Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 564/2017-T
Data da decisão: 2018-07-08  IRC  
Valor do pedido: € 175.634,90
Tema: IRC – Procedimento de inspecção - Caducidade do direito à liquidação.
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Raquel Franco e Amílcar Jorge Sampaio Nunes, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 24 de Outubro de 2017, A…, S.A., NIPC …, com sede …, …, …, Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de Liquidação de IRC n.º 2017…, relativo ao exercício de 2012, no valor de €175.634,90.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, a verificação dos seguintes vícios:
    1. ilegalidade, por violar o artigo 15.º n.º do RCPIT;
    2. caducidade, por violar o artigo 45.º n.º1 da LGT;
    3. errónea quantificação da matéria colectável, por violar o artigo 18.º n.º6 do CIRC; e
    4. errónea qualificação dos factos tributários, por a situação ora em apreço não ser subsumível no artigo 45.º n.º 1 do CIRC.

 

  1. No dia 24-10-2014, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 15-12-2017, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 08-01-2018.

 

  1. No dia 09-02-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

  1. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações pela Requerida, prazo esse que foi prorrogado até ao termo do prazo a que alude o artigo 21.º/1 do RJAT.O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. A Requerente foi alvo de um procedimento de inspecção externa, ao exercício de 2012, em cumprimento da Ordem de Serviço nº. OI2016…, emitida em 02-11-2016.
  2. A referida Ordem de Serviço foi de âmbito parcial (não abrangendo nem IRC nem IVA) limitando o âmbito da acção inspectiva a aferir o cumprimento, pela Requerente, das obrigações tributárias de retenção na fonte de IRS, nos eventuais adiantamentos sobre lucros efectuados ao sócio B… .
  3. O procedimento inspectivo foi iniciado em 2016-11-30, com a assinatura da respectiva Ordem de Serviço por B…, na qualidade de administrador da sociedade ora Requerente.
  4. Em 2017-03-08, a Autoridade Tributária entendeu que devia alargar o âmbito da acção inspectiva e nessa data informou a ora requerente, nessa mesma data, do seguinte: «Altera-se a ordem de serviço que lhe foi notificada em 30-11-2016, com os seguintes fundamentos: Da análise efectuada resultou a necessidade de alargar o âmbito do procedimento inspectivo à situação tributária geral do sujeito passivo.»
  5. Entre 2017-03-08 (data a partir da qual a ação inspectiva passou a ser alargada a todos os impostos) e 2017-05-18 (data da conclusão do relatório de inspecção) a AT corrigiu a matéria colectável de IRC em € 634.480,92, o imposto do Selo em € 9.897,55 e as tributações autónomas de IRC em € 1.381,98.
  6. Entre as correcções à matéria colectável de IRC, que totalizam €634.480,92, há uma correcção, referente a «encargos de financiamentos bancários» (cfr. ponto III.1.1.1.1. do doc. 3 – a págs. 10 e 11) que ascende a €554.262,90.
  7. Do relatório de inspecção (RIT) consta, para além do mais, que:
    1. «o procedimento de inspecção … teve origem em procedimento inspectivo anterior ao período de 2013, no qual se detectou a emissão de cheque a favor de um dos accionistas, com o objectivo de averiguar do eventual adiantamento por conta de lucros»;
    2. «Face ao motivo que esteve na origem do presente procedimento inspectivo – emissão de cheque a favor de um dos accionistas no valor de €17.554.918,97, e eventual enquadramento como adiantamento por conta de lucros, face à colocação à disposição daquele montante – foram validados todos os movimentos contabilísticos registados nas contas relativas ao mesmo – contas SNC 2532 e 26101.»;
    3. a Autoridade Tributária «concluiu que o montante colocado à disposição do accionista no final do período de tributação de 2012 respeita à devolução de importâncias por si adiantadas ao sujeito passivo, e desta forma não tipificado como adiantamento por conta de lucros, e, por conseguinte, não tributável em sede de IRS»;
    4. «Em 2017-03-08 foi alargado o âmbito do presente procedimento a outros impostos, designadamente a imposto do selo, o qual foi notificado, nessa data, ao administrador do sujeito passivo anteriormente identificado, mediante a assinatura de nova ordem de serviço»;
    5. «o sujeito passivo efectua a contabilização em cada período do valor dos gastos com base em estimativas, sendo que no período seguinte, aquando da recepção dos documentos em causa e contabilização dos mesmos, compensa os valores que não foram especializados, por anulação com o valor estimado no período anterior»;
    6. «Assim, o sujeito passivo contabiliza a débito das subcontas relativas a encargos de financiamento o valor total comunicado pelas entidades, sem efectuar especialização, e contabiliza a crédito o valor estimado no período anterior e que contabilizou a débito, como forma de especialização dos encargos»;
    7. «Segundo o critério adoptado, o sujeito passivo, no período de 2012 estimou os encargos de financiamento que iria incorrer na fracção final do ano, pelo facto de as entidades só emitirem os respectivos documentos no ano seguinte, no montante de €624.473,51»;
    8. «Pelo que, face ao critério adoptado pelo sujeito passivo supra exposto, aquele montante tem de ser expurgado de gastos»;
    9. «não tendo sido emitido o respectivo documento bancário que confirme os montantes estimados e não tendo os mesmos sido anulados no período seguinte … não se considera provada a ocorrência dos mesmos. Pelo que, se conclui que aqueles gastos contabilizados a título de juros de financiamento obtidos, não estão devidamente documentados, nos termos do artigo 45.º nº1 alínea g) do CIRC…».
  8. No âmbito da prossecução do seu objecto social de «construção de prédios para venda», a ora requerente obteve financiamentos bancários, destinados a adquirir terrenos e neles construir, por conta própria, edifícios destinados a venda, em fracções autónomas, aos seus clientes.
  9. A Autoridade Tributária verificou que no ano de 2013 apenas foi registado a crédito na conta de gastos a quantia de €70.210,61 e, por esse motivo, a AT acresceu à matéria colectável de IRC a quantia de €554.262,90 (€624.473,51 - €70.210,61).
  10. Os treze empréstimos bancários que concorreram para o apuramento do valor €624.473,51, foram os seguintes:

