Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 503/2019-T
Data da decisão: 2020-11-02  IRC  
Valor do pedido: € 452.306,51
Tema: IRC – Art.º 45.º-A/1/a); Concentração de actividades empresariais; NCRF 14
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SUMÁRIO:

I. Nos termos e para os efeitos do art.º 45.º-A, n.º 1, al. a), do CIRC 2014, apenas é considerada “concentração de atividades empresariais” a operação pela qual se verifique a obtenção de controlo de entidade ou actividade concentrada, entendendo-se por controlo o poder de gerir as políticas financeiras e operacionais de uma entidade ou de uma actividade económica a fim de obter benefícios da mesma.

II. Não se pode considerar que o controlo, nos termos definidos no n.º anterior, seja obtido, se esse controlo já tiver sido anteriormente adquirido pela entidade adquirente.

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 25 de Julho de 2019, A..., S.A., NIPC..., com sede Rua ... nº ... ...–..., ...-... Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2018..., no valor de € 428.309,82, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que teve aquela liquidação como objecto.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que, relativamente à correcção ao lucro tributável relativo a 2015, promovida, no âmbito do procedimento de inspeção externo, a uma sociedade do grupo – a sociedade B...– Unipessoal, LDA - cuja dominante é a Requerente e com o consequente reflexo na correcção no lucro tributável do Grupo fiscal, por força do disposto no artigo 70.º do Código do IRC, e que resultou da desconsideração da dedução fiscal do gasto correspondente a 1/20 avos do montante do goodwill, de € 9.046.130,25, inscrito no Activo da sociedade B...:

i.             Uma vez que (i) não existe uma NCRF que preveja expressamente o tratamento contabilístico para a situação em apreço e (ii) existe uma norma (a NCRF 4) que prevê que, perante esse vazio, possa ser aplicável um tratamento contabilístico semelhante e consistente, não pode a AT desconsiderar o tratamento contabilístico conferido, quando as próprias normas contabilísticas dão liberdade aos órgãos de gestão para decidirem qual a política a adoptar numa operação não prevista; e

ii.            O novo goodwill registado pela B... corresponde à diferença entre o custo da concentração de actividades e os justos valores dos activos e passivos da C... à data da fusão (ou seja, os seus capitais próprios, deduzidos do valor do goodwill);

iii.           Não pode a AT impedir a aplicação do regime fiscal que assenta, simplesmente, nas normas contabilísticas que ditam existir o direito ao reconhecimento de um goodwill em resultado de uma fusão entre entidades sob controlo comum, sem que exista uma norma fiscal que derrogue este reconhecimento contabilístico;

iv.           À data da fusão da C... na B..., em 2014, o custo de aquisição do goodwill gerado era passível de dedução por um período de 20 anos, ao abrigo do disposto no artigo 45.º-A do Código do IRC.

 

3.            No dia 26-07-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 16-09-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 07-10-2019.

 

7.            No dia 11-11-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

10.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as prorrogações determinadas nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            A Requerente exerce a título principal a actividade de "fabricação de cerveja", CAE 11050.

2-            A Requerente é a sociedade dominante de um grupo (“Grupo D...”) sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS) que, a 31-12-2015, era constituído pelas seguintes sociedades:

i.             A..., S.A. (sociedade Dominante)

ii.            E..., S.A. (sociedade dominada);

iii.           B... Unipessoal Lda. (sociedade dominada).

3-            No âmbito da ordem de serviço OI2018... foi objecto de uma ação inspectiva interna realizada pelos Serviços de Inspeção Tributária da Divisão de Inspecção a Empresas não Financeiras I (DIEFI) da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), centralizada na averiguação do cumprimento tributário do grupo com referência ao período de tributação de 2015, bem como na imputação aos respectivos resultado fiscal e imposto a pagar das correções operadas na esfera individual da sociedade dominada B... Unipessoal, Lda, NIPC..., em resultado do procedimento inspectivo a esta encetado.

