Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 230/2019-T
Data da decisão: 2019-12-13  IMT  
Valor do pedido: € 467.618,96
Tema: IMT – Isenção art.º 49.º do EBF.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros Fernanda Maçãs (Árbitro Presidente), José Coutinho Pires e Nuno Pombo (Árbitros Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o presente Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

 

1.            Relatório

 

No dia 29.03.2019, a sociedade “A..., S.A.”, com sede na ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, com o número de identificação fiscal ... (doravante “Requerente”) apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“RJAT”).

 

Com o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, a Requerente pretende, mediatamente, a apreciação da legalidade (e consequente anulação parcial) do acto de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), identificado com o número ..., no montante global de € 935.237,91 (novecentos e trinta e cinco mil duzentos e trinta e sete euros e noventa e um cêntimos).

 

A Requerente, por não se ter conformado com a mencionada liquidação de IMT, que reputa de ilegal, por resultar de manifesto erro de direito, apresentou, no dia 28.10.2018, um pedido de revisão oficiosa, que veio a ser tacitamente indeferido, tendo esse indeferimento suscitado a apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

Não tendo a Requerente optado pela designação de árbitro, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que tempestivamente comunicaram a aceitação do respectivo encargo.

 

As partes foram notificadas dessa designação, não tendo sido apresentado qualquer pedido de recusa da designação como árbitro dos que compõem este tribunal.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 e no n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído no dia 14 de Junho de 2019.

 

Em resumo, a Requerente sustenta o seguinte:

 

a)            No âmbito da sua actividade de compra e venda de bens imobiliários, a Requerente, no dia 21.04.2015, adquiriu um imóvel ao B...– Fundo de Investimento Imobiliário Aberto (doravante “Fundo”) por € 14.388.275,52 (catorze milhões trezentos e oitenta e oito mil duzentos e setenta e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos);

 

b)           Aquando da aquisição do imóvel a que se refere a alínea anterior, o art.º 49.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), entretanto revogado, dispunha no sentido de serem reduzidas para metade as taxas de imposto municipal sobre imóveis (IMI) e de IMT aplicáveis aos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

 

c)            O imóvel adquirido achava-se integrado num fundo de investimento imobiliário aberto.

 

d)           Nos termos do art.º 12.º do EBF, o direito aos benefícios fiscais reporta-se à data da verificação dos respectivos pressupostos, pelo que deveria ter sido aplicada a esta transmissão, de forma imediata, a redução para metade da taxa de IMT.

 

e)           Resulta inequívoco que o âmbito de incidência do art.º 49.º do EBF abrange as operações de aquisição de imóveis incluídos no património de fundos de investimento imobiliário abertos, constituídos e operados de acordo com a legislação nacional, como é o do caso a que se referem os presentes autos.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida”) no dia 02.09.2019, juntou aos autos o processo administrativo e apresentou a sua Resposta, na qual, em suma, advoga o seguinte:

 

a)            Por excepção, a caducidade do direito de acção, uma vez que o n.º 1 do art.º 78º da Lei Geral Tributária (LGT) refere que a revisão do acto tributário pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, com base em qualquer ilegalidade, no prazo de reclamação administrativa ou por iniciativa da Administração Tributária, com fundamento em erro imputável aos serviços, no prazo de 4 anos após a liquidação, ou a todo o tempo, se o tributo não tiver sido pago.

 

b)           O prazo para deduzir reclamação previsto no n.º 1 do art.º 70.º e na alínea a) do n.º 1 do art.º 102º, ambos do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), é de 120 dias contados do termo do prazo para pagamento voluntário, estava há muito ultrapassado, à data do pedido de revisão.

 

c)            A revisão por iniciativa da administração tributária pode ser feita no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, desde que com fundamento em erro imputável aos serviços, o que não sucede no caso dos autos.

 

d)           A liquidação de IMT mediatamente posta em crise foi emitida com base na declaração Mod.1 registada com o n.º .../..., em que não estão preenchidos os campos 49 e 50 referentes a benefícios fiscais.

 

e)           Dispensar a demonstração de um qualquer erro imputável aos serviços para que possa haver revisão do acto tributário por iniciativa da administração tributária equivale a reconhecer que ela pode sempre acontecer no prazo de quatro anos após a liquidação, independentemente da iniciativa da revisão ser do contribuinte ou da administração tributária, o que seria esvaziar por completo a letra do n.º 1 do art.º 78.º da LGT.

