2010 (Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), a tributação autónoma veio ainda a incluir os encargos relativos a indemnizações pagas a gestores, administradores ou gerentes por virtude de cessação de funções, e, bem assim, os encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25 % da remuneração anual e possuam valor superior a € 27 500. Entretanto, a Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, aditou um n.º 14 ao artigo 88.º, prevendo a elevação das taxas de tributação autónoma previstas nesse artigo em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores.  

 

A introdução do mecanismo de tributação autónoma é justificada, por outro lado, por se reportar a despesas cujo regime fiscal é difícil de discernir por se encontrarem numa “zona de interseção da esfera privada e da esfera empresarial” e tem em vista prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição oculta de lucros ou atribuam rendimentos que poderão não ser tributados na esfera dos respetivos beneficiários, tendo também o objectivo de combater a fraude e a evasão fiscais (Saldanha Sanches, ob. cit., pág. 407).

 

Para além disso, a tributação autónoma, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não diretamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário (que se refere não à percepção de um rendimento mas à realização de despesas). E, desse modo, a tributação autónoma tem ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afectar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afectem negativamente a receita fiscal.

 

Naquelas situações especiais elencadas na lei, o legislador optou, por isso, por sujeitar os gastos a uma tributação autónoma como forma alternativa e mais eficaz à não dedutibilidade da despesa para efeitos de determinação do lucro tributável, tanto mais que quando a empresa venha a sofrer um prejuízo fiscal, não haverá lugar ao pagamento de imposto, frustrando-se o objectivo que se pretende atingir que é o de desincentivar a própria realização desse tipo de despesas.

 

No entanto, através de sucessivas alterações legais, o legislador tem vindo a alargar o âmbito da tributação autónoma, tendo passado a incluir os encargos relativos a indemnizações pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estes cessem funções, e, bem assim, os encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas ultrapassem certos limiares. O que se mostra justificado como uma forma de assegurar “uma distribuição mais justa dos encargos tributários e a uma moralização progressiva das políticas remuneratórias das empresas”. Como a doutrina tem reconhecido, trata-se, neste caso, de mecanismos de tributação autónoma que se afastam do desígnio inicial de combater a fraude e a evasão fiscais – como sucedia com as despesas não documentadas -, mas que poderão ainda enquadrar-se no objectivo de limitar despesas que poderão repercutir-se no rendimento colectável das empresas.

 

Neste contexto, analisando a questão da tributação autónoma à luz do princípio da tributação das empresas segundo o rendimento real e do princípio da capacidade contributiva, o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 197/2016, subscreveu o seguinte entendimento.

 

“ (…) o IRC e a tributação autónoma são impostos distintos, com diferente base de incidência e sujeição a taxas específicas. O IRC incide sobre os rendimentos obtidos e os lucros diretamente imputáveis ao exercício de uma certa atividade económica, por referência ao período anual, e tributa, por conseguinte, o englobamento de todos os rendimentos obtidos no período tributação. Pelo contrário, na tributação autónoma em IRC – segundo a própria jurisprudência constitucional -, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, caracterizando-se como um facto tributário instantâneo que surge isolado no tempo e gera uma obrigação de pagamento com caráter avulso. Por isso se entende que estamos perante um imposto de obrigação única, por contraposição aos impostos periódicos, cujo facto gerador se produz de modo sucessivo ao longo do tempo, gerando a obrigação de pagamento de imposto com caráter regular.

Como é de concluir, a tributação autónoma, embora prevista no CIRC e liquidada conjuntamente com o IRC para efeitos de cobrança, nada tem a ver com a tributação do rendimento e os lucros imputáveis ao exercício económico da empresa, uma vez que incidem sobre certas despesas que constituem factos tributários autónomos que o legislador, por razões de política fiscal, quis tributar separadamente mediante a sujeição a uma taxa predeterminada que não tem qualquer relação com o volume de negócios da empresa”.

 

Em idêntico sentido, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 310/2012, que julgou inconstitucional, por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, a norma do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, na parte em que faz retroagir a 1 de Janeiro de 2008 os efeitos de agravamento das taxas de tributação autónoma, chamou a atenção para a natureza materialmente distinta da tributação autónoma em relação ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, ainda que essa imposição fiscal se encontre formalmente inserida no Codigo de IRC.

 

A esse propósito, esse aresto sublinhou:

 

“Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.

Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º, n.º 9, do CIRC).

Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo.

Esta característica da tributação autónoma remete-nos, assim, para a distinção entre impostos periódicos (cujo facto gerador se produz de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo, em regra anual, e tende a repetir-se no tempo, gerando para o contribuinte a obrigação de pagar imposto com caráter regular) e impostos de obrigação única (cujo facto gerador se produz de modo instantâneo, surge isolado no tempo, gerando sobre o contribuinte uma obrigação de pagamento com caráter avulso).

Na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto, é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesa considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa”.

Entende-se, nos termos acabados de expor, que a base de incidência da tributação autónoma se não traduz num rendimento líquido, mas num custo dedutível transformado excepcionalmente em objecto de tributação, correspondendo a uma sanção legal que se destina a reduzir a vantagem fiscal que poderia resultar de despesas injustificadas ou excessivas. E, neste enquadramento, seria inteiramente contrário à unidade do sistema jurídico que os benefícios fiscais a atribuir aos contribuintes em sede de IRC venham a ser deduzidos à colecta resultante da aplicação de taxas de tributação autónoma.