4-            Concluída a prática do acto inspectivo e após a elaboração do "Projeto de Relatório", a Requerente foi notificada para, querendo, exercer o direito de audição prévia.

5-            No decurso do prazo concedido a Requerente exerceu esse direito, tendo os serviços de inspecção, após consideração das alegações apresentadas, elaborado o relatório final de inspecção tributária (RIT), notificado para os termos e efeitos do disposto nos artigos 62.º do RCPITA e 77.º da LGT.

6-            O RIT, elaborado em 2018-10-19, fundamenta as correcções que em sede do IRC foram promovidas ao resultado fiscal e ao cálculo do imposto do grupo e que se encontram subjacentes à liquidação adicional objecto dos presentes autos.

7-            Em resultado das referidas acções inspectivas:

i.             Foram efectuadas correcções ao nível da matéria tributável do Grupo, no valor total de € 452.306,51, correspondente a 1/20 avos do montante de € 9.046.130,25 que foi reconhecido pela sociedade B... como gasto fiscal daquele exercício, referente a goodwill no âmbito do processo de fusão, por incorporação, nessa sociedade da sociedade C...;

ii.            Foram corrigidos os prejuízos fiscais dedutíveis do Grupo, no valor de € 1.409.789,20;

iii.           Tanto o resultado tributável da sociedade B... como do Grupo mantiveram-se negativos, nos termos constantes do Relatório da Inspecção Tributária, tendo, em concreto, o resultado fiscal negativo do Grupo passado de € 673.349,96 para € 220.043,45.

8-            Em 02-11-2012 foi celebrado um contrato de trespasse entre a sociedade F... S.A. (“F... “) e a G..., Lda (“G...”) nos termos do qual a G... adquiriu o negócio/estabelecimento afecto à actividade de distribuição e comercialização de bebidas da F... .

9-            O referido trespasse, sujeito a condição suspensiva de aprovação da autoridade da concorrência, veio a formalizar-se em 2013.

10-         Em 2 de Fevereiro de 2013, a empresa G..., Lda, mais tarde com a designação C..., Lda, NIPC..., adquiriu os activos e passivos da empresa F..., SA, NIPC..., tendo registado contabilisticamente a título de goodwill o montante de € 8.972.086,45.

11-         Não tendo conseguido alocar o valor total de aquisição do negócio da F... aos activos e passivos que o compunham, a G... Lda. (denominada C... Lda, a partir de 24-09-2013) registou o remanescente deste valor como Goodwill.

12-         Em consequência da operação de trespasse a C... Lda. (C...) reconheceu em 2013 na sua contabilidade um Goodwill de € 8.972.086,45.

13-         Em 1 de Outubro de 2014, mediante uma operação de fusão, com efeitos contabilísticos e fiscais reportados a 1 de Janeiro de 2014, a empresa C..., Lda, NIPC..., foi incorporada na empresa H..., Lda, actualmente denominada B...- Unipessoal, Lda, NIPC ....

14-         À data da fusão, o capital social da H... (actual B...) era detido a 100% pela ora Requerente que igualmente detinha uma participação de 70% no capital da C..., sendo os restantes 30% detidos pela H....

15-         A fusão foi realizada fora do âmbito do regime de neutralidade fiscal previsto no Código do IRC.

16-         Aquando do registo da fusão na esfera da B..., a parcela do valor de aquisição dos activos e passivos da C... que não foi possível alocar aos mesmos, foi reconhecida como goodwill da aquisição do negócio da C... .

17-         Na sequência da operação de fusão por incorporação a empresa H..., Lda. (actualmente B...- Unipessoal, Lda.) reconheceu contabilisticamente como goodwill o montante de € 9.046.130,25, que considerou, em 2014, como gasto fiscal, na proporção de 1/20 avos (Gasto fiscal = € 9.046.130,25 x 1/20 - € 452.306,51), ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 45.º-A do Código do IRC, norma introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro.

