Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 370/2019-T
Data da decisão: 2020-02-04  IRS  
Valor do pedido: € 139.914,68
Tema: IRS - levantamentos de caixa; artigo 2.º, n.º3, alínea c) do CIRS; ónus de prova.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Jorge Carita e Maria Antónia Torres (árbitros vogais), designados pelo Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam o seguinte:

  

I - Relatório

 

1. A..., contribuinte n.º..., residente no ..., ... – ... ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, tendo em vista a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IRS e de juros compensatórios de IRS, relativos aos anos de 2001, 2002, 2003 e 2004, no montante total de € 139 914,68 (cento e trinta e nove mil novecentos e catorze euros e sessenta e oito cêntimos), sendo esta a pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral. O Sujeito passivo pede, ainda, indemnização por prestação de garantia indevida, que prestou, no montante de €181.161,83 (cento e oitenta e um mil cento e sessenta e um euros e oitenta e três cêntimos) para suspensão da cobrança coerciva dos montantes sub judice.

 

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.°da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 8 de Agosto de 2019.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

3. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral o Requerente, alega, em síntese, o seguinte:

 

Uma acção de fiscalização à sociedade B..., S.A. detectou a existência de diversos “vales de caixa”, em nome do Requerente, ao longo de vários anos, tendo concluído que tais saídas de caixa representavam verdadeiras remunerações e, como tal, estariam sujeitas a IRS.

 

Por esse motivo, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT) efectuou liquidações adicionais de IRS, e respectivos juros compensatórios, relativamente aos anos de 2001 a 2004.

 

Porém, sustenta o Requerente que esses levantamentos não constituiram remunerações mas empréstimos a si concedidos pela B..., os quais, contabilisticamente, não foram registados pela empresa, como tal, em devido tempo, tendo-se mantido como vales de caixa.

 

E tanto assim foi, sustenta o Requerente, que em 30 de Dezembro de 2005 reembolsou o montante de € 393.060,82, conforme recibo e extracto de conta da B... . Porém, a AT considerou que tais documentos não provam os movimentos financeiros associados, pois a contabilidade da B... não mereceria credibilidade. Face a isso, o Requerente juntou cópia do seu cheque pessoal, devidamente carimbado pelo C..., comprovando o depósito dessa importância na conta da B... . Face à evidência da cópia do cheque, a AT vem dizer que não faz prova de que aquele montante foi para regularizar as saídas dos fundos em causa e manteve o enquadramento dos valores em questão como remuneração.

 

A AT entende que as importâncias tituladas pelos vales de caixa não poderiam ser considerados como empréstimos, dado que:

 

a)            Não cumprem o preceituado nos arts. 397º do CSC e 1143º do Código Civil;

b)           A certificação legal de contas não colocou reservas acerca disso;

c)            Tais saídas não foram relevadas na contabilidade como empréstimos concedidos ao administrador;

d)           Decorreu largo tempo até à sua restituição;

e)           No final de 2004 houve lançamentos com restituições que posteriormente foram anulados.

 

O Requerente entende que esta argumentação não faz sentido. Estando documentalmente provado que o Requerente restituiu as quantias que lhe tinham sido adiantadas, considera inaceitável ser-lhe exigido um imposto por um rendimento que não teve, violando os princípios da proporcionalidade e da justiça, assim como o princípio da substância sobre a forma. Entende o Requerente que um empréstimo não deixa de ser empréstimo porque não foram cumpridas as formalidades previstas na lei para empréstimos a administradores. E que o que distingue os empréstimos de outros contratos que envolvem a entrega de coisas a terceiros é a obrigação de restituir, o que aconteceu no caso concreto.

 

Por outro lado, entende o Requerente que, se fosse verdade tratarem-se de remunerações seriam custos dedutíveis ao nível da B..., os quais nunca foram registados pela empresa. E a AT deveria, nesse caso, ter ajustado, em consonância com a sua argumentação, o lucro tributável da B... .

