Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 560/2017-T
Data da decisão: 2018-07-04  IRC  
Valor do pedido: € 7.150.334,00
Tema: IRC – RGTS.
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Rui Ferreira Rodrigues e José Nunes Barata, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte

 

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 21 de Outubro de 2017, A…, S.A., NIPC…, com sede em …, … …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional n.º 2017…, datado de 12-10-2017, relativo a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) respeitante ao ano de 2013, no montante global de imposto e juros compensatórios de 71.503.34€.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, a violação do princípio da legalidade, com as limitações decorrentes dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé, com o consequente vício de violação de lei.

 

  1. No dia 23-10-2017, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 15-12-2017, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 08-01-2018.

 

  1. No dia 14-02-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

  1. No dia 14-03-2018, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foi inquirida a testemunha, no acto, apresentada pela Requerente.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da Requerida, prazo esse que foi prorrogado até ao termo do prazo a que alude o artigo 21.º/1 do RJAT.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. A liquidação adicional objecto da presente acção arbitral decorre do procedimento inspectivo levado a cabo pelos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de …, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2017… .
  2. O procedimento inspectivo teve como propósito o controlo do Regime especial de tributação de grupos de sociedades (RETGS), tendo incidido sobre o exercício do ano de 2013.
  3. A Requerente, no período em causa, apresentava um capital social de € 62.500,00, do qual a sociedade B… SGPS, SA (NIPC…), detinha 89,8% e a sociedade C…, SA (NIPC …) detinha 10%.
  4. A sociedade B… SGPS, SA era, à mesma data, detida a 100% pela D… SGPS, SA, sendo que indiretamente esta sociedade detinha 99,78% da Requerente.
  5. A partir de 01/01/2013, a Requerente passou a ser tributada de acordo com o RETGS.
  6. Do RIT consta, para além do mais, que:

“B) Perímetro de consolidação do grupo

B.1) Caracterização da sociedade dominante

A sociedade dominante, tal como já referido, é a D…, SGPS, SA, NIPC…, constituída por contrato de sociedade de 01/04/2009, com o objeto social da “gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indireta do exercício de atividades económicas e as atividades acessórias e complementares desse objeto que sejam permitidas pela legislação aplicável”, com sede no Centro Comercial …, em … . Apresenta um capital social de € 50.000,00, detido pelos seguintes acionistas:

Trata-se de uma sociedade com sede e direção efetiva em território português que “não é considerada dominada de nenhuma outra sociedade residente em território português que reúna os requisitos para ser qualificada como dominante”, uma vez que é detida por acionistas pessoas singulares, nem renunciou “à aplicação do regime nos três anos anteriores, com referência” a 01/01/2013. Logo, estão cumpridos os requisitos estabelecidos nas alíneas c) e d) do n.o 3 do art. 69.º do CIRC.

B.2) Caracterização das sociedades dominadas

“(...) Na IES submetida pelas dominadas que integram o perímetro fiscal em 2013 e detêm participações sociais, conforme a seguir identificadas:

- IES n.º … da B…, SGPS, SA

- IES n.º … da A…, SA

- IES n.º … da C…, SA - IES n.º … da E…, SA

Nas publicações do Portal da Justiça, disponíveis em https://publicacoes.mj.pt/Pesquisa.aspx, que estão na origem da Certidão da Conservatória do Registo Comercial das sociedades. Com base nas percentagens de participação indicadas pelas diferentes sociedades na IES, elaborou-se o organograma que consta da figura 1, de modo a facilitar a determinação das participações detidas pela dominante em cada uma das dominadas.

Tendo presente a regra enunciada no n.º 6 do art. 69.º do CIRC e as percentagens indicadas na figura anterior, procedeu-se à determinação da percentagem total de participação da dominante nas sete sociedades dominadas, a qual consta da tabela seguinte. Tais participações são detidas pela dominante desde 2009.

Em suma:

A D… SGPS é considerada dominante das sociedades tributadas pelo RETGS identificadas na tabela anterior, à luz dos requisitos do n.º 2 do art. 69.º do CIRC na medida em que:

- Em 01/01/2013, detinha mais de 90% do capital social das sociedades que integram o grupo, participação essa detida à mais de um ano;

- Para as sociedades identificadas com os números 1, 3, 4 e 5, o nível de participação exigido pelo n.º 2 do art. 69.º foi obtido indiretamente através de sociedades que reúnem os requisitos legalmente requeridos para fazer parte do grupo, conforme prevê a al. f) do n.o 4 do mesmo artigo;

- De acordo com informação vertida no quadro “05063-A – Entidades em que a empresa declarante participa” da IES, a percentagem de direitos de voto é igual à participação no capital social, pelo que, a D… SGPS tinha também mais de 50% dos direitos de voto nas empresas que participa.

B.3) Verificação dos restantes requisitos estabelecidos do art. 69.º do CIRC

Para a existência de um grupo de sociedades pretendendo beneficiar do RETGS, o art. 69.º do CIRC estabelece, por um lado, requisitos apenas aplicáveis à sociedade dominante e, por outro lado, requisitos cumulativos aplicáveis a todas as sociedades.

Os requisitos aplicáveis à sociedade dominante estão previstos nas alíneas b), c) e d) do n.º 3 do referido artigo e encontram-se elencados na tabela 4, concluindo-se pela verificação de todos eles.

Relativamente aos requisitos aplicáveis, quer à dominante, quer às dominadas, que se encontram enunciados na tabela 5, também todos eles se confirmam.

(...)

Concluindo:

Verifica-se o cumprimento de todos pressupostos legais de que depende a formulação da opção pela aplicação do RETGS, com referência a 01/01/2013, para todas as sociedades que integram o perímetro fiscal.