18-         Ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 45.º-A do CIRC aplicável, no apuramento do seu lucro tributável, a B... considerou como gasto fiscal do exercício de 2015, a título de goodwill adquirido numa concentração de actividades empresariais, o valor de € 452.306,51 euros, correspondente a 1/20 do montante de € 9.046.130,25 contabilizado como custo de aquisição do goodwill decorrente da fusão da C... .

19-         Em resultado do procedimento inspectivo realizado à empresa B...- Unipessoal, Lda., NIPC..., foi entendimento dos Serviços de Inspecção que o valor de € 452.306,51 (1/20 X € 9.046.130,25) não pode ser aceite fiscalmente como gasto, por inaplicabilidade ao caso em apreço do referido n.º 1 do artigo 45.º-A do Código do IRC.

20-         Do RIT elaborado no âmbito do procedimento inspetivo externo realizado à empresa B... Unipessoal, Lda., consta, para além do mais, o seguinte:

 

21-         Da correcção promovida na Ordem de Serviço n.º OI2017..., resultou a abertura do procedimento de inspeção interno com Ordem de Serviço n.º..., ao ano de 2015, relativo à aplicação do RETGS, do qual resultou a seguinte correcção ao resultado tributável do Grupo (com interesse para o presente caso):

 

22-         Por sua vez a referida correcção à Requerente, resultante da Ordem de Serviço n.º..., originou a liquidação adicional de IRC n.º 2018..., consubstanciando um valor a reembolsar de € 428.309,82, emitida em 29-11-2018.

23-         A Requerente interpôs reclamação graciosa (RG) tendo como objecto a referida liquidação, à qual foi atribuída o n.º ...2019... .

24-         A Divisão de Justiça Tributária (DJT), da UGC, decidiu “indeferir o pedido, não podendo o valor de € 452 306,51, correspondente a 1/20 avos do montante de € 9 046 130,25 que foi reconhecido como goodwill no âmbito da fusão por incorporação da sociedade C... na empresa B... beneficiar do regime previsto no artigo 45.º-A do Código do IRC”.

25-         Do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa consta, para além do mais, o seguinte:

« - A fusão realizada em 2014 ocorreu entre entidades sob controlo comum pelo que constitui uma concentração de atividades empresariais fora do âmbito da NCRF 14;

- Tal facto implica a inaplicabilidade à operação do método da compra preconizado naquela norma, não havendo a registar o reconhecimento de qualquer goodwill;

- Desta forma, o valor de € 9.046.130,25 reconhecido pela sociedade B... não traduz um excesso de custo da operação de fusão formalizada em 2014, mas sim a soma do goodwill contabilizado em 2013 pela empresa C... na sequencia da operação de trespasse (€ 8.972.086,45) com o diferencial negativo de € 74.043,80 apurado entre os valores dos ativos fixos tangíveis e intangíveis reconhecidos na sociedade incorporante e os valores correspondentes que se encontravam registados na sociedade incorporada:

- O valor de € 8.972.086,45 foi reconhecido em 2013 pela empresa C... na sequência da operação de compra da empresa F... formalizada em 2012-11-02, constituindo um goodwill em sede da concentração de atividades empresariais inserida no âmbito da NCRF 14;

- Esse valor, não obstante ter sido reconhecido pela empresa B..., na qualidade de sociedade incorporante, na sequência da fusão ocorrida em outubro de 2014 com a empresa C..., não pode ser considerado dedutível para efeitos fiscais à luz do disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 45.º - A do Código do IRC, por se tratar de um goodwill adquirido anteriormente a 1 de janeiro de 2014;

- O remanescente de € 74.043,80 correspondente à diferença entre o valor contabilístico dos ativos fixos tangíveis transmitidos do património da empresa C... (incorporada) e o valor por que foram registados na contabilidade da empresa B... (incorporante), ao não consubstanciar nenhum goodwill, face ao facto de a operação de fusão ter ocorrido entre entidades com o mesmo sócio (A...) e, portanto fora do âmbito da concentração de concentrações de atividades empresariais da NCRF 14, não tem cabimento no regime previsto no artigo 45.º-A do Código do IRC.»

