Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 353/2019-T
Data da decisão: 2019-12-20  IRC  
Valor do pedido: € 38.299,45
Tema: IRC - Perdas por imparidade; quebras em inventários
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

1. A..., S.A., NIPC..., com sede na ..., ..., ...-... ... (doravante “REQUERENTE”), veio, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer, em 21/5/2019, a constituição de Tribunal Arbitral “com vista à pronúncia arbitral da declaração de anulação do ato de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios do ano 2015, com o n.º 2019... [...] tendo sido apurado o montante a pagar de €38.299,45 pela demonstração de acerto de contas n.º 2019... [...] efetuada pela Exma. Diretora Geral da ATA / Exmo. Chefe do Serviço de Finanças de Leiria -... .”

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.

2.1. Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 6.º e das als. a) e b) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou, através de despacho de 7/8/2019 (dada a renúncia às funções arbitrais por parte do árbitro anteriormente designado), o presente signatário como árbitro do presente tribunal arbitral, o qual comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

2.2. As partes foram devidamente notificadas da designação do árbitro no presente processo, não tendo manifestado vontade de recusar o mesmo, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

2.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 31 de Julho de 2019.

 

3. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alega, em síntese, o seguinte:

 

a)            “Relativamente à correção intitulada «Perdas por imparidade em dívidas a receber não dedutível fiscalmente do cliente B..., S.A.», no montante de €218.842,81, a fundamentação de facto e de direito encontra-se expressa no Capítulo III. 3.1 do RIT. [...]. A Requerente discorda de tal entendimento, desde logo, porque o lançamento contabilístico efetuado foi feito com base na certidão judicial, que se encontra junta ao RIT como Anexo III, a qual apenas foi levantada pela Requerente em 16/01/2015, conforme resulta da elaboração da conta e pagamento dos respetivos emolumentos, e, bem como da aposição do selo branco.”

 

b)           “Com efeito, embora a certidão tenha ínsita a data de elaboração em 17/12/2014, a Requerente apenas tomou conhecimento do seu teor em 16/01/2015, conforme recibo de levantamento da certidão que se junta como documento quatro.”

 

c)            “Sucede que a Requerente apenas reconheceu a imparidade a partir do conhecimento, certificado judicialmente, do valor reconhecido no âmbito do PER n.º .../13...TJNF, sendo certo que o valor em causa de €108.114,49 constava de lista provisória de credores, e que ainda não havia sido homologado o plano de recuperação.”

 

d)           “Pelo que, face às vicissitudes do processo especial de revitalização e à ainda duvidosa aprovação de plano de recuperação, a Requerente entendeu ser apenas de reconhecer a imparidade após a certeza do atestado em certidão judicial.”

 

e)           “[A]o contrário do entendimento da AT, o mero conhecimento da existência de um PER relativamente a um cliente não determina, por si só e automaticamente, o reconhecimento da totalidade da dívida como incobrável, sendo necessário obter alguma certeza quanto ao processo e quanto aos valores reconhecidos, devidamente documentado.”

 

f)            “[A]s circunstâncias dos trabalhos realizados para o cliente B... enquadravam-se num projeto conjunto de uma obra, a sinalização da via rodoviária ... . A ora Requerente emitiu faturas à cliente B... regularmente até fevereiro de 2011, sendo que em maio desse ano, deu entrada um processo de insolvência da B..., ao qual coube o n.º .../11...TJVNF, no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Famalicão.”

 

g)            “[A] Requerente e as referidas empresas [«nomeadamente a sociedade C..., S.A.»] outorgaram, em 19/10/2011, o acordo que foi junto como documento dois ao direito de audição prévia e que se encontra junto ao RIT como Anexo VI, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, designadamente com o compromisso assumido pela C..., S.A., de assumir o pagamento das obrigações da B... (conforme Cláusula Primeira). No seguimento deste acordo, a Requerente, no ano de 2012, e porque efetuou obras em cumprimento do acordado na subempreitada, ainda emitiu fatura à cliente B..., porém, a partir de agosto desse ano não houve mais recebimentos, nem da B..., nem da C....”

 

h)           “[A] Requerente, aquando do conhecimento do processo de insolvência n.º .../11...TJNF, reclamou o seu crédito junto do Administrador de Insolvência, conforme documento cinco que se junta, no montante de €28.660,87, por ser este o valor correspondente ao saldo em dívida no final de 2011 e, consequentemente, provisionou tal valor. Em 2012, a Requerente emitiu faturas relacionadas com a obra em curso no IC9, na qual a B... integrava o ACE, havendo acordo tripartido com a C... .”

 

i)             “[A] Requerente interpelou, diversas vezes, nos anos de 2012 e 2013, a C... para proceder ao pagamento do montante de € 193.062,87, conforme documento seis que se junta.”

 

j)             “Em abril de 2015, em virtude do incumprimento da cliente com o factoring (a quem a Requerente havia cedido créditos), a Requerente teve de acordar com a D... o pagamento prestacional da dívida de €13.217,07, relativo a faturas cedidas – conforme documento sete que se junta.”

 

k)            “Em 2015, a Requerente, após certidão judicial, reconheceu a imparidade no valor equivalente ao crédito reconhecido no âmbito (PER) n.º .../13...TJNF.”

 

l)             “Pelo que, a ora Requerente não violou as regras de prudência, nem de especialização dos exercícios na medida em que apenas foi reconhecida perda por dívida considerada incobrável na data em que se encontra documentalmente certificado o montante da dívida do cliente B... .”

 

m)          “Acresce que a correção fiscal enferma ainda do erro de não ter reconhecido o montante total da imparidade de €218.842,81, quando o documento que atesta o crédito reclamado e reconhecido sobre a B... no montante de €108.114,49, logo a AT deveria, pelo menos, ter aceite este montante de imparidade devidamente documentado.”

 

n)           “Por último, [...] a Requerente já procedeu à reversão parcial da imparidade no montante de €193.062,87, no decurso do ano de 2017, tendo por base o acordo de cessão de créditos que se encontra junto ao direito de audição como documento quatro, que faz parte integrante do Anexo VI do RIT. Ora, se em 2017 a Requerente já reverteu a imparidade no montante de €193.062,87, consequentemente, tal montante já foi objeto de tributação, pelo que não pode a AT tributar duas vezes o mesmo rendimento sob pena de violação do princípio de proibição de duplicação de coleta. Daí que seja ilegal a correção de desconsideração da imparidade reconhecida relativamente à dívida da B... à Requerente.”

 

o)           “Relativamente à correção intitulada «Créditos incobráveis não dedutíveis fiscalmente», no montante de €2.065,88, a fundamentação de facto e de direito encontra-se expressa no Capítulo III. 4 do RIT. A Requerente discorda [do entendimento aí contido] desde logo porque o lançamento contabilístico foi efetuado quando teve conhecimento do processo judicial de insolvência n.º .../14...T8FND, no qual foi [proferida] sentença que decretou a insolvência da E... transitada em 21/01/2015, conforme certidão do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, documento oito que se junta. Acresce que a imparidade de € 688,63 feita em 2014 foi contabilizada por aplicação do critério fiscal da mora dos saldos (25% sobre o valor de € 2754,51) e não por qualquer indício de insolvência do cliente, conforme documentos nove a treze que se juntam.”