B.4) Verificação dos impedimentos à inclusão de sociedades no RETGS

Verificados os requisitos aplicáveis às sociedades tributadas pelo RETGS, que constituem os pressupostos legais de que depende a formulação da opção pela aplicação deste regime, torna-se necessário analisar os impedimentos à inclusão de sociedades no âmbito do mesmo, os quais constam do n.º 4 do art. 69.º do CIRC, e que passamos a analisar. De salientar, que os impedimentos descritos na tabela 6, para além de se aplicarem a todas as sociedades (dominante e dominadas) são motivo de exclusão quer ocorram no início como no decorrer da aplicação do regime.

De referir que, relativamente à inatividade das sociedades, para efeitos de aplicação do RETGS (alínea a) do n.º 4), o entendimento preconizado pela Direção de Serviços do IRC (DSIRC) tem sido que se consideram sociedades inativas aquelas cujas declarações fiscais tenham valores nulos. Para além dos impedimentos identificados na tabela 6, relativamente aos quais se concluiu não se verificarem para nenhuma sociedade, há ainda que analisar o estabelecido na alínea c) do nº 4, o qual restringe a entrada de uma sociedade no perímetro do RETGS, quando a mesma tenha registado prejuízos fiscais nos três períodos de tributação anteriores ao do início da aplicação do regime, exigindo, no caso das sociedades dominadas, que a sociedade dominante detenha a participação imposta pelo n.º 2 do art. 69.º do CIRC há mais de dois anos.

Constatando-se que, à data de início do regime (01/01/2013) todas as sociedades dominadas eram detidas pela dominante há mais de dois anos, o impedimento em causa não se coloca, independentemente dos resultados tributáveis dos períodos de 2010, 2011 e 2012. No que respeita à sociedade dominante, também ela não declarou prejuízos fiscais nos períodos de 2010, 2011 e 2012.

Concluindo:

Não se verifica qualquer impedimento à inclusão no regime para nenhuma das sociedades que integraram o perímetro fiscal em 2013. (...)

B.5) Análise das empresas que integram o grupo económico e não integram o grupo fiscal

Confirmados todos os requisitos e analisados os factos impeditivos para as sociedades integradas no perímetro fiscal em 2013, averiguou-se também a possível existência de outras que o pudessem integrar, pois, feita a opção pelo RETGS, todas as sociedades nas quais a sociedade dominante detenha a participação fixada no n.º 2 do art. 69.º do CIRC, que preencham os restantes requisitos constantes do mesmo preceito têm que ser incluídas no perímetro fiscal. A análise à informação recolhida das diferentes fontes de informação consultadas, nomeadamente a IES e as Certidões da Conservatória do Registo Comercial das diversas sociedades, bem como o sistema da AT, em particular a “Gestão de Imposto – Visão Integrada do Contribuinte – Consultas – Pesquisa por NIF ou Nome”, no que concerne às “Rel. Intersujeitos Passivos”, permitiu-nos constatar que, para além das sociedades identificadas na figura 1, existem outras que não foram incluídas no grupo fiscal, mas nas quais a sociedade dominante detém participações, pelo que se torna necessário averiguar o(s) motivo(s) para a sua não inclusão no âmbito do RETGS. São elas as nove que a seguir se elencam, as quais são detidas parcialmente pela D… SGPS.

Tendo presentes as disposições do CIRC, anteriormente citadas, cumpre-nos referir, no que concerne às participações que constam na tabela anterior, que, relativamente às sociedades identificadas em 1, 5, 6, 7, 8 e 9, as suas participações foram adquiridas em 2012, pelo que não podiam integrar o perímetro fiscal em 01/01/2013, na medida em que a dominante não detinha a participação há mais de um ano, conforme exigido pela al. b) do n.º 3 do art. 69.º do CIRC. Para as restantes sociedades cujas participações são detidas desde 2009, ou seja, à mais de dois anos com referência a 01/01/2013, constata-se que: » As sociedades identificadas em 2 e 3, (F…, Lda e G…, Lda) são detidas indiretamente em menos de 90%, pelo que não se encontra cumprido o requisito da percentagem de participação fixada no n.º 2 do art. 69.º do CIRC; No que respeita à sociedade H…, Lda (identificada em 4), a dominante detém, desde 25/07/2009, uma participação direta de 98%, ou seja, superior à exigida pelo CIRC para ser considerada dominada, estando assim cumpridos os requisitos do n.º 2 e al. b) do n.º 3 do art. 69.º do CIRC; relativamente aos restantes requisitos e impedimentos atente-se que:

- A alínea a) do n.º 3 do art. 69.º do CIRC está cumprida pois a sociedade tem sede e direção efetiva em território português, está enquadrada no regime geral de tributação em IRC e sujeita à taxa normal de IRC mais elevada;

- Relativamente aos impedimentos previstos no n.º 4 do art. 69.º, de referir que: a sociedade não se encontra inativa, pois no período anterior à opção pelo RETGS submeteu a IES e a Modelo 22 declarando montantes diferentes de zero, nem foi dissolvida [al. a)]; não tem instaurado nenhum processo especial de recuperação ou de falência [al. b)]; é detida há mais de dois anos [al. c)] e tem a forma de sociedade por quotas [al. g)].

Pelo que, sendo a sociedade H…, Lda. detida pela dominante numa participação superior à fixada no n.º 2 do art. 69.º do CIRC, estando preenchidos os restantes requisitos constantes do mesmo preceito e não se verificando factos impeditivos à sua inclusão no âmbito do RETGS, deveria ter sido incluída no perímetro fiscal do grupo.