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

                Como é consensual entre as partes, em causa nos presentes autos de processo arbitral está a aplicação da alínea b) do n.º 1 e da alínea a) do n.º 4, ambos do artigo 45.º-A, aditado ao Código do IRC pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, cujo teor é o seguinte:

“1 - É aceite como gasto fiscal, em partes iguais, durante os primeiros 20 períodos de tributação após o reconhecimento inicial, o custo de aquisição dos seguintes ativos intangíveis quando reconhecidos autonomamente, nos termos da normalização contabilística, nas contas individuais do sujeito passivo: (...)

a)            O goodwill adquirido numa concentração de atividades empresariais.

(...)

4 – O disposto no n.º 1 não é aplicável:

Aos ativos intangíveis adquiridos no âmbito de operações de fusão, cisão ou entrada de ativos, quando seja aplicado o regime especial previsto no artigo 74.º;”.

                Sendo, ainda, de atender ao n.º 1 do artigo 12.º (Disposições finais e transitórias) da Lei n.º 2/2014 estabelece que “O disposto no n.º 1 do artigo 45.º-A do Código do IRC dada pela presente lei, aplica-se apenas aos ativos adquiridos em ou após 1 de Janeiro de 2014.”.

                No caso, entende a AT que não está em causa uma concentração de actividades empresariais, tal como preconizado nos parágrafos 10 e seguintes da Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF)14 – Concentração de Actividades Empresariais, pelo que não poderia ter sido reconhecido o goodwill da operação de fusão da sociedade C... na sociedade H.../B..., dado que, ainda no entender da AT, nos termos da alínea b) do parágrafo 3 da NCRF 14, são excluídos da Norma as concentrações de actividades empresariais que envolvam entidades ou actividades empresariais sob controlo comum, uma vez que a concentração empresarial já existia de facto, já que o capital das sociedades envolvidas na operação de fusão era detido, na totalidade, de forma directa e indirecta, pela sociedade dominante do Grupo – a Requerente.

                Assim, para a AT, a exclusão da operação de fusão enquanto concentração de actividades empresariais, nos termos da NCRF 14, implica o não reconhecimento do goodwill inerente àquela operação, no montante de € 9.046.130,25 inscrito em conta do activo da sociedade incorporante (B...), que não terá enquadramento na alínea b), do n.º 1 do artigo 45.º-A do Código do IRC.

                Já a Requerente, sustenta que, no caso em apreço, a fusão não foi efectuada ao abrigo do regime da neutralidade fiscal e o goodwill resultou da aquisição do negócio de distribuição da C... por parte da B... por via da operação de fusão, e não da aquisição de participações sociais, notando que que a fusão produziu efeitos jurídicos em 1 de Outubro de 2014 e efeitos contabilísticos e fiscais em 1 de Janeiro de 2014, pelo que o respectivo goodwill foi adquirido em ou após 1 de Janeiro de 2014.

                Reconhecendo a Requerente que numa primeira análise poder-se-ia concluir que a NCRF 14 não era aplicável à fusão da C... na B..., alega, contudo, que as Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro (“NCRF”) em vigor à data dos factos, são  publicadas pelo Aviso nº 15655/2009, DR nº 173, 2ª série, de 2009-09-07 (e aplicáveis aos exercícios até 31-12-2015), e que não existia nas mesmas uma norma que previsse o tratamento contabilístico de uma fusão de entidades sob controlo comum.

Assim sendo, prossegue a Requerente, a gerência da B... recorreu à NCRF 4 – Políticas Contabilísticas, Alterações nas Estimativas Contabilísticas e Erros - que estabelece no seu parágrafo 9 que na ausência de norma ou norma interpretativa que se aplique especificamente a uma transacção, caberá, em suma ao órgão de gestão ajuizar quanto ao desenvolvimento e aplicação de uma política contabilística adequada, tendo em conta os critérios ali formulados.