 

p)           “Acresce ainda [...] que, na sequência da referida sentença que decretou a insolvência, foi apresentado o plano de insolvência [...], o qual foi aprovado e transitou em julgado em 06/10/2015, no âmbito do qual o plano de regularização das dívidas dos credores comuns (como era o caso da Requerente) consistiu no pagamento de 50% da totalidade da dívida em 120 prestações mensais, sendo nas primeiras 119 prestações amortizado 70% do capital e na última prestação os restantes 30% [...]. Valores estes que a ora Requerente tem recebido, conforme documento 5 junto ao direito de audição e que consta do Anexo VI do RIT, e que tem registado na conta 211111005 e emitido os respetivos recibos, conforme documentos catorze e quinze que se juntam.”

 

q)           “Nos anos de 2016 e 2017, a Requerente já reverteu a imparidade no montante de €89,10, correspondente ao valor recebido [...], o que determina, consequentemente, que tal montante já foi objeto de tributação, pelo que não pode a AT tributar duas vezes o mesmo rendimento sob pena de violação do princípio de duplicação de coleta. Daí que seja ilegal a correção de desconsideração dos créditos incobráveis reconhecidos relativamente à dívida da E..., Lda. à Requerente.”

 

r)            “Relativamente à correção intitulada «Reversão de perda por imparidade», no montante de €219.185.873, a fundamentação de facto e de direito encontra-se expressa no Capítulo III. 5 do RIT. A Requerente discorda da correção entendendo que é ilegal a correção de reversão de uma provisão constituída em 2011, e que produziu os seus efeitos nesse ano. Com efeito, tratando-se de provisão constituída no exercício de 2011, a sua anulação por efeito de reversão apenas poderia ocorrer nos quatro exercícios seguintes. Ora, tendo em consideração que a inspeção ocorreu no ano de 2018, já se encontrava caduco o exercício de 2011, carecendo a AT de base legal para efetuar a correção fiscal.”

 

s)            “A entender-se de outra forma, estaria a permitir-se que, a qualquer altura e independentemente do prazo de caducidade, a AT poderia efetuar reversões de qualquer provisão constituída em qualquer exercício transato. Ademais, tendo a AT procedido a uma ação de inspetiva ao exercício de 2013 apenas corrigiu parte da provisão constituída e não a totalidade da provisão.”

 

t)            “Por outro lado, a provisão, à data em que foi constituída (dezembro de 2011 [...]), teve como fundamento legal a mora no recebimento há mais de 24 meses, o que aliás foi reconhecido pela AT. [...]. A dívida provisionada dizia respeito a obras concluídas, portanto referentes à atividade, e cujas faturas a Requerente cedeu ao factoring (D...), porém o cliente não cumpriu o pagamento das mesmas junto daquele D....”

 

u)           “No ano de 2015, a Requerente fez dois fornecimentos pontuais tendo recebido imediatamente o primeiro dos valores faturados e o segundo acabou por ser provisionado em 2017 por cobrança duvidosa face à mora, conforme extrato da conta de cliente que se junta como documento dezassete. Face ao exposto, entende-se que é ilegal a correção de reversão da provisão constituída em 2011 relativa a dívidas da F..., unip. Lda. à Requerente.”

 

 

v)            “Relativamente à correção intitulada «Quebras em inventários», no montante de €4.191,54, a fundamentação de facto e de direito encontra-se expressa no Capítulo III. 6 do RIT. [...]. A Requerente não aceita a correção fiscal efetuada porque a mesma não teve em consideração que na fabricação e montagem de sinalização de vias rodoviárias existem quebras e desperdícios. [...] a ora Requerente regularmente emite faturação de venda de desperdício de ferro, chapa de alumínio, plásticos, baterias, e outros, na qual identifica a obra da qual resultam os desperdícios. Venda de desperdícios que é feita tendo por referência a medida de quantidade «KG», sendo que nem sempre os desperdícios vendidos tenham correspondência direta na mesma medida em sede de inventários. Ou, dito de outra forma, alguns produtos são quantificados no inventário à unidade e quando são vendidos em desperdício são quantificados em «KG», o que pode gerar discrepâncias no inventário do final do ano.”

 

w)          “No entanto, [tais discrepâncias não são] motivo para a correção fiscal, isto porque a Requerente faz actualmente a contagem física dos produtos existentes em inventário e porque ao longo do ano todos os produtos qualificados como desperdícios são objeto de venda devidamente faturada. [...]. [...] as perdas em inventários est[ão] devidamente justificadas e devem ser aceites como gastos essenciais ao desenvolvimento da atividade e, consequentemente, à obtenção de rendimentos.”

 

x)            “Em suma, as correções fiscais contestadas supra enfermam de ilegalidade por erro imputável à AT. Falta de fundamento de facto e de direito das correções fiscais que determina, consequentemente, a ilegalidade da liquidação de IRC e JC do ano de 2015, cuja anulação se requer.”

 

3.1. A Requerente termina pedindo ao presente Tribunal Arbitral a “declaração de anulação do ato de liquidação de IRC e JC do ano de 2015, na parte em que tributa o acréscimo à matéria tributável da quantia de € 444.285,96.”

 

4. A Autoridade Tributária e Aduaneira (daqui em diante será abreviadamente designada por “Requerida” ou “AT”) apresentou resposta, invocando, em síntese, o seguinte:

a)            “Os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) determinaram a realização de seis correções à matéria coletável do exercício de 2015 [da ora Requerente]: a) Custo das matérias-primas em excesso: 1.191,45 €; b) Perda por imparidade não dedutível fiscal[mente]: 218.842,81 €; c) Perda por imparidade não dedutível fiscal[mente]: 570,00 €; d) Créditos incobráveis não dedutíve[is] fiscal[mente]: 2.065,88 €; e) Reversão de perda de imparidade: 219.185,73 €; f) Quebras em inventários não dedutíveis fiscalmente: 4.191,54 €; Total de correções 446.047,41 €.”

 

b)           “A Requerente não contesta as correções relativas ao custo das matérias primas (1.191,45 €) e à perda por imparidade não dedutível fiscalmente (570,00 €). Vejamos, pois, cada uma das correções impugnadas”.

 

c)            “[Quanto à «Perda por imparidade não dedutível fiscal», no valor de €218.842,81,] [o]s SIT propuseram a correção de € 218.842,81, que a Requerente havia registado como perdas por imparidade em dívidas a receber de clientes, por não observância do disposto nos artigos 18.º, n.º 1, 28.º-A, n.º 1, alínea a), e 28.º -B, n. º 1, alínea a), todos do Código do IRC.”

 

d)           “Entendem os SIT que havia informação suficiente, antes de 2015, que levava a concluir que o cliente em causa era considerado de cobrança duvidosa pelo que deveria ter sido constituída a perda por imparidade para a totalidade da dívida deste cliente, em períodos de tributação anteriores a 2015.”

 

e)           “A Requerente discorda de tal entendimento, desde logo, porque o lançamento contabilístico foi feito com base na certidão judicial, que segundo afirma, só foi do seu conhecimento em 16/01/2015, data em que procedeu ao seu levantamento e pagou os emolumentos respetivos.”

 

f)            “Defende que o mero conhecimento da existência de um Processo Especial de Revitalização (PER) relativamente a um cliente não determina, por si só e automaticamente, o reconhecimento da totalidade da dívida como incobrável, sendo necessário obter alguma certeza quanto ao processo e quanto aos valores reconhecidos, razão porque entendeu só reconhecer a imparidade após ter tido conhecimento da certidão judicial.”

