Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 45/2018-T
Data da decisão: 2018-06-15  IRC  
Valor do pedido: € 117.014,94
Tema: IRC - Tributações autónomas – SIFIDE - Benefício fiscal - Dedução à colecta.
Versão em PDF

 

Decisão Arbitral

 

 

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Henrique Nogueira Nunes e Prof.ª Doutora Maria do Rosário Anjos (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 16-04-2018, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

A..., S.A., com sede na Rua do ... n.º..., ..., ...-... ... (doravante designada por “Requerente”), pessoa colectiva número ..., veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.

A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa n.º...2017..., na parte em que indeferiu o pedido da Requerente referente à dedução de benefícios fiscais relativos ao SIFIDE II e ao RFAI, bem como as liquidações de IRC n.º 2015... e n.º 2017..., relativas aos períodos de 2014 e 2015.

 

A Requerente pede ainda o reembolso dos montantes de € 33.591,02, relativamente ao exercício de 2014 e de € 83.423,92, por referência ao exercício de 2015, perfazendo um total de € 117.014,94, e a correção automática dos efeitos declarativos inerente.

A Requerente pede também «pagamento de indemnização pelos prejuízos causados e correspondentes juros compensatórios».

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 05-02-2018.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 27-03-2018 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 16-04-2018.

A Administração Tributária e Aduaneira apresentou Resposta em defendeu a improcedência dos pedidos.

Por despacho de 17-05-2018 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

            O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é uma sociedade anónima sujeita e não isenta de tributação em sede do IRC;
  2. A Requerente submeteu, a 29 de maio de 2015, a declaração periódica de rendimentos (Modelo 22) de IRC, respeitante ao exercício de 2014 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. A Requerente apurou uma coleta de IRC de € 314.167,97 e deduziu àquela o montante de € 65.188,44, a título de benefícios fiscais não deduzidos em períodos anteriores;
  4. A 30 de Maio de 2016, a Requerente submeteu uma declaração periódica de rendimentos (Modelo 22) de IRC referente ao exercício de 2015 (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  5. Na declaração periódica de rendimentos (Modelo 22) de IRC do exercício de 2014, a Requerente não teve em consideração o montante do crédito fiscal relativo ao SIFIDE II - Sistema de Incentivo Fiscal à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE II), respeitante a esse exercício, no montante de € 282.570,55, tendo considerado aquele crédito fiscal apenas na declaração periódica de rendimentos (Modelo 22) de IRC do exercício de 2015;
  6. A Requerente submeteu, a 26 de Maio de 2017, uma declaração periódica de rendimentos (Modelo 22) de IRC de substituição do exercício de 2015, tendo em vista a desconsideração do crédito fiscal de SIFIDE II respeitante ao exercício de 2014 e a consideração do crédito fiscal relativo ao SIFIDE II apurado em 2015, no montante de € 447.962,46 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  7. Ainda por referência ao exercício de 2015, a Requerente apurou, no âmbito da sua atividade, um benefício fiscal relativo ao Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”) no montante de € 313.154,41;
  8. Na declaração periódica de rendimentos (Modelo 22) de IRC de substituição do exercício de 2015, entregue em 26 de Maio de 2017, a Requerente apurou uma coleta do IRC de € 193.964,36, tendo deduzido à mesma o montante de € 193.964,36, a título de benefícios fiscais não deduzidos em períodos anteriores;
  9. Nos exercícios de 2014 e 2015, a Requerente suportou tributações autónomas nos montantes de € 70.122,95 e € 83.423,62, respetivamente, não tendo tais montantes sido incluídos no montante da coleta para efeitos da dedução de benefícios fiscais;
  10. A fórmula de cálculo seguida pelo sistema de transmissão electrónica de dados não considera como coleta do IRC os montantes pagos a título de tributação autónoma, inviabilizando, por consequência, uma dedução superior de créditos fiscais (designadamente de SIFIDE II e RFAI)
  11. A Requerente apresentou, a 29 de Março de 2017, uma reclamação graciosa, visando a correção do que considera serem erros cometidos, nomeadamente no que concerne à consideração do benefício fiscal relativo ao SIFIDE II no exercício de 2014 (ano em que foram realizadas as respectivas despesas) e à dedução de benefícios fiscais a coleta do IRC lato sensu, nos exercícios de 2014 e 2015 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  12. A 7 de Novembro de 2017, a Requerente foi notificada da decisão finai da reclamação graciosa apresentada, a qual deferiu as pretensões da Requerente, no que concerne à consideração do benefício fiscal relativo ao SIFIDE II no montante de € 282.570,55, no exercício em que tal benefício foi de facto apurado, i.e., 2014; e indeferiu o pedido de dedução de benefícios fiscais à coleta do IRC (incluindo a derivada de tributações autónomas), nos exercícios de 2014 e 2015 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  13. A decisão de indeferimento da reclamação graciosa remete para a fundamentação do parecer que consta do projecto de decisão que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

PARECER

I – INTRODUÇÃO

1. Vêm reclamados os atos tributários de liquidação de IRC relativos aos anos de 2014 (em que apurou o valor a reembolsar de € 2.164.528,07), e de 2015 (em que não apurou valor a pagar ou valor adicional a reembolsar em relação ao que resultou da 1ª declaração entregue para esse ano fiscal - reembolso de € 193.964,36), com base nas seguintes alegações:

- a autoliquidação efetuada na declaração periódica de rendimentos de 2014 não teve em consideração o montante do crédito fiscal relativo ao benefício fiscal decorrente do incentivo denominado SIFIDE II, previsto nos art.s 35º e seg.s do Código Fiscal do Investimento – CFI, aprovado pelo DL nº 162/2014, de 31.10, no montante de € 282.570,55, justificado por declaração comprovativa emitida pela comissão certificadora competente datada de 10.02.2016 (pontos 7º a 11º e 18º a 31º do requerimento inicial),

- os montantes das coletas de IRC nos anos fiscais de 2014 e 2015 consideradas para as deduções previstas no art. 90º do Código do IRC (CIRC), nomeadamente a relativa aos benefícios fiscais, não levaram em conta os valores respeitantes às tributações autónomas, de € 70.122,95 e de € 83.423,62, para efeitos de dedução dos créditos decorrentes dos benefícios com o SIFIDE II, em 2014 e 2015, e RFAI em 2015 (indicado na declaração de substituição entregue em 06.07.2016) - pontos 12º a 16º e 32º a 133º do requerimento inicial.

2. A reclamante peticiona o reconhecimento do direito à dedução do crédito fiscal decorrente SIFIDE II no apuramento do imposto do ano de 2014, e o cômputo no apuramento do imposto dos anos de 2014 e de 2015 das tributações autónomas suportadas.

II - DOS PRESSUPOSTOS PROCEDIMENTAIS

3. Nos termos dos art.s 9º e 68º do CPPT a reclamação apresentada é o meio próprio e a reclamante tem legitimidade para o ato.

4. Quanto à tempestividade, é entendimento dos serviços (cfr. parecer sancionado por despacho do Ex.mo Sr. Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira de 20.10.2014 no âmbito do processo administrativo nº .../14) que, caso o sujeito passivo não tenha feito o pedido de emissão da declaração comprovativa do SIFIDE II antes da entrega da declaração periódica de rendimentos do ano em que realizou as despesas de I&D, pode usufruir do benefício através de reclamação graciosa, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração periódica de rendimentos.

5. No caso destes autos:

a) as declarações comprovativas do crédito fiscal pretendido em 2014 e 2015 foram emitidas pela Comissão Certificadora para os Incentivos Fiscais à I&D empresarial do Ministério da Economia, respetivamente, em 10.02.2016 e 20.04.2017, recomendando a atribuição de crédito fiscal de € 282.570,55 e de € 447.962,46, conforme cópias juntas ao requerimento inicial desta reclamação sob os documentos 3 e 4;

b) a primeira declaração periódica de rendimentos do ano de 2014 foi apresentada pela reclamante em 29.05.2015 e a de 2015 em 30.05.2016, ou seja, foram apresentadas em momento anterior à emissão das respetivas declarações comprovativas do crédito fiscal;

c) a presente reclamação foi deduzida em 29.05.2017.

6. Pelo que, atendendo ao sobredito parecer emitido no processo administrativo nº .../14 e disposto no nº 1 do art. 131º do CPPT, se conclui pela tempestividade da presente reclamação em

relação aos dois períodos de tributação a que se refere.

7. Consultado o Sistema Contencioso Judicial Tributário (SICJUT), em cumprimento do disposto no art. 68º, nº2, do CPPT, verifica-se que não foi interposta pela reclamante impugnação judicial com o mesmo objeto.

III - DA APRECIAÇÃO DO PEDIDO

8. A propósito do reconhecimento do alegado direito a um crédito fiscal ao abrigo do incentivo denominado SIFIDE II, previsto nos art.s 35º e seg.s do CFI, a deduzir à coleta de IRC do ano de 2014, os elementos dos autos informam que a reclamante entregou a declaração periódica de rendimentos em 29.05.2015 inscrevendo apenas o saldo do crédito do mesmo incentivo não deduzido no período anterior, de € 65.188,44, e que a declaração comprovativa foi emitida pela Comissão Certificadora para os Incentivos Fiscais à I&D empresarial do Ministério da Economia em 10.02.2016, recomendando a atribuição de um crédito fiscal de € 282.570,55, conforme cópia junta ao requerimento inicial desta reclamação sob o documento 3.

