Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 218/2019-T
Data da decisão: 2019-12-19   Outros 
Valor do pedido: € 2.634.220,06
Tema: Benefícios fiscais. RFAI. Sector das telecomunicações.
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DECISÃO ARBITRAL

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

1. A..., SGPS, S.A., sociedade comercial anónima com sede na Rua ..., ..., ..., ...-... Lisboa, com o número único de identificação de pessoa coletiva ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do acto de liquidação em IRC referente ao ano de 2014, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra esse acto, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de  juros indemnizatórios.

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente é uma sociedade comercial anónima de Direito português, com sede e direcção efectiva em território nacional, cujo objecto social consiste na gestão de participações sociais como forma indirecta de exercício de actividades económicas, sendo a sociedade dominante do grupo de sociedades designado Grupo B... sujeito a tributação ao abrigo do Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades.

 

Do Grupo B... faz parte a sociedade C..., S.A., sociedade comercial anónima, que prossegue a sua actividade no sector das telecomunicações, tendo como objecto social a implementação, operação, exploração e oferta de redes e prestação de serviços de comunicações electrónicas e serviços conexos e o fornecimento e comercialização de produtos e equipamentos de comunicações electrónicas e a distribuição de serviços e programas televisivos e radiofónicos, encontrando-se enquadrada no código CAE n.º 61100, correspondente a «actividades de telecomunicações por fio».

 

A sua matéria colectável é determinada por avaliação directa e tem a sua situação tributária regularizada, não tendo dívidas tributárias ou à Segurança Social.

 

No exercício de 2014, para efeitos de RFAI, a C... realizou investimento elegível de € 18.842.200,55, nas regiões Norte, Centro, Alentejo, Madeira e Açores, que representou uma aposta na evolução tecnológica, na melhoria processual e de controlo e na expansão da cobertura das redes fixa e móvel.

 

Em 30 de maio de 2015, a C... e a Requerente submeteram as suas declarações de rendimentos Modelo 22 de IRC, a que foram atribuídas as referências ... e ..., tendo apresentado mais tarde declarações de substituição, com as referências ... e ... .

 

A C... e a Requerente não inscreveram nas declarações de rendimento Modelo 22 de IRC do exercício de 2014 o benefício fiscal, no montante de € 2.634.220,06, não tendo deduzido à colecta esse montante relativamente a esse exercício, assim como não o fizeram nos exercícios de 2015 a 2017.

 

Em 31 de maio de 2017, com o objectivo de poder beneficiar dessa dedução, a Requerente, na qualidade de sociedade dominante do Grupo, apresentou reclamação graciosa do acto de autoliquidação de IRC do exercício de 2014.

 

A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 11 de dezembro de 2018, da Directora Adjunta da Justiça Tributária, por se ter entendido que o RFAI exige que os sujeitos passivos exerçam uma actividade económica correspondente a um dos sectores elencados na Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, em aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional ditadas pela UE para o período 2014-2020.

 

Discordando desse entendimento, a Requerente considera que a concessão do incentivo fiscal não pode estar dependente de diploma de natureza meramente regulamentar, como segue.

 

Nos termos do n.º 1 do artigo 22.º do Código Fiscal de Investimento (CFI), "o RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma actividade nos sectores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de actividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com excepção das actividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das Orientações Relativas aos Auxílios Estatais com Finalidade Regional (OAR) e do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC)" (n.º 1), dizendo o n.º 2 (do artigo 2.º do Código Fiscal do Investimento) que os projectos de investimento devem ter por objecto as actividades económicas aí elencadas entre as quais se encontra a “defesa, ambiente, energia e telecomunicações” (alínea g). Por sua vez, o n.º 3 do mesmo preceito remete para portaria a definição dos códigos de actividade económica (CAE) correspondentes às actividades referidas no número anterior.

 

Do conjunto dessas disposições conclui-se que o âmbito objectivo do RFAI está circunscrito aos sectores de actividade listados no artigo 2.º, n.º 2, do CFI e a portaria visa apenas explicitar os códigos CAE que a prossecução daquelas actividades económicas pode assumir, sendo que a portaria não pode definir códigos CAE que não se encontrem relacionados com as actividades económicas mencionadas no artigo 2.º, n.º 2, do CFI, nem poderá deixar de definir (pelos menos alguns) códigos CAE atinentes àqueles sectores de actividade.

Ora, a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, emitida em execução do artigo 2.º, n.º 3, do CFI, é totalmente omissa quanto ao sector das telecomunicações, e, desse modo, a Portaria redunda numa inadmissível derrogação do regime instituído pelo CFI, designadamente pelo seu artigo 2.º, n.º 2, restringindo, por via regulamentar, as actividades elegíveis para efeitos de concessão do benefício fiscal previsto nos artigos 22.º a 26.º do CFI.

 

E, sendo assim, a Portaria n.º 282/2014, enquanto regulamento administrativo que fixa regras derrogatórias relativas a benefícios fiscais, padece de inconstitucionalidade por violação dos artigos 199.º, alínea c), 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i), e 112.º, n.º 5, da CRP, inquinando a autoliquidação de IRC e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa de ilegalidade geradora de anulabilidade.

