Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 494/2017-T
Data da decisão: 2018-06-27  IVA  
Valor do pedido: € 109.300,75
Tema: IVA - Caducidade do direito à liquidação.
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DECISÃO ARBITRAL

 

1. RELATÓRIO

 

1.1       A... FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO, com domicílio na Rua ..., n.º ..., ...-... Lisboa, com o número de identificação fiscal ..., representado legalmente pela B... – SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO, S.A., veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), requerer a constituição de tribunal arbitral.

 

1.2       É Requerida nos autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

 

1.3       O Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou os ora signatários para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, disso notificando as partes, e o Tribunal foi constituído a 28 de novembro de 2017.

 

1.4       O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto liquidações adicionais de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.º..., n.º..., n.º ... e n.º..., todas de 6.05.2017, respeitantes, respetivamente, aos períodos de 1203T, 1206T, 1209T e 1212T, das quais resulta a desconsideração do excesso de imposto a reportar para o período seguinte, no montante total de € 94.815,33, nas demonstrações de liquidações de juros n.º 2017..., n.º 2017..., n.º 2017..., n.º 2017..., n.º 2017... e n.º 2017..., referentes aos períodos de abril a setembro de 2014, e correspondentes demonstrações de acerto de contas, liquidações que estão melhor identificados no pedido do Requerente e nos documentos a ele juntos, para os quais aqui se remete.

 

Subjacente à emissão daqueles atos tributários está a ação inspetiva desencadeada pela Direção de Finanças de Lisboa, ao IVA do ano de 2012, no âmbito da qual se considerou que não é devido, na totalidade, o crédito de imposto constante da declaração periódica do período de 201203T, em concreto o montante de € 84.458,21, proveniente de dedução no período de 201012T, pretensamente indevida – dos quais € 33.740,08 relativos a alegada dedução para além do prazo legal de dois anos e € 50.718,13 correspondentes a imposto alegadamente não dedutível em função do método de afetação real utilizado pelo Requerente –, e que nos períodos de 201206T, 201209T e 201212T não se procedeu à liquidação de IVA devido sobre cauções recebidas com referência a contratos de arrendamento, no montante total de € 10.357,12, o que o Requerente apresenta como justificação legal da cumulação de pedidos.

 

O requerente pugna pela ilegalidade daquelas liquidações adicionais porque, entende, se está em face de prestação de garantias especiais do cumprimento das obrigações decorrentes de contratos, neste caso, de arrendamento, sujeitas ao regime do disposto nos artigos 623.º e seguintes do Código Civil, que não configuram prestações de serviços para efeitos de IVA, tendo em conta que as quantias entregues têm carácter de contraprestação, visando remunerar o prestador pelo serviço realizado, motivo pelo qual não estão sujeitas a IVA.

 

Mais alega, sem conceder, que ainda que se entendesse que a prestação de caução constitui uma prestação de serviços para efeitos de IVA, sempre  beneficiaria da isenção de imposto estabelecida na alínea b) do n.º 27.º do artigo 9.º do Código do IVA (CIVA) e que embora as operações compreendidas pela norma de isenção em apreço se tratem de típicas atividades financeiras, usualmente realizadas por Bancos e outras instituições financeiras, é inequívoco que a isenção se aplica em função dos serviços prestados e não dos sujeitos que os prestam.

 

Já quanto às correções ao IVA deduzido, no valor de € 84.458,21, o Requerente alega em primeiro lugar a caducidade do direito à liquidação, nos termos do artigo 94.º , número 1, do CIVA e 45.º, n.º 1  e 4 da Lei Geral Tributária (LGT), entendendo que prazo de caducidade do direito à liquidação aplicável ao IVA será, assim, de quatro anos, contados do início do ano civil subsequente àquele em que o imposto se tornou exigível e que no que respeita à exigibilidade, a regra geral, consagrada no artigo 63.º da Diretiva do IVA e no artigo 7.º do CIVA, é a de que o imposto se torna exigível no momento em que é efetuada uma transmissão de bens ou prestação de serviços, mas que o artigo 66.º da Diretiva do IVA e o artigo 8.º do CIVA acrescentam, no entanto, em derrogação da referida regra, que sempre que a transmissão de bens ou prestação de serviços dê lugar à obrigação de emissão de uma fatura, o imposto torna-se exigível no momento da sua emissão ou, se o respetivo prazo de emissão não for respeitado, no momento em que termina ou ainda no momento do recebimento do pagamento, se anterior à emissão da fatura. 