9. Consultada a base de dados informática da AT no que concerne ao sistema de controlo de benefícios fiscais, para efeitos do disposto nos art. 14º, nºs 5 a 7, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, e do art. 39º do Código Fiscal do Investimento, verificou-se que o sujeito passivo ora reclamante não constava como devedor ao Estado e à Segurança Social de quaisquer contribuições, impostos ou quotizações.

10. Diante do exposto, o pedido é de deferir nesta parte, devendo o montante do benefício recomendado pela Comissão Certificadora na correspondente declaração comprovativa, de € 282.570,55, ser tido em conta como dedução à coleta do IRC no cálculo do IRC liquidado em relação a 2014, de conformidade com o regime legal aplicável, e sem embargo do disposto no art. 7º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

11. No que respeita ao pedido de cômputo das tributações autónomas nas coletas de IRC nos anos fiscais de 2014 e 2015, porquanto estas últimas integrariam a coleta de IRC, para ampliar a abrangência da dedução dos benefícios fiscais, a AT entende que a soma dos valores das tributações autónomas não é considerada coleta de IRC, não sendo os benefícios fiscais, por isso, passíveis de dedução. As decisões arbitrais invocadas pelo contribuinte foram proferidas segundo o entendimento adotado em cada caso e vinculam apenas dentro dos limites dos casos em que foram proferidas.

12. A liquidação das tributações autónomas é, tal como a liquidação do IRC, efetuada pelo sujeito passivo, nas declarações a que se referem os art.s 120º e 122º do CIRC, ou pela AT, nos restantes casos, mas o montante das tributações autónomas não é apurado nos termos do art. 90º do CIRC.

13. As tributações autónomas visam a tributação de realidades específicas e diferentes, com uma finalidade antiabusiva, de reprimir a realização das despesas sobre que incidem, e se revestem de um carácter específico de tributar cada despesa efetuada segundo determinada taxa, sendo apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, independentemente de haver IRC a pagar, podendo ocorrer até um agravamento da tributação autónoma de algumas despesas em caso de resultado fiscal negativo.

14. Daí que, se fosse possível deduzir às tributações autónomas os valores de incentivos fiscais, a finalidade antiabusiva seria anulada.

15. Assim, ao contrário do disposto no art. 12º e na al. a) do nº 1 do art. 23º- A do CIRC, inexiste qualquer referência a tributações autónomas nos nºs 1 e 2 do art. 90º do mesmo diploma. O que impossibilita que sejam deduzidas como gasto no apuramento do lucro tributável e obsta a que o valor das tributações autónomas seja considerado para efeitos das deduções previstas no nº 2 do citado art. 90º.

16. Note-se que a referência a tributações autónomas na norma da al.a) do n.º 1 do art. 23º-A do CIRC aponta que estas são um tipo fiscal diferente do IRC, porque se não o fosse não havia necessidade de distingui-lo.

17. Sintomaticamente, os valores em que se concretizam o benefício fiscal em sede de RFAI e de SIFIDE II são deduzidos, de acordo respetivamente com o n.º 1 do art. 23º do CFI, “à coleta do IRC apurada nos termos da al.a) do n.º 1 do art. 90º do CIRC” e, com o n.º 1 do art. 38º do CFI, “ao montante da coleta do IRC apurado nos termos do da al.a) do n.º 1 do art. 90º do CIRC, e até à sua concorrência”, e na liquidação respeitante aos períodos de tributação seguintes referidos no n.º 3 do art. 23º e n.º 4 38º, no caso de insuficiência de coleta.

18. Ora, a coleta a que se refere o art. 90º, quando a liquidação deva ser feita pelo contribuinte, como sucede no caso destes autos, é apurada com base na matéria coletável calculada segundo a al.a) do nº1 do art. 90º do CIRC no âmbito da liquidação/autoliquidação nela expressa.

19. Sendo assim, a própria lei reguladora do SIFIDE II e do RFAI impede expressamente que os créditos deles decorrentes sejam deduzidos noutra cédula tributária, e, como pretende a reclamante, que à soma das tributações autónomas possam ser efetuadas as deduções elencadas no n.º 2 do art. 90º do CIRC.

20. Por outro lado, a organização do Quadro 10 e as instruções da declaração periódica de rendimentos modelo 22 e respetivas instruções, aprovada pelo Despacho nº 15632/2014, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (publicado no Diário da República nº 250/2014, 2ª série, de 29.12), a vigorar desde 01.01.2015, indicam que não é feita qualquer dedução à soma das tributações autónomas a inscrever no campo 365, nomeadamente as mencionadas no nº2 do art. 90º do CIRC e identificadas nos campos 353, 375, 355 e 356, as quais são deduzidas somente à coleta total (campo 378) que é composta pela soma do IRC propriamente dito (campo 351) e da derrama estadual (campo 373).

21. Acresce que a alteração da redação do art. 88º CIRC efetuada pelo art. 133º da Lei nº 7-A/2016, de 30.03 – Lei do Orçamento de Estado de 2016, que veio a introduzir o nº 21, segundo o qual a liquidação das tributações autónomas é feita nos termos do art. 89º do CIRC, não faz qualquer referência ao art. 90º CIRC, pelo que à liquidação das tributações autónomas não podem ser efetuadas quaisquer deduções nos termos do art. 90º.

22. Esta alteração tem natureza interpretativa, nos termos do art. 135º daquela Lei, e, conforme o nº 1 do art. 13º do Código Civil, “a lei interpretativa integra-se na lei interpretada”, sendo por isso de aplicação imediata, como se a previsão legal sempre tivesse existido nesses termos.

23. Por fim, no que respeita à alegação do acórdão nº 267/2017 do Tribunal Constitucional, a AT, estando sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art.s 266º, nº2, da Constituição da República Portuguesa – CRP, e 55º da LGT), não pode deixar de aplicar uma norma por entendê-la inconstitucional, a não ser que o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade dessa mesma norma com força obrigatória geral (cfr. art. 281º da CRP) ou se esteja perante uma norma que infrinja normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18º, nº1, da CRP). Os tribunais têm declarado não ser o caso quando está em causa a aplicação de norma eventualmente violadora do princípio da não retroatividade da lei fiscal.

IV - CONCLUSÃO

Perante o exposto, somos de opinião de que a reclamação em apreço deve ser

- deferida no que concerne ao pedido de consideração o montante do crédito fiscal relativo ao benefício decorrente do incentivo SIFIDE II, previsto nos art.s 35º e seg.s do Código Fiscal do Investimento, de € 282.570,55, no cálculo do IRC liquidado em relação ao ano fiscal de 2014; e

- indeferida no que concerne ao pedido de os montantes das coletas de IRC nos anos fiscais de 2014 e 2015 consideradas para efeitos das deduções previstas no art. 90º do CIRC terem em conta os montantes respeitantes às tributações autónomas nesses anos, para efeitos de dedução dos créditos decorrentes dos benefícios com o SIFIDE II, em 2014 e 2015, e RFAI, em 2015.

  • Em 05-02-2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo;

 

 

2.2 Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e que constam do processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

3. Matéria de direito

 

A Administração Tributária e Aduaneira indeferiu a reclamação graciosa no que concerne ao pedido de para determinação dos montantes das coletas de IRC nos anos fiscais de 2014 e 2015, consideradas para efeitos das deduções previstas no art. 90º do CIRC, serem considerados os montantes respeitantes às tributações autónomas nesses anos, para efeitos de dedução dos créditos decorrentes dos benefícios com o SIFIDE II, em 2014 e 2015, e RFAI, em 2015.

A questão essencial que é objecto do presente processo é a de saber se os montantes dedutíveis dos benefícios fiscais previstos no SIFIDE II e RFAI podem ser deduzidos à colecta de IRC derivada de tributações autónomas, nos anos de 2014 e 2015.

Para solução desta questão importa também apreciar a relevância de leis posteriores, a que foi atribuída natureza interpretativas.

 

 

3.1. Aplicabilidade dos artigos 89.º e 90.º do CIRC ao cálculo das tributações autónomas

 

Os artigos 89.º e 90.º do CIRC estabelecem o seguinte, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, vigente no ano de 2012:

 

 

Artigo 89.º

 

Competência para a liquidação

 

A liquidação do IRC é efectuada:

a) Pelo próprio sujeito passivo, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º;

b) Pela Autoridade Tributária e Aduaneira, nos restantes casos.

 

Artigo 90.º

 

Procedimento e forma de liquidação

 

1 - A liquidação do IRC processa-se nos termos seguintes:

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria coletável que delas conste;

b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efetuada até 30 de novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada;

c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.

 

2 - Ao montante apurado nos termos do número anterior são efetuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

a) A correspondente à dupla tributação jurídica internacional;

b) A correspondente à dupla tributação económica internacional;

c) A relativa a benefícios fiscais;

d) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;

e) A relativa a retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.