 

g)            “Emitiu faturas regularmente ao cliente B... até fevereiro de 2011, sendo que em maio desse ano, deu entrada um processo de insolvência da B..., no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia. Refere ainda que o seu cliente B..., em conjunto com outras empresas e sob a forma de ACE, tinha a seu cargo obras em que a Requerente era subempreiteira. Assim, em cumprimento da subempreitada, no ano de 2012, ainda emitiu faturas ao cliente B..., porém a partir de agosto desse ano não houve mais recebimentos.”

 

h)           “Reconheceu a imparidade em 2015, após certidão judicial, pelo que considera que não violou as regras da prudência, nem de especialização dos exercícios, na medida em que apenas reconheceu a perda na data em que se encontra documentalmente certificado o montante da dívida do cliente B... .”

 

i)             “Ora não assiste qualquer razão à Requerente, aliás quanto a este ponto, fundamenta a Inspeção Tributária, e bem, que «a certidão constante do anexo II do relatório tem data de emissão de 17-12-2014, pelo que foi requerida em data anterior, e certifica que em 04-03-2014 o Administrador Judicial Provisório apresentou a lista provisória de credores, que o crédito reconhecido na lista provisória de credores é de 108.114,19€ e que em 08-07-2014 foi recusada a homologação do plano de recuperação.»”

 

j)             “Assim, no ano de 2014 o sujeito passivo já tinha conhecimento do Processo Especial de Revitalização, pelo que deveria ter constituído a perda por imparidade respetiva. Face ao exposto verifica-se que não é aceitável o reconhecimento da dedutibilidade fiscal das perdas por imparidades – dívidas incobráveis de clientes, no montante de € 218.842,81, no exercício de 2015, quando as mesmas respeitam a exercício anterior e eram conhecidas e previsíveis.”

k)            “[Quanto aos «Créditos incobráveis não dedutível fiscal», no montante de €2.065,88,] [o]s SIT propuseram a correção de € 2.065,88, valor contabilizado pela Requerente, no exercício de 2015, como crédito incobrável e relativo à divida do cliente E..., Lda.. Entendem os SIT que a Requerente sabia da existência desde 2014 de um PER para este cliente pelo que o risco de incobrabilidade da dívida deveria ter sido reconhecido em período anterior.”

 

l)             “A Requerente considera ilegal a correção de desconsideração dos créditos incobráveis reconhecidos relativamente à dívida da E..., Lda., e invoca os seguintes argumentos: a) O lançamento contabilístico foi efetuado quando teve conhecimento do processo judicial de insolvência n.º .../14...T8FND, no qual foi sentença que decretou a insolvência da E... transitada em 21/01/2015, conforme certidão do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco; b) A imparidade de € 688,63 feita em 2014 foi contabilizada por aplicação do critério fiscal da mora dos saldos (25% sobre o valor de € 2754,51) e não por qualquer indício de insolvência do cliente; c) O plano de insolvência aprovado e transitado em julgado em 06/10/2015, estabelecia a regularização das dividas dos credores comuns (como era o caso da ora requerente) através do pagamento de 50% da totalidade da divida em 120 prestações mensais, sendo nas primeiras 119 prestações amortizado 70% do capital e na última prestação os restantes 30%, valores estes que a ora Requerente que tem registado na conta 211111005 e emitido os respetivos recibos; d) Nos anos de 2016 e 2017, já reverteu a imparidade no montante de € 89,10, correspondente ao valor recebido o que determina, consequentemente, que tal montante já foi objeto de tributação, pelo que não pode a AT tributar duas vezes o mesmo rendimento sob pena de violação do princípio de proibição de duplicação de coleta.”

 

m)          “[N]ão procedem os argumentos da Requerente uma vez que no ano de 2014 o sujeito passivo já tinha conhecimento de um Processo Especial de Revitalização, conforme anúncio de publicidade de recusa de homologação e citação de credores e outros interessados datado de 22-10-2014 - Anexo VI do projeto de relatório!”

n)           “O art. 9.º, n.º 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) determina que, com a publicação, no local próprio, dos anúncios requeridos neste código, acompanhada da afixação de editais, se exigida, respeitantes a quaisquer atos, se consideram citados ou notificados todos os credores, incluindo aqueles para os quais a lei exija formas diversas de comunicação e que não devam já haver-se por citados ou notificados em momento anterior, sem prejuízo do disposto quanto aos créditos públicos. Mais, nos termos do art. 37.º, n.º 7, do CIRE, os demais credores e outros interessados são citados por edital, com prazo de dilação de cinco dias, afixado na sede ou na residência do devedor, nos seus estabelecimentos e no próprio tribunal e por anúncio publicado no portal Citius.”

 

o)           “Portanto, a sentença de declaração de insolvência dos contribuintes é afixada e publicada de forma a poder ser consultada e acessível a qualquer pessoa, bem como a citação para reclamação de créditos na insolvência. Não pode, por isso, vir alegar a Requerente que só considerou os créditos incobráveis no ano de 2015, por só naquela data ter tido conhecimento da declaração de insolvência/PER do cliente, uma vez que a informação estava disponível para consulta nos locais e pela forma prevista no art. 37.º, n.º 7, do CIRE.”

 

p)           “Face ao exposto verifica-se que não é aceitável o reconhecimento dos Créditos incobráveis não dedutíveis fiscalmente, no montante de € 2.065,88, no exercício de 2015, quando as mesmas respeitam a exercício anterior e eram conhecidas e previsíveis.”

 

q)           “Também aqui, como no que se refere à matéria referida na alínea anterior, está em causa o cumprimento do princípio da especialização dos exercícios.”

 

r)            “A não consideração de todos os custos e proveitos obtidos ou incorridos em determinado ano ou exercício económico, constitui não só violação do princípio da especialização de exercícios (artigo 18.º do CIRC), como também viola o princípio da tributação do lucro real, porque se não forem declarados, pelo contribuinte, num determinado ano ou exercício, todos os proveitos e lucros a ele economicamente imputáveis, o lucro que vier a apurar não pode, naturalmente, corresponder ao lucro real desse ano ou exercício, e é em relação a esse período de tempo, que o lucro real, para efeitos de tributação, deve ser aferido.”

 

s)            “[B]em andou a Inspeção Tributária, ao efetuar as correções à matéria coletável, que têm por base a aplicação do princípio da especialização dos exercícios com consagração legal no art.º 18.º do CIRC, pelo que não enfermam de ilegalidade.”

 

t)            “[Quanto à «Reversão de perda de imparidade», no montante de €219.185,73,] [o]s SIT propuseram a correção de € 219.185,73, valor que a Requerente havia registado como perdas por imparidade em dívidas a receber de clientes, em exercícios anteriores, por considerarem que as mesmas não deveriam subsistir, por deixarem de se verificar as condições objetivas que as determinaram, nos termos do artigo 28.º-A, n.º 3, do CIRC.”

 

u)           “Referem os SIT que a Requerente, no ano de 2015, emitiu faturas para o cliente em causa (F..., Lda.) e que, face à retoma das transações comerciais, deveria estar em condições de justificar as razões que levam a manter a perda por imparidade relativamente a este cliente. A Requerente entende que a correção é ilegal, pois a perda por imparidade foi constituída no ano de 2011, e a sua anulação por efeito de reversão só poderia ocorrer nos quatro exercícios seguintes.”