Adicionalmente, não merece acolhimento a posição sustentada pela Autoridade Tributária no sentido de que a inserção de códigos CAE relativos ao sector das telecomunicações contrariaria o Direito da União Europeia e especialmente as OAR e o RGIC.

 

Embora a Portaria n.º 282/2014 não possa contemplar códigos CAE de actividades excluídas do âmbito de aplicação das OAR e do RGIC, também é certo que esse diploma não pode excluir todo um sector de actividade que se encontra abrangido pelo artigo 2.º, n.º 2, do CFI, tanto mais que nem as OAR nem o RGIC afastam do seu campo de aplicação o sector das telecomunicações, designadamente actividades tendentes à expansão das redes fixa e móvel.

 

E como resulta da lei de autorização legislativa do CFI (Lei n.º 44/2014, de 11 de julho), esse diploma teve o propósito de conformidade com as disposições europeias em matéria de auxílios de Estado para o período 2014-2020, nomeadamente, as disposições constantes do Regulamento Geral de Isenção por Categoria, que define as condições sob as quais certas categorias de auxílios podem ser consideradas compatíveis com o mercado interno.

Foi assim objectivo do legislador nacional, ao prever no artigo 2.º, n.º 2, alínea g), do CFI o sector das telecomunicações, privilegiar a conformidade do regime nacional com o regime de Direito Europeu, tanto mais que o direito interno anteriormente vigente não abarcava esse sector.

 

A Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, enquanto regulamento administrativo derrogatório de normas legislativas de direito nacional concretizadoras do direito da União Europeia, padece de inconstitucionalidade por violação do artigo 112.º, n.os 5 e 7, da CRP, inquinando a autoliquidação de IRC e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa de ilegalidade geradora de anulabilidade.

 

Por seu turno, a Autoridade Tributária, na sua resposta, começa por referir que a acção inspectiva interna credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2017... efectuada com o objectivo de verificar o cumprimento das obrigações fiscais por parte do GRUPO B..., baseou a sua análise na declaração de rendimentos de substituição identificada com o n.º ... e nessa não se inclui qualquer montante respeitante à dotação do período de 2014 para o benefício fiscal RFAI, questão que apenas foi suscitada pela Requerente no âmbito da reclamação graciosa.

Pelo que a questão relativa aos pressupostos dos benefícios fiscais disponíveis para dedução em 2014 teria que ser dirimida no âmbito da impugnação judicial da liquidação adicional de IRC que incorpora as correcções determinadas em sede inspectiva e que corre termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o n.º .../17...BELRS.

 

A presente acção arbitral carece assim de objecto, o que consubstancia a excepção dilatória de inimpugnabilidade do acto de autoliquidação, com a consequente absolvição da instância da Requerida.

 

Quanto à matéria de fundo, a Autoridade Tributária sustenta que as normas do CFI relativas ao RFAI devem ser entendidas à luz das regras do RGIC e das OAR e que esse diploma teve em vista adaptar os regimes de benefícios fiscais ao investimento e à capitalização das empresas às novas regras europeias aplicáveis em matéria de auxílios de Estado para o período 2014-2020.

 

A anterior Portaria n.º 1542/2009, de 29/12, publicada ao abrigo do CFI, na redacção resultante do Decreto-Lei n.º 249/2009, compreendia na alínea g) do n.º 1 do artigo 1.º a rubrica “Ambiente, energia e telecomunicações", mas visava delimitar apenas o âmbito de aplicação dos incentivos fiscais ao investimento de natureza contratual, não se aplicando ao RFAI, pelo que a omissão constante da Portaria n.º 282/2014 quanto a essa rubrica foi intencional.

De acordo com o n.º 1 do artigo 22.º do CFI, o RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma actividade nos sectores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de actividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com excepção das actividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (OAR) e do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC).

 

Sendo as designações das actividades constantes do citado n.º 2 do art.º 2.º do CFI heterogéneas, e não possuindo um grau suficientemente preciso, o legislador optou por remeter para portaria a concretização dos códigos de actividade económica (CAE) aos quais o benefício será aplicável, impondo-se concluir que, salvaguardadas as limitações inscritas no quadro legislativo europeu em matéria de auxílios estatais de finalidade regional, não emanam da Lei n.º 44/2014 quaisquer orientações ou directivas precisas sobre as concretas actividades económicas que poderiam beneficiar dos incentivos fiscais ao investimento. Remetendo-se para o Governo a definição do elenco dos sectores de actividades, cujos investimentos são elegíveis para os incentivos fiscais do RFAI em articulação com as prioridades estabelecidas nas opções estratégicas de política económica, de consolidação da competitividade da economia portuguesa e de política de desenvolvimento regional   

 

Tendo o legislador definido o elenco dos sectores de actividade de forma condicionada, ficou claro que as actividades económicas abrangidas pelos incentivos do RFAI seriam apenas as previstas na portaria a publicar, não podendo considerar-se as normas dos artigos 2.º, n.º 2, e 21.º, n.º 1, do CFI como directamente exequíveis.