3 – (Revogado)

4 - Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efetuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.

5 - As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respetivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.

6 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.

7 - Das deduções efetuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.( [1] )

8 – Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efectuadas nos termos dos n.ºs 2 a 4.

9 – Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efectuadas anualmente liquidações com base na matéria colectável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria colectável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.

10 – A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.

 

 

 

Os referidos artigos 89.º e 90.º do CIRC, bem como outras normas deste Código, como as relativas as declarações previstas nos artigos 120.º e 122.º, são aplicáveis às tributações autónomas.

Na verdade, é hoje pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral e das posições assumidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC. De resto, para além da jurisprudência, o artigo 23.º-A n.º 1, alínea a), do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa hoje margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.

Ora, o artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código.

Por isso, aquele artigo 90.º aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, na sequência da apresentação ou não de declarações, não havendo, com vigência no ano de 2014, qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.

Assim, no ano de 2014, as diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável restringem-se à determinação da matéria tributável e às taxas aplicáveis, que são as previstas nos Capítulos III e IV do CIRC para o IRC que tem por base o lucro tributável e no artigo 88.º do CIRC para o IRC que tem por base a matéria tributável das tributações autónomas e as respectivas taxas.

Mas, as formas de liquidação que se prevêem no Capítulo V do mesmo Código são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.

No entanto, a circunstância de uma liquidação de IRC, efectuada nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, poder conter vários cálculos parciais, com base em várias taxas aplicáveis a determinadas matérias colectáveis, não implica que haja mais que uma liquidação, como resulta dos próprios termos daquela norma ao fazer referência a «liquidação», no singular, em todos os casos em que é «feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º», tendo «por base a matéria colectável que delas conste» (seja a determinada com base nas regras dos artigos 17.º e seguintes seja a determinada com base nas várias situações previstas no artigo 88.º).

Aliás, não são apenas as liquidações previstas no artigo 88.º que podem englobar vários cálculos de aplicação de taxas a determinadas matérias colectáveis, pois o mesmo pode suceder nas situações previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 87.º. ( [2] )

De qualquer forma, sejam quais forem os cálculos a fazer, é unitária liquidação que o sujeito passivo ou a Autoridade Tributária e Aduaneira devem efectuar nos termos dos artigos 89.º, alínea a), 90.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e 120.º ou 122.º, e com base nela que é calculado o IRC global, sejam quais forem as matérias colectáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente.

Aliás, se este artigo 90.º não fosse aplicável à liquidação das tributações autónomas previstas no CIRC, teríamos de concluir que não haveria qualquer norma que, em 2012, previsse a sua liquidação, o que se reconduziria a ilegalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a liquidação de impostos se faça «nos termos da lei».

Refira-se ainda a nova norma do n.º 21 aditada ao artigo 88.º do CIRC pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, independentemente de ser ou não qualificável como verdadeiramente interpretativa ( [3] ), em nada altera esta conclusão, pois aí se estabelece, no que concerne à forma de liquidação das tributações autónomas, que ela «é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores». Com efeito, se é certo que esta nova norma vem explicitar como é que se calculam os montantes das tributações autónomas (o que já decorria do próprio texto das várias disposições do artigo 88.º) e que a competência cabe ao sujeito passivo ou à Administração Tributária, nos termos do artigo 89.º, é também claro que não se afasta a necessidade de utilizar o procedimento previsto no n.º 1 do artigo 90.º, designadamente nos casos previstos na sua alínea c) em que a liquidação cabe à Administração Tributária e Aduaneira, com «base os elementos de que a administração fiscal disponha», que abrangerão a possibilidade de liquidar com base em tributações autónomas, se a Autoridade Tributária e Aduaneira dispuser de elementos que comprovem os seus pressupostos.

O mesmo se passa com a redacção dada àquele n.º 21 do artigo 88.º pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro.

Por isso, quer antes quer depois da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, e da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, o artigo 90.º, n.º 1, do CIRC é aplicável à liquidação de tributações autónomas.

 

 

3.2. Aplicabilidade das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC
à colecta de IRC resultante de tributações autónomas

 

Pelo que se referiu, pelo menos até à Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, não havia qualquer disposição legal que indicasse qualquer procedimento especial de liquidação do IRC resultante das tributações autónomas, pelo que, sob pena de inconstitucionalidade por violação do n.º 3 do artigo 103.º, por a liquidação não ser efectuada «nos termos da lei», tinha de ser feita aplicação do procedimento previsto no artigo 90.º do CIRC.

 Sendo a colecta de IRC, quer a resultante do lucro tributável, quer a resultante de tributações autónomas, apurada através do procedimento de liquidação previsto no artigo 90.º do CIRC, são potencialmente aplicáveis a tal colecta as deduções previstas no n.º 2 o mesmo artigo, que se reportam «ao montante apurado nos termos do número anterior», sem qualquer distinção sobre a natureza dos tipos de colecta de IRC que nesse montante estão incluídos.

Por isso, do teor literal do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, não resulta qualquer obstáculo à aplicação das deduções à parte do montante apurado nos termos do n.º 1 derivado de tributações autónomas.

Como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017, de 31-05-2017, proferido no processo n.º 466/16, «a autonomia da tributação em apreço quanto à sua base de incidência, quanto às taxas aplicáveis e até quanto ao momento de pagamento, só por si, não determina – nem lógica nem juridicamente – a irrelevância da coleta obtida com as tributações autónomas no âmbito do apuramento da coleta do próprio IRC – questão regulada, em geral, no artigo 90.º, n.º 1, do CIRC –, nomeadamente quanto à integração daquela nesta última e, por conseguinte, quanto à admissibilidade de consideração do valor da citada coleta para efeito da realização das deduções legalmente previstas no artigo 90.º, n.º 2, do CIRC. Tal questão, na ausência de norma específica de sentido contrário – como aquela que, por exemplo, veio a ser consagrada no artigo 88.º, n.º 21, do CIRC – releva da própria configuração legislativa do IRC, nesta incluída a relevância ou irrelevância, para efeitos de apuramento da coleta final de IRC, dos montantes pagos a título de tributações autónomas».

Na verdade, só com a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que aditou ao artigo 88.º do CIRC um n.º 21, passou a existir uma norma em que se afasta a possibilidade de aplicação das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC ao montante apurado com tributações autónomas, estabelecendo-se o seguinte:

 

21 - A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.

 

Na parte final desta norma, restringe-se o âmbito de aplicação das deduções previstas no artigo 90.º, n.º 2, do CIRC à colecta de IRC derivada do lucro tributável.

A Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, veio reafirmar o afastamento da aplicabilidade das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC à colecta de IRC resultante de tributações autónomas ao estabelecer o seguinte:

 

21 - A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado, ainda que essas deduções resultem de legislação especial.

 

A este n.º 21 do artigo 88.º do CIRC foi atribuída natureza interpretativa, pelo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016 e pelo artigo 233.º da Lei n.º 114/2017, respectivamente.

No entanto, o Tribunal Constitucional, no citado acórdão n.º 267/2017, já afirmou a inconstitucionalidade daquele artigo 135.º na parte em que, por efeito do carácter meramente interpretativo que atribui à 2.ª parte do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, afasta a possibilidade de dedução ao montante global resultante das tributações autónomas liquidadas num dado ano em sede de IRC de deduções permitidas em anos fiscais anteriores a 2016.

Esta decisão do Tribunal Constitucional baseou-se no n.º 3 do artigo 103.º da CRP, que estabelece que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroactiva, de que o Tribunal Constitucional entendeu resultar que «o legislador não pode criar impostos com tal natureza ou introduzir nos impostos existentes modificações que, com efeitos retroativos, os agravem» e que «está em causa a proibição de estatuir consequências jurídicas novas que constituam ex novo ou agravem situações fiscais já definidas, nomeadamente o quantum devido a título de certo imposto e previamente definido em razão da verificação de todos os factos relevantes à luz do direito aplicável antes da estatuição das consequências jurídicas novas».

Por isso, na linha desta jurisprudência, a constitucionalidade da interpretação restritiva do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, de forma a excluir a possibilidade de deduções à colecta de IRC resultante de tributações autónomas, depende de ela já dever ser efectuada à face do regime anterior àquela lei n.º 7-A/2016, pois é constitucionalmente inadmissível a retroactividade desfavorável aos contribuintes de normas fiscais de que resulte obrigação de pagamento de impostos.

Deve notar-se, porém, desde logo, que a nova redacção dada pela Lei n.º 114/2017 ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, ao afastar a possibilidade de deduções ao montante global das tributações autónomas «ainda que essas deduções resultem de legislação especial» esclarece, com natureza interpretativa (nesta parte sem problemas de constitucionalidade, por se tratar de retroactividade favorável aos contribuintes), que existia legislação especial de que resultava que fossem feitas deduções ao montante das tributações autónomas, vindo assim, reconhecer, com a autoridade legislativa de uma interpretação autêntica, o que já vinha sendo paciente e reiteradamente explicado pela jurisprudência arbitral maioritária (como se justificava e justifica em face das dificuldades manifestadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira no artigo 127.º das suas alegações, em que confessa que, para si, se trata de «incompreensíveis e ininteligíveis teses»).