 

v)            “«À reversão de perda por imparidade do cliente F..., Lda., mencionada no ponto 111-5 do projeto de relatório, conforme referido no projeto de relatório o sujeito passivo recomeçou as transações com o cliente no ano 2015 e não foram apresentados documentados justificativos da manutenção da perda imparidade, tanto na fase de inspeção como na fase do direito de audição;» (vide RIT pág. 21). Efetivamente, e como pode ler-se no RIT, «o sujeito passivo não juntou documentos que justifiquem a manutenção da perda por imparidade referente a este cliente, pelo que não apresentou documentos que levem a crer que a imparidade deva subsistir ou que as condições face às quais foi considerada se mantenham.»”

 

w)          “Em conclusão, face ao recomeço das transações comerciais entre o sujeito passivo e o cliente anteriormente referido e a não apresentação de documentos justificativos da manutenção da perda por imparidade constituída em anos anteriores, vislumbra-se assim que deixaram de se verificar as condições objetivas que determinaram a dedução da perda por imparidade referente a este cliente. Pelo que, nos termos do n.º 3 do artigo 28.º-A do CIRC, considera-se a perda por imparidade componente positiva do lucro tributável do ano de 2015”.

 

x)            “E nem se diga, como o fez a Requerente que, em procedimento de inspeção anterior, ao exercício de 2013, houve qualquer reconhecimento da provisão que se encontrava constituída desde 2011, pois tal não corresponde à verdade dos factos. Efetivamente, no âmbito do procedimento de inspeção ao exercício de 2013, a IT apenas corrigiu parte da provisão constituída e não a totalidade da provisão, porque, justamente, nesse ano não se verifica a factualidade inerente: o retomar das relações comerciais entre o sujeito passivo e o cliente em causa.”

 

y)            “Em conclusão, a não apresentação de documentos justificativos da manutenção da perda por imparidade constituída em anos anteriores, face ao recomeço das transações comerciais entre o sujeito passivo e o cliente anteriormente referido, só pode significar que deixaram de se verificar as condições objetivas que determinaram a dedução da perda por imparidade referente a este cliente. Pelo que, nos termos do n.º 3 do artigo 28.º-A do CIRC, considerou a IT, e bem, a perda por imparidade componente positiva do lucro tributável do ano de 2015.”

 

z)            “Dos dados que constam no processo não existe qualquer evidência de que a Requerente tenha efetuado, no período de tributação de 2015, diligências de cobrança consideradas adequadas e reunido as provas que levassem a concluir não existirem expetativas razoáveis de recuperação do crédito. Pelo contrário, o retomar dos fornecimentos a este cliente é indiciador de que a Requerente tinha expetativas de vir a cobrar os valores em dívida. Expetativa que era reforçada pelo facto da F..., Lda., continuar a exercer atividade e não existir sobre si a pendência de qualquer um dos processos referidos na alínea a) do n.º 1 do referido art. 28.º-B do CIRC.” (§81.º da resposta da AT).

 

aa)         “Refere a Requerente que dos fornecimentos que efetuou a este cliente em 2015 só conseguiu receber o primeiro e que no exercício de 2017 acabou por reconhecer a perda por imparidade face à mora no pagamento. Apesar disso e face ao montante em causa, a Requerente não tentou a cobrança judicial desses créditos.” (§82.º e §83.º).

 

bb)         “Nem a Requerente, nem outros fornecedores, pois como referimos não consta que o devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas. [...]. Assim, as perdas por imparidade constituídas em anos anteriores relativamente a este cliente não deviam subsistir. Ao retomar as relações comerciais com o seu cliente a Requerente pôs em causa as perdas por imparidade constituídas em anos anteriores e nesse sentido não parece existir qualquer ilegalidade na correção proposta pelos SIT.” (§84.º, §87.º e §88.º).

 

cc)          “[Quanto às «Quebras em inventários não dedutíveis fiscalmente», no montante de €4191,54,] [o]s SIT [propuseram] uma correção de € 4.191,54, valor contabilizado pela Requerente como quebra de inventário de produtos acabados e intermédios.”

 

dd)         “A Requerente não aceita a correção fiscal porque a mesma não teve em consideração a atividade desenvolvida, nomeadamente não foi considerado que na fabricação e montagem de sinalização de vias rodoviárias existem quebras e desperdícios. Desperdícios que, segundo a Requerente, são vendidos, sendo que nem sempre se consegue uma correspondência direta entre os desperdícios e os bens que constam em inventários, nomeadamente porque as unidades de medida são diferentes. Daí que, considera a Requerente, as perdas em inventários estejam devidamente justificadas e devem ser aceites como gastos essenciais ao desenvolvimento da atividade e, consequentemente, à obtenção de rendimentos.”

 

ee)         “Porém, em termos de imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, as quebras em produtos acabados e intermédios anteriormente referidas, não estão devidamente documentadas e justificadas, pelo que não são dedutíveis em gastos nos termos do artigo 23.º, n.º 3, do CIRC, no ano de 2015 no valor de 4.191,54.”

 

ff)           “No que se refere ao pagamento de juros indemnizatórios previstos no artigo 43.º da LGT, por tudo quanto supra se disse, os mesmos não são devidos.”

 

4.1. A AT conclui pedindo que seja “julgado improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, se[ja] a Requerida absolvida dos pedidos.”

 

5. Ao abrigo do disposto nos artigos 16.º, alíneas c) e e), e 19.º do RJAT, o Tribunal Arbitral considerou ser dispensável a produção de prova testemunhal, dado entender que existem nos autos elementos probatórios suficientes para proferir a decisão. Também através de despacho de 4 de Dezembro de 2019, o Tribunal prescindiu da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Foi, ainda, fixado o dia 20 de Dezembro de 2019 para a prolação da decisão arbitral.

 

II. Saneamento

 

6. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º, ambos do RJAT.

 

7. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

8. Pelo supra exposto, e não se verificando nulidades, impõe-se o conhecimento, em seguida, do mérito do pedido.

 

III. Questões a decidir

 

9. Na petição arbitral, a Requerente diz formular “pedido de constituição de Tribunal Arbitral [...] com vista à pronúncia arbitral da declaração de anulação do ato de liquidação de IRC e JC do ano de 2015, na parte em que tributa o acréscimo à matéria tributável da quantia de €444.285,96.”  A Requerente coloca em causa: a “correção intitulada «Perdas por imparidade em dívidas a receber não dedutível fiscalmente»”, no montante de €218,842,81; a “correção intitulada «Créditos incobráveis não dedutíveis fiscalmente»”, no montante de €2065,88; a “correção intitulada «Reversão de perda por imparidade»”, no montante de €219.185,73; e a “correção intitulada «Quebras em inventários»”, no montante de €4191,54. 

 

9.1. Em síntese, a Requerente entende, quanto às referidas correcções fiscais, que as mesmas “enfermam de ilegalidade por erro imputável à AT. Falta de fundamento de facto e de direito das correcções fiscais que determina [, em seu entender,] a consequente ilegalidade da liquidação de IRC e JC do ano de 2015, cuja anulação [...] requer”. 

 

10. Pelo exposto, a questão essencial a decidir nos presentes autos diz respeito à avaliação da alegada “ilegalidade das correcções” colocadas em causa pela Requerente, e da “consequente [alegada] ilegalidade da liquidação sub judice”.