B.6) Análise das causas de cessação do grupo fiscal

O RETGS pode deixar de se aplicar quando ocorram certos factos que o legislador sancionou com a cessação, os quais estão patentes no, já citado, n.º 8 do art. 69.º do CIRC. Face à análise aos requisitos e impedimentos à aplicação do RETGS ao grupo titulado pela D… SGPS anteriormente exposta, concluiu-se, no final do ponto anterior, que o perímetro fiscal do grupo, no período de 2013, não está correto, na medida em que deveria integrar a sociedade H…, Lda., que reunia todas as condições previstas no art. 69.º do CIRC. Para analisar as repercussões da anomalia detetada na aplicação do RETGS, deve ter-se em conta que, dispõe a alínea d) do n.º 8 do art. 69.º do CIRC, em vigor à data dos factos, que o RETGS cessa a sua aplicação quando “ocorram alterações na composição do grupo, designadamente com a entrada de novas sociedades que satisfaçam os requisitos legalmente exigidos sem que seja feita a sua inclusão no âmbito do regime e efetuada a respetiva comunicação à Direcção-Geral dos Impostos nos termos e prazo previstos no n.º 7”, sendo que, nos termos da alínea b) do n.º 9 do art.º 69.º do CIRC, os efeitos da cessação reportam-se ao final do período de tributação anterior àquele em que deveria ser comunicada a inclusão da sociedade.

Logo,

Não tendo a dominante, efetuado a inclusão no âmbito do RETGS, e a respetiva comunicação, da sociedade H…, Lda, nos termos e prazo previsto no n.º 7 do art. 69.º do CIRC, determina a cessação da aplicação do RETGS ao grupo, com efeitos a 31/12/2012, e, consequentemente, a tributação de cada uma das sociedades individualmente, com base nas suas declarações de rendimentos, nas quais foi determinado o imposto como se o RETGS não fosse aplicável.

III.2. Apuramento do resultado fiscal da A…

Determina a alínea b) do n.º 6 do art. 120.º do CIRC, que quando for aplicável o RETGS, “cada uma das sociedades do grupo (...) deve enviar a sua declaração periódica de rendimentos na qual seja determinado o imposto como se aquele regime não fosse aplicável.” Em cumprimento desta disposição legal, a A… enviou, em 27/05/2014, a declaração de rendimentos (Modelo 22) a que foi atribuído o n.º…, indicando com regime de tributação o RETGS, (campo 8 do quadro 4), o qual deve ser alterado para o regime geral. Consequentemente, os montantes declarados nesta declaração, indicados na tabela seguinte, são os que relavam para efeitos de tributação, em sede de IRC, do sujeito passivo.

  1. A Requerente foi notificada do projeto do relatório de inspecção assim como para o exercício do direito de audição, através do Ofício n.º… de 30 de maio de 2017, por carta registada (RD…PT).
  2. Veio a exercer o direito de audição, por escrito, tendo o mesmo dado entrada na Direcção de Finanças de ... no dia 21 de Junho de 2017.
  3. Em resposta ao direito de audição, os serviços de inspecção fundamentaram a manutenção das correcções tributárias com os seguintes argumentos:

“Embora todas as considerações e alegações da Requerente sejam feitas de forma genérica e a mesma não concretiza em situação alguma a violação de qualquer princípio constitucional no procedimento tributário em causa, considera-se importante tecer também alguns considerandos que julgamos pertinentes para a apreciação da atuação da administração tributária no procedimento tributário em análise. Desde logo atente-se que, em sede de inspeção, o interesse público afere-se, não só através da prossecução do objetivo da arrecadação de receita, mas também através da igualdade e justiça fiscal, a que neste procedimento se deu primazia. Assim não fosse, estaríamos perante uma atuação discriminatória, que não se verifica, pois todas as sociedades que se conhecem como integrando o grupo económico foram analisadas face às condições legais de aplicação do RETGS, independentemente da sua dimensão, da atividade que exercem ou do resultado que apresentam. Acresce que se trata de um procedimento em que o esclarecimento dos factos para a descoberta da verdade material, instrução e decisão do mesmo foi todo efetuado internamente através da consulta das declarações das diferentes sociedades e da recolha de informação constante em páginas de internet de informação pública e oficial, como é o caso do Portal da Justiça, pois, considerou-se ser esta a forma mais adequada, desde logo porque, tal como defende a própria Requerente, ser menos onerosa para o contribuinte. Mais acresce que, por obrigação à conformidade legal dos atos da administração, o procedimento inspetivo foi realizado nos termos e limites previstos na lei e a decisão em que o mesmo culminou resultou também ela da aplicação da lei, ou seja, do correto enquadramento do RETGS, na medida em que, no caso em concreto, é o método declarativo que está na base do imposto e por isso foi o contribuinte a interpretar e aplicar a lei que esteve na base do apuramento do IRC a entregar ao Estado, cabendo à administração o controlo dessa interpretação e aplicação, que a não existir frustraria irremediavelmente os objetivos e valores de justiça e igualdade fiscal. Até ao início da página 17 do DA, a Requerente continua com considerações relativas aos princípios que devem nortear a administração tributária, as quais são sempre proferidas de forma genérica e não direcionada à concreta realidade tributária em apreço no projeto de relatório, como a própria reconhece na página 17 da petição ao referir: “Atentos os princípios elencados, vejamos o caso em análise: No âmbito do despacho n.º DI2016… foram pela sociedade D… SGPS prestados os esclarecimentos solicitados e juntos os documentos necessários, constando expressamente do requerimento, cuja cópia se junta (Doc. 1), que a sociedade H…, Lda., se tratava de uma sociedade inoperacional e em fase de liquidação. Ora, face a tal informação, a senhora inspectora em vez de procurar saber a razão ou as razões pelas quais tal alegação foi efectuada, partiu logo para a conclusão de que aquela sociedade devia integrar o perímetro fiscal do grupo e como não o integrou devia o RETGS ser imediatamente cessado, derrogando todos aqueles princípios supra referidos.”