Por isso, sendo constitucionalmente inadmissível, pelo que referiu o Tribunal Constitucional no acórdão citado, que esta nova lei venha afastar a possibilidade de deduções admissíveis à face da legislação vigente até a entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, a questão que se coloca, para solucionar as questões de legalidade da liquidação e da decisão da reclamação graciosa que são colocadas no presente processo, é a de saber se, antes desta lei, já deveria fazer-se a interpretação restritiva que nela veio a ser explicitada, já deveriam fazer-se restrições à aplicação das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC à parte da colecta de IRC resultante de tributações autónomas.

Na verdade, o facto de a letra do n.º 2 do artigo 90.º apontar no sentido da aplicação das deduções à colecta resultante das tributações autónomas essa dedutibilidade, não excluía a possibilidade de interpretação restritiva, se «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)». ( [4] )

Como fundamento para uma interpretação restritiva poderia, numa primeira análise, aventar-se o facto de que algumas tributações autónomas, designadamente algumas das que têm por base de incidência «despesas» ou «encargos» ( [5] ), visam desincentivar certos comportamentos dos contribuintes susceptíveis de afectarem o lucro tributável, e, consequentemente, diminuírem a receita fiscal, e a sua força desincentivadora será atenuada com a possibilidade de a respectiva colecta poder ser objecto de deduções.

No entanto, como foi legislativamente reconhecido pela redacção dada ao n.º 21 do artigo 88.º pela Lei n.º 114/2017 (aqui com força interpretativa constitucionalmente irrepreensível à face do artigo 103.º, n.º 3, da CRP), há legislação especial de que resultam deduções à colecta derivada de tributações autónomas, que são necessariamente situações em que legislativamente se deu preferência a satisfação dos interesses que justificam as deduções em relação aos que se visam com as tributações autónomas, o que sucede com as normas sobre benefícios fiscais dedutíveis à colecta de IRC.

 Por outro lado, a natureza de normas antiabuso, destinadas a evitar a fraude e a evasão fiscal, não exclui a possibilidade de deduções à colecta de IRC que com a aplicação dessas normas for determinada, o que é manifesto em relação à colecta proporcionada por correcções baseadas em normas de natureza indiscutivelmente antiabuso, como, por exemplo, as relativas aos preços de transferência ou subcapitalização e também as correcções resultantes da aplicação da norma geral antiabuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT.

Ainda por outro lado, é também evidente que a natureza antiabuso de algumas das tributações autónomas que visam desincentivar despesas e evitar evasão fiscal não poderia servir para justificar a não dedução dos benefícios fiscais a toda a colecta de IRC resultante de tributações autónomas, pois a prevista no n.º 11 do artigo 88.º do CIRC não incide sobre despesas ou encargos, mas sim sobre «lucros», sendo uma forma de tributação de lucro complementar ou alternativa em relação à prevista para a generalidade dos rendimentos. Para além disso, a tributação autónoma prevista no n.º 8 do artigo 88.º não tem subjacente qualquer intenção de desincentivar a realização das operações a que se refere, mas sim impor aos contribuintes especiais deveres probatórios em situações em a tributação mais favorável dos destinatários das despesas pode suscitar dúvidas sobre a realidade e normalidade das operações, pois a tributação autónoma é afastada «se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado».

Para além disso, mesmo em relação a algumas tributações autónomas que incidem sobre despesas, não seria compatível com os princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade impor tributação com fundamento numa hipotética intenção legislativa de desincentivar a utilização de motociclos para certas actividades para que eles são indispensáveis, como sucede com os espectáculos com motociclos, ou para que têm evidente adequação, correspondendo a sua utilização a manifesta boa gestão empresarial ( [6] ) e seria especialmente inconcebível incluir no âmbito dessa intenção desincentivadora o próprio pagamento dos «impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização», a que se refere a parte final do n.º 5 do artigo 88.º, que até deverá ser assegurado coercivamente pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no caso de o contribuinte se sentir desincentivado a efectuar esse pagamento.

Assim, o entendimento de que todas as tributações autónomas visam tributar despesas ou desincentivar ou sancionar comportamentos, que pode resultar de uma primeira análise aligeirada, depara, numa percepção mais incisiva, com uma incontornável falta de correspondência com a realidade, sendo mais coerente, como explicação global, a ideia de que estamos «perante um mecanismo cujo objetivo último é o de contribuir para a “normalização” da tributação em sede de IRC, isto é, para o funcionamento deste imposto na sua forma mais pura e mais próxima das suas raízes de imposto sobre o lucro obtido pelas pessoas coletivas. Nesse sentido, as tributações autónomas não são mais do que mecanismos coadjuvantes do eixo central do IRC, que é o de tributar lucros permitindo a dedução das despesas em que os sujeitos passivos têm que incorrer com vista à realização dos rendimentos tributáveis». ( [7] )

            Como também se refere no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 59/2014-T, as tributações autónomas em IRC, devem ser consideradas uma forma de tributação de rendimentos empresariais:

«A Exposição de Motivos que consta da Proposta de Lei n.º 46/VIII, que veio dar origem à Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que ampliou enormemente as situações de tributações autónomas, não deixa margem para dúvidas de que se trata de uma amplificação consciente e pretendida das entorses previamente existentes, por se ter entendido que elas eram necessárias, em suma, para compensar outras distorções resultantes de significativa fraude e evasão fiscais e, assim, aumentar a equidade da repartição da carga fiscal entre cidadãos e empresas».

(...)

«as tributações autónomas incidentes directamente sobre certas despesas, no âmbito de impostos que originariamente incidiam apenas sobre rendimentos, são consideradas entorses do sistema de tributação directa do rendimento que se visava com o IRC, mas um valor que legislativamente se considerou ser mais relevante do que a coerência teórica dos impostos, como é a implementação da justiça fiscal, impôs uma opção por essas formas de tributação, por estarem em consonância com os princípios da equidade, eficiência e simplicidade.

 (...)

Mas, esta tributação indirecta não deixa de ser efectuada no âmbito do IRC, como resulta da inclusão das tributações autónomas no respectivo Código, que tem como corolário a aplicação das normas gerais próprias deste imposto, que não contendam com a sua especial forma de incidência.

Assim, se é certo que as tributações autónomas constituem uma forma diferente de fazer incidir impostos sobre as empresas, que poderia constar de regulamentação autónoma ou ser arrumada no Código do Imposto do Selo, também não deixa de ser certo que a opção legislativa por incluir tais tributações no CIRC revela uma intenção de considerar tais tributações como inseridas no IRC, o que se poderá justificar por serem uma forma indirecta, mas, na perspectiva legislativa, equitativa, simples e eficiente, de tributar rendimentos empresariais que escapam ao regime da tributação com directa incidência sobre rendimentos».

 

Na verdade, as tributações autónomas em sede de IRC, em face da crescente amplitude que o legislador lhes tem vindo a atribuir ( [8] ), para serem compagináveis com o princípio constitucional da tributação das empresas incidindo fundamentalmente sobre o seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP), devem ser entendidas como formas indirectas de tributar rendimentos empresariais, através da tributação de certas despesas e encargos que revelam capacidade contributiva, ou mesmo, nos casos das tributações autónomas previstas nos n.ºs 8 e 11 do artigo 88.º, como formas complementares de tributar directamente rendimentos, em situações em que eles serão presumivelmente gerados, sem tributação, na esfera jurídica de terceiros.

Aliás, é um facto que a imposição de qualquer despesa sem contrapartida a uma pessoa colectiva tem como corolário a um potencial decréscimo do seu rendimento, pelo que a imposição de uma obrigação tributária unilateral, mesmo calculada com base em despesas realizadas ou encargos suportados, constitui uma forma de tributar indirectamente o seu rendimento. ([9])

O novo artigo 23.º-A do CIRC, introduzido pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao dizer que «não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros», deixa entrever que, na perspectiva legislativa, o IRC e as tributações autónomas são impostos que incidem directa ou indirectamente sobre os lucros, pois é esse entendimento que pode justificar que se inclua a expressão «quaisquer outros impostos», que pressupõe que o IRC e as tributações autónomas também são impostos destes tipos, são impostos que directa ou indirectamente incidem sobre os lucros reais ou presumidos.

Por isso, sendo as tributações autónomas previstas no CIRC, em última análise, formas indirectas de tributar o rendimento empresarial, não se vê que haja necessariamente incompatibilidade entre elas e as regras gerais que prevêem a forma de efectuar a liquidação de IRC.

De qualquer modo, uma interpretação restritiva só pode resultar, à face da redacção do CIRC anterior à Lei n.º 7-A/2016, da conclusão de que o texto do n.º 2 do artigo 90.º, em alguma medida, não corresponda ao pensamento legislativo, designadamente se se puder concluir que a razão justifica alguma ou algumas das deduções, apenas se compagina com a sua aplicação à colecta de IRC resultante do lucro tributável.