Por conseguinte, alega, estando em questão imposto deduzido no ano de 2010, o prazo de caducidade iniciou a sua contagem em 1.01.2011 e terminou em 1.01.2015 ou, no limite, tendo presente que estamos perante correções ao IVA deduzido na declaração periódica referente ao período de 201012T, apresentada dentro do respetivo prazo legal, cujo termo ocorreu em 15.02.2011, o direito à liquidação caducou em 16.02.2015, pelo que à data da notificação das liquidações em crise, em maio de 2017, há muito que o direito à liquidação do imposto havido caducado.

 

Alega ainda que sempre seria ilegal a correção ao IVA deduzido, no montante de € 33.740,08, porquanto, contrariamente ao alegado pelos serviços de inspeção tributária, a dedução do imposto em causa foi efetuada no respetivo prazo legal, qual seja, o prazo geral de quatro anos estabelecido no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, e que, sustenta, resulta evidente que a dedução, no período de 201012T, do IVA suportado em 2007 não configura qualquer erro e menos ainda um erro material ou de cálculo, tal como configurado no n.º 6 do artigo 78.º do CIVA, já que as faturas emitidas ao Requerente no ano de 2007 não revelam qualquer inexatidão, tendo as mesmas sido emitidas em consonância com o disposto no artigo 36.º do CIVA, que o Requerente também não incorreu em qualquer erro no registo das faturas de suporte aos inputs cuja dedução se questiona, tendo as mesmas sido corretamente registadas na sua contabilidade e que tão-pouco incorreu em qualquer erro na transcrição do valor do imposto suportado para as declarações periódicas, pelo que podia, como fez, ter exercido o seu direito à dedução no prazo geral de 4 anos.

 

Acresce que, defende, ainda com respeito à correção ao IVA deduzido no montante de € 33.740,08, sempre esta seria ilegal por violação do direito comunitário, concretamente do artigo 168.º, alínea a), da Diretiva do IVA

 

Conclui peticionando declaração de ilegalidade das liquidações e a correspondente anulação, bem como o reembolso das quantias por pagas em consequência de tais liquidações ilegais, acrescidas de juros indemnizatórios.

 

1.5       A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA apresentou a sua resposta a 17 de janeiro de 2018 e um dia antes juntara aos autos o processo administrativo.

 

Defendeu-se por impugnação, dando por reproduzida a factualidade e a fundamentação de direito constante do processo administrativo, salientando, relativamente à correção ao IVA liquidado – € 103 357,12, que, como é referido no capítulo II do RIT, as operações económicas designadas por “cauções”, nos termos dos contratos de locação, encontram-se sujeitas a IVA e estão localizadas no território nacional (artigo 6.º n.º 8 al. a) do CIVA) e que tratando-se de um recebimento antecipado, verifica-se a existência de IVA em falta, no montante de € 10.357,12. Considera que a referência feita pelo Requerente à isenção prevista na sub alínea b) da alínea 27) do art.º 9.º do CIVA também não tem aqui aplicação, na medida que o que ali é isentado é o montante recebido pelo serviço de prestação de garantia, e não um montante disponibilizado a esse título, que se considere nos termos já referidos como pagamento antecipado.

 

Quanto às correções ao IVA deduzido no montante de € 84.458,21, alega que o direito à dedução não pode ser exercido, sem mais, nos quatro anos subsequentes à existência de tal direito e que, no que à caducidade do direito à liquidação respeita, contrariamente ao defendido pelo Requerente, a contagem do prazo de caducidade obedece ao previsto no n.º 3 do art.º 45.º da LGT, pelo que a AT não estava limitada pelo prazo de caducidade do direito à liquidação de 4 anos, podendo efetuar correções às declarações relativas ao período em relação ao qual é utilizado o crédito de imposto, que no caso foi acumulado até ao período 201203T.