Como se assinalou, as taxas de tributação autónoma têm a natureza de normas anti-abuso e destinam-se a desencorajar certas situações especiais que visem obter uma diminuição da carga fiscal mediante a dedução de custos que se presume não serem determinados por uma causa empresarial. Além disso, o sistema normativo do imposto tem uma natureza dualista na medida em que integra, de um lado, a matéria colectável baseada no lucro tributável, e, de outro lado, a matéria colectável resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma incidente sobre certo tipo de despesas.

Ainda que a liquidação do imposto seja efectuada de forma agregada, com base nessas duas diferentes componentes, não faz sentido que as deduções gerais a efectuar relativamente ao montante apurado de imposto incidam sobre a colecta devida pela aplicação das taxas de tributação autónoma. De facto, as deduções à colecta constituem uma das formas de dar corpo ao princípio da capacidade da contributiva que tem como um dos seus corolários a tributação segundo o rendimento real. Tratando-se de impostos sobre o rendimento, as deduções objectivas a contemplar são as correspondentes às despesas que possam razoavelmente considerar-se necessárias à angariação do rendimento e que se adequem à natureza de cada categoria de rendimentos, havendo de entender-se, no caso das actividades empresariais, os gastos ou perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC (Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, pág. 299).

Certo é que a lei admite ainda deduções ao lucro tributável e, entre elas, as relativas a benefícios fiscais (artigo 90.º, n.º 2, alínea c)). Não tem cabimento, no entanto, que essas deduções possam ocorrer em relação à colecta da tributação autónoma.

Porém há que compreender desde logo que nada se diz na lei se o que está no artigo 90.º do Código do IRC, sob a epígrafe “Procedimento e Forma de liquidação” se aplica às duas realidades – IRC e tributação autónoma – ou a uma só e a qual. Porém, em nosso entender, duma interpretação teleológica e sistemática da lei resulta claro que o n.º 1 do artigo 90.º - que encerra o procedimento de liquidação – se aplica quer ao IRC quer às tributações autónomas. Já o n.º 2 do mesmo artigo – que encerra a forma de liquidação – reporta-se aos casos da matéria colectável referida no artigo 15.º do CIRC ou seja ao IRC.

Para melhor compreender esta conclusão será necessário perceber que foi estabelecido no então n.° 6 do artigo 109.° do Código do IRC, actual artigo 117.°, que a obrigação de apresentar a declaração periódica de rendimentos abrange as entidades isentas de IRC, quando estejam sujeitas a tributação autónoma. E para determinados efeitos – designadamente para efeitos das deduções previstas no n.° 2 do artigo 90.° do Código do IRC ou do cálculo dos pagamentos por conta ou ainda do Resultado da Liquidação (artigo 92.°) - ficou, então, ao cuidado do intérprete e do aplicador da lei a tarefa de identificar a parte relevante de colecta do IRC. Isto extraindo dos normativos aplicáveis um sentido útil, literalmente possível, que permita uma solução coerente e conforme com a natureza e funções atribuídas a cada componente do imposto. Pois bem, é aqui que há que ter cautela. Quando se trata das deduções previstas no n.° 2 do artigo 90.° do Código IRC, concordam todos designadamente a Requerente, que a expressão “montante apurado nos termos do número anterior” deva ser entendida como abrangendo o somatório do montante do IRC, apurado sobre a matéria colectável determinada segundo as regras do capítulo III e às taxas previstas no artigo 87.° do mesmo Código, e o montante das tributações autónomas, calculado com base nas regras previstas no artigo 88.°. Ora, o resultado desta interpretação implicaria desde logo e de uma forma muito singela que na base de cálculo dos pagamentos por conta definida no n.° 1 do artigo 105.º do Código do IRC, e em termos idênticos aos utilizados no n.° 2 do artigo 90.°, fossem incluídas as tributações autónomas. Com efeito, para a base de cálculo dos pagamentos por conta apenas é considerado o IRC apurado com base na matéria colectável determinada segundo as regras do capítulo III e as taxas do artigo 87.° do respectivo Código. E aqui não há qualquer diferendo nem na Doutrina nem na jurisprudência. Pois que, é de salientar que a coerência e adequação deste entendimento alicerça-se na própria natureza dos pagamentos por conta do imposto devido a final, os quais, de acordo com a definição do artigo 33.° da LGT são “as entregas pecuniárias antecipadas que sejam efectuadas pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário”, constituindo uma “(...) forma de aproximação do momento da cobrança ao do da percepção do rendimento de modo a colmatar as situações em que essa aproximação não pode efectivar-se através das retenções na fonte”. Portanto, só faz sentido concluir que a respectiva base de cálculo corresponda ao montante da colecta do IRC resultante da matéria colectável que se identifica com o lucro/rendimento do exercício do sujeito passivo.