Acrescenta ainda a Requerente que, de acordo com o parágrafo 10 da NCRF 4, ao determinar a política contabilística a aplicar a uma transacção para a qual não está definida uma norma específica, o órgão de gestão deve considerar a aplicabilidade das fontes ali elencadas, pela ordem ali indicada, pelo que, em conformidade com os normativos supra citados, a gerência da B... teve que optar por uma política contabilística a aplicar à fusão da C... e aplicá-la de forma consistente a todas as transacções similares entre entidades sob controlo comum, e dando cumprimento ao disposto nos parágrafos 9 e 10 da NCRF 4, e uma vez que a NCRF 14 estabelece uma   política   contabilística   aplicável   a   operações   de   concentração   de actividades empresariais, a gerência da B... definiu como política a aplicar na contabilização de transacções entre entidades sob controlo comum a NCRF 14, pelo que aplicou, para efeitos contabilísticos, o método da compra previsto na NCRF 14, determinando assim os justos valores dos activos e passivos de cada uma das empresas e registando um goodwill.

Vejamos:

 

*

                O primeiro aspecto a ter presente na apreciação da questão a dirimir nos presentes autos será o de que aquilo que fundamentalmente cumpre averiguar é o que se deverá entender por “concentração de atividades empresariais”, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 45.º-A, n.º 1, al. a) do CIRC aplicável (redacção em vigor em 2014).

                A Autoridade Tributária, na fundamentação do acto tributário sub iudice, entendeu que a densificação de tal conceito se deveria fazer com base no disposto na NCRF 14 e a Requerente não contesta tal entendimento.

                O dissídio entre as partes radica, como de alguma forma se viu já, em que a Autoridade Tributária entendeu que, nos termos e para os efeitos da referida NCRF 14, a operação de fusão da C... na B... não se deverá qualificar como uma “concentração de atividades empresariais”, enquanto que a Requerente entende que sim.

                Deste modo o que cumprirá, efectivamente apurar é se face à NCRF a operação de fusão da C... na B... constitui ou não uma “concentração de atividades empresariais”, ainda que não sujeita ao método de contabilização ali preconizado, e se, sendo este o caso, tal circunstância obsta, ou não, à aplicação do disposto no art.º 45.º-A, n.º 1, alínea a) do CIRC aplicável.

 

*

                A NCRF 14, tem como objectivo, nos termos do seu §1, “prescrever o tratamento, por parte de uma entidade, quando esta empreende uma concentração de actividades empresariais”

                O mesmo parágrafo prescreve que “todas as concentrações de actividades empresariais devem ser contabilizadas pela aplicação do método de compra”, o que é repetido, ipsis verbis, no §10, sendo que, todavia, o §3 exclui as concentrações de actividades empresariais aí elencadas da aplicação da mesma Norma, e, consequentemente, da imposição, nos termos da mesma, de contabilização pelo método da compra.

                Nos termos do §9 da mesma Norma, a “Concentração de actividades empresariais: é a junção de entidades ou actividades empresariais separadas numa única entidade que relata.”. O mesmo parágrafo define, separadamente, “Concentração de actividades empresariais envolvendo entidades ou actividades empresariais sob controlo comum”, como “uma concentração de actividades empresariais em que todas as entidades ou actividades empresariais concentradas são em última análise controladas pela mesma parte ou partes antes e após a concentração, sendo que o controlo não é transitório.”, sendo que “controlo”, para efeitos da mesma Norma e nos termos do mesmo parágrafo, se deverá entender como “o poder de gerir as políticas financeiras e operacionais de uma entidade ou de uma actividade económica a fim de obter benefícios da mesma.”.

                Também ali definida, a “Entidade que relata: é uma entidade para a qual existem utentes que dependem das demonstrações financeiras de âmbito geral da entidade para terem informação que lhes será útil na tomada de decisões acerca da imputação de recursos. Uma entidade que relata pode ser uma única entidade ou um grupo compreendendo uma empresa-mãe e todas as suas subsidiárias.”.