 

Por sua vez, entende a AT que nada justifica que aqueles montantes sejam considerados empréstimos dado que nada existe contratualizado nem reduzido a escrito, nem qualquer lançamento em conta corrente própria do Requerente.

 

Sendo assim, consideraram os serviços de inspecção tributária tratarem-se de remunerações do trabalho dependente, dado que:

 

No quadriénio de 2001 a 2004 foi levantada pelo Requerente a importância de € 310.040,96 (€ 173.174,81 em 2001, € 7.800,00 em 2002, € 54.202,15 em 2003 e € 74.864,00 em 2004), o que revela estarmos perante uma prática reiterada entre a B... e o seu administrador.

 

Confrontado com estes elementos, o Requerente alega que as quantias em dinheiro provenientes da B... constituíram empréstimos concedidos à sua pessoa para financiar despesas particulares, desvalorizando as normas imperativas que regulam os mútuos feitos pelas sociedades aos sócios e administradores, afirmando que a sua violação não retira a natureza de empréstimo do movimento do caixa para a sua conta.

 

Ora, ao contrário do que o Requerente parece defender, não pretende a Administração Fiscal sancionar o não cumprimento das normas que proíbem a realização de contratos desta natureza entre a sociedade e os seus administradores. Nunca pretendeu a Administração pôr em causa que, num contrato de mútuo inválido, as partes devam restituir os valores emprestados.

 

O que a Administração Fiscal pretende é afirmar que, efectivamente, pelos elementos que enformam o processo, tais empréstimos nunca se efectuaram. Com efeito, até à data da Inspecção, não há nada a indicar que as saídas do caixa foram feitas a título de empréstimos.  A este propósito, é conveniente lembrar, refere a AT, que o saldo final do caixa no encerramento do exercício de 2004 seria de € 1.079.455,87, se não fossem dois lançamentos a crédito bastante oportunos, intitulados "depósitos", de € 567.043,53 e € 168.782,76. E que, tais lançamentos, que reduziram o saldo do caixa para € 343.629,58, foram anulados logo no início de 2005, voltando o mesmo a cifrar-se em valores superiores a € 1.000.000.

 

Estamos, portanto, perante indícios fortes de que tais movimentos tiveram como objectivo baixar o valor do caixa no final do exercício de 2004. Ora, se as retiradas de dinheiro resultassem dos alegados empréstimos, o mais natural seria que os respectivos montantes fossem lançados em contas de terceiros, o que não aconteceu.

 

Continua a AT referindo que existem, de facto, saídas reiteradas de numerário ao longo dos anos de 1999 a 2004 e que apenas quando os Serviços da Inspecção se dão conta das retiradas de dinheiro em nome do Requerente, em 10/03/2005, é que este se começa a escudar por detrás dos alegados empréstimos. Acresce que não há qualquer pagamento feito pelo Requerente à B... com data anterior à acção de fiscalização, o que, tendo em conta que as retiradas do caixa aconteciam há tantos anos, torna legítimas as suspeitas sobre a veracidade de tais empréstimos.

 

Assim, no entendimento da AT, o que parece legítimo é acreditar que nunca foram contraídos os empréstimos, até porque não existe qualquer correspondência entre os pagamentos feitos em 29/12/2005 (no montante de € 393.060,82) e as quantias retiradas, cuja soma, para o quadriénio de 2001 a 2004, se cifrou em € 310.040,96.  E que também não faz qualquer sentido apelar para as retiradas dos anos anteriores a 2001, pois existiram dezenas de vales de caixa datados de 1999 e 2000, tendo como beneficiários os mesmos administradores, a totalizarem cerca de € 510.000,00.

 

Não havendo correspondência entre tais importâncias, seria até legítimo supor, entende a AT, que essas transferências de dinheiro do Requerente para a B... visavam, não a devolução de montantes emprestados por esta, mas suprimentos feitos pelo Requerente. 