 

Relativamente aos € 33.740,08 de imposto suportado em 2007, entende o Requerente que se trata de uma dedução e não de uma regularização de imposto a seu favor, mas considera a Requerida que, tendo o imposto sido contabilizado como dedutível e não tendo esse direito sido exercido (realce-se que a dedução não é obrigatória), o facto de vir a incluir tal imposto na declaração periódica mais de 2 anos após o nascimento do direito à dedução consubstancia uma regularização a favor do sujeito passivo, que na declaração do período, ou do período seguinte ao nascimento de tal direito optou por não o exercer, mas que, ainda que se trate de uma dedução e não de uma regularização, o que não concede, sempre se dirá, que tal dedução deveria ter sido efetuada no período ou no período seguinte ao nascimento de tal direito.

 

Conclui pugnando pela improcedência de todos os pedidos, incluindo o relativo a juros indemnizatórios, ressalvando, quanto a este último, que mesmo que os primeiros procedessem, jamais haveria lugar a juros indemnizatórios por não haver, no seu entender, erro imputável aos serviços que os justifique.

 

1.6       Notificadas da intenção do Tribunal em dispensar a reunião do tribunal arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, as partes não vieram opor-se.

 

1.7       A 02 de Fevereiro de 2018 veio o Requerente apresentar as suas alegações, reiterando as posições já vertidas ao pedido de constituição de Tribunal Arbitral e mais alegando que o que se invoca na contestação da Requerida em nada altera o acima exposto. Designadamente, quanto à natureza da caução, que é desprovida de sentido a afirmação contida na resposta da AT que o que se tributa na caução é o montante recebido pelo preço da prestação da garantia e que, com referência à caducidade do direito à liquidação, que de facto, entende alguma doutrina que a regra especial constante do n.º 4 do artigo 45.º da LGT, referente ao IVA, apenas se aplica às correções efetuadas pela administração tributária ao IVA liquidado, aplicando-se às correções ao IVA deduzido a norma do n.º 3 da referida disposição legal, cuja consequência seria a de fazer com que o prazo de caducidade de quatro anos se contasse a partir do momento do exercício do direito à dedução do imposto [momento em que o direito se torna conhecido da administração tributária], ainda que aquele se tenha constituído em momento anterior, o que significaria que, aplicando a referida doutrina ao caso concreto e tendo presente que estamos perante correções ao IVA deduzido na declaração periódica referente ao período de 201012T, apresentada dentro do respetivo prazo legal, cujo termo ocorreu em 15.02.2011, o direito à liquidação caducou, no limite, em 16.02.2015, sendo que não se pode dizer, como a Requerida, que o momento relevante para a contagem inicial do prazo de caducidade é o da utilização do crédito de imposto deduzido em momento anterior, porquanto tal interpretação não tem qualquer cabimento na letra do n.º 3 do artigo 45.º da LGT, não se coadunando ainda com a ratio legis da norma, qual seja, o de iniciar a contagem do prazo no momento do conhecimento do direito do sujeito passivo pela administração tributária. Significa isto que, mesmo adotando a tese acima exposta, se conclui, de igual modo, pela ilegalidade das liquidações contestadas, porque notificadas após o decurso do prazo de caducidade consagrado no artigo 45.º da LGT.

 

Finalmente, quanto à alegada inadmissibilidade do direito à dedução do imposto no prazo de quatro anos, reitera que sempre seria ilegal a correção ao IVA deduzido porquanto, contrariamente ao alegado pelos serviços de inspeção tributária, a dedução do imposto em causa foi efetuada no respetivo prazo legal, qual seja, o prazo geral de quatro anos estabelecido no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, e que situação em apreço não configura qualquer regularização de imposto, motivo pelo qual não lhe é aplicável o prazo especial de dois anos estabelecido no n.º 6 do artigo 78.º do CIVA.