 

Assim, a ausência da referência a “telecomunicações” na Portaria n.º 284/2014 não consubstancia qualquer omissão ou derrogação do CFI, mas antes a necessidade de conformar o direito nacional com o direito comunitário, atentas as regras do RGIC e das OAR aplicáveis à data.

 

A limitação das actividades económicas abrangidas pelos incentivos fiscais ao investimento pela Portaria n.º 282/2014 não implica a inconstitucionalidade orgânica. Não existe uma reserva absoluta de lei formal que exclua o desenvolvimento da disciplina legal por decreto-lei não autorizado ou por regulamento, sendo que os regulamentos emitidos pelo Governo em matéria de impostos assumem grande importância na gestão do sistema fiscal e a Portaria n.º 282/2014 não invade o campo de incidência dos incentivos fiscais do RFAI, porque as normas habilitantes são normas de aplicação condicionada que não especificam os sectores de actividade elegíveis.

 

O Regulamento Geral de Isenção por Categoria e as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, para as actividades do sector das telecomunicações, identificam apenas os auxílios a infraestruturas de banda larga e os auxílios a redes de banda larga e, mesmo quanto a estes últimos, as OAR subordinam a compatibilização destes auxílios com o mercado interno a condições especiais, que não se encontram incorporadas no RFAI.

 

Em resumo, a Lei n.º 44/2014, remeteu para o Governo a definição do âmbito sectorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional, sendo que o Governo - através do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro - limitou-se a listar, em termos genéricos, as actividades em que deveriam inserir-se os projectos de investimento, atribuindo aos membros do Governo responsáveis pelas áreas da economia e das finanças a definição dos códigos CAE correspondentes às actividades referidas na lista.

 

Deste modo, só com a publicação da Portaria n.º 282/2014, de 31 de Dezembro, foram identificadas as concretas actividades elegíveis para efeitos da concessão do benefício fiscal RFAI. 

 

Por fim, apesar de considerar que a interpretação seguida cumpre o direito europeu, a Autoridade Tributária, verificando a inexistência de jurisprudência europeia sobre a matéria, requer o reenvio prejudicial para o TJUE para apreciação da questão.

 

 

2. Não houve lugar à produção de prova testemunhal, tendo sido dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT.

 

Em requerimento autónomo, a Requerente pronunciou-se sobre a excepção suscitada pela Autoridade Tributária, dizendo, em síntese, o seguinte.

 

A Requerente não inclui na sua declaração periódica de substituição modelo 22 qualquer montante respeitante à dotação do período de 2014 para o benefício fiscal RFAI. O acto de liquidação adicional de IRC resultante da acção de inspecção não revogou a autoliquidação em IRC, antes corrigiu um dado conjunto de matérias, o qual não abrangeu a matéria em discussão nos autos. E, por conseguinte, a desconformidade legal em relação ao RFAI não poderia ser assacada ao acto de liquidação adicional, mas ao acto de autoliquidação originário.

 

No seguimento do processo, foi determinada a notificação para apresentação de alegações por prazo sucessivo.

 

Em alegações, as partes mantiveram as suas anteriores posições.

 

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e dos n.º 1 e 2 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, as partes designaram os árbitros, e o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa designou o terceiro árbitro, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 19 de Junho de 2019.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e foi invocada excepção dilatória de inimpugnabilidade dos actos tributários que constituem objecto do pedido arbitral.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos que podem ser tidos como provados são os seguintes:

 

A)           A Requerente é a sociedade dominante de um grupo de sociedades designado “Grupo B...”), sujeito a tributação ao abrigo do Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades;

B)           Do Grupo B... faz parte a sociedade C..., S.A., sociedade comercial anónima que prossegue a sua actividade no sector das telecomunicações;

C)           O objeto social da C... compreende a «implementação, operação, exploração e oferta de redes e prestação de serviços de comunicações eletrónicas e serviços conexos; o fornecimento e comercialização de produtos e equipamentos de comunicações eletrónicas e a distribuição de serviços e programas televisivos e radiofónicos», estando, a título principal, enquadrada no código CAE n.º 61100, correspondente a «actividades de telecomunicações por fio»;

D)           Em sede de IRC, esta entidade dispõe de contabilidade organizada, sendo-lhe aplicável o regime geral de tributação;

E)            A sua matéria coletável é determinada por avaliação direta;

F)            Tem a sua situação tributária regularizada, não tendo quaisquer dívidas tributárias, incluindo à Segurança Social;

G)           No exercício de 2014, para efeitos de RFAI, a C... realizou um investimento tendente à expansão das suas redes fixa e móvel, de € 18.842.200,55, nas regiões Norte, Centro, Alentejo, Madeira e Açores;

H)           Em 30 de maio de 2015, a C... apresentou a sua declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, referente ao exercício de 2014, a que foi atribuída a referência ...;