Relativamente a este ponto em concreto cabe-nos referir:

- O presente procedimento de inspeção foi realizado em cumprimento da Ordem de Serviço Interna n.º OI2017…, aberta em 08/05/2017, e decorreu de procedimento inspetivo realizado ao abrigo da Ordem de Serviço Interna n.º OI2017…, ao grupo titulado pela holding D…, SGPS, SA, NIPC …;

- O procedimento inspetivo realizado ao grupo (OI2017…) teve na sua génese o despacho n.º DI2017…, o qual foi aberto para proceder à análise da reclamação graciosa apresentada pela sociedade dominante, a solicitar a correção da liquidação de IRC do período de 2014, da qual decorreu a necessidade de verificar o cumprimento das obrigações fiscais inerentes às condições de aplicação do RETGS e análise do correto apuramento do resultado fiscal do grupo, nos termos das disposições legais patentes nos artigos 69.º a 71.º do CIRC no período de 2013;

- Pelo que, as diligências e elementos recolhidos no âmbito do despacho n.º DI2016… não devem ser chamados à colação no âmbito do presente procedimento inspetivo, tal como não o foram no decorrer do mesmo, como se retira do projeto de relatório, para o qual se remete;

- Termos em que, “a conclusão de que aquela sociedade devia integrar o perímetro fiscal do grupo” decorre unicamente da aplicação da lei, concretamente do disposto no art. 69.º do CIRC, na medida em que:

» A sociedade tem sede e direção efetiva em território português, está enquadrada no regime geral de tributação em IRC e sujeita à taxa normal de IRC mais elevada (al. a) do n.º 3 do art. 69.º do CIRC);

» Relativamente aos impedimentos previstos no n.º 4 do art. 69.º, a sociedade:

> Não foi dissolvida, nem se encontra inativa ([al. a)];

> Não foi instaurado processo especial de recuperação ou de falência [al. b)];

> É detida há mais de dois anos [al. c)];

> Está sujeita à taxa normal de IRC mais elevada [al. d)];

> Tem um período de tributação coincidente com o da sociedade dominante [al. e)];

> É detida diretamente pela sociedade dominante desde 25/07/2009, numa participação de 98%, ou seja, superior à fixada no n.º 2 do art. 69.º do CIRC [al. f)];

> Tem a natureza de sociedade por quotas [al. g)]

» Relativamente à inatividade à mais de um ano, a que se refere a al. a) do n.º 4 do art. 69.º do CIRC, a mesma afere-se documentalmente pelas declarações fiscais submetidas pela sociedade relativamente ao período de 2012 (período anterior à opção pelo RETGS), constatando-se que a IES n.º …-« 74, submetida em 26/06/2013, não apresenta valores nulos, muito pelo contrário, na demonstração de resultados que a integra foram declarados € 6.965,75 de rendimentos e € 14.071,17 de gastos e no balanço o ativo apresenta um total de € 113.874,27 e o passivo de € 266.465,71; » Pelo que se concluiu que, no perímetro fiscal do grupo deveria ter sido incluída a sociedade H…, Lda, na medida em que quando a sociedade dominante opta pelo RETGS tem que o fazer em relação a todas as sociedades do grupo (n.º 1 art. 69.º do CIRC) que preencham os requisitos legalmente estabelecidos;

- Já no que respeita à conclusão do “RETGS ser imediatamente cessado”, mais uma vez nos limitámos a aplicar a lei, pois a mesma deriva da análise dos factos patentes no n.º 8 do art. 69.º do CIRC, os quais o legislador sancionou com a cessação, estatuindo a al. d) daquele preceito que o RETGS cessa a sua aplicação quando “ocorram alterações na composição do grupo, designadamente com a entrada de novas sociedades que satisfaçam os requisitos legalmente exigidos sem que seja feita a sua inclusão no âmbito do regime e efetuada a respetiva comunicação à Direcção-Geral dos Impostos nos termos e prazo previstos no n.º 7”, sendo que, nos termos da alínea b) do n.º 9 do art.º 69.º do CIRC, os efeitos da cessação reportam-se ao final do período de tributação anterior àquele em que deveria ser comunicada a inclusão da sociedade.

Do exposto, somos a concluir que o procedimento inspetivo seguiu os princípios, amplamente, elencados pela Requerente no DA, na exata medida em que cabe à Administração Tributária, através do poder de inspeção que lhe está cometido, controlar se os factos tributários, tendo em conta o ordenamento jurídicotributário, em primeiro lugar, foram declarados e, em segundo lugar, se foram corretamente enquadrados e lhes foram aplicadas as normas de incidência corretas, daí que o princípio da legalidade impõe por isso que o fundamento e o limite da atividade da inspeção tributária é a lei, tal como referido no início da página 18 do DA: “(...) por força do preceituado no art. 266º CRP, a actividade da administração tem de ser levada a cabo em subordinação à Constituição e à lei e deve respeitar os direitos e interesses legítimos dos cidadãos e os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da boa fé.” A referência aos princípios a que a administração tributária deve obedecer, que, tal como já referido, se prolongou até ao início da página 17 do DA, continua nas páginas 18 a 20, na qual é feito uma breve alusão ao caso em concreto, conforme se transcreve:

“E no caso a AT não procurou saber as razões pelas quais se excluiu do grupo aquela sociedade pela razão invocada da sua inoperacionalidade/inactividade.” De facto, a obtenção da prova constitui um ponto de partida essencial para identificar os factos e elementos reais que serviram de base às correções propostas. Em cumprimento do princípio da proporcionalidade consagrado no art. 7.º do RCPITA e art. 46.º do CPPT, disponíveis que estavam todos os elementos necessários à prossecução e conclusão dos atos inspetivos, conforme amplamente se refere no projeto de relatório, para o qual se remete, não foram solicitados quaisquer esclarecimentos adicionais ao sujeito passivo, por os mesmos se mostrarem desnecessários. A Requerente continua (final da página 20 e página 21) analisando o significado de “actividade” no Dicionário Universal da Língua Portuguesa, Texto Editora, Lisboa, 1995, o qual, conforme claramente decorre das exposições supra vertidas, não é o que releva para efeitos de aplicação da alínea a) do n.o 4 do art. 69.º do CIRC. Pode ler-se no final da página 21 que “A actividade de uma empresa, no sentido em que só dela decorreriam custos indispensáveis, nunca poderia ser assimilada a actividade produtiva, no contexto em que esta se traduz no conjunto de operações de transformação ou de produção de bens e serviços.” Ora, apesar de se tratar, mais uma vez, de uma afirmação genérica, que não concretiza o que são para a Requerente “custos indispensáveis” nem em que medida a mesma se aplica ao presente procedimento, pode afirmar-se que a mesma não se aplica de todo ao caso em concreto, pois na IES da sociedade em causa não são apenas declarados custos, mas também “Outros rendimentos e ganhos” (Campo A5015) no montante de € 6.965,75. As alusões ao que deve ser considerado atividade das empresas prosseguem até à página 27, mas são feitas sempre de forma genérica, e por vezes, dir-se-ia, até algo descontextualizada como onde se lê “Esse conjunto de operações abarca, no entender deste tribunal, os actos de gestão dos activos e passivos (...)”. Ora, o DA foi apresentado pelo advogado I…, não se discernindo a que tribunal se referem as alegações aqui proferidas, que não trazem matéria relevante ao processo. A partir do terceiro parágrafo da página 27, passamos a ter referências ao normativo contabilístico, nomeadamente a definição de ativo, a qual, alega a Requerente que, “deixa bem claro que se uma entidade possuir um recurso por ela controlado (tangível, intangível, biológico, financeiro ou de outro tipo) do qual se esperam benefícios económicos futuros, tal elemento constituirá um activo que se deve registar no balanço. É pois tendo por base estes elementos que se desenvolve a actividade das empresas, a qual, obviamente, pode apresentar várias facetas ou vertentes de concretização (v.g., produtiva, comercial financeira, administrativa) consoante a natureza dos activos que a sustentam.” Embora o DA não concretize as considerações genéricas anteriormente referidas, tendo em conta o contexto, realça-se que, de acordo com os valores declarados pela H…, Lda na IES n.º…, submetida em 26/06/2013, nomeadamente no balanço que a integra, o ativo apresenta um total de € 113.874,27, nos quais estão incluídos equipamentos, dívidas a receber e disponibilidades. O DA segue com a transcrição dos parágrafos 52 e 54 a 56 da estrutura conceptual do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), relativos aos benefícios económicos futuros incorporados num ativo e à forma de alguns tipos de ativos, prosseguindo com a apresentação do plano de contas do SNC no que à classe 4 diz respeito. A página 31 continua com alusões genéricas acerca dos ativos mas sem nunca ser feita a ligação à situação sobre que versou o procedimento inspetivo. É no terceiro parágrafo da página 33 que a Requerente alude à sociedade H…, Lda, referindo que: “Dito isto, o certo é que a sociedade H…, Lda. aquando da constituição do grupo estava inactiva há mais de um ano, pois não teve operações resultantes do uso do seu património, em particular dos seus activos e da gestão dos seus passivos, ou seja, não cumpriu o seu objecto económico: a busca (imediata ou a prazo) de um excedente económico (lucro) e, consequentemente, estava inactiva, não podendo integrar o grupo. Caso o tivesse integrado é que constituiria motivo de cessação e não o seu contrário, como vem proposto em sede de projecto.” Tal como amplamente já se fez constar do projeto de relatório, para o qual se remete, a sociedade anteriormente referida, tem um capital social de €5.000,00, detido em 98% pela sociedade dominante desde 25/07/2009, declarou no período de 2012 ativos e passivos no balanço e rendimentos e gastos na demonstração de resultados que integram a sua IES, pelo que não é considerada inativa à mais de um ano, à data que se iniciou a aplicação do RETGS. Por esse facto, e porque em relação a ela estão preenchidos todos os outros requisitos constantes do art. 69.º do CIRC, deveria ter integrado o perímetro fiscal do grupo. Como isso não aconteceu, cessa a aplicação daquele regime, com efeitos a 01/01/2012, em consequência do estipulado no n.º 8 do art. 69.º do CIRC. Mais requerem “a inquirição do contabilista certificado do grupo, J…”. Relativamente à prova testemunhal requerida, somos no sentido de não atender a pretensão da requerente, tendo em consideração que o procedimento tributário segue a forma escrita (n.º 3 do art.º 54.º da LGT). O DA é exercido pelo contribuinte, que pode pronunciar-se por escrito ou oralmente (n.º 6 do art. 60.º da LGT), sendo neste caso as suas declarações reduzidas a escrito, conforme determinam a alínea b) do art. 55.º e n.º 3 do art. 60.º, ambos do RCPITA. Termos em que, as alegações da Requerente não trouxeram elementos novos suscetíveis de alterar as correções anteriormente propostas no projeto de relatório, logo será de manter a posição aí vertida, pelo que se procedeu à elaboração do documento de correção e instaurado o competente auto de notícia.”

  1. Daquele procedimento inspectivo, que ditou o fim da aplicação do RETGS, devido ao incumprimento dos requisitos legalmente previstos para o seu benefício, com a consequente tributação pelo regime geral de IRC, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC 2017…, assim como da liquidação dos correspondentes juros compensatórios, relativa ao período de tributação do ano de 2013, com data limite de pagamento a 23-11-2017.
  2. A Requerente não procedeu ao pagamento do imposto apurado.

 

A.2. Factos dados como não provados

1- Que a sociedade H…, Lda. aquando da constituição do grupo que integrou a Requerente estava inactiva há mais de um ano.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, bem como a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

O facto dado como não provado, decorre da insuficiência de prova a seu respeito, conjugada a elementos de prova em sentido oposto, designadamente prova documental (documentos contabilísticos) e testemunhal, que apontam no sentido de que a sociedade B… tenha tido alguma actividade, ainda que residual.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

            Conforme resulta do relatório e da matéria de facto que antecedem, a correcção operada pela AT assenta na cessação da aplicação do RETGS, devido ao incumprimento dos requisitos legalmente previstos para o seu benefício, com a consequente tributação pelo regime geral de IRC, decisão contra a qual a Requerente se insurge, alegando vício de violação de lei.