 

1.8       A Requerida apresentou as suas alegações 15 de fevereiro de 2018, nas quais mantém integralmente o teor da sua Resposta oportunamente apresentada, reiterando a argumentação lá aduzida.

 

1.9       O Tribunal proferiu a 15 de fevereiro despacho convidando as partes a enviarem os seus articulados em formato editável, ao abrigo do princípio de cooperação com o Tribunal do artigo 130.º do Código de Processo Civil (CPC) e, a 30 de abril de 2018, a prorrogar o prazo previsto para a decisão arbitral.

 

1.10     A 30 de abril de 2018 o Requerente veio juntar aos autos o comprovativo do pagamento da taxa de justiça subsequente.

 

 

2. SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e   encontram-se regularmente representadas.

 

O processo não sofre de quaisquer vícios que o invalidem.

 

 

3. MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevância para a decisão de mérito, o Tribunal considera provada a seguinte factualidade:

 

  1. O Requerente é um fundo de investimento imobiliário fechado de subscrição particular que se dirige fundamentalmente a investimentos associados a projetos de reabilitação e recuperação urbana destinados a comércio, habitação e escritórios, nomeadamente, através da aquisição de imóveis degradados e/ou com elevado grau de obsolescência, suscetíveis de serem reconvertidos ou de alterarem o seu uso.

 

  1. Até 2012 a atividade do Requerente em sede de IVA consistiu fundamentalmente em operações económicas relativas a dois imóveis por si adquiridos:

(i) construção e exploração, através da atividade de arrendamento, do imóvel sito na ..., n.º..., em Lisboa; e

(ii) aquisição de serviços de construção referentes ao imóvel sito na Rua..., n.º..., em Lisboa;

 

  1. Para efeitos de IVA, no ano de 2012 o Requerente encontrava-se enquadrado no regime normal com periodicidade trimestral;

 

  1.  O Requerente pratica, por um lado, operações sujeitas a IVA e dele não isentas e, por outro, operações sujeitas a imposto, mas dele isentas, apurando o IVA dedutível através do método da afetação real de todos os bens e serviços;

 

  1. Foi promovida pelos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças de Lisboa uma ação de inspeção externa de âmbito parcial ao ano de 2012, sob a ordem de serviço n.º OI2016..., com vista à análise do reporte do IVA existente no período de 201212T, o qual persistia desde o período de 201012T e ascendia a € 503.362,14;

 

  1. Na sequência da referida ação inspetiva foram realizadas correções em sede de IVA, no montante total de € 94.815,33, correspondendo € 10.357,12 a imposto não liquidado, alegadamente em falta, e € 84.458,21 a imposto deduzido indevidamente, no entendimento dos serviços de inspeção tributária;

 

  1. A correção de € 10 357,12 é referente ao imposto que deveria ter sido liquidado, e não o foi, sobre o valor de três cauções prestadas em contratos de arrendamento celebrados em 2012 (2º, 3º e 4º trimestres) que, no entendimento da AT, constituem operações tributáveis;

 

  1. A correção ao IVA deduzido, no valor total de € 84.458,21, respeita a imposto deduzido no período de 201012T, no qual se apurou um crédito de imposto ascendente a € 626.400,89, que foi sendo acumulado até ao período de 201112, tendo sido utilizado a partir do período de 201203T;

 

  1. Na sequência das correções efetuadas o Requerente foi notificado, em maio de 2017, dos atos tributários em crise, dos quais resulta a desconsideração do crédito de imposto a reportar para os períodos seguintes, no montante total de € 94.815,33, o que deu origem a imposto a pagar naquele valor nos períodos de abril a setembro de 2014, apurando-se ainda juros moratórios no valor total de € 13.727,08;

 

  1. Em consequência, o Requerente foi citado para os processos de execução fiscal números ...2017..., ...2017..., ...2017..., ...2017... e ...2017... e ...2017..., relativos aos referidos períodos de abril a setembro de 2014, instaurados para cobrança coerciva do montante total de € 94.815,33;

 

  1. A 16 de junho de 2017 o Requerente procedeu ao pagamento do imposto no âmbito dos identificados processos de execução fiscal, e em 11 de julho de 2017, dos correspondentes juros de mora;

 

  1. Por não se conformar com os atos tributários em crise, em 1.09.2017 o Requerente requereu a constituição do tribunal arbitral.