Aqui a única (e consistente) interpretação da expressão “montante apurado nos termos do número anterior” com a natureza das deduções referidas nas alíneas nas alíneas do n.° 2 do artigo 90.° do Código do IRC, relativas a:

- créditos de imposto por dupla tributação internacional jurídica e económica (actuais alíneas a) e b));

- benefícios fiscais (actual alínea c));

- pagamento especial por conta (actual alínea d));

- e retenções na fonte (actual alínea e)).

Na realidade, faz-se notar que o traço comum a todas as realidades reflectidas nas deduções referidas no n.° 2 do artigo 90.° do Código do IRC reside no facto de respeitarem a rendimentos ou gastos incorporados na matéria colectável determinada com base no lucro do sujeito passivo ou pagamentos antecipados do imposto, sendo, por isso, inteiramente alheios às realidades que integram os factos geradores das tributações autónomas.

E dizemos assim porque para nós é claro que a liquidação a que o legislador se quis reportar no n.º 2 é à matéria colectável referida no artigo 15.º do Código do IRC. Ou dito de outro modo, o “pecado original”, nunca bem resolvido é verdade, está no facto de (ter de) se entender, interpretando teleológica e sistematicamente a lei, que o n.º 1 do artigo 90.º se aplica às tributações autónomas, situação que se mantém mesmo com a mais recente alteração que veio apenas estabelecer que não existirá qualquer dedução ao montante da liquidação que resultar das tributações autónomas. A solução mais adequada teria sido ab initio o legislador ter afastado a aplicação do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, aos casos da tributação autónoma, mas como tal não sucedeu acabou por ir fazendo remendos cabendo ao intérprete chegar à solução mais adequada através de uma interpretação teleológica e sistemática como a que se deixou atrás.

Assim, no cálculo das tributações autónomas não cabem quaisquer deduções sendo a liquidação das tributações autónomas efectuadas nos termos do artigo 88.º e 89.º do Código do IRC e do n.º 1 do artigo 90.º do Código. Nunca nos termos do n.º 2. O disposto no n.º 2 do artigo 90.º aplica-se ao único imposto cujo funcionamento e substrato teórico-constitucional permite a sua aplicação – IRC. Concorda-se, portanto, com a posição que admite que o procedimento de liquidação previsto no n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC se aplica também às tributações autónomas. Porém dizer isto não significa aceitar que o mesmo se aplica ao n.º 2 do mesmo artigo. Não. Este preceito aplica-se unicamente ao IRC.

Posto isto e olhando aos regimes do SIFIDE e RFAI é forçoso concluir então o que acima se deixou dito, isto é, que os regimes de apoio ao investimento que são concretizados em deduções à colecta do IRC se reportam à colecta de IRC stricto sensu para cujo apuramento não concorrem as tributações autónomas. Não concorrem nem poderiam concorrer porque ainda que o artigo 4.º, n.º 1 do respectivo diploma, remeta para o montante de imposto apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC está a referir-se aos montantes apurados nos termos do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC. E nestes temos, como sabemos os casos da matéria colectável referida no artigo 15.º do mesmo Código, i.e. IRC.

Cabe também recordar que a tributação autónoma incide sobre certas despesas tipificadas na lei fiscal que tenham sido efetuadas pela empresa, e apenas sobre essas despesas, e não visa a tributação dos rendimentos empresariais que tenham sido auferidos no respectivo exercício económico. E o objectivo do legislador - como se referiu – é o de desincentivar a realização de despesas que possam repercutir-se negativamente na receita fiscal e reduzir artificiosamente a própria capacidade contributiva da empresa.

A lógica da tributação autónoma parece ser esta. A empresa revela disponibilidade financeira para efectuar gastos que envolvem situações de menor transparência fiscal e afectam negativamente a receita fiscal. Nessa circunstância, o contribuinte deverá estar em condições de suportar um encargo fiscal adicional relativamente a esses mesmos gastos (que poderiam ser evitados) e que se destina a compensar a vantagem fiscal que resulta da redução da matéria coletável por efeito da realização dessas despesas.

A despesa constitui um facto tributário autónomo, gerando um imposto a que o contribuinte fica sujeito independentemente de ter obtido ou não rendimento tributável em IRC no mesmo período de tributação. E, assim, o facto revelador da capacidade contributiva é a própria realização da despesa.

Admitir que os créditos fiscais resultantes de situações de incentivo ou benefício fiscal pudessem neutralizar o efeito sancionatório da tributação autónoma seria desvirtuar o próprio conceito de benefício fiscal e os princípios da capacidade contributiva e da justa repartição da carga fiscal.

Pela sua própria natureza, os benefícios fiscais são medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem, correspondendo a situações em que o legislador fiscal desagrava, por razões técnicas ou de política fiscal, certas manifestações de riqueza que pretende afastar da tributação normal (artigo 2.º, n.º 1, do EBF). O benefício fiscal é considerado, por outro lado, como uma despesa fiscal na medida em que incide sobre uma situação sujeita a tributação e equivale, em termos quantitativos, a uma receita fiscal não arrecadada.