            Conforme decorre expressamente do RIT, a cessação da aplicação do RETGS a todas as sociedades integradas no grupo foi determinada por aplicação do disposto na al. d) do n.º 8, e na al. b) do n.º 9, do artigo 69.º do CIRC aplicável, podendo ler-se ali, para além do mais, que:

“Não tendo a dominante, efetuado a inclusão no âmbito do RETGS, e a respetiva comunicação, da sociedade H…, Lda, nos termos e prazo previsto no n.º 7 do art. 69.º do CIRC, determina a cessação da aplicação do RETGS ao grupo, com efeitos a 31/12/2012, e, consequentemente, a tributação de cada uma das sociedades individualmente, com base nas suas declarações de rendimentos, nas quais foi determinado o imposto como se o RETGS não fosse aplicável.”

            E, mais adiante:

“Face à análise aos requisitos e impedimentos à aplicação do RETGS ao grupo titulado pela B… SGPS anteriormente exposta, concluiu-se, no final do ponto anterior, que o perímetro fiscal do grupo, no período de 2013, não está correto, na medida em que deveria integrar a sociedade H…, Lda., que reunia todas as condições previstas no art. 69.º do CIRC. Para analisar as repercussões da anomalia detetada na aplicação do RETGS, deve ter-se em conta que, dispõe a alínea d) do n.º 8 do art. 69.º do CIRC, em vigor à data dos factos, que o RETGS cessa a sua aplicação quando “ocorram alterações na composição do grupo, designadamente com a entrada de novas sociedades que satisfaçam os requisitos legalmente exigidos sem que seja feita a sua inclusão no âmbito do regime e efetuada a respetiva comunicação à Direcção-Geral dos Impostos nos termos e prazo previstos no n.º 7”, sendo que, nos termos da alínea b) do n.º 9 do art.º 69.º do CIRC, os efeitos da cessação reportam-se ao final do período de tributação anterior àquele em que deveria ser comunicada a inclusão da sociedade.”.

            Ou seja, e em suma, não questiona a AT a existência de um grupo de sociedades para efeitos de RETGS, nem que a Requerente reúne todas as condições para integrar esse grupo.

            Questiona, isso sim, que o grupo tenha sido devidamente delimitado aquando da sua constituição pela sociedade dominante, considerando que naquele deveria ter sido integrado a sociedade B… .

            Vejamos.

            Dispõe a al. d) do n.º 8, e a al. b) do n.º 9, do artigo 69.º do CIRC aplicável que:

 “8 - O regime especial de tributação dos grupos de sociedades cessa a sua aplicação quando: (...)

d) Ocorram alterações na composição do grupo, designadamente com a entrada de novas sociedades que satisfaçam os requisitos legalmente exigidos sem que seja feita a sua inclusão no âmbito do regime e efetuada a respetiva comunicação à Direção-Geral dos Impostos nos termos e prazo previstos no n.º 7;

9 - Os efeitos da renúncia ou da cessação deste regime reportam-se: (...)

b) Ao final do período de tributação anterior àquele em que deveria ser comunicada a inclusão de novas sociedades nos termos da alínea d) do n.º 8 ou ao final do período de tributação anterior àquele em que deveria ser comunicada a continuidade do regime nos termos da alìínea e) daquele número;”

Conforme decorre do n.º 1 do artigo 69.º do CIRC aplicável, na economia da norma em causa, a adesão ao RETGS, está condicionada unicamente à opção nesse sentido, manifestada pela sociedade dominante.

Do regime legal em questão, não resulta, julga-se, qualquer condicionalismo, ou ónus, associado a tal opção, com excepção da existência de um grupo de sociedades, tal como configurado pelo n.º 2 do art.º 69.º. Assim, existindo tal grupo, e manifestada a referida opção pela sociedade dominante, estarão preenchidos os pressupostos para a aplicação do RETGS, ou seja, para a tributação do grupo, segundo as regras do regime especial fixado na lei.

Como se escreveu no Ac. do STA de 12-03-2014, proferido no processo 0256/12  “uma coisa são os requisitos para a existência de um grupo de sociedades e outra a determinação das sociedades que podem integrar esse grupo de sociedades, isto é, de quais as sociedades elegíveis para efeitos da configuração do perímetro do Grupo de Sociedades que faz a opção pelo RETGS.[2].

Nos termos legais, o único pressuposto (no sentido de que a sua ausência obsta à aplicação do regime) é a existência de um grupo de sociedades. Assim, verificada essa existência, e feita, pela sociedade dominante, a opção pela tributação segundo o RETGS, estarão reunidos os condicionalismos legais para a aplicação de tal regime.

A exigência da indicação das sociedades que integram o grupo, salvo melhor opinião não resulta da lei, tratando-se uma exigência da AT, que, sendo legítima, atentos os interesses de fiscalização e controlo que àquela Autoridade assistem, não deverá ver a sua rectidão ser considerada uma condição sine qua non da aplicação do regime em questão, concretamente, e no que para o caso interessa, no sentido de que, existindo efectivamente um grupo de sociedades (tal como legalmente definido), a opção pelo RETGS seja inválida ou ineficaz, no caso de uma errada ou incompleta determinação (para mais ou para menos), pela sociedade dominante, do perímetro do grupo, aquando da manifestação da opção pela tributação nos termos do RETGS.

Tal consequência, sempre salvo melhor opinião, não poderá ser retirada, como fez a AT, do n.º 8 do art.º 69.º, porquanto, desde logo, o referido n.º 8 reporta-se à cessação do regime, sendo que apenas poderá cessar uma situação jurídica que se constituiu validamente.

Efectivamente, uma situação jurídica que enferme de algum vício aquando da sua constituição, não se chega a constituir, não se podendo, rigorosamente, nesses casos falar de cessação da mesma.