                Nos termos do §6, “Uma concentração de actividades empresariais pode resultar numa relação entre empresa-mãe e subsidiária, na qual a adquirente é a empresa-mãe e a adquirida a subsidiária da adquirente. Nessas circunstâncias, a adquirente aplica esta Norma nas suas demonstrações financeiras consolidadas. Ela inclui o seu interesse na adquirida como um investimento numa subsidiária nas demonstrações financeiras individuais (ver NCRF 15 – Investimentos em Subsidiárias e Consolidação).”.

                Regulando a aplicação do método da compra, a NCRF em causa dispõe, no seu §12 que:

“A aplicação do método de compra envolve os seguintes passos:

(a) identificar uma adquirente;

(b) mensurar o custo da concentração de actividades empresariais; e

(c) imputar, à data da aquisição, o custo da concentração de actividades empresariais aos activos adquiridos e passivos e passivos contingentes assumidos.”.

                A adquirente, de acordo com o §13, “é a entidade concentrada que obtém o controlo sobre as outras entidades ou actividades empresariais concentradas.”, sendo que, conforme o §19, que repete o já anteriormente definido no §9, “A data de aquisição é a data na qual a adquirente obtém efectivamente o controlo sobre a adquirida”.

                Com interesse, ainda, dispõe o §20 que “Os activos cedidos e os passivos incorridos ou assumidos pela adquirente em troca do controlo da adquirida devem ser mensurados pelos justos valores à data da troca”.

                Em consonância, o §32 dispõe que o goodwill deve ser reconhecido e mensurado “à data da aquisição”.

 

*

                Do cursoriamente exposto resultará, salvo melhor opinião, que a operação de fusão da C... na B... não deverá, tendo em conta o regime da NCRF 14, ser considerada, como uma  “concentração de atividades empresariais”, nos termos e para os efeitos do art.º 45.º-A, n.º 1, alínea a).

                Senão vejamos.

                Como se extrai da NCRF 14, mormente do seu §12, é nota essencial da “concentração de atividades empresariais” que uma entidade (a “Adquirente”) obtenha “o controlo sobre as outras entidades ou actividades empresariais concentradas.”.

                Por outro lado, o §32, em consonância com o critério geral do §20, dispõe que o goodwill deve ser reconhecido e mensurado “à data da aquisição”, entendendo-se por esta, conforme o §19, que repete o já anteriormente definido no §9, “a data na qual a adquirente obtém efectivamente o controlo sobre a adquirida”.

                E, como resulta do §9 da Norma em causa, o controlo é “o poder de gerir as políticas financeiras e operacionais de uma entidade ou de uma actividade económica a fim de obter benefícios da mesma.”.

                Ora, no caso da fusão da C... na B..., não se verificou qualquer obtenção do controlo sobre uma entidade ou actividade empresarial, nos termos definidos pela NCRF 14, não podendo, por isso, considerar-se estarmos perante uma “concentração de actividades empresariais”, ainda que envolvendo entidades ou actividades empresariais sob controlo comum , nos termos e para os efeitos da NCRF 14.

                Senão vejamos.

                Conforme resulta dos factos provados, o que se verifica é que:

i.             A C..., à data da sua fusão com a B..., era detida a 70% pela Requerente e a 30% pela B...;

ii.            A B... era detida a 100% pela Requerente.

                Deste modo, a realidade é que, aquando da operação em questão, a Requerente já detinha o controlo, tal como definido pelo § 9 da NCRF 14, ou seja o poder de gerir as políticas financeiras e operacionais, quer da C... quer da B... .

                Assim sendo, como incontornavelmente é, da operação em causa – fusão da C... com a B..., que é a única operação que está em causa no exercício a que se reporta o acto tributário sub iudice – não resultou a obtenção do controlo sobre qualquer entidade concentrada, uma vez que tal controlo já havia sido adquirido previamente, não se podendo assim concluir que se está perante uma “concentração de actividades empresariais”, nos termos e para os efeitos da NCRF 14, nem, consequentemente, para efeitos da al. a) do n.º 1 do art.º 45.º-A do CIRC aplicável.