 

Não faz qualquer sentido, neste condicionalismo, que as deduções à colecta do imposto que resultem de benefícios fiscais incidam não apenas sobre o lucro tributável mas sobre despesas que o legislador pretendeu tributar por razões de transparência fiscal. O que conduziria a permitir que o benefício fiscal fosse utilizado para frustrar o objectivo que se pretende atingir com a tributação autónoma que é justamente o de desincentivar a própria realização desse tipo de despesas.

 

Essa possibilidade contrariaria ainda o princípio da igualdade tributária.

 

De facto, um dos corolários do princípio da capacidade contributiva na estruturação dos impostos sobre o rendimento está na tributação do rendimento líquido, o que justifica que à colecta devam ser subtraídas deduções objectivas, correspondentes às despesas que possam razoavelmente considerar-se necessárias à angariação do rendimento, e, de entre elas, as deduções que especificamente se adequem à natureza de cada categoria de rendimentos. O princípio da capacidade contributiva constitui ainda uma exigência da igualdade fiscal no sentido de que o dever de pagar impostos deve ser aferido segundo um critério uniforme de modo a que os contribuintes que disponham de igual capacidade contributiva devam pagar imposto igual e contribuintes que disponham de diferente capacidade contributiva devam pagar imposto diferente, na medida da diferença.

 

Interpretar a norma do artigo 90.º, n.º 2, alínea c), do CIRC no sentido de que as deduções decorrentes dos benefícios fiscais incidem, não apenas sobre o lucro tributável, mas também sobre despesas sujeitas a tributação autónoma, seria justamente desvirtuar o princípio da igualdade tributária, permitindo que a efectiva capacidade contributiva da empresa seja influenciada negativamente por despesas que não têm uma directa relação com a fonte do rendimento.

 

 

            6. No caso vertente, a Requerente imputa à decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa e ao acto de autoliquidação de IRC o vício de violação de lei na parte em que não admitem a dedução à colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma dos benefícios fiscais apurados no âmbito do SIFIDE.

 

            Em causa está o sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II, abreviadamente designado SIFIDE II, a vigorar nos períodos de tributação de 2011 a 2015, aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro. A lei permite que os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal ou não, uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território possam deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação de 1 de Janeiro de 2011 a 31 de Dezembro de 2015, numa dupla percentagem: a) taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período; b) taxa incremental - 50% do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de € 1 500 000. Há ainda lugar em certas situações à majoração dessa taxa.

 

            Como resulta do regime legal, a dedução é feita nos termos do artigo 90.º do CIRC, devendo entender-se que a remissão é efectuada para o procedimento de liquidação a que se refere esse mesmo preceito do Código. As normas específicas que regulam o incentivo fiscal não contêm, como tal, um regime especial no que se refere ao método pelo qual deve processar-se a dedução à colecta, pelo que haverá lugar à dedução dos benefícios fiscais ao montante de imposto que for apurado como prevê o artigo 90.º, n.º 2, alínea c).

 

            O ponto é que essa disposição, como se deixou entrever, não pode ser interpretada no sentido de abranger a colecta resultante das tributações autónomas visto que estamos aí perante uma tributação distinta do IRC e as deduções a título de benefício fiscal, por sua própria natureza, apenas podem incidir sobre a matéria colectável que se identifica com o lucro tributável.

 

            Cabe recordar, a este propósito, que as normas que atribuem benefícios fiscais se revestem de carácter excepcional, na medida em que envolvem a derrogação do princípio da igualdade tributária, e enquanto normas restritivas não podem deixar de ser interpretadas de acordo com o princípio da proporcionalidade na sua tríplice vertente de adequação, necessidade e justa medida. E dificilmente se poderia conceber, numa interpretação conforme à Constituição, que essas normas, pela sua natureza, tenham como finalidade extrafiscal reduzir ou excluir a colecta produzida pelas taxas de tributação autónoma quando estas se caracterizam pela sua função claramente antiabusiva.

 

            7. Sustenta ainda a Requerente que, caso se entenda que o artigo 90.º do CIRC se não aplica à tributação autónoma, há lugar à inconstitucionalidade por violação do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição pois passa a inexistir base legal para a efectivação da liquidação relativamente a esse tipo de tributação, além de que uma tal interpretação conduz a um resultado desconforme à Constituição, por violação do princípio da igualdade, n  medida em que o mesmo montante de imposto apurado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º pode originar encargos fiscais distintos quando se veda aos contribuintes que liquidam tributações autónomas deduções que se encontram previstas no n.º 2 desse artigo 90.º

 

            Se bem se entende, a Requerente parte do pressuposto de que, não havendo lugar à dedução à colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma dos benefícios fiscais, não há também base legal para efectuar a tributação autónoma, visto que a colecta é apurada através do procedimento de liquidação de IRC definido no falado artigo 90.º do CIRC.

 

            O argumento baseia-se num evidente equívoco.

 

            As taxas de tributação autónoma estão previstas no artigo 88.º do CIRC e é essa disposição que permite a liquidação do correspondente imposto, embora o apuramento da colecta surja agregado à liquidação de IRC. Ao considerar que os benefícios fiscais não são dedutíveis ao montante de imposto apurado que resulte da aplicação das taxas de tributação autónoma, o tribunal não está a afirmar que a disposição do artigo 90.º não é aplicável à tributação autónoma, mas antes a efectuar uma interpretação do artigo 90.º, n.º 2, alínea c), no sentido de que a dedução à colecta de benefícios fiscais não incide sobre a tributação autónoma.