  1. A AT entendeu que «apesar de existir evidência de que estes gastos foram transferidos para a conta SNC 361004 no final do período, os mesmos vão incorporar o custo de produção dos produtos em curso de fabrico, e consequentemente afectar o resultado apurado aquando da venda dos mesmos».
  2. Apreciados os argumentos apresentados pelo sujeito passivo em sede de audição prévia, foi o projecto de relatório convolado em definitivo.
  3. Através do ofício DF LISBOA … de 24-05-2017, com número de registo CTT RD …PT, entregue a 30-05-2017, foi o sujeito passivo notificado do relatório final, dando-se por terminado o procedimento inspectivo.
  4. A liquidação foi emitida a 01-06-2017.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

            Conforme se referiu já, suscita a Requerente as seguintes questões:

  1. ilegalidade da liquidação, por violação do artigo 15.º n.º do RCPIT;
  2. caducidade do direito à liquidação, por violação do artigo 45.º n.º 1 da LGT;
  3. errónea quantificação da matéria colectável, por violação do artigo 18.º n.º 6 do CIRC; e
  4. errónea qualificação dos factos tributários, por a situação ora em apreço não ser subsumível no artigo 45.º n.º 1 do CIRC.

Vejamos.

 

*

i.

            Começa a Requerente por alegar que “no caso em apreço, não é minimamente perceptível qual a razão por que se decidiu efectuar a extensão da inspecção a todos os impostos, quando inicialmente era necessário apurar apenas a regularidade e o cumprimento das normas de retenção na fonte de IRS.”.

            Para a Requerente, “o alargamento do âmbito da inspecção vai em sentido contrário às conclusões da AT expressas (...) no relatório de inspecção, onde se afirma que a AT concluiu que o montante colocado à disposição do accionista no final do período de tributação de 2012 respeita à devolução de importâncias por si adiantadas ao sujeito passivo, e desta forma não tipificado como adiantamento por conta de lucros, e por conseguinte não tributável em sede de IRS”.