 

f)            Assim, sendo o pedido de pronúncia arbitral de 29.03.2019, forçoso é concluir pela caducidade do direito de acção arbitral, uma vez que já tinha decorrido o prazo a que se refere a alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do RJAT.

 

g)            Por impugnação, entende a Requerida que a interpretação que pretenda que o art.º 49.º do EBF estabelece uma isenção do IMT às aquisições de prédios em que os fundos imobiliários abertos figurem como alienantes, não é conforme a letra da lei, viola regras fundamentais de interpretação da lei e colide com as intenções expressas pelo poder legislativo no contexto da sua a provação

 

 

Uma vez que a Requerida se defendeu por excepção, o Tribunal, por despacho de 29.09.2019, ofereceu prazo de 10 dias para a Requerente exercer, querendo, contraditório, o que esta fez, alegando ter ficado demonstrado em sede de pedido de pronúncia arbitral que a administração tributária procedeu a um erróneo enquadramento legal das normas aplicáveis, em especial o art.º 49.º do EBF.

 

Atendendo a que, no caso, não se verificava nenhuma das finalidades que legalmente estão cometidas à reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e, tendo em conta a posição tomada pelas partes nos articulados, ao abrigo do disposto na alínea c) do art.º 16.º e no art.º 19.º, ambos do RJAT, bem como dos princípios da economia processual e da proibição de actos inúteis, por despacho de 19.10.2019 dispensou-se a realização desta reunião tendo as partes sido notificadas para, querendo, apresentar alegações, com carácter sucessivo, tendo o Tribunal designado o dia 14 de Dezembro como prazo limite para prolação da decisão arbitral.

 

Nas suas alegações, a Requerente respiga, sem alterações substantivas, o vertido no pedido de pronúncia arbitral e no requerimento em que se pronunciou sobre a excepção arguida pela Requerida, que, por sua vez, optou por não apresentar alegações.

 

2.            Saneamento

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas.

 

Foi suscitada pela Requerida a excepção de caducidade do direito de acção arbitral, cuja análise será feita imediatamente após fixação da matéria de facto, uma vez que a sua procedência obstará ao conhecimento do mérito da causa.

 

3.            Matéria de facto

 

3.1.        Factos provados

 

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada. Tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e o artigo 607.º, n.º 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, aplicáveis por força das alíneas a) e e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito [cfr. artigo 596.º Código de Processo Civil aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].

 

Com relevo para apreciação e decisão das questões suscitadas, consideram-se provados os seguintes factos:

 

i.             Por escritura pública de 21.04.2015, a Requerente adquiriu ao B... – Fundo de Investimento Imobiliário Aberto, com o NIPC ..., o imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia da ..., concelho de Lisboa, sob o artigo ..., por € 14.388.275,52 (catorze milhões trezentos e oitenta e oito mil duzentos e setenta e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos) (doc. n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral);

 

ii.            B... – Fundo de Investimento Imobiliário Aberto é um fundo de investimento imobiliário aberto;

 

iii.           No dia 14.04.2019, a Requerente entregou a declaração Mod. 1, registada com o nº .../..., onde consta como facto tributário a “Aquisição do direito de propriedade plena sobre imóveis”, não estando preenchidos os campos 49 e 50, referentes a benefícios fiscais (doc. n.º 1, junto com a resposta);

 

iv.           A 15.04.2015, foi emitido o DUC ... que faz aplicar uma taxa de 6,5% ao valor global da compra do imóvel [€ 14.388.275,52 (catorze milhões trezentos e oitenta e oito mil duzentos e setenta e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos], tendo pois sido liquidado à Requerente IMT no montante de € 935.237,91 (novecentos e trinta e cinco mil duzentos e trinta e sete euros e noventa e um cêntimos) (doc. n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral);

 

v.            Nesse mesmo dia 15.04.2015 a Requerida pagou o IMT que lhe foi exigido, no já referido montante de € 935.237,91 (novecentos e trinta e cinco mil duzentos e trinta e sete euros e noventa e um cêntimos) (doc. n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral);

 

vi.           No dia 24.10.2018, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da liquidação de IMT em causa, solicitando o reembolso do valor parcial do imposto, no montante de € 467.618,96 (doc. n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral);

 

vii.          O pedido de revisão oficiosa mencionado no ponto anterior foi tacitamente indeferido; e

 

viii.         A 29.03.2019, a Requerente apresentou o presente pedido arbitral.