De um ponto de vista técnico-jurídico, como é consabido, aquando da constituição de uma determinada situação jurídica, relevam os chamados factos constitutivos (pressupostos da sua constituição) e os factos impeditivos (que impedem o efeito dos factos constitutivos), sendo que os factos susceptíveis de fazer cessar uma situação jurídica, são os chamados factos extintivos, por definição supervenientes à constituição da sobredita situação jurídica.

No presente caso, os factos constitutivos serão a existência de um grupo de sociedades e a opção pelo RETGS, feita pela sociedade dominante, não se vislumbrando factos impeditivos do direito à aplicação desse regime, e considerando-se que o n.º 8 do art.º 69.º tratará de factos extintivos de tal direito.

Eventualmente, esta conclusão poder-se-ia não impor, se se concluísse que a não aplicação do RETGS, nesses casos, correspondia a um interesse relevante da AT, ou seja, se a aplicação do RETGS ao grupo devidamente delimitado nos termos legais, e sua não aplicação à(s) sociedade(s) eventualmente indevidamente comunicadas como integrando aquele, acarretasse algum inconveniente atendível para a AT. Todavia, não será esse o caso. Desencadeado o procedimento inspectivo e havendo necessidade de avançar para correcções, será funcionalmente indiferente para a AT emitir uma liquidação correctiva para o grupo remanescente, e liquidações oficiosas para as sociedades que tenham sido indevidamente comunicadas como integrando aquele, ou emitir liquidações individuais para todas as sociedades envolvidas, sendo que, de resto, esta última solução até tenderá a consumir mais recursos da AT, e a dar azo a mais perturbação sistemática, por via da multiplicação da litigiosidade, tendo em conta implicar necessariamente a emissão de um maior número de actos de liquidação.

No caso concreto, estando em causa a não comunicação como integrando o âmbito do RETGS, de uma sociedade que a AT entende ser de incluir no perímetro daquele, é manifesto que sobrecarrega muito mais o sistema administrativo e judicial tributário, a multiplicação de liquidações individuais, em lugar da anulação da liquidação individual da sociedade que, porventura, devesse, nos termos legais, integrar o grupo fiscal, acompanhada da reformulação da liquidação deste.

            Também sob um ponto de vista de necessidade/proporcionalidade, será, no mínimo, altamente questionável considerar que em função de uma situação que pode derivar de lapso ou de divergências de qualificação jurídica (sendo que até poderá ser este o caso), um contribuinte se veja privado do direito a ser tributado segundo o RETGS, por ter preenchido incorrectamente, eventualmente, como se referiu, por lapso ou divergência de qualificação jurídica, o modelo de declaração de alterações exigido pela AT, porventura até em seu próprio prejuízo.

É certo que estas últimas considerações de ordem material poderão, em grande parte, ser transponíveis para as situações em que tendo o RETGS vigorado, o contribuinte não comunica devidamente a inclusão ou exclusão de uma sociedade que deva integrar ou deixar de integrar o grupo. Com efeito, também aí se pode considerar, nos mesmos termos, que não corresponde a qualquer interesse atendível da AT a cessação do RETGS, e questionar a proporcionalidade e necessidade de tal cessação, quando a situação pode igualmente derivar de lapso ou divergências de qualificação jurídica. Não obstante, nessa situação estaremos perante lei clara e expressa, para além de se poder considerar que estará aí em causa uma consequência de natureza sancionatória face ao incumprimento do dever consagrado no n.º 7, al. b) do art.º 69.º do Código em causa, o que, ao contrário do apontado pela AT, não poderá estar em causa na situação sub iudice, uma vez que estando-se perante a constituição do grupo de sociedades para efeitos fiscais, não existe uma obrigação específica de delimitação do perímetro do grupo, ao contrário do que acontece na pendência da aplicação do RETGS, por via do n.º 7.º, alínea b) do artigo 69.º do CIRC em causa, mas apenas, como se viu, a necessidade de manifestar, devidamente, a opção pela aplicação daquele Regime, e a existência objectiva de um grupo de sociedades, tal como definido na lei, pelo que não se deverá sancionar o contribuinte pela violação de um dever que a lei não impõe.

Acresce ainda que, atendendo a todo o referido, e tendo em conta que o n.º 8 em questão foi alterado pela Lei n.º 82-C/2014, de 31 de Dezembro, deixando de prever que a não comunicação oportuna da inclusão de sociedades do grupo acarrete a cessação do RETGS, a norma do n.º 8 do art.º 69.º, na parte em causa, deverá ser interpretada restritivamente, não se devendo subscrever uma posição que, não tendo uma base uma literal concludente, acolha situações dificilmente justificáveis, como seja, por exemplo, a situação de um grupo de sociedades que, na sua constituição, por lapso ou divergência de qualificação jurídica não inclua no perímetro do grupo indicado uma sociedade cuja inclusão, em concreto, lhe seja fiscalmente favorável, e que, por via disso, veja afastada a pretendida aplicação do RETGS.

            Uma nota, ainda, para a al. b) do n.º 8 do art.º 69.º em questão, que embora possa dar algum amparo literal à interpretação que sustente a sua aplicação aquando da constituição do grupo de sociedade, se deverá ter por aparente, na medida em que o texto completo da norma refere[3]: “Se verifique alguma das situações previstas no n.º 4 e a respetiva sociedade não seja excluída do grupo ao qual o regime está a ser ou pretende ser aplicado”, reforçando, a utilização da expressão “excluída”, o entendimento de que a sanção em questão decorre da violação do dever de excluir a sociedade do âmbito do grupo, e não da violação do putativo dever de não a incluir no âmbito do grupo a criar.

            Por outro lado, no caso concreto estamos perante a al. d) daquele referido n.º 8 do artigo 69.º, que é claro no seu enunciado legal, no sentido de se reportar a[4]alterações na composição do grupo, designadamente com a entrada de novas sociedades que satisfaçam os requisitos legalmente exigidos sem que seja feita a sua inclusão no âmbito do regime e efetuada a respetiva comunicação à Direção-Geral dos Impostos nos termos e prazo previstos no n.º 7”.