E, naturalmente, em face da proibição constitucional da aplicação retroactiva do afastamento global da dedutibilidade a situações anteriores à Lei n.º 7-A/2016, serão de aplicar as deduções quando elas resultam da legislação especial a que se refere a redacção do n.º 21 do artigo 88.º introduzida pela Lei n.º 114/2017.

Na verdade, pelo menos nestes casos em que as deduções resultam de lei especial, estará afastada necessariamente a possibilidade de as afastar por via de uma interpretação restritiva do n.º 2 do artigo 90.º, pois é essa lei especial, precisamente por o ser, que impõe a sua aplicação, já que as leis especiais se sobrepõem às leis gerais nos seus específicos domínios de aplicação.

É a esta luz que importa apreciar cada uma das situações em que a Requerente pretende efectuar dedução à colecta de IRC resultante de tributações autónomas.

 

 

3.3. Dedutibilidade de despesas de investimento previstas no SIFIDE II à colecta de IRC derivada de tributações autónomas

 

O SIFIDE - Sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial foi criado pela Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto, com vigência prevista para os anos de 2006 a 2010, mas foi reformulado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010 de 31 de Dezembro para vigorar até 2015 como Sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II).

Posteriormente, foi alterado pelos artigos 163.º e 164.º da Lei 64-B/2011 de 30 de Dezembro, e transferido para os artigos 33.º a 40.º do Código Fiscal do Investimento, republicado pelo Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de Junho.

Os artigos 33.º, 35.º, 36 e 38.º do Código Fiscal do Investimento foram alterados pela Lei n.º 83-C/2013 (artigos 211.º e 212.º), aumentando-se o período de vigência até 2020 (no n.º 1 daquele artigo 36.º).

Depois, o Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, aprovou um novo Código Fiscal do Investimento, em que integrou o SIFIDE II.

Sobre o âmbito da dedução, o artigo 4.º, n.ºs 1 a 3, da Lei n.º 40/2005, estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 Artigo 4.º

Âmbito da dedução

1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal ou não, uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 83.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas no período de tributação que se inicie em 1 de Janeiro de 2006, numa dupla percentagem: ( [10] )

a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período; (Redacção da Lei n.º 10/2009, de 10 de Março)

b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000. (Redacção da Lei n.º 10/2009, de 10 de Março)

 

2 - A dedução é feita, nos termos do artigo 83.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.

3 - As despesas que, por insuficiência de colecta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas poderão ser deduzidas até ao 6.º exercício imediato.

 

O artigo 4.º, n.ºs 1, 3 e 4, do SIFIDE na redacção da Lei n.º 55-A/2010 estabelece o seguinte, no que aqui interessa.

 

Artigo 4.º

Âmbito da dedução

1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal ou não, uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação de 1 de Janeiro de 2011 a 31 de Dezembro de 2015, numa dupla percentagem:

 

a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período;

 

b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000.

 

(...)

3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.

4 - As despesas que, por insuficiência de colecta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao sexto exercício imediato.

(...)

 

 

No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira não questionou que a Requerente preencha os requisitos subjectivos e objectivos para poder beneficiar do SIFIDE, tendo indeferido a reclamação graciosa por entender que as despesas em causa não podem ser deduzidas às quantias que pagou a título de tributações autónomas, por a dedução só poder ser efectuada à colecta de IRC resultante da aplicação da taxa de IRC ao lucro tributável.

Como se referiu, o artigo 90.º do CIRC reporta-se também à liquidação das tributações autónomas.

E, como também se disse, não há suporte legal para afirmar que, na eventualidade de terem de ser efectuados numa declaração vários cálculos para determinar o IRC, seja efectuada mais que uma liquidação.

Os referidos diplomas que aprovaram o SIFIDE e o SIFIDE II não referem que os créditos aí previstos são dedutíveis a toda e qualquer colecta de IRC, antes definem o âmbito da dedução aludindo, nos n.ºs 1 dos seus artigos 4.º, «ao montante apurado nos termos do artigo 83.º do Código do IRC, e até à sua concorrência» ( [11] ) e «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência».

O n.º 2 do artigo 4.º daquele primeiro diploma e o n.º 3 do mesmo artigo 4.º do segundo diploma confirmam que é ao montante que for apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC que releva para concretizar a dedução ao dizerem, com a actualização resultante da referida renumeração, que «a dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior».

Assim, por mera interpretação declarativa, conclui-se que o artigo 4.º, n.º 1, do SIFIDE II, ao estabelecer a dedução «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência», implica a dedução ao montante das tributações autónomas que são apuradas nos termos desse artigo 90º.

O facto de os artigos 5.º do SIFIDE I e do SIFIDE II afastarem o benefício quando o lucro tributável seja determinado por métodos indirectos e nas tributações autónomas se incluírem situações em que se visa indirectamente a tributação de lucros (designadamente, não dando relevância ou desmotivando factos susceptíveis de os reduzirem) não tem qualquer relevância para este efeito, pois o conceito de «métodos indirectos» tem um alcance preciso no direito tributário, que é concretizado no artigo 90.º da LGT (para além de normas especiais), reportando-se a meios de determinar o lucro tributável, cuja utilização não se prevê para cálculo da matéria colectável das tributações autónomas previstas no artigo 88.º do CIRC. Por outro lado, se é a necessidade de fazer uso de métodos indirectos que afasta a possibilidade de usufruir do benefício, não se pode justificar esse afastamento em relação à colecta das tributações autónomas, que é determinada por métodos directos.

Por outro lado, o facto de a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE I e do SIFIDE II ser limitada à colecta do artigo 90.º do CIRC, até à sua concorrência, não permite concluir que o crédito fiscal só seja dedutível caso haja lucro tributável, pois o que aquele facto exige é que haja colecta de IRC, que pode existir mesmo sem lucro tributável do exercício, designadamente por força das tributações autónomas e outras componentes positivas do imposto.

Assim, apontando o teor literal dos artigos 4.º do SIFIDE I e do SIFIDE II no sentido de a dedução se aplicar também à colecta de IRC derivada de tributações autónomas a apurada nos termos do artigo 90.º do CIRC, só por via de uma interpretação restritiva se poderá afastar a aplicação do benefício fiscal à colecta de IRC proporcionada pelas tributações autónomas.

A viabilidade de uma interpretação restritiva encontra, desde logo, um obstáculo de ordem geral, que é o de que as normas que criam benefícios fiscais têm a natureza de normas excepcionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do EBF, pelo que, na falta de regra especial, devem ser interpretadas nos seus precisos termos, como é jurisprudência pacífica. ( [12] ) No caso dos benefícios fiscais, prevê-se explicitamente a possibilidade de interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), mas não de interpretação restritiva, pelo que, em regra, o benefício fiscal não deve ser interpretado com menor amplitude do que a que, numa interpretação declarativa, resulta do teor da norma que o prevê.

De qualquer modo, como se referiu, uma interpretação restritiva apenas se justifica quando «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer».

Ora, mesmo relativamente às tributações autónomas que visam desincentivar despesas, o desincentivo de comportamentos é justificado apenas pelas preocupações de protecção da receita fiscal e os benefícios fiscais concedidos são, por definição, «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).

E, no caso dos benefícios fiscais do SIFIDE I e II, as razões de natureza extrafiscal que justificam a sua sobreposição às receitas fiscais são, na perspectiva legislativa, de enorme importância, por se entender que a capacidade de investigação e desenvolvimento é factor decisivo para a competitividade das empresas e do país, bem como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo, o que se refere com clareza na fundamentação da Proposta de Lei n.º 5/X e no Relatório do Orçamento do Estado para 2011:

 

Proposta de Lei n.º 5/X

 

A capacidade de investigação e desenvolvimento (I&D) das empresas é um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo, facto, aliás, expressamente reconhecido no Programa do XVII Governo, assim como em relatórios internacionais recentes, nomeadamente nas conclusões do relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) “Tax Incentives for Research and Development”, 2003, e no relatório da Comissão Europeia sobre “Monitoring Industrial Research”, 2004.

(...)

Importa, pois, repor, como previsto no Programa do Governo, os incentivos fiscais de dinamização da I&D empresarial em cooperação com as Universidades e outras Instituições de investigação, que terá um papel fundamental na implementação do Plano Tecnológico. A meta apontada, de triplicar as actividades de I&D pelas empresas a laborar em Portugal, só é possível com um redobrar do apoio público às empresas que efectivamente queiram apostar na inovação científica e tecnológica como eixo central das suas estratégias de competitividade. O apoio sob a forma de incentivo fiscal terá uma importância crescente, não só por ser uma forma mais expedita para as empresas que queiram intensificar os seus investimentos de forma organizada e continuada, como por permitir alavancar os efeitos dos apoios financeiros. Nas medidas de apoio financeiro à I&D em consórcio entre empresas e instituições de investigação do QCA 3 (POCTI e POSI) foi introduzida uma componente de apoio reembolsável, que representa um passo assinalável no envolvimento das empresas nos resultados dos projectos. A reposição do SIFIDE, ao permitir deduzir parte dos reembolsos que irão efectuar às entidades financiadoras, é um justo prémio a um envolvimento que se quer crescente.