I)             Em 30 de maio de 2015, a Requerente apresentou a sua declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, referente ao exercício de 2014, a que foi atribuída a referência ...;

J)            Em 30 de maio de 2016, a C... apresentou declaração de substituição da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC à qual foi atribuída a referência ...,

K)           Em 30 de maio de 2016, a Requerente apresentou declaração de substituição da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC à qual foi atribuída a referência...;

L)            A C... e a Requerente não inscreveram nas declarações de rendimento Modelo 22 de IRC do exercício de 2014 o benefício fiscal, no montante total de € 2.634.220,06, para efeito de dedução à coleta de IRC e também não o fizeram nas declarações de rendimento Modelo 22 relativas a 2015, 2016 e 2017;

M)          No dia 31 de maio de 2017, a Requerente apresentou reclamação graciosa do ato de autoliquidação de IRC do exercício de 2014;

N)           Em 6 de novembro de 2018, a Requerente foi notificada do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa em que é proposto o indeferimento com os seguintes fundamentos:

«A classificação das actividades económicas regulamentada pela Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, é, pois, um dos aspetos essenciais do RFAI tendo em vista assegurar a plena aplicação das regras decorrentes da legislação europeia em matéria de auxílios estatais e de benefícios fiscais sujeitos a notificação a Bruxelas.

A classificação das actividades económicas regulamentada pela Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, é, pois, um dos aspetos essenciais do RFAI tendo em vista assegurar a plena aplicação das regras decorrentes da legislação europeia em matéria de auxílios estatais e de benefícios fiscais sujeitos a notificação a Bruxelas.

                  Nessa medida não é possível subscrever a tese da Reclamante.

Haverá, de facto, razões que levaram o Governo a optar por não inserir na Portaria qualquer CAE relativo ao sector 61 – Telecomunicações [...].

O RFAI exige de forma inquestionável que os sujeitos passivos que dele queiram usufruir cumpram o pressuposto de a actividade económica exercida corresponder a um dos sectores elencados na Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, cumprindo, em contraponto ao alegado pela Reclamante, o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional ditadas pela UE para o período 2014-2020.

Em face do exposto, concluindo-se que a classificação da actividade desenvolvida pela empresa C..., S.A. não está em conformidade com as orientações estabelecidas em sede do RFAI, não pode obter deferimento o pedido apresentado para a consideração, na autoliquidação de IRC referente ao período de tributação de 2014, do benefício fiscal no valor de EUR 2.634.220,06»;

O)           A Requerente não exerceu o direito de audição;

N) Por despacho de 11 de dezembro de 2018, da Diretora Adjunta da Justiça Tributária, notificado a 24 de dezembro de 2018, foi indeferida a reclamação graciosa.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária e na alegação de factos não questionados.

 

Matéria de direito

 

Excepção de inimpugnabilidade do acto de liquidação

 

5. A Autoridade Tributária suscita a excepção de inimpugnabilidade do acto de liquidação, alegando que foi desencadeada uma acção inspectiva incidente sobre a declaração de rendimentos de substituição identificada com o n.º..., apresentada pela Requerente, na qual se não incluía o montante respeitante ao benefício fiscal RFAI, questão que apenas foi suscitada ulteriormente por via da interposição de uma reclamação graciosa.

 

Assim vindo a concluir que a questão relativa ao benefício fiscal apenas poderia ser dirimida na impugnação judicial que fora deduzida perante o Tribunal Tributário de Lisboa quanto à liquidação adicional de IRC resultante das correcções determinadas no âmbito daquela acção inspectiva.

 

Propugnando, nesse sentido, a absolvição da instância por carência de objecto processual.

 

Ora, o presente pedido arbitral tem por objecto o acto de autoliquidação de IRC relativo ao exercício de 2014 e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra esse acto de autoliquidação e não qualquer acto de liquidação adicional que tenha resultado de uma acção inspectiva, a que Requerente não faz sequer referência.

 

E, como surge claramente explicitado na petição inicial, nem a Requerente nem a sociedade C... inscreveram nas declarações de rendimento Modelo 22 de IRC relativas ao exercício de 2014 o benefício fiscal (artigo 26.º), sendo que a reclamação graciosa teve justamente em vista obter a anulação da autoliquidação, para efeito de ser considerada a dedução à colecta referente a esse benefício (artigo 28.º).

 

A Requerente também não poderia reagir contra a ilegalidade resultante da não consideração do benefício fiscal mediante a impugnação da liquidação adicional em IRC pela linear razão de que esse acto tributário – como a Requerida, aliás, reconhece – não incide sobre essa questão.

 

A excepção é, por conseguinte, manifestamente improcedente.

 

Matéria de fundo

 

6. A Requerente considera que a Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, ao definir o âmbito sectorial das actividades económicas abrangidas pelo Regime Fiscal de Apoio ao Investimento, cujo âmbito de aplicação se encontra previsto no Código Fiscal do Investimento (CFI), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, é totalmente omissa quanto ao sector das telecomunicações, e, desse modo, restringe, por via regulamentar, as actividades elegíveis para efeitos de concessão do benefício fiscal de acordo com o disposto no artigo 2.º, n.º 2, alínea g), do CFI.