 

Factos não provados

 

Não foram alegados pelas partes quaisquer outros factos com relevo para a apreciação do mérito da causa, que não se tenham provado.

 

Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto

 

A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se nas alegações do Requerente e da Requerida não contraditadas pela parte contrária, sustentadas na prova documental junta quer pelo Requerente quer pela Requerida, cuja autenticidade e correspondência à realidade também não foram questionadas.

 

 

4. MATÉRIA DE DIREITO - QUESTÕES DECIDENDAS

 

Vêm colocadas para apreciação do Tribunal essencialmente duas questões relacionadas com as liquidações realizadas em resultado do exame de inspeção ao IVA do exercício de 2012, notificadas em maio de 2017, e que constituem o objeto do pedido arbitral, requerendo-se também a condenação da AT no reembolso das importâncias já pagas, acrescidas do pagamento de juros indemnizatórios por se verificar erro dos serviços nas liquidações impugnadas.

A primeira diz respeito ao IVA que a AT diz ser devido pelas operações tributáveis em função de prestação de garantia em contrato de arrendamento, que a impugnante não liquidou, e a segunda refere-se ao exercício indevido e extemporâneo do direito à dedução de créditos de imposto que foram deduzidos em declarações periódicas referentes ao ano de 2012.

Para a primeira correção, no valor de € 10 357,12, o impugnante invoca a ilegalidade por vício de violação de lei, dado que em seu entender se trata de operações de prestação de caução e as mesmas não são objeto de tributação em sede de IVA por não assumirem a natureza de prestação de serviços prevista no artigo 4.º do CIVA. Reforça a sua tese argumentativa com o entendimento de que, ainda que assim se não entendesse, sempre a operação beneficiaria da isenção estabelecida na norma da alínea b) do nº 27, do artigo 9º do CIVA.

Como causa de pedir na segunda correção no montante de 84 458,21€, o Requerente alega a caducidade do direito à liquidação de todo o montante das liquidações correspondentes a esse valor efetuadas pela AT com base na ação de inspeção, pois ocorreram para além do prazo de quatro anos estabelecido nos artigos 94º nº 1 do CIVA e 45º da LGT, assacando ainda outras ilegalidade mais concretas às liquidações na parte respeitante ao montante de € 33 780,08, por a inadmissibilidade do direito à dedução alegada pela AT ser contrária às disposições do CIVA, e também por violação do direito e jurisprudência comunitários, em especial do artigo 168º, alínea a) da Diretiva do IVA.

Pede a anulação subsequente dos juros compensatórios liquidados conjuntamente com o imposto posto em crise no presente processo arbitral.

 

Vejamos a primeira parte do pedido arbitral.

 

1- Da matéria dada como provada resulta que a Requerente recebeu em 2012 de três clientes identificados nos autos, pela celebração de contratos de arrendamento, um determinado valor a título de caução, sobre o qual não efetuou qualquer liquidação de IVA, mas cujo somatório ascenderia a € 10 375,12, por, em seu entender, não haver lugar à incidência segundo as regras dos artigos  1º, nº 1 e 2º, do CIVA, já que as partes convencionaram a entrega das aludidas quantias a título de caução enquanto garantia do cumprimento das obrigações emergentes do contrato, pelo que se estava perante a prestação de garantias das obrigações decorrentes dos contratos em causa, sob a forma de caução, a coberto do regime do artigo 623º do Código Civil.

O clausulado de ambos os contratos de arrendamento a que se referem os autos relativamente às arrendatárias C..., D..., SA e E..., Lda, cujas cópias foram juntas pela Requerente, estabelece na Cláusula 10ª que “ Para garantir o cumprimento pela segunda outorgante das obrigações para si emergentes do presente contrato, e sem prejuízo da sua própria responsabilidade nos termos da lei e do contrato, a segunda contratante entrega na presente data o valor de ….a título de caução, pelo qual o Fundo A... dá quitação”. Nada mais consta no contrato sobre esta questão.