 

 

II.2.2.4.4. Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento
Empresarial II (SIFIDE)


Tendo em conta que uma das valias da competitividade em Portugal passa pela aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, a Proposta de Orçamento do Estado para 2011 propõe renovar o SIFIDE (Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial), agora na versão SIFIDE II, para vigorar nos períodos de 2011 a 2015, possibilitando a dedução à colecta do IRC para empresas que apostam em I&D (capacidade de investigação e desenvolvimento).

Dado o balanço positivo dos incentivos fiscais à I&D empresarial, e considerando também a evolução do sistema de apoio dos outros países, foi decidido rever e reintroduzir por mais cinco períodos de tributação este sistema de apoio. A I&D das empresas é um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo, facto, aliás, expressamente reconhecido no Programa do XVIII Governo, assim como em vários relatórios internacionais recentes.

É neste contexto que, no panorama internacional, a OCDE considera desde 2001 Portugal como um dos três países com um avanço mais significativo na I&D empresarial. Sendo o sistema nacional vigente, comparativamente aos demais sistemas que utilizam a dedução à colecta e a distinção entre taxa base e taxa incremental, é um dos mais atractivos e competitivos.

 

Sendo a investigação e desenvolvimento das empresas «um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo», compreende-se que se tenha dado preferência ao incentivo da aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, que, a prazo, se reconduzem à obtenção de maiores receitas fiscais.

A importância que, na perspectiva legislativa, foi reconhecida a este benefício fiscal previsto no SIFIDE I e no SIFIDE II, é decisivamente confirmada pelo facto de ele ser indicado como estando especialmente excluído do limite geral à relevância de benefícios fiscais em IRC, que se indica no artigo 92.º do CIRC (a que corresponde o artigo 86.º, na redacção anterior à renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho).

             Por isso, é seguro que se está perante benefícios fiscais cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais, inferindo-se daquele artigo 92.º (anterior artigo 86.º) que a intenção legislativa de incentivar os investimentos em investigação e desenvolvimento previstos no SIFIDE I e no SIFIDE II é tão firme que vai ao ponto de nem sequer se estabelecer qualquer limite à dedutibilidade da colecta de IRC, apesar de este regime fiscal, a partir de 2010, ter sido criado e aplicado num período de notórias dificuldades das finanças públicas.

            Assim, não se vê fundamento legal, designadamente à face da intenção legislativa que é possível detectar, para, com fundamento numa interpretação restritiva, afastar a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE I e do SIFIDE II à colecta das tributações autónomas que resulta directamente da letra do artigo 4.º, n.º 1, do respectivo diploma, conjugado com o artigo 90.º do CIRC.

            Por outro lado, a eventual limitação da aplicação do benefício fiscal a empresas que apresentassem lucro tributável reconduzir-se-ia a uma fortíssima restrição do seu campo de aplicação, já que, como é facto público, grande parte das empresas, nos períodos de vigência do SIFIDE I e do SIFIDE II, especialmente a partir do agravamento da crise económica em 2008, apresentava prejuízos fiscais, embora pagasse IRC por outras vias.

            Na verdade, segundo a estatística publicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no ano de 2011, mais de metade das declarações de IRC apresentavam valor líquido negativo e no período de tributação de 2011 apenas 26% dos sujeitos passivos apresentaram IRC Liquidado (Quadro 7), e cerca de 71% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC (Quadro 8), por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.). ( [13] ).

Por isso, a aplicabilidade do benefício fiscal a empresas que, embora apresentassem prejuízos fiscais, pagavam IRC, inclusivamente a título de tributações autónomas, ampliava fortemente o número de empresas potencialmente beneficiárias e, consequentemente, compagina-se melhor com a intenção legislativa subjacente ao SIFIDE I e ao SIFIDE II do que a defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Trata-se, por isso, da solução manifestamente mais acertada e que, por o ser, tem de se presumir ter sido legislativamente consagrada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).

Por outro lado, como se referiu, não se pode olvidar que as tributações autónomas visam proteger ou aumentar as receitas fiscais e que os benefícios fiscais concedidos são, por definição, «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).

Isto é, no caso em apreço, ao estabelecer um benefício fiscal por dedução à colecta de IRC, o legislador optou por prescindir da receita fiscal que este imposto poderia proporcionar, na medida da concessão do benefício fiscal. Para esta ponderação relativa dos interesses em causa (receita fiscal versus estímulo forte ao investimento) é indiferente que essa receita provenha de cálculos efectuados com base no artigo 87.º ou no artigo 88.º do CIRC. Na verdade, seja qual for a forma de cálculo dessa receita fiscal, está-se perante dinheiro cuja arrecadação o legislador considerou ser menos importante do que a prossecução da finalidade económica referida.

Das duas alternativas que se deparavam ao legislador relativamente ao incentivo aos investimentos previstos no SIFIDE I e no SIFIDE II, que eram, por um lado, manter intactas as receitas provenientes de IRC (incluindo as de tributações autónomas) e não ver incentivado o investimento e, por outro lado, concretizar esse incentivo com perda de receitas de IRC, a ponderação que necessariamente está subjacente ao SIFIDE I e ao SIFIDE II é a da opção pela criação do incentivo com prejuízo das receitas. E, naturalmente, sendo a criação do incentivo ao investimento preferível, na perspectiva legislativa, à arrecadação de receitas, não se vislumbra como possa ser relevante que as receitas de IRC que se perdem para concretizar o incentivo provenham da tributação geral de IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º ou das tributações a taxas especiais previstas nos n.ºs 4 a 6 do mesmo artigo, ou das tributações autónomas previstas no artigo 88.º: em todos os casos, a alternativa é a mesma entre criação do incentivo e arrecadação de receitas de IRC e a ponderação relativa que se pode fazer dos interesses conflituantes é idêntica, quaisquer que sejam as formas de determinar o montante de IRC de que se prescinde para criar o incentivo.

E, no caso do benefício fiscal do SIFIDE I e do SIFIDE II, as razões de natureza extrafiscal referidas legislativamente que justificam o incentivo com perda de receita são fortíssimas, pois considera-se que os investimentos incentivados são um factor decisivo na competitividade futura do país, que é fundamental para o próprio incremento das receitas fiscais.

            Por isso, é seguro que se está perante benefício fiscal cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais provenientes de IRC, seja qual for a base do seu cálculo, pois o que está em causa sempre prescindir ou não de determinada quantia em dinheiro para criar um incentivo ao investimento.

            Neste contexto, a natureza das tributações autónomas e as soluções legislativamente adoptadas, em geral, em relação a elas, não têm qualquer relevância para a apreciação desta questão, pois esta tem de ser apreciada à face dos específicos interesses que na sua ponderação se entrechocam.

Na verdade, o que está em causa é, exclusivamente, determinar o alcance do SIFIDE I e do SIFIDE II, que estabelece um regime de natureza excepcional, que visou prosseguir determinados interesses públicos, e não contribuir para a decisão de qualquer questão conceitual sobre a natureza das tributações autónomas, matéria sobre a qual não se vislumbra quer no texto da lei, quer nos trabalhos preparatórios, a menor preocupação legislativa.

Pela mesma razão de que o que está em causa é interpretar o alcance do diploma de natureza especial que é o SIFIDE I e o SIFIDE II, não pode ser atribuída relevância, para este efeito, à norma do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, na parte em que se refere que não são «efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado», apesar da pretensa natureza interpretativa que lhe foi atribuída (que implica a sua inconstitucionalidade, por retroactividade prejudicial aos contribuintes, como entendeu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 267/2017, de 31-05-2017).

Com efeito, não há qualquer sinal, nem na Lei n.º 7-A/2016, nem no Relatório do Orçamento para 2016, nem na sua discussão, de que com o aditamento no artigo 88.º do CIRC de uma norma geral proibindo deduções ao montante global apurado de tributações autónomas, se pretendesse interpretar restritivamente a expressão «deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC» que consta de normas especiais de diplomas avulsos, como são o SIFIDE I e o SIFIDE II.

E, na falta de uma intenção inequívoca em sentido contrário, vale a regra de que a lei geral não altera lei especial (artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil), que tem a justificação o facto de que «o regime geral não inclui a consideração das condições particulares que justificaram justamente a emissão da lei especial». ( [14] )

De resto, foi o próprio legislador que, recentemente, através da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, veio reconhecer expressa e inequivocamente, com explícita intenção interpretativa declarada no seu artigo 233.º (constitucionalmente admissível na medida em que não for desfavorável aos contribuintes), que existem normas especiais de que resulta que deveriam ser feitas deduções ao montante apurado com as tributações autónomas, ao dar nova redacção ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC com o seguinte teor:

«21. A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado, ainda que essas deduções resultem de legislação especial.

 

Assim, se é certo que esta norma esclarece que é intenção legislativa que não sejam feitas deduções ao montante global apurado com as tributações autónomas, também o é que nela se reconhece que resultava de legislação especial que fossem feitas deduções, sendo esse, precisamente, o caso das normas que prevêem benefícios fiscais por dedução à colecta de IRC.