 

            Sendo certo que a tributação autónoma não deixa por isso de ter sustentação legal.

E como é bem de ver, a não dedução de benefícios fiscais à colecta das tributações autónomas não coloca um qualquer problema de igualdade tributária.

Como o Tribunal Constitucional tem sublinhado, o princípio da igualdade tributária, em síntese, pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem excepção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (cfr. acórdãos n.ºs 306/2010 e 695/2014).

            E como se deixou exposto, com a tributação autónoma, o legislador apenas procurou responder àquelas situações especiais que poderão ocultar a distribuição de lucros ou esquemas de evasão e fraude fiscal e que, em todo o caso, não correspondem a situações de normalidade fiscal. Há assim um fundamento material bastante para reduzir, através da tributação autónoma, a vantagem fiscal que o sujeito passivo poderia obter ataves de gastos que o legislador quer precisamente desincentivar, assim como existe um um bom motivo, do ponto de vista da política legislativa, para evitar que a sanção legal possa ser neutralizada através da dedução de benefícios fiscais, quando estes benefícios apenas se justificam por um interesse extrafiscal de natureza excepcional.

 

            É patente, por tudo o que se deixou dito, que os contribuintes sujeitos a tributação autónoma não se encontram em situação comparável a qualquer sujeito passivo que é tributado apenas com base no seu rendimento real e relativamente ao qual é legítimo que possam ser deduzidos os custos que são valorados positivamente do ponto de vista fiscal.

 

            8. A Requerente alude ainda à norma do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, na redacção introduzida pelo artigo 134.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, a que a lei conferiu natureza interpretativa, para extrair duas diferentes conclusões: a norma apenas pode ser interpretada no sentido de proibir as deduções específicas à colecta da tributação autónoma, não impedindo as deduções gerais previstas no artigo 90.º à colecta global do imposto; a norma tem ainda natureza inovadora, apesar da sua qualificação expressa como norma interpretativa, tornando-se inaplicável à situação dos autos por efeito do princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal.

 

            A referida norma veio estabelecer que “a liquidação das tributações autónomas em IRC é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efectuadas quaisquer deduções ao montante global apurado”. E o subsequente artigo 135.º da mesma Lei confere à citada disposição do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC natureza interpretativa.

 

            A invocada disposição poderia suscitar a questão de saber se a norma, no condicionalismo do caso, poderia ser qualificada como interpretativa e se o efeito retroactivo dessa qualificação poderia pôr em causa o princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal, e ainda essa outra questão quanto ao seu próprio sentido interpretativo a ponto de poder entender-se que ela não interfere com as deduções dos benefícios fiscais a que se refere o artigo 90.º, n.º 2, alínea c), mas com deduções específicas que não estão agora em causa.

 

            No entanto, o tribunal, para chegar à solução do caso, limitou-se a interpretar a disposição do artigo 90.º, n.º 2, alínea c), do CIRC segundo as regras gerais da hermenêutica jurídica, abstendo-se de aplicar a disposição do falado artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, o que só poderia suceder se lhe atribuísse carácter interpretativo de modo a torná-la aplicável a um acto tributário verificado em momento anterior à entrada em vigor da lei nova.

 

            Não tendo sido aplicada essa disposição como ratio decidendi, não só não interessa considerar o postulado hermenêutico que resulta do preceito como ele não é sequer invocável para efeito de se considerar verificada a violação de qualquer parâmetro de constitucionalidade que se reporte ao pretenso carácter interpretativo da lei, visto que o recurso de constitucionalidade tem sempre como pressuposto essencial a efectiva aplicação da norma na decisão do caso concreto (entre muitos, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 319/94 e 524/98).

 

            9. A Requerente traz ainda à colação a natureza excepcional dos benefícios fiscais invocando o disposto no artigo 10.º do EBF, segundo o qual “as normas que estabelecem benefícios fiscais não são susceptíveis de interpretação analógica, mas admitem a interpretação extensiva”. Parece daí retirar a conclusão que não pode ser vedada a dedução do benefício fiscal à colecta resultante da tributação autónoma sob pena de se efectuar uma interpretação restritiva que é proibida por lei.

 

            A norma desse artigo 10.º não diz mais do que a regra geral do artigo 11.º do Código Civil, aplicável, em geral, às normas excepcionais e o que pretende é distinguir entre a integração por analogia e a interpretação extensiva. A existência de uma lacuna pressupõe que determinada situação não está compreendida nem na letra nem no espírito da lei, ao passo que a interpretação extensiva permite que, dentro dos critérios gerais de interpretação, se estenda as palavras da lei de modo a atribuir-lhe um alcance conforme ao pensamento legislativo. O princípio que se pretende estabelecer em relação a normas excepcionais é de não admitir a analogia, mas admitir o recurso à interpretação extensiva. O que não significa que essas normas apenas possam ser objecto de uma interpretação estrita ou declarativa. A lei proíbe o recurso à analogia, mas não impede que a norma seja interpretada de acordo com a mesma metodologia jurídica de qualquer outra norma (Luís Menezes Leitão, “Interpretação de benefícios fiscais”, Fisco, 1992, n.º 45, págs. 27-35).