 

Nesse sentido, entende que a Portaria n.º 282/2014 padece de inconstitucionalidade por violação dos artigos 199.º, alínea c), 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i), e 112.º, n.º 5, da Constituição.

 

                               Adicionalmente, a Requerente imputa à posição sustentada pela Autoridade Tributária na decisão de indeferimento da reclamação graciosa uma interpretação desconforme ao direito europeu, tendo em atenção que nem as Orientações Relativas aos Auxílios com Finalidade Regional para o período 2014-2020 (OAR), nem o Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC) afastam do seu campo de aplicação o sector das telecomunicações, designadamente actividades tendentes à expansão das redes fixa e móvel.

 

São estas, pois, as questões que cabe dilucidar.

 

O Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, que aprovou o novo Código Fiscal do Investimento (CFI) e procedeu à revisão global dos regimes de benefícios ao investimento e à capitalização, teve em vista, como ressalta da nota preambular, adaptar o regime legal ao novo quadro legislativo europeu aplicável aos auxílios estatais para o período 2014-2020 e, por outro lado, reforçar os diversos regimes de benefícios fiscais ao investimento, em particular no que se refere a investimentos que proporcionem a criação ou manutenção de postos de trabalho e se localizem em regiões menos favorecidas.

 

Referindo-se ao âmbito objectivo dos benefícios fiscais contratuais ao investimento público, o artigo 2.º, nos seus n.ºs 2 e 3, dispõe o seguinte:

 

"2 - Os projetos de investimento referidos no número anterior devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes actividades económicas, respeitando o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC:

a) Indústria extrativa e indústria transformadora;

b) Turismo, incluindo as actividades com interesse para o turismo;

c) Actividades e serviços informáticos e conexos;

d) Actividades agrícolas, aquícolas, piscícolas, agropecuárias e florestais;

e) Actividades de investigação e desenvolvimento e de alta intensidade tecnológica;

f) Tecnologias da informação e produção de audiovisual e multimédia;

g) Defesa, ambiente, energia e telecomunicações;

h) Actividades de centros de serviços partilhados.

3 - Por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia são definidos os códigos de actividade económica (CAE) correspondentes às actividades referidas no número anterior."

 

O CFI estabelecia igualmente o Regime Fiscal do Investimento (RFAI), regulado nos artigos 22.º e seguintes, sendo que esse artigo 22.º, sob a epígrafe “Âmbito de aplicação e definições”, dispõe, no seu n.º 1, nos seguintes termos:

"1 - O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma actividade nos sectores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de actividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das actividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC."

 

Por seu lado, a Portaria n.º 282/2014, em execução do disposto no n.º 3 do referido artigo 2.º do CFI, ostenta a seguinte redacção:

"Artigo 1.º

Enquadramento comunitário

Em conformidade com as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209, de 27 de julho de 2013 e com o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187, de 26 de junho de 2014 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria), não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as actividades económicas dos sectores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas.

Artigo 2.º

Âmbito sectorial

Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior, as actividades económicas previstas no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, correspondem aos seguintes códigos da Classificação Portuguesa de Actividades Económicas, Revisão 3 (CAE-Rev.3), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro:

a) Indústrias extrativas - divisões 05 a 09;

b) Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33;

c) Alojamento - divisão 55;

d) Restauração e similares - divisão 56;

e) Actividades de edição - divisão 58;

f) Actividades cinematográficas, de vídeo e de produção de programas de televisão - grupo 591;

g) Consultoria e programação informática e actividades relacionadas - divisão 62;

h) Actividades de processamento de dados, domiciliação de informação e actividades relacionadas e portais Web - grupo 631;

i) Actividades de investigação científica e de desenvolvimento - divisão 72;

j) Actividades com interesse para o turismo - subclasses 77210, 90040, 91041, 91042, 93110, 93210, 93292, 93293 e 96040;

k) Actividades de serviços administractivos e de apoio prestados às empresas - classes 82110 e 82910."

 

Por sua vez, o regime definido através do diploma regulamentar encontra-se justificado, no respectivo preâmbulo, pela “necessidade de observar as normas e demais actos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais, nomeadamente as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013 e o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, que aprovou o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de junho de 2014”, sendo em atenção ao direito europeu que “são também definidos na portaria os sectores de actividade excluídos da concessão de benefícios fiscais”.

Constata-se, deste modo, que, embora sector das telecomunicações seja elegível, em abstracto, para o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), a portaria de execução não definiu um CAE correspondente a essa área de actividade.

Mas não pode daí concluir-se, necessariamente, que a Portaria derrogou o regime jurídico estatuído pelo artigo 2.º, n.º 2, do CFI e invadiu a esfera da competência do poder legislativo.