Mas, se dessas normas especiais resultava que fossem feitas deduções ao montante das global apurado das tributações autónomas, é manifesto que não é compaginável com o princípio constitucional da proibição da retroactividade das normas que criem impostos (artigo 103.º, n.º 3, da CRP) o afastamento desse resultado por uma lei posterior, a todos os que, ao abrigo dessas leis especiais em que confiaram, criaram as condições para obter as deduções anunciadas legislativamente como resultado para os seus investimentos.

A tese inovadora defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira de que «o próprio funcionamento e objectivo do SIFIDE - de incentivo ao investimento através de uma dedução de uma certa percentagem de um investimento à colecta de um imposto sobre lucros - só se efectiva se houver lucro na medida em que premeia a rendibilidade do investimento» não tem qualquer apoio na letra da lei, antes conflitua com o teor expresso do n.º 6 do artigo 90.º do CIRC em que se estabelece que «quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1». Assim, mesmo que se entenda que os benefícios fiscais não podem ser deduzidos à colecta de tributações autónomas, os investimentos efectuados que não tenham proporcionado lucros serão dedutíveis desde que haja lucro tributável, mesmo que não tenham proporcionado lucros: por exemplo, a circunstância de os investimentos terem sido efectuados numa empresa do grupo que teve prejuízos, não afasta a dedutibilidade dos investimentos previstos no SIFIDE ao lucro tributável do grupo, como resulta do teor expresso do referido no n.º 6 do artigo 90.º do CIRC.

Para além disso, as referidas regras do SIFIDE I e do SIFIDE II visaram incentivar os sujeitos passivos de IRC a efectuarem investimentos nos períodos entre 01-01-2006 e 31-12-2010 e entre 01-01-2011 e 31-12-2015, pelo que, sendo o benefício fiscal de dedução à colecta de IRC a contrapartida anunciada por aqueles diplomas para a adopção do comportamento legislativamente desejado e incentivado, seria incompaginável com o princípio constitucional da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático (artigo 2.º da CRP), não reconhecer a esses comportamentos os efeitos fiscais favoráveis previstos na lei vigente no momento em que eles ocorreram.

Na verdade, a interpretação da lei que aqui se faz, que se consubstancia em as deduções resultarem de lei especial que assegura a sua dedutibilidade à colecta de tributações autónomas, era algo com que os contribuintes tinham razões para razoavelmente contar, como evidencia a já abundante e maioritária jurisprudência arbitral que adopta esta interpretação, com o reconhecimento de constitucionalidade que lhe foi dado pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 267/2017, de 31-05-2017 e com a confirmação de que, em boa interpretação da lei, havia deduções a tributações autónomas que resultavam de legislação especial, que veio a ser imperativamente dada pela Lei n.º 114/2017.

Por isso, o n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, nas redacções da Lei n.º 7-A/2016 e da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, bem como os artigos 135.º da primeira e 233.º da segunda, que atribuíram natureza interpretativas às novas redacções, são materialmente inconstitucionais, por violação dos princípios da confiança e da proibição da retroactividade dos impostos, na medida em que sejam interpretados como afastando o direito à dedução à colecta de IRC derivada de tributações autónomas que resulta de investimentos abrangidos pelo SIFIDE I e pelo SIFIDE II, efectuados antes da entrada em vigor da primeira.

Pelo exposto, convergindo os elementos literal e racional da interpretação do artigo 4.º do SIFIDE I e do SIFIDE II no sentido de que as despesas de investimento nele previstas são dedutíveis «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência», é de concluir que não há fundamento para uma interpretação restritiva quanto a estes benefícios fiscais, pelo que aquelas despesas de investimento são dedutíveis à globalidade dessa colecta, que engloba, para além, da derivada da tributação dos lucros em cada período fiscal, a que resulta de outras componentes da colecta, designadamente de tributações autónomas.

            Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão.

 

3.4. Questão da dedutibilidade de despesas de investimento previstas no RFAI às quantias devidas a título de tributações autónomas

 

O Regime Fiscal de Apoio ao Investimento realizado em 2009 (RFAI 2009), foi aprovado pela Lei n.º 10/2009, de 10 de Março, sendo posteriormente integrado também no referido Código Fiscal do Investimento.

No que concerne ao IRC, o referido regime traduziu-se num benefício fiscal previsto no artigo 3.º daquela Lei, que estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 2.º

 

Âmbito de aplicação e definições

 

1 - O RFAI 2009 é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam, a título principal, uma actividade:

a) Nos sectores agrícola, florestal, agro-industrial, energético e turístico e ainda da indústria extractiva ou transformadora, com excepção dos sectores siderúrgico, da construção naval e das fibras sintéticas, tal como definidos no artigo 2.º do Regulamento (CE) n.º 800/2008, da Comissão, de 6 de Agosto;

 

b) No âmbito das redes de banda larga de nova geração.

 

2 - Para efeitos do presente regime, consideram-se como relevantes os seguintes investimentos desde que afectos à exploração da empresa:

 

a) Investimento em activo imobilizado corpóreo, adquirido em estado de novo, com excepção de:

i) Terrenos, salvo no caso de se destinarem à exploração de concessões mineiras, águas minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em projectos de indústria extractiva;

ii) Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo se forem instalações fabris ou afectos a actividades administrativas;

iii) Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas;

iv) Mobiliário e artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afecto a exploração turística;

v) Equipamentos sociais, com excepção daqueles que a empresa seja obrigada a ter por determinação legal;

vi) Outros bens de investimento que não estejam directa e imprescindivelmente associados à actividade produtiva exercida pela empresa;

 

b) Investimento em activo imobilizado incorpóreo, constituído por despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, 'saber-fazer' ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente.

 

3 - Podem beneficiar dos incentivos fiscais previstos no presente regime os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:

 

a) Disponham de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade;

b) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indirectos;

c) Mantenham na empresa e na região durante um período mínimo de cinco anos os bens objecto do investimento;

d) Não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer contribuições, impostos ou quotizações ou tenham o pagamento dos seus débitos devidamente assegurado;

e) Não sejam consideradas empresas em dificuldade nos termos da comunicação da Comissão - orientações comunitárias relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação a empresas em dificuldade, publicada no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 244, de 1 de Outubro de 2004;

f) Efectuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período de dedução constante dos n.ºs 2 e 3 do artigo 3.º

 

4 - No caso de sujeitos passivos de IRC que não se enquadrem na categoria das micro, pequenas e médias empresas, tal como definida no anexo i do Regulamento (CE) n.º 800/2008, da Comissão, de 6 de Agosto, as despesas de investimento a que se refere a alínea b) do n.º 2 não podem exceder 50 % dos investimentos relevantes.

5 - Considera-se investimento realizado em 2009 o correspondente às adições, verificadas nesse exercício, de imobilizações corpóreas e bem assim o que, tendo a natureza de activo corpóreo e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições às imobilizações em curso.

6 - Para efeitos do número anterior, não se consideram as adições de imobilizações corpóreas que resultem de transferências de imobilizado em curso transitado de exercícios anteriores, excepto se forem adiantamentos.

 

 

Artigo 3.º

 

Incentivos fiscais

 

1 - Aos sujeitos passivos de IRC residentes em território português ou que aí possuam estabelecimento estável, que exerçam a título principal uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola abrangida pelo n.º 1 do artigo anterior que efectuem, em 2009, investimentos considerados relevantes, são concedidos os seguintes benefícios fiscais:

a) Dedução à colecta de IRC, e até à concorrência de 25 % da mesma, das seguintes importâncias, para investimentos realizados em regiões elegíveis para apoio no âmbito dos incentivos com finalidade regional:

i) 20 % do investimento relevante, relativamente ao investimento até ao montante de (euro) 5 000 000;

ii) 10 % do investimento relevante, relativamente ao investimento de valor superior a (euro) 5 000 000;

(...)

2 - A dedução a que se refere a alínea a) do número anterior é efectuada na liquidação respeitante ao período de tributação que se inicie em 2009.

3 - Quando a dedução referida no número anterior não possa ser efectuada integralmente por insuficiência de colecta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo, nas mesmas condições, nas liquidações dos quatro exercícios seguintes.

(...)

5 - O montante global dos incentivos fiscais concedidos nos termos dos números anteriores não pode exceder o valor que resultar da aplicação dos limites máximos aplicáveis ao investimento com finalidade regional para o período de 2007-2013, em vigor na região na qual o investimento seja efectuado, constantes do artigo 7.º

 

           

Como se vê pela alínea a) do n.º 1 deste artigo 3.º o benefício fiscal concretiza-se através de «dedução à colecta de IRC».

Esta expressão não tem alcance substancialmente diferente da que é utilizada no SIFIDE II que é «montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC».

Pelo que já atrás se referiu, a colecta derivada de tributações autónomas previstas no CIRC é «colecta de IRC», pelo que a expressão utilizada no RFAI não exclui a dedução dos investimentos elegíveis à colecta proporcionada por aquelas tributações.