 

            Em qualquer caso, não está a interpretar-se restrivamente as normas que fixam o benefício que está aqui em causa. O benefício foi reconhecido e a Requerente pode deduzi-lo parcelarmente à colecta do IRC. A norma que pode entender-se como sendo objecto de uma interpretação restritiva é a do artigo 90.º, n.º 2, alínea c), na medida em que se limita as deduções relativas a benefícios fiscais à colecta do IRC e não à colecta da tributação autónoma, entendimento que – como se viu – assenta no elemento sistemático e teleológico de interpretação e é a única consentânea com a unidade do sistema jurídico.

 

            O argumento não tem por isso qualquer fundamento, havendo de concluir-se, por tudo quanto antes se expôs, que não há lugar à dedução do benefício à colecta das tributações autónomas.

 

            Dedução dos pagamentos especiais por conta à colecta das tributações autónomas

 

            10. Baseando-se essencialmente na mesma ordem de considerações, a Requerente sustenta ainda a ilegalidade da autoliquidação do imposto na parte em que não admite a dedução dos pagamentos especiais por conta à colecta das tributações autónomas. O pagamento especial por conta constitui – segundo afirma – um empréstimo forçado ou um imposto autónomo e a finalidade anti-abusiva das tributações autónomas não afasta a possibilidade de dedução desses pagamentos à colecta do IRC, incluindo a resultante das tributações autónomas, através da compensação dos créditos fiscais que tais pagamentos antecipados representam.

 

            Também neste caso interessa começar por caracterizar a figura do pagamento especial por conta, seguindo a orientação consolidada da jurisprudência arbitral.

 

            O pagamento especial por conta foi instituído pelo Decreto-Lei n.º 44/98, de 3 de Março, mediante o aditamento do artigo 83.º-A ao CIRC, mostrando-se justificado através da respectiva nota preambular como uma medida de combate às “práticas evasivas de ocultação de rendimentos ou de empolamento de custos” entendidas como “manifestamente geradoras de graves distorções dos princípios da equidade e da justiça tributárias e da própria eficiência económica e lesivas da estabilidade das receitas fiscais” e das quais “resulta uma injusta repartição da carga tributária”.

 

            A provisoriedade do pagamento do imposto residia na possibilidade de deduzir as quantias pagas como PEC ao IRC, apurado nos termos gerais, fixados no artigo 71.º do CIRC então vigente, embora essa dedução só fosse possível se, apesar dessa operação, o valor do imposto a pagar fosse positivo (artigo 71º, n.º 6 do CIRC/1998).

 

Não havendo imposto a pagar nos termos gerais, o valor do PEC satisfeito podia ser reportado para o exercício seguinte (artigo 74º-A, n.º 1) ou reembolsado mais tarde (artigo 74º-A, n.º 2). Procurava-se garantir que a generalidade dos sujeitos passivos satisfizesse valor por conta do IRC, calculado provisoriamente sobre o volume de negócios do exercício anterior (artigo 83º-A).

No fundo, ficcionava-se que todas as empresas teriam por tendência um lucro tributável, calculado de acordo com os parâmetros gerais, equivalente a 1% do seu volume de negócios do ano anterior, acertando-se posteriormente a conta se assim não fosse.

A reforma do IRC operada em 2000-2001, através da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, reduziu o carácter de pagamento por conta que o imposto tinha, impedindo o seu reembolso enquanto o contribuinte se mantivesse em actividade e impôs que o reporte das quantias satisfeitas fosse feito apenas até ao quarto exercício subsequente (artigo 74º-A, n.º 1, do CIRC/2001).

Desta norma restritiva resulta, pela primeira vez, a possibilidade do PEC se transformar em colecta mínima quando não fosse possível deduzir as quantias satisfeitas, por se esgotar o período de reporte (neste sentido, Teresa Gil, “Pagamento Especial por Conta”, Revista Fisco, Ano XIV (Março 2003) n.º 107-108, pág. 12).

Em síntese, é possível afirmar que as alterações introduzidas nesta reforma não só mantiveram como acentuaram a tónica de combate à evasão fiscal que tinha motivado a introdução do PEC. Contudo, apesar de nessa ocasião já subsistirem as tributações autónomas não foi previsto qualquer mecanismo de articulação entre os dois instrumentos.

A terceira configuração do PEC foi introduzida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que no seu artigo 27.º estabeleceu um novo regime da dedutibilidade do PEC no artigo 87.º, n.º 3, do CIRC, repondo a possibilidade de reembolso das quantias entregues a título de PEC e não abatidas na liquidação anual de IRC. Manteve-se ainda aqui o carácter de medida de combate da evasão fiscal, embora se tenha aligeirado, sem o abolir completamente, o cunho de colecta mínima, face aos apertados condicionalismos impostos para o reembolso.