            Considera ainda que “as conclusões resultantes da primeira fase da ação inspectiva (que ocorreu entre 30-11-2016 e 07-03-2017) constantes do relatório de inspecção, demonstram que a AT ficou plenamente elucidada acerca dos motivos que estiveram na origem da acção inspectiva e não se vislumbra qualquer motivo ou fundamento para alargar o âmbito da acção inspectiva à situação tributária geral do sujeito passivo.” pelo que “não se vislumbra um único indício que justifique a suposta «necessidade de alargar o âmbito do procedimento inspectivo à situação tributária geral do sujeito passivo».” e “impõe-se a conclusão que o despacho que decidiu a extensão do âmbito da acção inspectiva a todos os impostos, nomeadamente ao IRC, não está fundamentado.”.

Acrescenta ainda a Requerente que “ nem o despacho que notificou o alargamento do âmbito da ação inspectiva, nem o próprio relatório final da acção inspectiva alvitram qualquer fundamento, entre os previstos no artigo 27.º do RCPIT, para selecção do sujeito passivo a inspeccionar, no que concerne às matérias abrangidas pelo alargamento do âmbito da inspecção.”, pelo que “a decisão de extensão da inspecção tributária é ilegal por não estar fundamentada, violando, por esse motivo, o artigo 15.º n.º1 do RCPIT.”.

Dispõe o invocado artigo 15.º/1 do RCPIT, que:

os fins, o âmbito e a extensão do procedimento de inspecção podem ser alterados durante a sua execução mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo ser notificado à entidade inspeccionada”.

 

A regulamentação do procedimento de inspecção tributária, tem, em primeira linha, uma finalidade essencialmente organizatória (ordenatória) e, na perspectiva dos sujeitos passivos, visará essencialmente definir quais as condições em que os efeitos jurídicos próprios de tal procedimento se reflectirão, eficazmente, na sua esfera jurídica, para além de assegurar a sua participação nas decisões que venham a ser tomadas.

Relativamente a este último aspecto, ressalva-se, todavia, que, atento princípio geral da participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito, consagrado no artigo 60.º da LGT, sempre estarão os interesses juridicamente relevantes daqueles, nessa matéria, no essencial devidamente salvaguardados, independentemente da concreta regulamentação do procedimento de inspecção tributária. Acresce, ainda a este propósito, que, como princípio, o procedimento de inspecção tributária não tem, primacialmente, uma natureza decisória (daí que, por exemplo, o respectivo acto final – o relatório – não seja directamente impugnável, na medida em que não é, em si mesmo, lesivo), mas meramente preparatória ou acessória[2], pelo que a necessidade de salvaguarda da participação dos contribuintes na formação das decisões, no seu âmbito, será secundária.

Deste modo, a principal finalidade, sempre na perspectiva dos sujeitos passivos, da regulamentação do procedimento de inspeção tributária e da respectiva observação pela Administração Tributária, residirá na fixação dos condicionalismos legalmente necessários para que se reflitam eficazmente na esfera jurídica dos contribuintes, os efeitos jurídicos próprios do procedimento em questão, maxime a suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação dos tributos pela Administração, nos termos do artigo 46.º, n.º 1 da LGT, bem como a sujeição dos visados às garantias e prerrogativas da inspeção tributária (artigos 28.º e 29.º do RCPITA), e à aplicação de medidas cautelares (artigos 30.º e 31.º do RCPITA).

            Com efeito, a instauração de um procedimento inspectivo externo, gera diversos deveres de colaboração e sujeição para o contribuinte, como sejam, por exemplo, o de facultar os elementos referidos nas als. c) e d) e o de acolher a inspecção nas suas instalações nos termos descritos nas als. a) e b), todas do n.º 2 do artigo 28.º do RCPITA.

            Para além disso, um procedimento inspectivo externo, como se viu já, tem a virtualidade de suspender o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação.

Daí que, conforme referido, a normação que disciplina o procedimento de inspecção tributária tenha subjacente, em primeira linha, regular os termos em que é legítimo à Administração Tributária impor ao contribuinte os deveres, sujeições e demais efeitos desfavoráveis inerentes àquele procedimento inspectivo.