 

3.2.        Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a apreciação do mérito da causa que hajam sido dados como não provados

 

3.3.        Fundamentação

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos aos autos pelas Partes e nas posições por elas assumidas nos articulados por si apresentados.

 

4.            Matéria de direito

 

4.1.        Questões a decidir

 

A primeira questão que importa decidir é, naturalmente, a excepção de caducidade do direito de acção arbitral, pois que a sua procedência obsta à apreciação do mérito da causa, que, no fundo, é saber se à data a que se reportam os factos a aquisição do imóvel feita pela Requerente a um fundo de investimento imobiliário aberto devia beneficiar da redução, para metade, da taxa de IMT aplicável à transacção, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 49.º do EBF, então vigente.  

 

4.2.        Da excepção de caducidade do direito de acção arbitral

 

A Requerida, na sua resposta, começa por sustentar a caducidade do direito de acção arbitral, uma vez que o n.º 1 do art.º 78º da LGT refere que a revisão do acto tributário pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, com base em qualquer ilegalidade, no prazo de reclamação administrativa ou por iniciativa da Administração Tributária, com fundamento em erro imputável aos serviços, no prazo de 4 anos após a liquidação, ou a todo o tempo, se o tributo não tiver sido pago.

 

O prazo para deduzir reclamação previsto no n.º 1 do art.º 70.º e na alínea a) do n.º 1 do art.º 102º, ambos do CPPT, é de 120 dias contados do termo do prazo para pagamento voluntário. Assim, estava há muito ultrapassado o referido prazo à data do pedido de revisão.

 

Já a revisão por iniciativa da Administração Tributária pode ser feita no prazo de quatro anos após a liquidação do tributo, desde que essa revisão tenha por fundamento um erro imputável aos serviços.

 

A liquidação de IMT ora mediatamente posta em crise foi emitida com base na declaração Mod.1 registada com o n.º .../..., apresentada pelo sujeito passivo nos termos legais, sem que tenham sido preenchidos os campos 49 e 50, onde devem ser inscritos os benefícios fiscais aplicáveis à transmissão onerosa de imóveis objecto de tributação.

 

Entende a Requerida que não lhe pode ser imputável essa omissão, já que caberia à Requerente ter procedido ao exacto e completo preenchimento da declaração Mod. 1. Portanto, não havendo erro que possa imputar-se aos serviços, não pode admitir-se a possibilidade de haver revisão do acto tributário por iniciativa da administração tributária. Entende ainda que juízo contrário, ou seja, o de que pode ser dispensada a demonstração de um erro imputável aos serviços para que possa haver revisão do acto tributário por iniciativa da Administração Tributária equivale a reconhecer que ela pode sempre acontecer no prazo de quatro anos após a liquidação do tributo, independentemente da iniciativa da revisão ser do contribuinte ou pertencer à Administração Tributária, o que corresponderia a um completo esvaziamento da letra do n.º 1 do art.º 78.º da LGT, o que não pode admitir-se à luz das regras que regem a interpretação de quaisquer normas, incluindo as tributárias.

 

Importa, pois, ver o que dispunha a este respeito, à data a que se reportam os factos, o art.º 78.º da LGT:

 

Artigo 78.º

Revisão dos actos tributários

1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2 - Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.

 

3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.

4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

6 - A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.

7 - Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.

 

O instituto da revisão constitui uma concretização do dever de revogar actos ilegais e, como tal, a Autoridade Tributária e Aduaneira deve proceder dessa forma nas hipóteses em que ocorram erros nas liquidações que se corporizem na arrecadação de tributos em valor superior ao legalmente previsto. Os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade que enformam a actividade de cobrança de impostos impõem à Autoridade Tributária e Aduaneira essa correcção oficiosa .

 

Assim, se por um lado é admissível a revisão do acto por iniciativa do contribuinte no prazo da impugnação administrativa, por outro, a Autoridade Tributária e Aduaneira, ainda que por impulso do contribuinte , deve igualmente promover essa revisão oficiosa.