 

IV. Mérito

 

IV.1. Matéria de Facto

 

IV.1.1. Factos provados

 

11. Com relevância para a decisão do presente processo, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

A. A Requerente é uma sociedade registada sob o CAE principal 42110 – Construção de estradas e pistas de aeroportos, ainda que pela análise da contabilidade os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) tenham verificado que a sua actividade principal seria antes a de pintura de vias rodoviárias, produção e aplicação de sinalização vertical (vd. RIT apenso aos autos).

B. A referida liquidação resultou de acção inspectiva à Requerente, a qual foi efectuada em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2018..., com despacho de 12/4/2018.

C. No decurso do ano de 2018, a Requerente foi objecto de uma acção inspectiva externa, de âmbito geral, com referência ao exercício de 2015.

D. Os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) determinaram a realização de seis correcções à matéria colectável do exercício de 2015: i) Custo das matérias-primas em excesso: €1191,45; ii) Perda por imparidade não dedutível fiscalmente: €218.842,81; iii) Perda por imparidade não dedutível fiscalmente: €570,00; iv) Créditos incobráveis não dedutíveis fiscalmente: €2.065,88; v) Reversão de perda por imparidade: €219.185,73; vi) Quebras em inventários não dedutíveis fiscalmente: €4191,54. A ora Requerente, do total das correcções referidas, no montante de €446.047,41, não contesta, nestes autos, as correcções relativas ao custo das matérias-primas (€1191,45) e à perda por imparidade não dedutível fiscalmente (€570,00).

E. No ano de 2015, a Requerente registou na sua contabilidade, através do lançamento n.º 62 do diário de “Diversos” do mês de Junho de 2015, uma perda por imparidade relativa à dívida a receber do cliente B..., S.A., no valor de €218.842,81, tendo transferido esse valor de clientes conta corrente para clientes de cobrança duvidosa.

F. A Requerente apresentou como documento de suporte para o referido lançamento contabilístico uma certidão emitida em 17/12/2014 pelo Tribunal de Vila Nova de Famalicão, na qual se certifica que a ora Requerente consta da lista de credores com o crédito reconhecido de €108.114,49, referente ao Processo Especial de Revitalização (CIRE) com o n.º .../13...TJNF (vd. Anexo III ao RIT apenso aos presentes autos).

G. Apesar de, no referido ano de 2014 (como se demonstra supra), ter tido conhecimento da existência de um Processo Especial de Revitalização, a Requerente não constituiu a perda por imparidade quanto à totalidade da dívida a receber relativamente ao cliente B... .

H. No ano de 2015, a ora Requerente contabilizou créditos incobráveis no montante de €2065,88, através do lançamento n.º 106 do diário de “Diversos” de Outubro de 2015, referente a dívida do cliente E..., Lda., no valor de €2.754,51. Nos saldos iniciais da contabilidade do ano de 2015, que provém de 2014, já constava o saldo do referido cliente E..., Lda., no valor de €2754,51 na conta de clientes de cobrança duvidosa e já constava uma perda por imparidade no valor de €688,63.

I. Consultado o sistema Citius, os SIT constataram a existência de um Processo Especial de Revitalização referente ao cliente E..., Lda., com data de propositura de 3/3/2014 (vd. Anexo VI ao RIT apenso). Pela leitura desse Anexo, constata-se que no ano de 2014 a Requerente já tinha tido conhecimento de um Processo Especial de Revitalização (Proc. .../14...TBCVL), tendo em conta, nomeadamente, o “Anúncio de Publicidade de Recusa de homologação e citação de credores e outros interessados” datado de 22/10/2014.

J. Apesar de, no referido ano de 2014 (como se demonstra supra), ter tido conhecimento da existência de um Processo Especial de Revitalização, a Requerente não constituiu a perda por imparidade quanto à totalidade da dívida a receber relativamente ao cliente E..., Lda..

L. Analisada a contabilidade da Requerente do ano de 2015, os SIT verificaram que a conta “213110193 – Clientes de cobrança duvidosa – Gerais – Nacionais -F..., Lda.” apresentava um valor em dívida de €224.167,18, referente a perdas por imparidades constituídas em anos anteriores. Consultado o processo individual da Requerente, verificou-se que foi realizada uma acção inspectiva ao ano de 2013 – Ordem de Serviço n.º OI2015..., na qual foi corrigida a perda por imparidade deduzida nesse ano, no montante de €4981,45, sobre a dívida do supra referido cliente F..., no valor de €224.167,18, por falta de apresentação de justificativo da sua dedutibilidade fiscal.

M. No ano em análise de 2015, verificou-se que a Requerente emitiu facturas ao cliente F..., referentes a vendas (facturas discriminadas a fl. 11 do RIT apenso e não contestadas pela Requerente); atendendo à situação deste cliente, os SIT solicitaram documentos justificativos da perda de imparidade, mas a ora Requerente não juntou quaisquer documentos a justificar a manutenção da perda por imparidade quanto a esse cliente. Nestes autos, a Requerente também não juntou documentos que permitissem justificar a manutenção dessa perda por imparidade, ou que permitissem perceber por que é que as condições face às quais a imparidade foi considerada se mantinham.

N. A Requerente não alegou nem demonstrou ter adoptado, no período de tributação de 2015, quaisquer diligências de cobrança visando o recebimento dos valores em dívida por parte do cliente F..., e não invocou uma prova objectiva de imparidade.

O. Tendo havido reinício das transacções comerciais entre a ora Requerente e o acima referido cliente, e face à não apresentação de documentos justificativos da manutenção da perda por imparidade constituída em anos anteriores, os SIT consideraram a perda por imparidade componente positiva do lucro tributável do ano de 2015 (reversão da perda por imparidade: €219.185,73 = €224.167,18 – €4981,45).

P. A ora Requerente contabilizou uma quebra em inventário de produtos acabados e intermédios no montante de €4191,54, através do lançamento n.º 128 do diário de “Diversos” de Dezembro de 2015. Como documento de suporte deste lançamento, a ora Requerente emitiu uma listagem denominada “Análise de desvios de referências introduzidas em (Euros) – Inventário Dezembro 2015 em 31-12-2015”, emitida pelo programa de facturação, na qual os artigos estão discriminados por referência e descrição. Nessa listagem, as faltas de artigos discriminadas totalizam €4191,54.

Q. Uma vez que as quebras em produtos acabados e intermédios referidas não estavam devidamente documentadas e justificadas (nem o foram nestes autos pela Requerente), não se consideraram as mesmas dedutíveis fiscalmente em gastos, nos termos do art. 23.º, n.º 3, do CIRC. E não se trata, aqui, de desperdícios metálicos, dado que, como se pode ler na fl. 21 do RIT apenso aos autos, “os desperdícios metálicos originados com o fabrico dos produtos acabados não poderiam constar do inventário de produtos acabados, pelo que não poderiam corresponder às faltas detetadas aquando da contagem física. Se algum dos produtos acabados constante da listagem foi vendido para a sucata devido a algum problema com montagem, teria de ser faturado com a referência respetiva de forma a ser abatido no inventário e a não existir[em] faltas aquando da contagem física.” Este argumento não foi desmentido pela ora Requerente.   

R. A Requerente interpôs o pedido de constituição de tribunal arbitral em 21/5/2019.               

 

IV.1.2. Factos não provados

 

12. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a presente decisão arbitral.