Independentemente da natureza jurídica da caução prestada, está provado documentalmente que a entrega de determinadas importâncias foi feita a título de garantia do cumprimento das obrigações emergentes do contrato e o que não está provado é que a prestação de garantia no caso em apreço tenha algum caráter remuneratório determinado ou indeterminado, apesar de o contrato não estabelecer qual o destino do valor entregue pelo arrendatário no final do período contratual. Ainda assim, portanto, resulta expressamente da vontade das partes que a garantia se destina a garantir o cumprimento das obrigações emergentes do contrato. O Acórdão nº 459/07, de 19/09/20017, do STA, invocado pela Requerida em sentido contrário, trata de uma situação em que as partes não esclareceram devidamente a sua vontade e que por isso a entrega de quantias pecuniárias foi classificada como antecipação de pagamento das rendas, e isto é coisa diferente da situação de facto apresentada pelo Requerente. Aqui as partes manifestaram a sua vontade quanto à entrega daquelas quantias. Para que a prestação de garantia não seja classificada como pagamento de uma contraprestação tributada, o que a lei determina é que as partes confiram ao ato uma fórmula geral de garantia das obrigações. Isto mesmo já previa a Informação nº 1152 do SIVA, sancionada por Despacho do Subdiretor-Geral, de 24/01/91, quando diz que “… no caso de quantias a título de caução pelo próprio caucionado, como garantia do cumprimento de obrigações, tendo o mero fim da preservação dos interesses daquele a favor do qual é constituída a caução e dando-lhe um meio seguro e fácil de se ressarcir de eventuais danos, desde que a quantia entregue como caução seja restituída, nomeadamente pelo facto do cumprimento pontual das obrigações assumidas, a simples constituição dessa caução porquanto mera entrega de valores para garantia de obrigações não é suscetível de ser classificada como contrapartida de uma qualquer operação tributável, situando-se, portanto, fora do campo de aplicação do IVA...”. Por outro lado, a mesma Informação afirma que "... quando as quantias entregues a esse título sejam utilizadas/ descontadas em pagamentos contratuais serão tratadas de acordo com a operação remunerada...". A AT não prova a verificação destas condições de destino diferente do valor entregue a título de caução, indo, antes, pelo sentido contrário, que não tem apoio na lei. Deste modo, entende o Tribunal que a liquidação de € 10 375,12 enferma do vício de violação de lei, devendo, consequentemente, ser anulada por a prestação de garantia efetuada por imposição contratual não ser suscetível de ser classificada como contrapartida de uma qualquer operação tributável em sede de IVA.

Deste modo fica prejudicada a apreciação das isenções invocadas como fundamento cautelar para a procedibilidade do pedido.

 

2 - A Requerente pretende também a anulação das liquidações de IVA que totalizam o montante de € 84 458,21, referentes a 2012, e cuja liquidação lhe foi notificada em 2017, primeiramente por caducidade do direto à liquidação de todo este montante, mas ainda assim invoca que, relativamente ao montante de € 33 740,08 englobado nestas correções, se verificam ilegalidades derivadas da

i) violação de lei na admissibilidade do direito à dedução dessa importância no prazo de 4 anos de acordo com o artigo 98º nº2 do Código do IVA, e por

ii) denegação do direito à dedução com violação do artigo 168º, alínea a) da Diretiva do IVA.

A Autoridade Tributária entende, como se constata do Relatório, que os sujeitos passivos não gozam de plena liberdade quanto ao momento em que podem exercer o direito à dedução de imposto dado o regime fixado no nº 2 do artigo 98º do CIVA, pelo que o crédito de € 626 400,89 que à data da ação de inspeção foi detetado na declaração periódica de 201203T, o qual também constava já na declaração de 201112, é indevido na sua totalidade, vindo também afirmado pela AT no Relatório que esse “crédito é proveniente do IVA deduzido nas declarações periódicas de 201012T, 201102, 201108 e 201112, embora o valor do IVA deduzido seja fundamentalmente do período de 201012T, respeitava IVA suportado em 2007, 2008 e 2009 que já não podia deduzir”. 