            No caso, é evidente que não estamos perante:

  1. alterações na composição do grupo, já que o conceito de alteração pressupõe uma situação já constituída, o que não ocorre, uma vez que a AT invalida, ab initio, a constituição do grupo fiscal;
  2. a entrada de novas sociedades, pela mesma ordem de razões, ou seja, a entrada de novas sociedades, implica a existência de um grupo já constituído, o que não ocorre;
  3. a possibilidade da inclusão da sociedade, que igualmente pressupõe a prévia existência de um grupo, onde aquela se possa incluir;
  4. a possibilidade de realização da comunicação nos termos e prazos previstos no n.º 7, que, também apenas está prevista para os exercícios subsequentes àquele em que se inicia a aplicação do RETGS.

            Acresce ainda que, se dúvidas houvesse quanto ao sentido do referido n.º 8, as mesmas dissipar-se-iam, crê-se, face ao disposto no n.º 9, sendo a própria al. b) deste número, também aplicada nos autos pela AT, que se refere à “cessação” ou “renúncia”, reportando os efeitos daquelas “Ao final do período de tributação anterior àquele em que deveria ser comunicada a inclusão de novas sociedades”, sendo que é logicamente inconcebível que uma situação cesse em data anterior à da sua constituição.

            No sentido referido, conclui Gonçalo Avelãs Nunes, em obra citada[5] pela Requerida, que:

Qualquer que seja a modalidade de saída do grupo, ela não deve ter qualquer relevo se se verificar no primeiro ano de integração, tudo se passando, para todos os efeitos legais, como se a sociedade em questão nunca tivesse sido integrada no grupo. (...) A saída de uma ou mais sociedades do grupo não deve implicar, só por si, a cessação da tributação do grupo pelo RTLC, a não ser em dois casos: a) quando a sociedade que sai for a sociedade dominante; b) quando restar uma sociedade (ainda que seja a sociedade dominante) em resultado da saída de algumas sociedades do grupo. Se o grupo se mantiver, não faz qualquer sentido que a saída de uma determinada sociedade dominada, (...) por ter ela deixado de cumprir os requisitos de elegibilidade, obrigue a que o grupo deixe de continuar a ser tributado pelo RTLC. Pela razão simples mais decisiva de que essa saída em nada altera as características fiscalmente relevantes do próprio grupo e não prejudica os fundamentos que determinam a tributação pelo RTLC. A instituição da regra contrária – a cessação da tributação do grupo pelo RTLC por força da mera saída de uma sociedade do grupo – significaria um regime absolutamente desnecessário e desproporcionado, que introduziria um grau de insegurança absolutamente inadequado e ilegítimo no que diz respeito ao regime de tributação aplicável às sociedades integrantes do grupo. Por outro lado, a saída do grupo, desde que enquadrada por um regime legal adequado, não é susceptível de prejudicar os interesses da AF dignos de tutela.[6]

            Conclui-se assim, e por tudo quanto se expôs, que o n.º 8 do artigo 69.º do CIRC em questão não se aplica às situações em que, como é o caso, esteja em causa a constituição de um grupo de sociedades, devendo, nessas situações as correcções a operar pela AT assentar na exclusão ou inclusão no grupo para efeitos de RETGS, das sociedades que, nos termos legais, o devam integrar, tributando, segundo as regras daquele Regime, o grupo assim formado, e, autonomamente, as sociedades que em cada caso, fase à correcta aplicação do Direito, não o possam integrar.

Ao fazê-lo, e na sequência da fundamentação que se expôs, não estará a Administração a substituir-se ao legislador, mas antes a cumprir, devidamente, o comando legislativo, não obstando à conclusão tirada a circunstância de que, de acordo com o n.º 11 do artigo 69.º do CIRC em causa, caber à sociedade dominante a obrigação de verificar e provar o cumprimento dos requisitos de aplicação do RETGS, desde logo porquanto tais requisitos são, como se viu também, a existência de um grupo e a manifestação oportuna da opção pela tributação segundo aquele, e depois porquanto a questão que ora nos ocupa se situa a jusante daquela, tratando-se da questão de saber, demonstrado que existe um grupo fiscal e que a opção pelo RETGS foi feita oportunamente, quais as consequências de um incorrecto preenchimento da declaração de alterações em que a referida opção foi exercida.

            Assim, verificando-se erro de direito na aplicação ao caso concreto do n.º 8, alínea b) do artigo 69.º do CIRC aplicável, e consequente violação de lei, será anulável o acto tributário sub iudice, devendo proceder, nesta parte o pedido arbitral.

            Face ao decidido, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões subsidiariamente colocadas pela Requerente, bem como da excepção arguida pela Requerida, que se reporta àquelas.

 

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  1. Anular o acto de liquidação adicional n.º 2017…, datado de 12-10-2017, relativo a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) respeitante ao ano de 2013, no montante global de imposto e juros compensatórios de € 71.503.34;
  2. Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante de € 2.448,00.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €71.503.34, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa 4 de Julho de 2018

 

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Rui Ferreira Rodrigues)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(José Nunes Barata)

 

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2] Note-se que a situação sub iudice não se identifica com a situação julgada naquele acórdão, na medida em que ali estará em causa uma situação ocorrida na pendência da aplicação do RETGS, e não aquando da constituição do grupo, por um lado, acrescendo ainda que, por isso mesmo, a questão da aplicação do n.º 8 do artigo 69.º do CIRC em causa às situações relativas à constituição do grupo fiscal não foi ali analisada.

[3] Sublinhado nosso.

[4] Idem.

[5]Tributação dos Grupos de Sociedades pelo Lucro Consolidado em sede de IRC”, Almedina, 2001.

[6] P. 176 e s.