 

IV.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

13. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT, e art. 607.º, n.º 3, do CPC, ex vi art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

14. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objecto do litígio no direito aplicável (vd. art. 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).

 

15. A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto) e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados pelas mesmas.

 

IV.2. Matéria de direito

 

16. Considerando que os argumentos da Requerente e da Requerida se encontram reflectidos na parte do relatório desta decisão (vd., supra, I.), passa-se, de imediato, à análise da questão essencial a decidir nos presentes autos, a qual diz respeito à avaliação da alegada “ilegalidade das correcções” colocadas em causa pela Requerente, e da “consequente [alegada] ilegalidade da liquidação sub judice [IRC e juros compensatórios do ano de 2015]”.

 

17. Com efeito, a ora Requerente formulou “pedido de constituição de Tribunal Arbitral [...] com vista à pronúncia arbitral da declaração de anulação do ato de liquidação de IRC e JC do ano de 2015, na parte em que tributa o acréscimo à matéria tributável da quantia de €444.285,96.” A Requerente coloca, aqui, em causa, nomeadamente: i) a “correção intitulada «Perdas por imparidade em dívidas a receber não dedutível fiscalmente»”, no montante de €218,842,81; ii) a “correção intitulada «Créditos incobráveis não dedutíveis fiscalmente»”, no montante de €2065,88; iii) a “correção intitulada «Reversão de perda por imparidade»”, no montante de €219.185,73; iv) a “correção intitulada «Quebras em inventários»”, no montante de €4191,54.

 

18. Em síntese, a Requerente entende, quanto às referidas correcções fiscais, que as mesmas “enfermam de ilegalidade por erro imputável à AT. Falta de fundamento de facto e de direito das correcções fiscais que determina [, em seu entender,] a consequente ilegalidade da liquidação de IRC e JC do ano de 2015, cuja anulação [...] requer”.

 

19. Tendo em vista a análise sequencial das razões apresentadas pela Requerente, a respeito de cada uma das quatro correcções identificadas, também seguiremos, aqui, a ordem dessa lista.

 

20. Vejamos, então.

 

21. No que diz respeito à perda por imparidade não dedutível fiscalmente, no montante de €218.842,81, os SIT propuseram tal correcção porque “a Requerente havia registado como perdas por imparidade em dívidas a receber de clientes, por não observância do disposto nos artigos 18.º, n.º 1, 28.º-A, n.º 1 alínea a) e 28.º -B, n. º 1 alínea a), todos do Código do IRC.”

 

22. Em causa está, segundo os SIT, o facto de haver informação suficiente, antes de 2015, que levava a concluir que o cliente em causa (B...) era considerado de cobrança duvidosa, pelo que deveria ter sido constituída a perda por imparidade para a totalidade da dívida desse cliente, em períodos de tributação anteriores a 2015. O que não sucedeu.

 

23. A Requerente discorda de tal entendimento porque “o lançamento contabilístico efetuado foi feito com base na certidão judicial, que se encontra junta ao RIT como Anexo III, a qual apenas foi levantada pela Requerente em 16/01/2015, conforme resulta da elaboração da conta e pagamento dos respetivos emolumentos, e, bem como da aposição do selo branco.” Acrescenta, ainda, que, “embora a certidão tenha ínsita a data de elaboração em 17/12/2014, a Requerente apenas tomou conhecimento do seu teor em 16/01/2015, conforme recibo de levantamento da certidão que se junta como documento quatro.”

 

24. A Requerente acrescenta, também, que “o mero conhecimento da existência de um PER relativamente a um cliente não determina, por si só e automaticamente, o reconhecimento da totalidade da dívida como incobrável, sendo necessário obter alguma certeza quanto ao processo e quanto aos valores reconhecidos, devidamente documentado.” E afirma que “apenas reconheceu a imparidade a partir do conhecimento, certificado judicialmente, do valor reconhecido no âmbito do PER n.º .../13...TJNF”, razão pela qual conclui que “a ora Requerente não violou as regras de prudência, nem de especialização dos exercícios, na medida em que apenas foi reconhecida perda por dívida considerada incobrável na data em que se encontra documentalmente certificado o montante da dívida do cliente B... .”

 

25. Sucede, contudo, que, como se pode observar no RIT apenso aos autos, a Requerente apresentou como documento de suporte para o mencionado lançamento contabilístico uma certidão emitida em 17/12/2014 pelo Tribunal de Vila Nova de Famalicão, na qual se certifica que a ora Requerente consta da lista de credores com o crédito reconhecido de €108.114,49, referente ao Processo Especial de Revitalização (CIRE) com o n.º.../13...TJNF (vd. Anexo III ao RIT apenso aos presentes autos).

 

26. Tal significa (como bem assinalam os SIT, a fls. 20 do Relatório apenso aos autos) que, tendo “a certidão constante do anexo III do relatório [a] data de emissão de 17-12-2014, [...] [a mesma] foi requerida em data anterior, [para além de que] certifica que em 04-03-2014 o Administrador Judicial Provisório apresentou a lista provisória de credores, que o crédito reconhecido na lista provisória é de €108.114,19, e que em 08-07-2014 foi recusada a homologação do plano de recuperação.”

 

27. Perante tais informações, que comprovadamente foram do conhecimento da Requerente no ano de 2014, pode concluir-se que a Requerente já tinha, nesse ano de 2014, conhecimento do supra referido Processo Especial de Revitalização – razão pela qual deveria ter constituído a perda por imparidade respectiva. O que não sucedeu.

 

28. A este respeito, observe-se, ainda, o que se diz, e.g., na Decisão Arbitral de 19/3/2019, proferida no proc. n.º 476/2018-T, a respeito de caso semelhante ao dos presentes autos: “Os princípios da especialização de exercícios e da prudência (due diligence), objetivamente conformadores da atividade económica e do direito fiscal, obrigariam aqui ao registo das imparidades, pois de outra forma a contabilidade não espelharia a realidade patrimonial da empresa e o rendimento real. Na verdade, as regras constantes dos artigos 28.º-A e 28.º-B do CIRC, para além da sua relevância imediata em sede de compliance fiscal, produzem o importante efeito regulatório – que irradia a todo o sistema económico – de incentivar os administradores das sociedades comerciais a adotar uma postura atenta, diligente, proactiva, sistemática, organizada e competitiva de otimização da gestão de recebíveis (receivables management). Esta postura, além de propiciar um bom funcionamento da economia, não deixará de ter importantes consequências no adequado cumprimento das obrigações fiscais – tanto principal como acessórias – e na preservação da base tributável. [...]. [...] o que está em causa, no processo em apreciação, não é a intromissão da AT no núcleo essencial da atividade empresarial da Requerente, mas tão só reconhecer a existência, na legislação tributária, de critérios objetivos para o registo das imparidades que retiram ao contribuinte o poder de livremente escolher o exercício em que pretende proceder à contabilização e dedução das respetivas perdas, minimizando os riscos de abuso fiscal de imparidade.”

 

29. Quanto à “correção intitulada «Créditos incobráveis não dedutíveis fiscalmente»”, no montante de €2065,88, os SIT propuseram tal correcção por entenderem que a Requerente sabia, desde 2014, da existência de um PER para o cliente E..., Lda., “pelo que o risco de incobrabilidade da dívida deveria ter sido reconhecido em período anterior.”