A questão controversa, como se observa, resulta do facto de constar na declaração do período de 201203T um crédito de IVA que foi originado por deduções de imposto referentes aos anos de 2007, 2008 e 2009, efetuadas nas declarações de 2010 e 2011 acima indicadas, e que a AT considera como não dedutível por caducidade do direito à respetiva dedução na data em que o mesmo foi exercida (2010), donde, constando um crédito parcialmente indevido na declaração de 2012 referida e que só foi consumido totalmente até à declaração periódica 201409T, entendeu legítimo efetuar em 2017 uma liquidação para cobrança do valor indevidamente deduzido.

O Requerente, perante esta factualidade, pretende que o Tribunal declare ilegal a liquidação notificada, por, no seu entendimento, a liquidação ter sido notificada para além do prazo de caducidade previsto na LGT.

Portanto, temos em apreciação duas realidades interligadas: qual o prazo para o exercício do direito à dedução do imposto previsto no artigo 19º do CIVA e qual, e a partir de que facto, se conta o prazo para a liquidação por iniciativa da AT quando o exercício daquele direito tiver sido exercido para além do prazo estabelecido no artigo 22º do CIVA.

Ora, resulta provado, segundo o Relatório, que o Requerente não deduziu em 2007, 2008 e 2009, todos os valores de imposto que suportou, os quais criaram assim um direito de crédito acumulado. O Requerente apenas exerceu o direito à dedução na declaração de 201012T no que se refere a deduções daqueles exercícios imposto suportado, no valor de € 84 458,21 (valor aqui em causa), mantendo-se ainda em crédito outros valores de imposto suportado e que poderiam ser deduzidos nos termos gerais. Ou seja, só na declaração de 201012T, efetivamente, o Requerente, segundo os termos manifestos no Relatório, exerceu o direito à dedução, sendo certo que a artigo 22º, nº 2 do CIVA estabelece que “Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º, a dedução deve ser efetuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas ou de recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação.” Portanto, o exercício do direito à dedução em 2010 de imposto suportado em 2007, 2008 e 2009, é extemporâneo, como resulta da lei, interpretação, aliás, consentânea com o entendimento pacífico da jurisprudência dominante. Na verdade, como se pode ler, por exemplo, no Acórdão do STA no processo nº 966/10, de 18/05/2011, “assim, a dedução do imposto não pode ser efetuada em qualquer momento, à escolha do sujeito passivo, sendo o alcance útil das normas referidas que indicam os momentos adequados para a dedução precisamente o de excluir que esta se possa fazer em momentos diferentes, quando tal não esteja especialmente previsto…”. No caso em apreço não vislumbramos lei que aponte uma situação que não esteja legalmente prevista, pelo que a dedução do imposto suportado em 2007, 2008 e 2009, tendo em conta que nos autos nada aponta para algum facto justificativo de estarmos perante uma situação em que estivesse vedado o exercício do direito à dedução, deveria ter corrido de conformidade com o disposto no nº 2 do artigo 22º do CIVA. Nesta conformidade, verifica-se a caducidade do direito à dedução pelo que aquele imposto foi indevidamente deduzido em 2010.

Mas o que está em causa na presente ação é saber se, verificada a caducidade do direito à dedução, sendo também pacífico que a AT deve exigir o imposto indevidamente deduzido de conformidade com o artigo 87º do CIVA, o direito à liquidação por parte do Estado tem alguma limitação temporal para ser exercido e qual o respetivo regime, tendo em conta razões de segurança jurídica que informam a determinação legal de limitação do período de tempo em que tais atos podem ser praticados.

É aplicável às liquidações de IVA, como prevê o artigo 94º nº 1 do Código, o regime de caducidade de 4 anos estabelecido no artigo 45º nº 1 da LGT que refere que “O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”. Há que ter em conta igualmente os nº 3 e 4 do mesmo artigo : “3-Em caso de ter sido efetuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito; 4- O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, exceto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.