            No caso, a norma que a Requerente aponta, integra-se no regime da imposição da notificação ao contribuinte dos elementos essenciais do procedimento de inspecção tributária, prevista, em primeira linha no artigo 49.º do RCPITA, que dispõe, na redacção aplicável, que:

1 - O procedimento externo de inspecção deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário com uma antecedência mínima de cinco dias relativamente ao seu início.

2 - A notificação prevista no número anterior efectua-se por carta-aviso elaborada de acordo com o modelo aprovado pelo director-geral dos Impostos, contendo os seguintes elementos:

a) Identificação do sujeito passivo ou obrigado tributário objecto da inspecção;

b) Âmbito e extensão da inspecção a realizar.

3 - A carta-aviso conterá um anexo contendo os direitos, deveres e garantias dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários no procedimento de inspecção.”.

            É neste contexto que, fixado o âmbito do procedimento de inspecção externo nos termos transcritos, pretendendo a AT modificar o âmbito daquele, está vinculada aos termos do artigo 15.º invocado pela Requerente.

            Ora, esta normação, como se referiu, tem subjacente, essencialmente, permitir ao contribuinte conhecer o âmbito do procedimento de inspecção, de modo a determinar, devidamente, os deveres e sujeições que legalmente lhe assistem no quadro do mesmo, e produzir efeitos relativamente ao prazo de caducidade do direito à liquidação, nos termos do artigo 46.º da LGT.

            Daí que, como se referiu no Ac. do TCA-Sul de 09-03-2017, proferido no processo 05458/12, “A falta da notificação prévia prevista no art. 49.º do RCPIT não gera a anulabilidade da decisão do procedimento, degradando-se tal formalidade em mera irregularidade, sem efeitos invalidantes, se ao interessado foi dado conhecimento do procedimento e do seu objecto a tempo de nele participar e se lhe foi dada a possibilidade legal de exercer o seu direito de audição durante o procedimento inspectivo.”.

            Também no acórdão do mesmo Tribunal de 06-04-2017, proferido no processo 164/12.0BEBJA, se pode ler que:

4. A notificação que permite suspender nos termos legais (cfr.art.º46.º, nº.1, da L.G.T.) o prazo de caducidade da liquidação é o da ordem de serviço ou do despacho no início da acção de inspecção externa, a efectuar nos termos do art.º51.º, do R.C.P.I.T., sendo que a assinatura de tal ordem de serviço pode ser realizada pelo técnico oficial de contas, nos termos do nº.3 do preceito, independentemente de o sujeito passivo em causa ser uma pessoa singular ou colectiva.

5. A falta de menção dos poderes ao abrigo dos quais foram emitidas as ordens de serviço, tal como a consequente comunicação do início de procedimento de inspecção externo não gera qualquer invalidade se, não obstante a sua falta, se demonstrar que o interessado teve conhecimento do procedimento (e do respectivo objecto) a tempo de nele poder intervir. E se houver lugar a notificação para o exercício do direito de audição prévia, o vector em causa poderá ficar, desde logo, satisfeito (pese a falta de comunicação), se o interessado considerar que não tem nada a acrescentar àquilo que resultou da anterior instrução do procedimento. E não poderia ser de outro modo na medida em que as formalidades processuais são meios de garantir objectivos e não finalidades em si mesmas, assim se podendo visualizar como meras irregularidades sem efeitos invalidantes de acordo com o princípio do aproveitamento do acto administrativo.

            No mesmo sentido, havia decidido já o STA, no seu Acórdão de 29-06-2016, proferido no processo 01095/15, onde se lê que “A falta da notificação prévia prevista no art.º 49.º do RCPIT não gera a anulabilidade da decisão do procedimento, degradando-se tal formalidade em mera irregularidade, sem efeitos invalidantes, se ao interessado foi dado conhecimento do procedimento e do seu objecto a tempo de nele participar e se lhe foi dada a possibilidade legal de exercer o seu direito de audição durante o procedimento inspectivo.”.