 

30. A Requerente discorda, por entender que: i) “o lançamento contabilístico foi efetuado quando teve conhecimento do processo judicial de insolvência n.º.../14...T8FND, no qual foi [proferida] sentença que decretou a insolvência da E... transitada em 21/01/2015, conforme certidão do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco”; ii) “a imparidade de € 688,63 feita em 2014 foi contabilizada por aplicação do critério fiscal da mora dos saldos (25% sobre o valor de € 2754,51) e não por qualquer indício de insolvência do cliente”; iii) “o plano de insolvência [...], o qual foi aprovado e transitou em julgado em 06/10/2015, no âmbito do qual o plano de regularização das dívidas dos credores comuns (como era o caso da Requerente) consistiu no pagamento de 50% da totalidade da dívida em 120 prestações mensais, sendo nas primeiras 119 prestações amortizado 70% do capital e na última prestação os restantes 30% [...]. Valores estes que a ora Requerente tem recebido”; e iv) “Nos anos de 2016 e 2017, a Requerente já reverteu a imparidade no montante de €89,10, correspondente ao valor recebido [...], o que determina, consequentemente, que tal montante já foi objeto de tributação, pelo que não pode a AT tributar duas vezes o mesmo rendimento sob pena de violação do princípio de duplicação de coleta.”

 

31. Os argumentos apresentados pela Requerente visam provar o alegado desconhecimento de um risco de incobrabilidade da dívida, bem como de um Processo Especial de Revitalização para o cliente E..., Lda., antes de 2015.

 

32. Contudo, verifica-se, pela leitura dos autos e, nomeadamente, pela leitura do Anexo VI ao RIT apenso, que no ano de 2014 a Requerente já tinha conhecimento de um Processo Especial de Revitalização (Proc. .../14...TBCVL), conforme o “Anúncio de Publicidade de Recusa de homologação e citação de credores e outros interessados”, datado de 22/10/2014.

 

33. Com efeito, considerando que, nos termos do artigo 9.º, n.º 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), com a publicação, no local próprio, dos anúncios requeridos nesse Código, acompanhada da afixação de editais, se exigida, respeitantes a quaisquer actos, se consideram citados ou notificados todos os credores, incluindo aqueles para os quais a lei exija formas diversas de comunicação e que não devam já haver-se por citados ou notificados em momento anterior, sem prejuízo do disposto quanto aos créditos públicos (e, ainda, que, nos termos do artigo 37.º, n.º 7, do CIRE, os demais credores e outros interessados são citados por edital, com prazo de dilação de cinco dias, afixado na sede ou na residência do devedor, nos seus estabelecimentos e no próprio tribunal e por anúncio publicado no portal Citius), tem de se concluir que não assiste razão à Requerente.

 

34. Note-se, também, que, como refere o Ac. do STA de 20/6/2018 (rec. n.º 01532/14), “[diz o art. 37.º do CIRC:] «[o]s créditos incobráveis podem ser directamente considerados custos ou perdas do exercício na medida em que tal resulte de processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência, quando relativamente aos mesmos não seja admitida a constituição de provisão ou, sendo-o, esta se mostre insuficiente.» Vista a lei, a primeira nota que deve ser aposta é a de que resulta da letra do artigo 37.º do CIRC que a consideração de custos ou perdas pela entidade credora, na circunstância de ocorrer um crédito incobrável, está condicionada a que tais créditos resultem ou sejam revelados/exigidos num processo judicial de entre os tipificados na norma. (Assim se decidiu no Ac. deste STA, de 11/04/2018, tirado no rec. 0939/14). Existe no preceito uma exigência específica de «existência de um processo judicial» condicionante da possibilidade de serem relevados na contabilidade da credora os créditos desta considerados incobráveis, que foi afirmada no preceito de forma inequívoca o que se compreende para evitar abusos ou arbítrio dos sujeitos passivos credores mas não se exige que para a sua consideração, os mesmos créditos tenham de ser declarados incobráveis por decisão judicial transitada em julgado. Cremos ser esta a melhor interpretação a efectuar ao abrigo do disposto no art. 9.º do C. Civil e que tem na lei a correspondência verbal suficiente [...]. A título complementar cumpre destacar a fundamentação contida em caso próximo, tratado no acórdão deste STA de 10/10/2012, rec. n.º 0782/12, onde também, expressamente, se afastou a tese da ora recorrente relativa à necessidade de sentença judicial com trânsito em julgado.” (sublinhados nossos).

 

35. Pelo exposto, tendo tido a Requerente conhecimento da existência do referido PER para o cliente em causa, como supra se demonstrou, conclui-se que o risco de incobrabilidade da dívida deveria ter sido reconhecido antes de 2015.

 

36. Relativamente à “correção intitulada «Reversão de perda por imparidade»”, no montante de €219.185,73, os SIT consideraram que as perdas por imparidade constituídas em anos anteriores quanto ao cliente F..., Lda., não deviam subsistir, por deixarem de se verificar as condições objetivas que as determinaram, nos termos do disposto no artigo 28.º-A, n. º 3, do CIRC.

 

37. Tal entendimento baseou-se no facto de a Requerente ter retomado a venda de produtos ao referido cliente no ano de 2015 (vd. facturas discriminadas a fl. 11 do RIT apenso, e que não foram contestadas pela Requerente).

38. A ora Requerente discorda de tal entendimento, visto que, em seu entender, é ilegal a correcção de reversão de uma provisão constituída em 2011, e que produziu os seus efeitos nesse ano. Pelo que, “tratando-se de provisão constituída no exercício de 2011, a sua anulação por efeito de reversão apenas poderia ocorrer nos quatro exercícios seguintes. Ora, tendo em consideração que a inspeção ocorreu no ano de 2018, já se encontrava caduco o exercício de 2011, carecendo a AT de base legal para efetuar a correção fiscal.”

 

39. Verifica-se, contudo, que não assiste razão à ora Requerente, uma vez que, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 36.º do CIRC, na redacção vigente em 2011, “consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos: [...] c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas objectivas de imparidade e de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento.”

 

40. Ora, pela leitura dos autos, conclui-se que estes requisitos cumulativos da alínea c) do n.º 1 do artigo 36.º do CIRC não foram cumpridos, dado que, nomeadamente, não há qualquer evidência de que a Requerente (nem esta sequer alegou, na sua p.i., que) adoptou, no período de tributação de 2015, quaisquer diligências de cobrança visando o recebimento dos valores em dívida, ou de que reuniu provas que levassem a concluir que já não existiam expectativas razoáveis de recuperação do crédito sobre a F..., Lda..

 

41. Pelo contrário, constata-se que: i) no período ora em causa (2015), a Requerente retomou os fornecimentos à referida F...– o que indicia a expectativa da Requerente de vir a cobrar os valores em dívida e inquina qualquer eventual prova objectiva de imparidade (ou “evidência objectiva” da mesma: v. NCRF 27, §24 e §25, e IAS 39, §56) que viesse a invocar (mas que, como se referiu acima, no ponto N. da factualidade provada, não chegou a invocar na sua p.i.); ii) a referida F... continuou a exercer actividade, não estando pendente sobre a mesma qualquer um dos processos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 28.º-B do CIRC; iii) embora a Requerente afirme que “no ano de 2015 [...] fez dois fornecimentos pontuais tendo recebido imediatamente o primeiro dos valores faturados e o segundo acabou por ser provisionado em 2017 por cobrança duvidosa face à mora”, o certo é que não tentou a cobrança judicial desses créditos.