No regime vigente, o artigo 106.º do CIRC, na redacção resultante da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, com efeitos desde 1 de janeiro de 2014, dispõe que “sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º, os sujeitos passivos aí mencionados ficam sujeitos a um pagamento especial por conta, a efectuar durante o mês de Março ou em duas prestações, durante os meses de Março e Outubro do ano a que respeita ou, no caso de adoptarem um período de tributação não coincidente com o ano civil, nos 3.º e 10.º meses do período de tributação respetivo”.

A ressalva contida no segmento inicial do preceito pretende referir-se às regras do pagamento do imposto aplicáveis às entidades que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, e que, nos termos desse artigo 104.º, n.º 1, alínea a), devem proceder ao pagamento do imposto (…) em três pagamentos por conta, com vencimento em Julho, Setembro e 15 de Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável ou, nos casos dos nºs 2 e 3 do artigo 8.º, no 7.º mês, no 9.º mês e no dia 15 do 12.º mês do respectivo período de tributação (…)”.

Referindo-se ainda ao pagamento especial por conta, o artigo 93.º, esclarece que a “dedução a que se refere a alínea d) do n.º 2 do artigo 90.º é efetuada ao montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º do próprio período de tributação a que respeita ou, se insuficiente, até ao 6.º período de tributação seguinte, depois de efetuadas as deduções referidas nas alíneas a) a c) do n.º 2 e com observância do n.º 9, ambos do artigo 90.º”

Isto é, a dedução relativa ao pagamento especial por conta – tal como a dedução relativa a benefícios fiscais – é efectuada sobre o montante de IRC apurado nos termos desse artigo 90.º, tendo por base a declaração de rendimentos do sujeito passivo. E, por outro lado, as deduções relativas ao pagamento especial por conta apenas são consideradas após as deduções correspondentes à dupla tributação jurídica internacional, à dupla tributação económica internacional e aos benefícios fiscais, e, em qualquer caso, delas não pode resultar um resultado negativo, sendo essa a ressalva que justamente resulta do n.º 9 do artigo 90.º do CIRC.

Como se vê, no regime actual – aplicável à situação em presença - o pagamento especial por conta mantém a sua função anti-abusiva. Não só a dedução é efectuada subsidiariamente, como também só é considerada – depois de descontadas outras deduções - até ao limite da colecta de IRC apurada no período de tributação, implicando que as deduções possam ocorrer até aos seis exercícios económicos seguintes.

Em última análise, o pagamento especial por conta pode não ser reembolsado ou porque o sujeito passivo demonstra resultados fiscais negativos ou porque apresenta sucessivamente resultados insuficientes para absorver a dedução, isto porque – como foi dito – a dedução não pode dispensar o contribuinte de um pagamento de imposto que, no mínimo, se consubstancia no próprio pagamento especial por conta.

 

11. Como é sabido, os pagamentos por conta correspondem a um mecanismo de antecipação do imposto que venha a ser devido a final, permitindo aproximar o momento da percepção dos rendimentos do momento do pagamento do imposto e evitar a vantagem financeira que resultaria para o sujeito passivo se o pagamento apenas ocorresse após o encerramento do exercício económico. E independentemente de procederem aos pagamentos por conta ao longo do ano a que o imposto respeita, que constitui o modelo comum de pagamento, o contribuinte está ainda sujeito ao pagamento especial por conta no montante correspondente a 1% do volume de negócios relativo ao período de tributação anterior, com um limite mínimo de €1000 e um limite máximo de €70000, de acordo com as regras do n.º 2 do artigo 106.º

Ainda que os pagamentos por conta correspondam a uma técnica tributária de antecipação de receita fiscal, importa ter presente - conforme já se expôs – a finalidade específica do pagamento especial por conta como um meio de evitar a evasão fiscal e garantir o pagamento do imposto pelas empresas em actividade.

Esse propósito foi assinalado no acórdão do Tribunal n.º 494/2009, onde se consignou:

 

Não obstante essa matriz genérica, uma leitura do regime jurídico do PEC que esteja atenta à sua génese e evolução leva a concluir que ele não obedece prioritariamente à lógica típica de um pagamento por conta – ou seja, primariamente, a de assegurar ao erário público entradas regulares de tesouraria e, em segunda linha, acautelar o Fisco contra variações de fortuna do devedor e produzir uma certa "anestesia" fiscal –, antes estando indissociavelmente ligado à luta contra a evasão e fraude fiscais.

 

Nesse mesmo sentido, aponta a doutrina que nesse aresto surge amplamente referenciada: Teresa Gil, “Pagamento especial por conta”, Fisco, n.º 107-108, Ano XIV, Março, 2003, pág. 11; Luís Marques, “O pagamento especial por conta no âmbito do regime especial de tributação dos grupos de sociedades”, Fisco, n.º 107-108, Ano XIV, Março, 2003, pág. 3; José João de Avillez Ogando, “A constitucionalidade do regime do pagamento especial por conta”, Revista da Ordem dos Advogados, vol. 62, Tomo III, 2002, pp. 806 e ainda 821); Saldanha Sanches/ André Salgado de Matos, “O pagamento especial por conta de IRC: questões de conformidade constitucional, Revista de Direito e Gestão Fiscal, Julho, 2003, pág. 10.

 

A questão que se coloca, em todo este contexto, é a de saber se os pagamentos especiais por conta poderão ser deduzidos na colecta de IRC produzida pelas tributações autónomas, em aplicação do disposto no artigo 90.º, n.º 2, alínea d), do CIRC.