Portanto é necessário determinar qual o momento da exigibilidade do imposto tendo em conta a parte final deste nº 4. Porém o nº 3 do mesmo artigo 45º estabelece que, em caso de ter sido efetuada dedução ou crédito de imposto, a data de início do prazo de caducidade é a do exercício desse ato.

Já analisámos que a Requerente não exerceu o direito à dedução do valor de € 84 458,21 dentro do prazo em que o poderia exercer, mas exerceu-o na declaração do período de 201012T; como se refere no Relatório “assim, verifica-se que no período de 201012T, o sujeito passivo deduziu indevidamente o IVA suportado nos termos do art.º 19º, art.º 20º e art.º 23º do CIVA, no valor de 50 718,13€ e ainda deduziu 33 740,08€…”. Nessa conformidade a AT, tendo por base esta declaração que tinha em seu poder, poderia efetuar a liquidação adicional em relação ao imposto que foi deduzido quando já não o podia ser, por caducidade do respetivo direito.

A AT fundamenta a liquidação na declaração relativa ao período 201203T dado que nessa declaração ainda subsistia um crédito de € 626 400,89. Mas, ao mesmo tempo, admite que o sujeito passivo deduziu os valores impugnados na declaração periódica de 201012T.

Subsumindo as normas atrás citadas que regulam o regime da caducidade do direito à liquidação, e em especial o nº 3 do artigo 45º da LGT, constatamos que o início da contagem do prazo para a determinação dos 4 anos referidos nos casos de dedução (devida ou indevida), é o da data da declaração em que ele foi exercido. Neste caso, a declaração de 201012T terá sido apresentada dentro do prazo legal, ou seja, até ao dia 15 do segundo mês seguinte – fevereiro de 2011. A liquidação deveria ter sido notificada até ao fim de fevereiro de 2015 ou até ao final do ano de 2015 se se considerasse aplicável a parte final do disposto no nº 4 do mesmo artigo.

Assim sendo, como as liquidações foram notificadas apenas em maio de 2017, em ofensa ao que determina o nº 1 do citado artigo 45º da LGT, isto é, para além dos 4 anos previstos, nessa data, o direito de liquidação encontrava-se caducado.

Consequentemente, sendo ilegal a liquidação de imposto, é ilegal a liquidação de juros de compensatórios sobre ele incidentes e conjuntamente exigida.

Por outro lado, ainda, reconhecida a verificação da caducidade do direito à liquidação, encontra-se prejudicada, por inutilidade, a apreciação das ilegalidades apontadas à liquidação correspondente aos citados € 33 740,08.

Procede, portanto, o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações por caducidade do direito à liquidação.

 

C. A Requerente, atendendo a que efetuou o pagamento do imposto indevidamente liquidado, pretende também a condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios, por entender que se encontram verificados os pressupostos regulamentados no artigo 43º da LGT.

É pacífico que estamos perante uma anulação devida a erros de direito, pelo que estão verificados os pressupostos para a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.

 

5. DECISÃO

 

Nestes termos, e com a fundamentação supra, decide-se:

  1. Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação adicional no montante de € 10 357,12;
  2. Julgar procedente, por caducidade do direito à liquidação, o pedido de anulação das liquidações notificadas em 2017, no montante de € 84 458,21;
  3. Anular, em consequência, as liquidações de juros de mora no montante de € 13.727,08;
  4. Condenar a AT no reembolso dos valores pagos, acrescido de juros indemnizató-rios, a calcular nos termos do artigo 43º da LGT.

 

* * *

 

Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 109 300,75, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 306.º do CPC.

 

Custas

 

O montante das custas é fixado em € 3 060,00, ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, e será suportado pela Requerida, considerando o seu decaimento.

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 27 de junho de 2018

 

 

 

Os Árbitros,

 

 

 

(José Baeta de Queiroz - Presidente)

 

 

 

(José Ramos Alexandre - Adjunto)

 

 

 

(Eva Dias Costa - Adjunto)

 

 

 

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.