 

Neste sentido afirma a jurisprudência  que «decorre da lei e constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que a revisão oficiosa de actos tributários a que alude a parte final do n.º 1, do art. 78.º da LGT “por iniciativa de administração tributária” pode realizar-se a pedido do contribuinte (art. 78.º, n.º 7 da LGT), sendo o indeferimento, expresso ou tácito, desse pedido de revisão susceptível de impugnação contenciosa, nos termos do art. 95.º, n.º 1 e 2, al. d) da LGT e art. 97.º, n.º 1, al. d) do CPPT, quando estiver em causa a apreciação da legalidade do acto de liquidação e não prejudicando essa possibilidade a circunstância do pedido de revisão oficiosa ter sido apresentado muito depois de esgotados os prazos de impugnação administrativa, mas dentro do prazo dos 4 anos para a revisão do acto de liquidação  “por iniciativa de administração tributária”».

 

O pedido de revisão tem é de ter por fundamento «erro imputável aos serviços» e ser apresentado no prazo de quatro anos a contar do acto de liquidação, cabendo no conceito de “erro” o lapso, o erro material ou de facto e o erro de direito.

 

Em abono da última conclusão vale a pena atentar no que vem referindo a jurisprudência dos tribunais superiores, de que é exemplo o aresto do STA citado: «tem desde há muito entendido este Supremo Tribunal de forma pacífica que existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do art. 266.º da Constituição como o artigo 55.º da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei…».

 

Assim, a revisão oficiosa dos actos tributário pode e deve ser feita quando se achem reunidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: i) o pedido seja formulado no prazo de quatro anos contados do acto de liquidação ou a todo o tempo quando o tributo não se encontre pago; ii) tenha origem em «erro imputável aos serviços» e iii) proceda da iniciativa do contribuinte ou se realize oficiosamente pela AT.

 

Assim, ultrapassado que esteja o prazo para a impugnação judicial ou reclamação graciosa, os n.ºs 1, 3 e 4 do art.º 78.º da LGT estabelecem como condição necessária da revisão oficiosa que haja um erro e que esse erro seja imputável aos serviços.

 

O conceito de “erro imputável aos serviços” admite a patologia de facto e de direito, contudo a ilegalidade de que possa enfermar o acto de liquidação tem de ser directamente imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira e não ser devida à conduta negligente do contribuinte. É também esta a posição do Supremo Tribunal Administrativo quando afirma que: «… qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração, sendo que esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro,…» . E, no mesmo sentido: «…é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte» .

 

Não há dúvidas de que a Requerente entregou à Administração Tributária e Aduaneira a declaração Mod.1 registada com o n.º .../..., em que não estão preenchidos os campos 49 e 50 referentes a benefícios fiscais. Contudo, afigura-se precipitada a conclusão de que esta circunstância resolve, em termos inelutáveis, a questão que importa apreciar.

 

Como se disse, “os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art.º 266.º, n.º 2 da CPR e art.º 55.º da LGT) impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei” . Esta afirmação mais não é do que uma decorrência do dever de serem revogados os actos ilegais, ou seja, aqueles actos que são praticados ao arrepio da lei. E será manifestamente ilegal o acto tributário que liquida um imposto que nos termos da lei não se mostra devido, seja porque o facto tributário não é abrangido pela norma de incidência ou porque o legislador lhe concedeu um benefício fiscal.

 

Claro está que o dever de se proceder à revogação de actos ilegais pode sofrer limitações, nomeadamente temporais, justificadas por necessidades de segurança jurídica, designadamente quando as receitas liquidadas foram arrecadadas. Portanto, dir-se-á que temos em presença dois valores cimeiros do direito que se digladiam. Por um lado, a justiça, que reclama a revogação de actos tributários ilegais. Por outro, a segurança jurídica, que impõe que esse dever seja balizado.

 

Regressando ao caso sub judice, é inequívoco que o pedido de revisão do acto tributário foi apresentado muito depois do termo do prazo de reclamação administrativa, mas dentro do prazo de 4 anos contados do acto de liquidação. Assim, a solicitada revisão do acto tributário só pode ter lugar se o erro em que assenta a pretensa ilegalidade do acto de liquidação for imputável aos serviços.

 

Ainda que não seja este o momento de apreciar a questão de mérito, ou seja, a de saber se é ou não ilegal o acto de liquidação mediatamente posto em crise, importará agora esclarecer se o eventual erro em que assenta a pretensa ilegalidade do acto de liquidação é imputável aos serviços da Administração Tributária e Aduaneira. Ora, o erro, a existir, consistirá na circunstância de não ter sido aplicada a redução, para metade, da taxa de IMT prevista no art.º 49.º do EBF, por ter o imóvel sido adquirido pela Requerente a um fundo de investimento imobiliário aberto.