Também em relação a este benefício fiscal vale o que atrás se referiu sobre

– a natureza excepcional das normas que prevêem este benefício fiscal;

– a prevalência dos interesses que o benefício fiscal visa atingir sobre o interesse na obtenção de receitas fiscais;

– a relevância da colecta derivada das tributações autónomas para dar ao benefício fiscal uma dimensão considerável, atenta a diminuta colecta de IRC que provém da liquidação com base no lucro tributável;

– a inadmissibilidade, à face do princípio constitucional da confiança, de uma hipotética interpretação restritiva a posteriori do alcance de um diploma que criou um benefício fiscal concretizado através de uma vantagem fiscal que é uma contrapartida de um determinado comportamento do contribuinte;

– o não afastamento da aplicação de uma norma especial sobre a dedução à colecta de IRC por uma norma geral posterior, mesmo com natureza pretensamente interpretativa.

 

Por isso, também quanto a esta questão, procede o pedido de pronúncia arbitral.

 

3.5. Anulação das liquidações e da decisão da reclamação graciosa

 

Do exposto resulta que é ilegal a decisão da reclamação graciosa n.º...2017..., na parte em que indeferiu a pretensão da Requerente de que fossem considerados os montantes das tributações autónomas para dedução dos montantes do SIFIDE II e do RFAI que não foram considerados nas liquidações de IRC n.º 2015..., referente ao exercício de 2014, e n.º 2017..., relativa ao exercício de 2015.

Esta ilegalidade justifica a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa na parte respectiva, bem como as liquidações referidas, nas partes respectivas, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

4. Reembolso dos montantes pagos em excesso e indemnização por prejuízos e juros

 

A Requerente pede o reembolso dos montantes que solicitou, designadamente a restituição de € 33.591,02, relativamente ao exercício de 2014 e € 83.423,92, por referência ao exercício de 2015, perfazendo um total de € 117.014,94, e a correção automática dos efeitos declarativos inerentes.

 A Requerente pede ainda, «nos termos do art.º 53.º da LGT, o pagamento de indemnização pelos prejuízos causados e correspondentes juros compensatórios».

No que concerne a indemnização por prejuízos, não está prevista a sua fixação em processos arbitrais, fora dos casos de garantia indevida, o que não é o caso.

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no reembolso de quantias resultantes de anulação de actos, bem como juros indemnizatórios (nos termos dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT) e indemnização por garantia indevida (nos termos do artigo 53.º da LGT e 171.º do CPPT).

No caso em apreço, na sequência da ilegalidade da decisão da reclamação graciosa e dos actos de liquidação nas partes relativas à não dedução do SIFIDE e RFAI à colecta de tributações autónomas, há lugar a reembolso do imposto pago que devia ter sido deduzido, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado», o que deverá ser determinado em execução de julgado.

Não sendo questionado pela Administração Tributária e Aduaneira que os montantes pedidos pela Requerente correspondam ao que deveria ser reembolsado, a Administração Tributária e Aduaneira deverá reembolsar da quantia de € 117.014,94 (€ 33.591,02, relativamente ao exercício de 2014 e € 83.423,92, por referência ao exercício de 2015).

Quanto aos «juros compensatórios» a que alude a Requerente, que serão ««juros indemnizatórios» (como também interpretou a Administração Tributária e Aduaneira na sua Resposta,) o regime substantivo consta do artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

 

Das várias situações em que são devidos juros indemnizatórios indicadas no artigo 43.º da LGT, haverá lugar aos mesmos se se entender que ocorreu erro imputável aos serviços.

No caso em apreço, embora o imposto tenha sido autoliquidado, a Requerente refere, em oposição da Administração Tributária e Aduaneira, que a liquidação ilegal resulta de «o sistema de transmissão eletrónica de dados não considerar como coleta do IRC os montantes pagos a título de tributação autónoma».

Neste contexto, devem considerar-se imputável à Administração Tributária e Aduaneira as ilegalidades das liquidações de IRC relativas aos exercícios de 2014 e 2015.

Por isso, são devidos juros indemnizatórios relativamente a cada uma das quantias a reembolsar desde as datas em que cada um dos reembolsos deveria ocorrer.

Os juros indemnizatórios são devidos à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

5. Decisão                      

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular a decisão da reclamação graciosa  n.º ...2017..., na parte em que indeferiu  a pretensão da Requerente de que fossem considerados os montantes das tributações autónomas para dedução dos montantes do SIFIDE II e do RFAI que não foram considerados nas liquidações de IRC n.º 2015..., referente ao exercício de 2014, e n.º 2017..., relativa ao exercício de 2015, e anular estas liquidações quanto aos montantes de  € 33.591,02, relativamente ao exercício de 2014 e € 83.423,92, quanto ao exercício de 2015:
  2. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao reembolso à Requerente da quantia de € 117.014,94 e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar o respectivo pagamento;
  3. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar os juros à Requerente, relativamente a cada uma das quantias a reembolsar desde as datas em que cada um dos reembolsos deveria ocorrer.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 117.014,94.

 

7. Custas

 

            Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 15-06-2018

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

 

(Henrique Nogueira Nunes – vencido conforme declaração de voto anexa)

 

 

 

 

(Maria do Rosário Anjos)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Voto de Vencido

 

Voto vencido esta decisão arbitral pelas razões melhor aduzidas na decisão arbitral proferida no processo n.º 174/2016-T, que tramitou neste Centro de Arbitragem, onde fui árbitro vogal.

 

Em todo o caso, e no que se refere ao juízo constitucional proferido no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017, de 31-05-2017, proferido no processo n.º 466/16, discordo dos fundamentos propostos pelas mesmas razões aduzidas no voto de vencido do Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro, a páginas 21 a 23 desse aresto, pelo que voto pela improcedência dos pedidos formulados pela Requerente.

 

 

Henrique Nogueira Nunes

 



[1] O n.º 7 veio a ser revogado pela Lei n.º 82-C/2014, de 31 de Dezembro.

[2]    O n.º 6 do artigo 87.º do CIRC foi revogado pela Lei n.º 55/2013, de 8 de Agosto, o que não tem relevância para este efeito de demonstrar que fora do âmbito das tributações autónomas havia e há cálculos parciais de IRC com base em taxas especiais aplicáveis a determinadas matérias colectáveis.

[3]      Será materialmente inconstitucional, por violação da proibição constitucional da retroactividade dos impostos, que consta do n.º 3 do artigo 103.º da CRP, como entendeu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 267/2017, de 31-05-2017.

[4]   BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 186.

[5]  Actualmente apenas em relação a algumas tributações autónomas se poderá encontrar a natureza de normas antiabuso, pois, como ensina CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 543, «é, porém, evidente que o alargamento e agravamento de que tais tributações autónomas têm presentemente uma finalidade clara de obter mais receitas fiscais».

[6]  Como, por exemplo, a distribuição de pizzas ao domicílio nas cidades ou de correio nas zonas rurais, situações que já foram apreciadas em decisões arbitrais proferidas nos processos n. 628/2014-T e 553/2016-T.

[7]   Como bem se refere no acórdão arbitral proferido n processo n.º 210/2013-T, que é citado na página 6 da Informação em que se baseou a decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

[8] Como adiante se refere, tem-se constatado reiteradamente que a colecta primacial de IRC resultante directamente do lucro tributável é muito inferior à colecta global de IRC.

[9]  Não se pode esquecer, neste contexto da identificação da natureza de um tributo, que, levando a análise ao limite, como ensinava o saudoso Prof. Doutor SALDANHA SANCHES, «o destinatário do imposto é sempre a pessoa singular - a tributação da sociedade comercial é instrumental e a sua tributação é sempre um pagamento por conta do imposto que mais tarde vai ser suportado pelo titular do capital da sociedade».

[10]  Ao artigo 83.º do CIRC na redacção vigente em 2005 corresponde o artigo 90.º após a renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho.

[11]   No artigo 4.º, n.º 1, da Lei n.º 40/2005 refere-se o artigo 83.º que, como se referiu, corresponde ao artigo 90.º após a renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009.

[12]                   Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2000, processo n.º 025446, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 501, páginas 150-153, em que se cita abundante jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do Supremo Tribunal de Justiça.

                Este Boletim do Ministério da Justiça está disponível em:

                http://www.gddc.pt/actividade-editorial/pdfs-publicacoes/BMJ501/501_Dir_Fiscal_a.pdf

[13]  Este texto está disponível em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/70E81137-189A-440E-AF11-88B4A6CC1C9A/0/Notas_Previas_IRC_20092011.pdf.

                De resto, há já vários anos que apenas uma minoria de contribuintes pagava IRC com base no lucro tributável do respectivo exercício, como se pode ver nos documentos estatísticos publicados em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/dgci/divulgacao/estatisticas/estatisticas_ir/:

      – 29% no período de tributação de 2010, em que cerca de 76% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.).;

      – 31% no período de tributação de 2009, em que de 77% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores;

      – 34% no período de tributação de 2008, em que 79% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores;

      – 36% no período de tributação de 2007, em que 80% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores.

 

                 

 

[14]     OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito – Introdução e Teoria Geral, página 260.