            Ora, naturalmente que se a falta da notificação prevista no artigo 49.º do RCPITA, não gera, de per si, a invalidade do procedimento, naturalmente que as irregularidades ou deficiências de tal notificação e, consequentemente, por identidade de razão, do despacho a que alude o artigo 15.º do RCPITA, não acarretará, igualmente de per si, tal invalidade, sem prejuízo de eventuais efeitos sobre o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação (a que se aludirá de seguida), e da necessidade de assegurar o direito de participação do contribuinte.

            Acresce ainda, que mesmo que assim não fosse, tem sido entendimento jurisprudencial que as invalidades do procedimento de inspecção externa não se projectam, imediata e automaticamente, na validade do acto de liquidação[3].

            É certo que o Ac. do STA de 15-06-2016, proferido no processo 01101/05, citado pela Requerente, aponta em sentido contrário ao entendimento supra exposto. Todavia, existindo contradição entre a jurisprudência daquele alto Tribunal, caberá ao mesmo ultrapassá-la, sendo certo ainda que, relativamente à presente decisão se considera não existir qualquer contradição de julgado, na medida em que naquele processo estava uma situação em que não existiu notificação do despacho que determinou o alargamento do objecto do procedimento de inspecção, ao contrário do que ocorre no caso sub iudice.

            Deste modo, e pelo exposto, conclui-se que, independentemente da verificação ou não das deficiências de fundamentação assacadas pela Requerente ao despacho que determinou o alargamento do âmbito do procedimento inspectivo que antecedeu a liquidação objecto da presente acção arbitral, tendo sido devidamente assegurado o seu direito de participação, não se verificará, com tal fundamento, qualquer ilegalidade naquela referida liquidação, devendo por isso improceder, nesta parte, o pedido arbitral, sem prejuízo do que seguidamente se decidirá em sede de apreciação da arguida caducidade do direito liquidação.

 

*

ii.

            Seguidamente argui a Requerente a caducidade do direito à liquidação.

 

            Aponta a Requerente que “no caso sub judice, por se tratar de uma liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 2012, o direito de praticar o acto de tributário de liquidação caducou no dia 31 de Dezembro de 2016”.

            Para a Requerente, “A acção de inspecção externa de âmbito geral – que abrange o IRC cuja liquidação ora se impugna - teve início no dia 08-03-2017, e foi notificada ao contribuinte, ora requerente, nessa mesma, ou seja, em 03-08-2017”, pelo que “antes de 08-03-2017 não existia acção de inspecção externa em sede de IRC e, por não existir, obviamente que o contribuinte, ora requerente, não foi notificado de tal facto antes da sua existência”.

            Deste modo, refere a Requerente, “a regra de suspensão do prazo de caducidade, prevista no n.º1 do artigo 46.º da LGT, não é aplicável ao caso sub judice, porque em 03-08-2017 já decorreu o prazo de caducidade de liquidar o IRC referente ao exercício de 2012 e, por definição de conceito, uma regra de suspensão de prazo só aplicável aos prazos ainda em curso e não àqueles já decorridos”.

            Conclui a Requerente que “por não ser aplicável ao caso em apreço a regra de suspensão do prazo de caducidade, prevista no artigo 46.º n.º1 da LGT, o direito de praticar o acto tributário de liquidação de IRC, referente ao exercício de 2012, caducou no dia 31 de Dezembro de 2016, conforme previsto no artigo 45.º n.º 1 da LGT”.

            A Requerida, por seu lado, sustenta que “com a notificação da ordem de Serviço é que o procedimento inspectivo tem o seu início (cf. art.º 51 do RCPITA), o qual ocorreu com a assinatura da Ordem de Serviço n.º OI2016… a 30-11-2016.”, pelo que “o procedimento inspectivo iniciou-se a 30-11-2016 e terminou a 30-05-2017.”. Consequentemente, prossegue a Requerida, “face à duração do procedimento inspectivo (6 meses) e à consequente suspensão ope legis do prazo de caducidade, a liquidação foi efectuada e notificada dentro do prazo de caducidade.”.