 

Recordemos que a Requerente entregou à Administração Tributária e Aduaneira a declaração Mod.1 registada com o n.º .../..., em que não estão preenchidos os campos 49 e 50 referentes a benefícios fiscais. Contudo, consta dos campos 13 e 14 que o titular do bem transmitido é C...– Fundo de Investimento Imobiliário Aberto , com o NIF... . O DUC ... de 15.04.2015 refere que o alienante do bem é B...– Fundo de Investimento Imobiliário Aberto, com o NIF... . Como é bom de ver, o alienante do bem, designado B...– Fundo de Investimento Imobiliário Aberto é, sem surpresa, um fundo de investimento imobiliário aberto. Resulta claríssimo que a Administração Tributária e Aduaneira, se não sabia, não podia ignorar que o alienante do imóvel cuja aquisição por parte da Requerente espoleta a liquidação do IMT era um fundo de investimento imobiliário aberto.

 

O art.º 49.º do EBF prevê a redução para metade das taxas de IMT aplicáveis à transmissão onerosa de prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos. O benefício fiscal que nos ocupa consiste nesta redução e que é, nesta medida, um benefício fiscal automático, nos termos do n.º 1 do art.º 5.º do EBF, porquanto resulta directa e imediatamente da lei.

 

O n.º 1 do art.º 78.º da LGT refere que a revisão do acto tributário por iniciativa da Administração Tributária e Aduaneira, ainda que a impulso do contribuinte, depois de expirado o prazo da reclamação administrativa, só pode ter lugar (e sempre dentro do prazo de quatro anos contados do acto de liquidação) se houver erro imputável aos serviços. Talvez valha a pena pesar com adequação esta necessária imputabilidade. Será imputável a alguém o que lhe for atribuível. 

 

É sabido que a Requerente entregou à Administração Tributária e Aduaneira a declaração Mod.1 registada com o n.º .../..., em que não estão preenchidos os campos 49 e 50 referentes a benefícios fiscais, defendendo a Requerida que não haverá erro que lhe possa ser imputável, se a liquidação do IMT tiver sido feita de harmonia com a declaração apresentada pelo contribuinte. Também é evidente que não podem ignorar-se nem a vocação nem os efeitos da declaração Mod. 1 apresentada. Pela dita declaração, o contribuinte leva ao conhecimento da Administração Tributária um determinado facto tributário e com base nela é feita a liquidação do imposto. Quem preenche a declaração é o contribuinte e a Administração limita-se a receber as informações nela contidas, que, de resto, se presumem verdadeiras, nos termos do art.º 75.º da LGT. Portanto, não causará estranheza que se assuma, como juízo tendencial, que não será imputável à Administração Tributária o erro que possa inquinar um determinado acto de liquidação se essa liquidação é feita na sequência da apresentação de uma declaração do contribuinte e com base nela. Foi isso que se julgou, por exemplo, na Decisão arbitral do CAAD prolatada no processo n.º 414/2017-T. Aí o contribuinte apresentou a declaração Mod. 1, inscrevendo como “facto tributário" a “aquisição do direito de propriedade plena sobre imóveis”, tendo deixado dito nas observações de que se tratava de uma permuta. O que aí estava em causa, afinal, era uma entrada em espécie por contrapartida da entrega de unidades de participação de um fundo, operação complexa, não linear e que se entendeu não estar sujeita a imposto. Contudo, não seria exigível à Administração Tributária, no âmbito de uma operação com aquelas características, pela mera leitura e análise da declaração Mod. 1 apresentada, o conhecimento da factualidade subjacente (de toda a factualidade subjacente) para que pudesse aferir sobre a sujeição, ou não, daquela concreta operação a imposto. A declaração Mod. 1, naquele caso, não chegava para proporcionar uma visão segura e alcançar um juízo verdadeiramente concludente. O caso dos presentes autos não é o mesmo nem é tão pouco equiparável.

 

Uma correcta interpretação do art.º 78.º da LGT há-de impor uma leitura valorativamente exigente do que seja ou possa considerar-se para estes efeitos “erro”. Ainda que o contribuinte, aquando da entrega da declaração Mod. 1 não tenha preenchido os campos 49 e 50 referentes a benefícios fiscais, afigura-se não poder a Requerida sustentar que de todo ignorava e não tinha a obrigação de conhecer que o alienante do bem que ia ser transmitido era um fundo de investimento imobiliário aberto e que o n.º 1 do art.º 49.º do EBF concedia benefícios fiscais em transacções imobiliárias em que fossem intervenientes fundos de investimento imobiliário abertos.