Como se observou no acórdão proferido no Processo n.º 545/2018-T, que incidiu sobre o mesmo tema, importa ter presente que o elenco de actividades constante daquele preceito legal não é exaustivo, visto que se limita a enunciar o conjunto de actividades económicas abrangidas pelos projectos de investimento a título meramente exemplificativo. E, por outro lado, a elegibilidade dos projectos fica dependente, em concreto, da especificação dos códigos de actividade económica (CAE), que o legislador remeteu para diploma regulamentar, especificação essa que, além disso, haverá de ter em conta as orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020 (OAR) e Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC).

Neste sentido, a norma do artigo 2.º, n.º 2, do CFI tem a natureza de um reenvio normativo, remetendo para regulamento a definição de aspectos complementares de regulação que não poderiam ser densificados no texto da lei.

Sublinhe-se, a este respeito, que o artigo 112.º, n.º 5, da Constituição não proíbe os reenvios normativos, admitindo que a lei remeta para a administração a edição de normas regulamentares executivas ou complementares da disciplina por ele estabelecida. O que o preceito constitucional veio a proibir, em geral, na revisão da Lei Fundamental de 1982, são as habilitações legais para a emissão, em matéria inicialmente regulada por lei, de regulamentos administrativos praeter legem, ou seja, de regulamentos que venham a “interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar” quaisquer preceitos da própria lei habilitante (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 398/2008).

A intervenção regulamentar visa, assim, regular aquilo que a lei se absteve de regular e não integrar a regulamentação legislativa, pelo que o poder exercido pela Administração não corresponde a uma delegação do poder legislativo feito pela norma habilitante mas constitui um poder regulamentar próprio, daí resultando que o reenvio tem natureza meramente formal: a lei reenviante não incorpora o conteúdo da norma regulamentar nem lhe pode atribuir força legal, mantendo as normas a sua diferente natureza e hierarquia, que obsta a que se possa falar em integração (cfr., sobre todos estes aspectos, GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª edição, Coimbra, págs. 70-81).

Não ocorre, por conseguinte, um qualquer fenómeno de deslegalização, visto que a lei não habilita a administração a emitir uma regulação primária e inovatória, mas apenas uma regulação meramente executiva ou complementar.

Nestes termos, não se verifica a alegada inconstitucionalidade por violação do princípio da legalidade fiscal, da reserva legislativa da Assembleia da República em matéria de impostos, e do princípio da proibição de actos não legislativos de interpretação e integração das leis.

 

7. A Requerente defende, ainda, que o RGIC e as OAR não excluem a actividade de telecomunicações do regime jurídico nacional de incentivos fiscais ao investimento, nomeadamente no que concerne ao concreto investimento realizado pela Requerente em activos para a expansão da rede fixa e da rede móvel.

 

E, tendo sido objectivo do legislador que aprovou o CIF assegurar a conformidade com as disposições europeias em matéria de auxílios de Estado para o período 2014-2020 - nomeadamente, com as disposições constantes do Regulamento Geral de Isenção por Categoria e as regras previstas no mapa nacional de auxílios estatais com finalidade regional -, haverá de entender-se que o artigo 2.º, n.º 2, alínea g), desse diploma, ao incluir o sector das telecomunicações no âmbito de aplicação dos benefícios fiscais, teve em vista adaptar o regime nacional ao Direito Europeu.

 

E, desse modo, a exclusão do sector das telecomunicações dos benefícios fiscais, com base em diploma regulamentar que omite a referência a essa actividade, viola o princípio da interpretação conforme ao direito europeu.

 

Vejamos, então.

 

Estando em causa uma eventual violação do princípio da interpretação conforme ao direito europeu, importa esclarecer – retomando o acórdão n.º 545/2018-T – que o estabelecimento das regras de concorrência necessárias ao funcionamento do mercado interno integra a reserva de competência exclusiva da União Europeia, aí se incluindo as normas que disciplinam os auxílios de Estado, concretizadas nos artigos 107.º a 109.º do TFUE.

 

Em matéria de competência exclusiva, só a União Europeia pode legislar e adoptar atos juridicamente vinculativos, cabendo aos Estados-Membros produzir a legislação e regulamentação nacional em execução das normas europeias, em aplicação do princípio do primado do direito europeu. É neste contexto institucional e normativo que devem ser interpretados e aplicados o CFI e a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro.

 

Na medida em que dizem respeito à matéria europeia dos auxílios de Estado, o CFI (e a regulação que dele consta do RFAI) e a Portaria n.º 282/2014 devem ser entendidos como instrumentos de execução, efetivação e aplicação dos princípios e regras contidos nos artigos 107.º a 109.º do TFUE, no RGIC e nas OAR, e, nesse sentido, a Portaria não pode ser tida como um mero regulamento de complementação do n.º 2 do art.º 2.º do CFI, mas como um diploma de execução de disposições de direito europeu.

 

Reportando-nos ao direito europeu, o ponto de partida em matéria de auxílios de Estado centra-se no artigo 107.º do TFUE, que, na parte que interessa considerar, dispõe o seguinte:

 

“1. Salvo disposição em contrário dos Tratados, são incompatíveis com o mercado interno, na medida em que afetem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.