A respeito da caducidade do direito à liquidação, dispõe o artigo 48.º, n.º 1 da LGT que:

O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.”.

            Em obediência a este comando legislativo, e como acordam Requerente e Requerida, há que concluir que o prazo de caducidade ora em causa, tendo em conta a natureza do tributo sub iudice, termina a 31-12-2016.

            Não obstante, dispõe o artigo 49.º, n.º1, do mesmo diploma:

O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo do seu início, caso a duração da inspeção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação.”.

            A questão que se coloca, portanto, é apurar se, como sustenta a Requerida, a causa de suspensão prevista no normativo transcrito operou ou se, como sustenta a Requerente, tal não se verifica.

            O cerne de tal questão, in casu, centra-se na circunstância de a acção de inspecção externa que se verificou, e que está na génese da liquidação de IRC ora em crise, conforme provado supra, se ter iniciado com “âmbito parcial (não abrangendo nem IRC nem IVA) limitando o âmbito da acção inspectiva a aferir o cumprimento, pela Requerente, das obrigações tributárias de retenção na fonte de IRS, nos eventuais adiantamentos sobre lucros efectuados ao sócio B…”, apenas tendo o respectivo âmbito sido alargado a IRC em data posterior ao término do prazo de caducidade de liquidar tal imposto, decorrente do regime do artigo 48.º/1 da LGT.

            Ressalvado o respeito devido a outras opiniões, julga-se que não se poderá considerar que uma acção inspectiva externa seja susceptível de suspender o prazo de caducidade de liquidar impostos, nos termos do artigo 49.º/1 da LGT, relativamente a tributos que não tenham sido abrangidos pelo respectivo âmbito, tal como definido na ordem de serviço ou do despacho que determinou o procedimento de inspecção, notificada nos termos a que alude o artigo 51.º do RCPITA.

            Com efeito, conforme se escreveu no Ac. do STA de 12-10-2016, proferido no processo 0879/15, “O dies a quo do prazo de seis meses para a conclusão do procedimento de inspecção não é o da data da recepção pelo sujeito passivo ou obrigado tributário da carta-aviso a que alude o art. 49.º do RCPIT, mas sim o da data em que aquele assinar ou dever assinar a ordem de serviço ou despacho que ordenou a inspecção, de que lhe deve ser dada cópia no início da inspecção, nos termos do art. 51.º do RCPIT, mesmo na redacção daqueles preceitos legais anterior à que lhes foi dada pela Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto”.

Como se referiu já, a notificação referida tem por finalidade fazer operar na esfera jurídica do contribuinte os efeitos legalmente decorrentes da instauração da acção inspectiva externa, designadamente, e para o que ao caso importa, no que diz respeito à suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação, conforme jurisprudência abundante dá conta.

            Ora, não tendo sido determinado imposto (ou período de imposto) sido incluído no âmbito da acção inspectiva externa pela ordem de serviço do despacho que determinou o procedimento de inspecção notificado ao contribuinte nos termos do referido artigo 51.º do RCPITA, naturalmente que não terá a notificação assim efectuada a virtualidade de suspender o prazo de caducidade relativamente a tal imposto (ou período de imposto), desde logo porquanto tal situação equivalerá à não notificação do despacho que determinou o procedimento de inspecção.

            Este entendimento, de resto, decorre já de alguma forma do referido Ac. do STA de  de 12-10-2016, proferido no processo 0879/15, onde se pode ler que “a questão da qualificação do procedimento de inspecção como interno, tal como sustenta a Recorrente, ou como externo, como sustenta a Recorrida, não assume relevância alguma para a decisão da causa, contrariamente ao que sucederia se estivesse em causa a caducidade do direito de liquidação e a eventual suspensão do respectivo prazo”.

            Também um olhar histórico sobre o regime da caducidade do direito à liquidação, confirma o referido entendimento. Com efeito, a Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, aditou ao artigo 45.º da LGT um n.º 5, com seguinte teor:

Instaurado o procedimento de inspecção tributária, o direito de liquidar os tributos incluídos no âmbito da inspecção caduca no prazo de seis meses após o termo do prazo fixado para a sua conclusão, sem prejuízo das prorrogações previstas na lei reguladora daquele procedimento, a não ser que antes dessa ocorra a caducidade prevista no prazo geral fixado no n.º 1”.