 

A relação entre a administração e os administrados, entre a Administração Tributária e Aduaneira e os contribuintes deve ser pautada pelo princípio da colaboração, previsto no art.º 59.º da LGT. Essa colaboração impõe à Administração Tributária e Aduaneira o dever de interagir com os contribuintes para o esclarecimento de dúvidas que possam ser suscitadas pelas declarações ou documentos que apresentem.

 

Até se pode admitir que a Requerida não tenha tido dúvidas sobre a declaração Mod. 1 apresentada pela Requerente, por entender que o benefício fiscal previsto no n.º 1 do art.º 49.º do EBF se não aplicava à transacção que lhe foi por ela comunicada. Contudo, tal não pode significar, em sede de pedido de revisão do acto tributário, que a eventual existência de um erro, de um erróneo enquadramento legal das normas aplicáveis, apanha totalmente desprevenida a Administração Tributária, porquanto esta, pela simples leitura da declaração apresentada, estava na posse de todos os elementos de que dependia uma correcta avaliação da situação em presença.

 

Salvo melhor juízo, a leitura que a Requerida faz do n.º 1 do art.º 78.º da LGT peca por inadmissivelmente formal. Na verdade, esta disposição serve apenas para proteger aquelas situações em que a Administração Tributária e Aduaneira é absolutamente surpreendida. Ora, não é isso que sucede no caso que temos em mãos. Há uma simples compra e venda, sem nenhuma complexidade, que, em razão do vendedor ser um fundo de investimento imobiliário aberto (o que se extrai perfeita e imediatamente da declaração Mod.1 apresentada), beneficia da redução a metade da taxa de IMT. A declaração apresentada oferece a factualidade que importava sopesar e a aplicabilidade de um benefício fiscal a uma transmissão de bens não é um facto.

 

Não cremos, pois, que o credor tributário possa dizer que de todo lhe estava vedado perceber o erro de que podia enfermar a liquidação em causa. Neste sentido, o erro imputável aos serviços corresponderá à vontade de não querer conhecer o que da declaração apresentada pelo contribuinte resulta, com a clareza legalmente exigível, evidente, sendo juridicamente censurável, no quadro das regras que regem a colaboração entre a Administração Tributária e contribuintes, esta pretender aproveitar de um erro que conhecia ou, pelo menos, não podia ignorar.

 

Assim, não procede a excepção de caducidade do direito de acção arbitral. 

 

4.3.        Da aplicabilidade do n.º 1 do art.º 49.º do EBF

 

Cumpre agora analisar a questão de mérito, ou seja, saber se à data a que se reportam os factos a aquisição do imóvel feita pela Requerente a um fundo de investimento imobiliário aberto devia beneficiar da redução, para metade, da taxa de IMT aplicável à transacção, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 49.º do EBF.

 

Nos termos do artigo 5.º, n.º 1 do CIMT a incidência do IMT é regulada pela legislação em vigor ao tempo em que se constituir a obrigação tributária, esclarecendo o n.º 2 do preceito que esta se constitui no momento em que ocorrer a transmissão.

 

Conforme consta da factualidade assente, a Requerente, por escritura pública de 21.04.2015, adquiriu ao B...– Fundo de Investimento Imobiliário Aberto, um imóvel.

 

Recordemos o que dispunha, à data a que se reportam os factos, o n.º 1 do art.º 49.º do EBF, sob a epígrafe “Fundos de investimento imobiliário, fundos de pensões e fundos de poupança-reforma”:

 

“1 - São reduzidas para metade as taxas de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis aplicáveis aos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.”

 

Deste preceito extrai-se que são reduzidas para metade as taxas de IMT aplicáveis aos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional. Não há dúvidas de que o alienante do imóvel adquirido pela Requerente é um fundo de investimento imobiliário aberto constituído e a operar de acordo com a legislação nacional. Portanto, o que carece eventualmente de um maior esforço hermenêutico é a expressão “aplicáveis aos prédios integrados” nestes fundos.