 

42. Com efeito, não consta dos presentes autos prova de que a F... tenha pendente sobre si qualquer processo de execução, processo de insolvência, processo de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas. Por outro lado, pela consulta dos dados constantes na IES de 2017 da Requerente, constata-se que o saldo da rubrica de clientes inclui os valores em dívida por parte da F..., apesar de inexistir processo judicial visando a reclamação dos créditos.

 

43. Em resumo: ao retomar os fornecimentos à F...– um cliente que, como se refere no RIT apenso aos autos, foi “considerado, pelo sujeito passivo, de cobrança duvidosa, com uma dívida de elevado montante há mais de 24 meses” – a ora Requerente colocou em causa as perdas por imparidade constituídas em anos anteriores. E, instada pelos SIT a apresentar documentos justificativos da manutenção da perda por imparidade deste cliente, a Requerente apenas respondeu, através de e-mail datado de 15/10/2018 (vd. RIT apenso aos autos), que “não voltamos a fornecer estando o mesmo com encomendas/facturação canceladas e em dificuldade de cobrança.” Nestes autos, a Requerente também não apresentou documentos que permitissem justificar a manutenção da perda por imparidade, ou que permitissem perceber por que é que as condições face às quais a imparidade foi considerada se mantinham.

 

44. Inexiste, pelo exposto, qualquer razão para não considerar a referida perda por imparidade componente positiva do lucro tributável do ano de 2015 (vd. artigo 28.º-A, n.º 3, do CIRC). Note-se, por último, que, como o retomar de relações ocorreu em 2015 (e como foi quanto a esse período que os SIT consideraram que o crédito sobre a referida F... não deveria ser considerado de cobrança duvidosa e que a perda por imparidade não deveria subsistir, devendo antes ser considerada componente positiva do lucro tributável desse período), não se levanta aqui qualquer questão de caducidade do direito à liquidação (questão que foi alegada pela Requerente na sua petição inicial).

45. Quanto à “correção intitulada «Quebras em inventários»”, no montante de €4191,54, os SIT consideraram como fundamento para a mesma, em síntese, a existência de uma diferença injustificada entre o inventário físico e o inventário contabilístico da Requerente. Segundo os referidos SIT, a Requerente contabilizou uma quebra em inventário de produtos acabados e intermédios no montante de €4191,54, através do lançamento n.º 128 do diário de “Diversos” de Dezembro de 2015. E, como documento de suporte deste lançamento, a Requerente emitiu uma listagem denominada como “Análise de desvios de referências introduzidas em (Euros) – Inventário Dezembro 2015 em 31-12-2015”, emitida pelo programa de facturação, na qual os artigos estão discriminados por referência e descrição. Nessa listagem, as faltas de artigos discriminadas totalizam €4191,54.

 

46. Segundo a Requerente, a correção fiscal supra referida não é aceitável porque a mesma não teve em conta o facto de, na fabricação e montagem de sinalização de vias rodoviárias, existirem quebras e desperdícios. Acrescenta, ainda, a Requerente que “regularmente emite faturação de venda de desperdício de ferro, chapa de alumínio, plásticos, baterias, e outros, na qual identifica a obra da qual resultam os desperdícios. Venda de desperdícios que é feita tendo por referência a medida de quantidade «KG», sendo que nem sempre os desperdícios vendidos tenham correspondência direta na mesma medida em sede de inventários. Ou, dito de outra forma, alguns produtos são quantificados no inventário à unidade e quando são vendidos em desperdício são quantificados em «KG», o que pode gerar discrepâncias no inventário do final do ano.”

 

47. Contudo, tal justificação é insatisfatória, dado que, como se assinala no RIT, o que está em causa é o facto de a venda dos alegados desperdícios metálicos resultantes da (e inerentes à) actividade de fabrico dos produtos acabados não ter sido objecto de registo contabilístico, ao contrário do que deveria ter sucedido: a “listagem de suporte da contabilização apresenta os artigos devidamente identificados com a referência e designação, e refere-se a faltas de produtos acabados detetados aquando da realização do inventário físico. Os desperdícios metálicos originados com o fabrico dos produtos acabados não poderiam constar do inventário de produtos acabados, pelo não poderiam corresponder às faltas detetadas aquando da contagem física. Se algum dos produtos acabados constante da listagem foi vendido para a sucata devido a algum problema com montagem teria de ser faturado com a referência respetiva de forma a ser abatido no inventário e a não existir faltas aquando da contagem física.” (vd. fl. 21 do RIT apenso aos autos).

 

48. Com efeito, tais discrepâncias (entre o inventário físico e o inventário contabilístico) não deveriam existir: seja porque, se se trata de “desperdícios” inerentes à actividade da ora Requerente, originados com o fabrico dos produtos acabados (como afirma a Requerente no §59 da sua petição inicial, fazendo referência à facturação de venda dos mesmos conforme doc. que figura como Anexo VI do RIT), não poderiam os mesmos constar do inventário de produtos acabados, pelo que também não poderiam figurar nas faltas detectadas aquando da contagem física; seja porque, por outro lado, se há produtos acabados constantes da listagem que foram vendidos para a sucata devido a defeito de montagem (como se sugere no excerto supra citado do RIT, a fl. 21), então deveriam os mesmos ter sido facturados com a referência respectiva, de modo a serem abatidos no referido inventário e a não existirem faltas aquando da contagem física.

 

49. Pelo exposto, e não tendo a Requerente apresentado provas que demonstrassem que tais quebras estavam devidamente documentadas, considera-se justificado o entendimento da AT segundo o qual as mencionadas “quebras em produtos acabados e intermédios [...] não estão devidamente documentadas e justificadas, pelo que não são dedutíveis fiscalmente em gastos nos termos do artigo 23.º, n.º 3, do CIRC, no ano de 2015, no valor de 4.191,54€.”

 

50. Justifica-se, ainda, uma última nota para referir que, não procedendo a impugnação da liquidação de IRC ora em causa pelas razões acima descritas, também não se verifica qualquer fundamento para a pretendida anulação da liquidação dos respectivos juros compensatórios. Nesse sentido, vd., por ex., o Acórdão do TCAN de 23/7/2009 (proc. 00368/06.5BEPNF): “A impugnação autónoma de juros compensatórios em que a causa de pedir se reconduza à invocação de vício ou ilegalidade unicamente afectante da liquidação do tributo donde aqueles decorrem, tem de ficar estritamente dependente do resultado da impugnação judicial dirigida ao acto de apuramento do imposto, gerador da exigência de juros compensatórios. Procedendo a impugnação da liquidação de imposto procede, sem mais, necessária e obrigatoriamente, a impugnação autónoma da liquidação dos correspectivos juros compensatórios, bem como, improcedendo aquela, forçosamente, esse será o desfecho desta.” (sublinhado nosso).

 

V. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, decide-se:

 

- Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, por não provado, absolvendo a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido, nos termos peticionados, e mantendo na ordem jurídica o acto impugnado (liquidação adicional de IRC e juros compensatórios n.º 2019...).

- Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

VI. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €38.148,20 (trinta e oito mil cento e quarenta e oito euros e vinte cêntimos), nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VII. Custas

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de €1836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), a pagar pela Requerente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 20 de Dezembro de 2019.

 

O Árbitro

 

 

(Miguel Patrício)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.