(…)

3. Podem ser considerados compatíveis com o mercado interno:

a) Os auxílios destinados a promover o desenvolvimento económico de regiões em que o nível de vida seja anormalmente baixo ou em que exista grave situação de subemprego, bem como o desenvolvimento das regiões referidas no artigo 349.º, tendo em conta a sua situação estrutural, económica e social;

(…)

c) Os auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas actividades ou regiões económicas, quando não alterem as condições das trocas comerciais de maneira que contrariem o interesse comum;"

 

Estabelece-se, assim, uma regra geral de incompatibilidade dos auxílios com o direito da União Europeia, que apenas pode ceder em situações particulares e, designadamente, quando se tenha em vista, dentro de certo condicionalismo, o desenvolvimento de certas actividades ou regiões económicas.

 

É nesse domínio que surgem as “Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (OAR)”, publicadas pela Comissão Europeia, em que se estabelecem, a título introdutório, as diretrizes essenciais de plano conceptual.

 

Com base no artigo 107.º, n.º 3, alíneas a) e c), do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), a Comissão pode considerar compatíveis com o mercado interno os auxílios estatais destinados a facilitar o desenvolvimento económico de certas regiões desfavorecidas da União Europeia, designando-se estes auxílios como auxílios com finalidade regional (ponto 1.).

 

O objectivo primordial do controlo dos auxílios estatais no domínio dos auxílios com finalidade regional consiste em autorizar os auxílios a favor do desenvolvimento regional, garantindo simultaneamente a igualdade das condições de concorrência entre os Estados-Membros (ponto 2.)

 

Os auxílios com finalidade regional só podem desempenhar um papel eficaz se forem empregues com parcimónia e de forma proporcionada e se concentrarem nas regiões mais desfavorecidas da União Europeia (ponto 5.).

 

Referindo-se ao âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional, as OAR fazem menção aos auxílios ao investimento a redes de banda larga, estipulando que  “podem ser considerados compatíveis com o mercado interno se, para além das condições gerais estabelecidas nas presentes orientações, respeitarem também as seguintes condições específicas: i) os auxílios são concedidos apenas a regiões onde não existem redes da mesma categoria (quer de banda larga de base quer NGA) e onde nenhuma é suscetível de ser desenvolvida no futuro próximo; ii) o operador de rede subvencionado oferece acesso ativo e passivo por grosso em condições equitativas e não-discriminatórias com a possibilidade de desagregação eficaz e total; iii) os auxílios devem ser atribuídos com base num processo de seleção concorrencial em conformidade com o ponto 78, alíneas c) e d), das Orientações relativas a redes de banda larga” (ponto 12).

 

Também o Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC), no seu artigo 52.º, contempla os auxílios a infraestruturas de banda larga, estatuindo, na parte que mais releva, o seguinte:

 

"1. Os auxílios ao investimento a favor do desenvolvimento de redes de banda larga devem ser compatíveis com o mercado interno, na aceção do artigo 107.º, n.º 3, do Tratado, e devem ser isentos da obrigação de notificação prevista no artigo 108.º, n.º 3, do Tratado, desde que preencham as condições estabelecidas no presente artigo e no capítulo I.

2. Os custos elegíveis devem ser os seguintes:

a) Custos de investimento para a instalação de uma infraestrutura de banda larga passiva;

b) Custos de investimento em obras de engenharia civil relacionadas com a banda larga;

c) Custos de investimento para a instalação de redes de banda larga básica; e

d) Custos de investimento para a instalação de redes de acesso da nova geração («NGA»).

3. O investimento deve estar localizado em zonas onde não existam infraestruturas da mesma categoria (redes de banda larga básica ou redes NGA), nem seja provável que esse tipo de infraestrutura venha a ser desenvolvido em condições comerciais no prazo de três anos a contar do momento da publicação da medida de auxílio planeada, o que deve igualmente ser objeto de verificação através de uma consulta pública aberta."

               

                Como se impõe concluir, os auxílios estatais assumem carácter de excepcionalidade e, quando se considerem compatíveis com o direito europeu, carecem de ser aplicados limitadamente.

 

Conclui-se, com efeito, que os instrumentos de direito europeu não se referem genericamente a auxílios ao investimento no sector das telecomunicações, mas tão somente a auxílios a infraestruturas de banda larga; e, ainda que estas infraestruturas possam considerar-se abrangidas no conceito amplo de telecomunicações, o certo é que já não se podem enquadrar nesse tipo de auxílios, pelo seu carácter mais restrito, os investimentos para expansão da rede fixa e da rede móvel.

 

Ora, a argumentação da Requerente assenta na ideia central de que não decorre do RGIC a exclusão das actividades de telecomunicações do regime jurídico nacional de incentivos fiscais ao investimento, nomeadamente no que concerne ao investimento realizado em activos para a expansão da rede fixa e da rede móvel. Por outro lado, o CFI teria pretendido adaptar o direito interno às disposições europeias em matéria de auxílios de Estado, incluindo no âmbito de aplicação dos benefícios fiscais ao investimento o sector das telecomunicações, o que tornaria inaceitável à luz do princípio da interpretação conforme o direito europeu a derrogação operada pela Portaria 284/2014.