 

O CAAD, ainda que não directamente sobre questão idêntica, na Decisão 544/2016-T aflorou o problema que importa também aqui resolver, qual seja o de saber, ao cabo e ao resto, a que situações se refere o n.º 1 do hoje revogado art.º 49.º do EBF. Entendeu-se naquela decisão arbitral que o benefício fiscal pela norma conferido seria aplicável sempre que o fundo de investimento imobiliário fechado se encontrasse na posição de alienante do imóvel. A Requerida rejeita esta interpretação.

 

No douto parecer que a Requerida junta aos autos com a sua resposta, dá-se conta das dificuldades interpretativas da disposição que ora nos ocupa. Nele se lê que é estranho, pelo menos na aparência, que uma norma legal tipifique uma isenção que não se enquadra com o facto tributário a que se reporta. Parece que a isenção se reporta a uma factualidade que não está sujeita ao IMT, dado que ela tem por objecto imóveis integrados num património e a incidência do IMT visa transmissões e não situações estáticas, como será a mera existência de um imóvel num determinado património.

 

Até se pode admitir esta estranheza. Contudo, nos termos do n.º 2 do Código Civil, não pode ser acolhido pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei o mínimo de correspondência verbal. O que a fonte interpretanda deixa ler é que o benefício fiscal se aplica aos prédios integrados em fundos. Portanto, como o IMT incide sobre transmissões onerosas, há que descortinar a que transmissões se refere o preceito. Se àquelas pelas quais os fundos adquirem imóveis se às outras mediante as quais os fundos os alienam. No primeiro caso, a integração no património dá-se em momento posterior à aquisição. Aquela, relativamente a esta, é futuro. Já no segundo caso, a integração antecede a alienação. Aquela, quando confrontada com esta, é passado. Ora, o legislador usou um particípio, uma forma nominal de um verbo que remete para o passado. Tendo de o intérprete de extrair da fonte uma norma, bem sabendo que, como impõe o n.º 3 do mesmo Código, deve presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, não pode ser ela senão a que considera que a redução para metade da taxa de IMT incidirá sobre os imóveis que estando integrados (é esta a palavra que coincide com a letra da lei) no património de um fundo vão ser pelo dito fundo alienados.

 

É evidente que este benefício fiscal, embora favorecendo directamente os adquirentes de imóveis a este tipo de fundos de investimento, coloca os fundos numa posição economicamente vantajosa, na medida em que podem colocar elementos do seu activo mais facilmente no mercado e em melhores condições, uma vez que o prospectivo adquirente estará isento de IMT. Com efeito, apesar de, nos termos do artigo 4.º do CIMT, o IMT dever ser suportado pelo adquirente do bem imóvel – que na generalidade dos casos será alguém inteiramente alheio à actividade de investimento imobiliário – a verdade é que este benefício coloca os fundos de investimento imobiliário numa posição economicamente favorável e competitiva no seio do mercado imobiliário, na medida em que lhes permite escoar os seus bens imóveis mais facilmente, a um preço mais atractivo do ponto de vista do consumidor, que sempre beneficiará de uma redução de taxa.

 

Assim, e em conclusão, assiste razão à Requerente determinando-se a declaração de ilegalidade da liquidação impugnada termos em que procede o pedido com a consequente anulação da liquidação de IMT, com as legais consequências.

 

5.            Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

a)            Julgar improcedente a excepção de caducidade do direito de acção deduzida pela Requerida;

b)           Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando a ilegalidade e consequentemente anulando o acto de liquidação de IMT identificado com o número ..., no montante global de € 935.237,91 (novecentos e trinta e cinco mil duzentos e trinta e sete euros e noventa e um cêntimos); e

c)            Condenar a Requerida nas custas do presente processo.

 

6.            Valor do processo

 

Quando seja impugnado um acto de liquidação, o valor da causa é o da importância cuja anulação se pretende, que corresponde à utilidade económica do pedido. Assim, de harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 306.º do CPC, no art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 467.618,96 (quatrocentos e sessenta e sete mil seiscentos e dezoito euros e noventa e seis cêntimos).

 

7.            Custas

 

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 5 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 7.344,00 (sete mil trezentos e trinta e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 13 de Dezembro de 2019

 

 

A Árbitro Presidente

(Fernanda Maçãs)

 

O Árbitro Adjunto

(José Coutinho Pires)

 

O Árbitro Adjunto

(Nuno Pombo- relator)

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 131.º do CPC, aplicável por remissão da al. e) do n.º 1 do art.º 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e com a grafia anterior ao dito Acordo Ortográfico de 1990.