 

E a resposta afigura-se não poder ser diversa da considerada relativamente à dedução de benefícios fiscais.

 

Com efeito, o método de apuramento do IRC baseia-se no princípio da incidência sobre o lucro tributário, ao passo que a tributação autónoma incide sobre despesas individualmente consideradas cuja taxa é aplicável a cada despesa, sendo que a operação de liquidação se traduz apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a tributação autónoma.

 

Como impressivamente se declara no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 617/2012, “contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efectuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação”.

 

Além de que a tributação autónoma, que começou por ser contemplada avulsamente em legislação extravagante (Decreto-Lei n.º 192/90) e veio depois a ser integrada no IRC por razões de praticabilidade fiscal (Lei n.º 30-G/2000, que aditou o artigo 69.º-A ao CIRC), constitui, ela própria, uma medida anti-abusiva no ponto em que visa incentivar as empresas a reduzir despesas que não tenham racionalidade económica e que possam favorecer a evasão e a fraude fiscal.

 

E, por outro lado, a introdução do pagamento especial por conta através do Decreto-Lei n.º 44/98, que aditou o artigo 83.º-A ao CIRC, teve o efeito paralelo de evitar “práticas evasivas de ocultação de rendimentos ou empolamento de custos”, sujeitando as empresas a uma colecta mínima e limitando a possibilidade de reembolsarem o pagamento antecipado de impostos por via da apresentação de resultados fiscais negativos ou insuficientes.

 

E, como se ponderou na decisão arbitral proferida no Processo n.º 113/2015, seguida por diversa outra jurisprudência arbitral (entre outros, os acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 535/2015, 504/2016 e 704/2016), admitir a dedução dos pagamentos especiais por conta à colecta da tributação autónoma correspondia a frustar a ratio legis que inspirou o legislador a fixar esse regime jurídico particular, permitindo que as quantias entregues à Fazenda Pública a esse título, para assegurar a angariação de uma colecta mínima, fossem afectas à extinção da dívida fiscal resultante da tributação autónoma, neutralizando o propósito legislativo que está subjacente à introdução do novo mecanismo do pagamento especial por conta.

 

            E – acrescenta-se agora – essa possibilidade teria também o efeito negativo de anular os interesses de política fiscal que presidiram à criação da tributação autónoma, que – como se viu – teve em vista reduzir a vantagem fiscal que o sujeito passivo poderia obter atraves de gastos excessivos ou desprovidos de racionalidade económica. Isto é, o contribuinte poderia fazer extinguir a sanção legal que a tributação autónoma representa afectando à satisfação da obrigação tributária daí resultante os pagamentos especiais por conta que era suposto integrarem o montante de imposto apurado sobre o lucro tributável.

 

            Justifica-se, por isso, uma interpretação restritiva das normas dos artigos 90.º, n.º 2, alínea d), e 93.º, n.º 1, do CIRC de modo a considerar que as deduções relativas ao pagamento especial por conta incidem sobre o montante de imposto directamente apurado sobre o rendimento declarado, com a exclusão dos custos que sejam objecto de tributação autónoma.

 

            A esse propósito a Requerente refere-se ainda à norma do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, na redacção introduzida pelo artigo 134.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, defendendo que tal norma é inovadora e não é passível de aplicação retroactiva apesar de a lei lhe ter conferido natureza interpretativa.

 

            Como se disse, porém, num momento anterior, relativamente à norma do artigo 90.º, n.º 2, alínea c), que foi também objecto de análise (cfr. supra ponto 8.), o tribunal limita-se a interpretar estas outras disposições dos artigos 90.º, n.º 2, alínea d), e 93.º, n.º 1, do CIRC segundo as regras gerais da hermenêutica jurídica, abstendo-se de aplicar a disposição do referido artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, não havendo que discutir se esse preceito tem ou não carácter interpretativo.

Por tudo, o pedido arbitral mostra-se improcedente também nesta parte.

 

V - Outros Pedidos

Improcedendo o pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação que são objecto de impugnação, ficam prejudicados os pedidos deduzidos pela Requerente em vista ao reembolso das quantias pagas e ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

   VI - Decisão

Termos em que se decide:

  1. Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral de declaração de ilegalidade da autoliquidação de IRC, relativa ao exercício de 2014;
  2. Julgar prejudicados os pedidos de reembolso do montante de € 161.299,22 e do pagamento de juros indemnizatórios;
  3. Manter a decisão de indeferimento da reclamação graciosa respeitante ao acto tributários de autoliquidação de IRC relativos aos exercícios de 2014.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 161.299,22, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 3 de Julho de 2018

  

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

 

João Taborda da Gama, vencido nos termos da declaração de voto

 

O Árbitro vogal

 

Carla Castelo Trindade

 

 

 

Declaração de Voto

 

 

 

Vencido, quanto à questão de mérito, nos termos e com os fundamentos das decisões anteriormente por mim subscritas, nomeadamente nos processos 193/2017-T e 216/2017-T.

 

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

(João Taborda da Gama)

 

 

 

6 de julho de 2018