 

Logo, conclui a AT que não havendo empréstimos, apenas se tem como provado que saíram várias quantias do caixa em nome do Requerente.  Ora, por força do artigo 2.º n.º 3, alínea d), parte final, do CIRS consideram-se rendimentos de trabalho dependente as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício.

 

Por conseguinte, não tendo sido prestadas contas destas quantias até ao final dos respectivos exercícios, e não tendo sido mencionadas nas declarações de rendimento do Requerente, entende a AT que se encontram perfeitamente justificadas as correcções em sede do IRS dos anos de 2001 a 2004, de acordo com o disposto no artigo 65.º, n.º 4, do CIRS.

 

II - Saneamento

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções nem se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

III - Mérito

 

III. I - Matéria de facto

 

Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes e provados são os seguintes:

 

A) Na sequência de uma acção de fiscalização à sociedade B..., S.A., a AT detectou a existência de diversos “vales de caixa”, em nome do Requerente, relativos a vários exercícios financeiros;

 

B) Não existe uma contratualização nem qualquer outra formalização de tais montantes como empréstimos, nem os mesmos foram contabilizados pela B... como tal;

 

C) Não foram cumpridas também as normas do Código das Sociedades Comerciais e do Código Civil relativas a empréstimos das sociedades aos seus administradores;

 

D) Ao longo dos vários exercícios em questão, tais valores foram mantidos na forma de “vales de caixa”, não tendo existido reembolsos;

 

E) Em 30 de Dezembro de 2005 o Requerente reembolsou à B... o montante de € 393.060,82;

 

F) A AT efectuou liquidações adicionais de IRS, e respectivos juros compensatórios, relativamente aos anos de 2001 a 2004, enquadrando tais montantes como rendimentos do trabalho dependente;

 

G) O Requerente prestou garantia bancária no montante de € 181.161,83 (cento e oitenta e um mil cento e sessenta e um euros e oitenta e três cêntimos), que prestou na pendência das reclamações graciosas, para suspensão da cobrança coerciva dos montantes ora impugnados (ponto 52 do Pedido Arbitral).

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.

 

III. II - Matéria de direito

 

A questão em análise prende-se com o enquadramento em sede de IRS do montante total de € 139 914,68 (cento e trinta e nove mil novecentos e catorze euros e sessenta e oito cêntimos), montante esse que correspondia a “vales de caixa” da sociedade B..., emitidos em nome do Requerente, entre os anos de 2001 a 2004.

Sustenta o Requerente tratarem-se de quantias em dinheiro provenientes da B... e que constituíram empréstimos concedidos à sua pessoa para financiar despesas particulares, quantias essas que veio a reembolsar à empresa em 2005.

A Autoridade Tributária defende, em contraposição, não se tratarem de empréstimos mas de remunerações do trabalho dependente. Como justificação para a qualificação de tais quantias como remuneração do trabalho dependente, invoca o artigo 2º nº 3 alínea d) do Código do IRS, de acordo com o qual consideram-se rendimentos de trabalho dependente as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício.

 

Vejamos. Estabelece o artigo 74º da LGT que:

1-            O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque (redacção dada pela Lei n.º 50/05, de 30 de Agosto).

2-            Quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correcta identificação junto da administração tributária.

Recai assim sobre a AT o ónus de provar a verificação dos requisitos que lhe permitam alterar o rendimento coletável declarado pelo sujeito passivo nas suas Declarações modelo 3, apontando os elementos factuais demonstrativos de que as verbas subjacentes aos “vales de caixa” não foram empréstimos, como sustenta o Requerente, mas pagas pela entidade empregadora a título de rendimento do trabalho dependente.