            A referida norma era clara no sentido de que a interferência do procedimento de inspecção tributária no prazo de caducidade do direito à liquidação se restringia aos “tributos incluídos no âmbito da inspecção”, sendo que nada nas alterações legislativas subsequentes indicia que se tenha acolhido entendimento distinto.

            Por outro lado, a consideração do elemento sistemático ratificará, igualmente, a conclusão formulada, já que o artigo 63.º da LGT, no seu n.º 4, confere expressamente relevância ao âmbito do procedimento de inspecção devidamente definido e notificado, no que diz respeito, concretamente, ao imposto e período de tributação, para efeitos da proibição da repetição do procedimento inspectivo, sendo que, por razões de coerência, se deverá reconhecer igual relevância a tal delimitação para efeitos de determinação dos efeitos suspensivos do prazo de caducidade de liquidar impostos.

            Concluindo-se, assim, que uma acção inspectiva externa não é susceptível de suspender o prazo de caducidade de liquidar impostos, nos termos do artigo 49.º/1 da LGT, relativamente a tributos que não tenham sido abrangidos pelo respectivo âmbito, tal como definido na ordem de serviço ou do despacho que determinou o procedimento de inspecção, notificada nos termos a que alude o artigo 51.º do RCPITA, conclui-se do mesmo modo, e à míngua de disposição legal que sustente outro entendimento, que não se poderá considerar que o alargamento do âmbito da acção inspectiva externa, nos termos do artigo 15.º do RCPITA, seja susceptível de produzir efeitos retroactivos, designadamente no que diz respeito à suspensão de prazos de caducidade do direito a liquidar imposto, que entretanto tenham expirado.

            Assim, não se encontrando preenchidos os pressupostos do artigo 49.º/1 da LGT, ter-se-á de haver por expirado o prazo de caducidade do direito a liquidar o tributo ora em crise (IRC de 2012), a 01-01-2017.

            Estando provado que a liquidação sub iudicie foi emitida e notificada após aquela data, haverá que reconhecer que a mesma corresponde ao exercício de um direito a liquidar que havia já caducado.

A nível jurisprudencial tem sido admitido o conhecimento da caducidade do direito à liquidação em sede de impugnação judicial, podendo consultar-se, a título de exemplo, o Ac. do STA de 19-12-2007, tirado no processo n.º 0617/07, onde foi conhecida a questão nessa mesma sede. No mesmo sentido, podem ser consultados os Acs. de 12-10-2005, processo n.º 0633/05, de 28-03-2007, processo n.º 0965/06, e de 19-12-2007, processo n.º 0617/07.

            Não tendo, então, sido o tributo em questão nos autos liquidado, e a respectiva notificação ao sujeito passivo efetuada, dentro do prazo de caducidade aplicável, deverá, portanto, a liquidação ser anulada, por ilegal, procedendo o pedido arbitral.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  1. Anular o acto de Liquidação de IRC n.º 2017…, relativo ao exercício de 2012, no valor de € 175.634,90;
  2. Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante de € 3.672,00.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 175.634,90, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.672,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa 8 de Julho de 2018

 

O Árbitro Presidente

 

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Raquel Franco)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Amílcar Jorge Sampaio Nunes)

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2]O procedimento de inspecção tributária tem um carácter meramente preparatório ou acessório dos actos tributários ou em matéria tributária” (artigo 11.º do RCPIT). No mesmo sentido, o Ac. do STA proferido no processo 0955/07, em 27-02-2008, em cujo sumário se lê: “Os procedimentos inspectivo e de liquidação são distintos entre si, ainda que este tenha carácter meramente preparatório ou acessório”.

 

[3] Cfr., nesse sentido, por exemplo, os Acs. do STA de 25-02-2015, proferido no processo 0709/14, e Ac. do do TCA-Sul 24-05-2011, proferido no processo 04311/10.