                Tal concentração a ter ocorrido, sendo que tal sempre integrará matéria estranha ao objecto da presente acção arbitral, ter-se-á dado em 2013, aquando da aquisição do negócio da F... pela C... (então G...).

                Do mesmo modo, e pelas mesmas razões, o goodwill não poderia ser reconhecido por aplicação da NCRF 14, máxime dos seus §§ 32 a 35, porquanto não se verifica o seu registo e mensuração à data da aquisição, nos termos definidos nos §§ 19 e 9 daquela Norma, conforme impõe o § 32 também da mesma Norma.

                Ou seja, e em suma, o certo é que pela fusão da C... na B..., não se verificou a obtenção, do controle de qualquer entidade ou actividade económica, pelo que não se tem de concluir que tal operação não se reconduz a uma  “concentração de actividades empresariais”, para efeitos da al. a) do n.º 1 do art.º 45.º-A do CIRC aplicável, tal como considerou a AT na fundamentação do acto tributário sub iudice.

 

*

                Não obsta à conclusão formulada, a circunstância de, por aplicação da NCRF 4 a Requerente ter registado contabilisticamente a operação em questão (fusão da C... na B...) segundo o regime da NCRF 14, aplicando o método da compra, pelo justo valor, não cabendo aqui sindicar, sequer, o acerto de tal registo.

                Com efeito, e desde logo, uma coisa será o que, face ao teor daquela Norma de Contabilização e Relato Financeiro se entenda, nos termos previamente expostos, por “concentração de atividades empresariais”, outra coisa será a possibilidade de, por via de outros normativos, no caso contabilísticos, se aplicar o regime de registo contabilístico daquelas operações, a outras que não se reconduzam aquele outro tipo de operações.

Efectivamente, o art.º 45.º-A, n.º 1, alínea a) do CIRC aplicável não dispõe que é aceite como gasto fiscal, nos termos aí definidos, o goodwill adquirido numa operação registada de acordo com a NCRF 14.

                Antes, a referida norma legal, aqui em aplicação, utiliza um conceito concreto – o de “concentração de atividades empresariais” – que é legítimo, e as partes estão de acordo, que se densifique a partir do regime da NCRF 14, mas que não se identifica, nem se concebe que se possa identificar, com a mera aplicação do regime daquela Norma de Contabilização e Relato Financeiro, independentemente da fonte, motivo e, sobretudo, natureza da operação, subjacentes a tal aplicação.

                Por outro lado, o que se verifica é que a Requerente funda a aplicação do regime da NCRF 14, no regime da NCRF 4.

                Ora, como se explicava já, para além do mais, no Parecer do Conselho Consultivo da PGR 138/89 :

“As normas remissivas constituem um instrumento de técnica legislativa a que se recorre com frequência e que tem cabimento sempre que um dado facto ou instituto jurídico possui já uma disciplina jurídica própria e o legislador quer que essa disciplina se aplique também a outro facto ou instituto”.

                Ou seja, a própria circunstância de a Requerente se socorrer da NCRF 4 para fundar o registo contabilístico que operou, denota que se está perante outro facto ou instituto jurídico distinto do regulado pela NCRF 14, no caso a “concentração de atividades empresariais”, que é, como se viu, a realidade a que se reporta a norma do art.º 45.º-A/1/a) do CIRC aplicável, e cuja legalidade da aplicação cumpre aqui sindicar.

 

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                Assim, e pelo exposto, não enferma o acto tributário dos vícios arguidos pela Requerente, devendo, como tal, ser mantido na ordem jurídica e improcedendo, consequentemente, o pedido arbitral.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Absolver a Requerida do pedido mantendo na ordem jurídica o acto de liquidação adicional de IRC n.º 2018..., no valor de € 428.309,82, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que teve aquela liquidação como objecto.

b)           Condenar a Requerente nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 452.306,51, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 7.344,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 2 de Novembro de 2020

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Armindo Fernandes Costa)

 

O Árbitro Vogal

(Vasco Valdez)