Para esse efeito, a AT socorreu-se do estabelecido na parte final da alínea d) do nº 3 do artigo 2º do Código do IRS, que estabelece o seguinte:

“3 – Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente:

        d) As ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviços da entidade patronal, … e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício”. (sublinhado nosso)

Interpreta a AT este preceito no sentido de que quaisquer adiantamentos aos sócios são para despesas de deslocação e estadas que, não tendo sido justificados até ao termo do exercício, se presumem rendimentos do trabalho. 

Ora, querendo a AT aplicar ao caso sub judice a mencionada norma com aquele sentido, sublinhamos que sempre teria, em primeiro lugar, de conseguir sustentar que as verbas em questão se destinaram a “despesas de deslocação, viagens ou representação” dado que, segundo o preceito acima mencionado, apenas essas podem considerar-se rendimentos do trabalho dependente caso não tenham sido prestadas contas quanto às mesmas até ao termo do exercício.

Quanto ao destino das verbas em questão, o Requerente refere terem-lhe sido emprestadas para fazer face a despesas pessoais e não profissionais, pelo que caberia à AT apresentar prova de se tratarem de despesas profissionais dessa natureza. Ou seja, despesas com deslocações, viagens ou em representação da empresa.

Contudo, não apresenta a AT qualquer fundamento ou sequer explana qualquer indício que permita a qualificação das referidas verbas como despesas subsumíveis à alegada presunção do final da alínea d) do nº 3 do artigo 2º. E, sendo assim, ainda que se considerasse estarmos perante uma presunção, não vemos como pode a AT invocá-la a seu favor no contexto do caso em apreço.

Não se pode concluir pelo carácter remuneratório das verbas subjacentes aos “vales de caixa”, e pela sua sujeição à referida “presunção”, apenas por assim entender a AT ou por existirem indícios de não se tratarem de empréstimos. Haveria que provar a sua qualificação como despesas de deslocação, viagens ou representação para que se pudessem presumir como remuneração do trabalho dependente, o que não aconteceu. A AT deveria ter apresentado outros elementos capazes de confirmar a sua posição.

 

Entende, assim, este Tribunal Arbitral que a AT incorreu em erro de interpretação e aplicação da norma em causa e, nesta sequência, não cumpriu satisfatoriamente o seu dever probatório, pelo que não ilidiu a presunção de veracidade que acompanha as declarações do Requerente (art. 75º/1 LGT). E, assim, não subsistem quaisquer razões legais para remeter ao contribuinte o encargo de provar o que presumidamente a lei considera provado e que é pelo Requerente sustentado.

 

Termos em que procede o pedido do Requerente. 

 

Direito a indemnização por garantia indevida

 

O Requerente formula ainda um pedido de indemnização por garantia indevida, alegando ter prestado garantia no valor de € 181.161,83 (cento e oitenta e um mil cento e sessenta e um euros e oitenta e três cêntimos).

 

De acordo com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito».

 

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o art. 171.º do CPPT estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

 

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do art. 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

 

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

 

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

 

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

 

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

 No caso em apreço, os actos de liquidação adicional de IRS foram da exclusiva iniciativa da Administração Tributária e o Requerente em nada contribuiu para que elas fossem efectuadas.

 

Assiste desta forma ao Requerente direito a ver restituída a garantia indevidamente prestada, bem como quaisquer eventuais despesas incorridas, nos termos que vierem a ser fixados em execução de sentença.

 

III – Decisão

 

Termos em que se decide:

               

a) Julgar procedente o pedido arbitral de declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de IRS, e respectivos juros compensatórios, relativas aos exercícios de 2001, 2002, 2003 e 2004;

 

                b) Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária a pagar ao Requerente uma indemnização pelos custos suportados com a garantia prestada para suspender os processos de execução fiscal, nos termos que vierem a ser fixados em sede de execução de sentença.

 

IV-Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 139.914,68, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendeu obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

V-Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 4 de fevereiro de 2020

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

Maria Fernanda Maças

 

O árbitro vogal

Jorge Carita

 

O árbitro vogal

Maria Antónia Torres