 

Como é sabido, o princípio da interpretação conforme implica que o intérprete e o aplicador do direito, internamente, deverá, quando tenha de aplicar apenas o direito nacional, atribuir-lhe uma interpretação que se apresente conforme com o sentido, economia e termos das normas europeias (cfr. acórdão do STJ n.º 3/2004, de 25 de Março de 2004). 

 

Ora, os Estados membros não estão vinculados a atribuir, em todos os casos, os auxílios estatais que sejam declarados como compatíveis com o direito da União Europeia e a Portaria para que a lei remeteu a definição dos códigos de actividade económica poderia selecionar, no interesse geral, determinadas actividades em detrimento de outras, ainda que estas se encontrassem também incluídas no âmbito objectivo de aplicação dos benefícios fiscais. 

 

E, como ficou dito, o sector das telecomunicações nem sequer consta dos auxílios estatais a que fazem referência o Regulamento Geral de Isenção por Categoria e as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional.

 

É dentro deste enquadramento que se pode concluir que, por efeito do reenvio normativo efectuado pelo artigo 2.º, n.º 3, do CFI, a administração poderia desconsiderar qualquer dos códigos de actividade económica do sector das telecomunicações, no uso do seu poder regulamentar, sem com isto pôr em causa a aplicação do direito europeu.

 

Neste contexto, não é possível efectuar uma qualquer interpretação conforme que permita considerar como elegível o investimento realizado pela Requerente, nem tão-pouco ocorreu uma qualquer derrogação de norma legal, mas antes a regulamentação de norma legal que era em si mesmo inexequível, no ponto em que estava dependente da definição dos concretos códigos de actividade económica que deviam ficar abrangidos pelo benefício fiscal.

 

O pedido arbitral é assim improcedente, ficando necessariamente prejudicado o pedido de condenação em juros indemnizatórios.

 

 

III – Decisão

Termos em que se decide julgar improcedente o pedido arbitral.

 

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 2.634.220,06, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Notifique.

 

Lisboa, 19 de Dezembro de 2019

  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

João Taborda da Gama, vencido nos termos da declaração que junta.

 

O Árbitro vogal

Gustavo Courinha

 

 

 

Declaração de Voto

 

 

Votei vencido o presente acórdão pelas razões que de modo muito sucinto passo a explicitar, o que se justifica até pela linearidade da questão de Direito em causa.

 

Entendo que tendo em conta o princípio da legalidade fiscal, previsto no artigo 103.º e 165, n.º 1, al. I) da Constituição da República Portuguesa, prevendo um Decreto-Lei autorizado – o Decreto-Lei n.º 162/2014 – que um determinado benefício fiscal – o RFAI – é a aplicável aos sujeitos passivos – a requerente – que exerçam atividade num setor específico – as telecomunicações – não pode a Administração fiscal deixar de reconhecer a aplicação do dito benefício fiscal a empresas desse setor que cumpram os requisitos de acesso ao benefício, sob pena de ilegalidade da decisão.

 

O facto de uma portaria não referir um setor que a lei expressamente prevê como elegível para o benefício é juridicamente irrelevante. Como é natural, não pode uma portaria – independentemente de qualquer qualificação jurídico-pedagógica que se lhe dê – excluir um setor de atividade que o legislador fiscal soberano expressamente decidiu dever ser beneficiado e não alterou a sua decisão através de um procedimento legislativo de igual valor (lei ou decreto-lei autorizado). Ao fazê-lo está a derrogar a lei numa matéria central da tipicidade tributária – o que nem mesmo as posições doutrinárias mais flexíveis sobre a teoria da legalidade tributária admitem.

 

Havendo a suspeita de que uma lei fiscal não respeita o Direito Europeu – o que na minha opinião está aqui longe de se ter demonstrado – não cabe nunca a uma portaria corrigir a lei, pois não há qualquer arrimo metodológico para essa operação que, de resto, arvoraria o poder regulamentar em poder de fiscalização corretiva geral e abstrata da lei. Louvo-me nesta matéria naquilo que se pode ler no parecer da Professora, hoje Conselheira do Supremo Tribunal Administrativo, Doutora Suzana Tavares da Silva, junto aos autos.

 

A tese que fez vencimento no presente acórdão, ao afirmar que “a Portaria para que a lei remeteu a definição dos códigos de actividade económica poderia selecionar, no interesse geral, determinadas actividades em detrimento de outras, ainda que estas se encontrassem também incluídas no âmbito objectivo de aplicação dos benefícios fiscais”, abre a porta para que, em qualquer matéria de benefício fiscal, ou mesmo de incidência tributária, o poder administrativo possa escolher o que cai dentro ou fora de uma norma por mera portaria, o que não se pode tolerar.

 

(João Taborda da Gama)