Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 476/2019-T
Data da decisão: 2020-03-20  IVA  
Valor do pedido: € 1.053.246,30
Tema: IVA - Transmissão de bens para fora da comunidade. Documento alfandegário apropriado.
Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

1. A..., LDA., com o número de pessoa colectiva  ...  e sede social no Edifício ..., ..., Loja ..., ..., ...-... ..., com o NIPC, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos actos tributários de liquidação adicional de IVA referentes ao ano de 2014, valor global de € 1.053.246,30, requerendo ainda o reembolso do imposto indevidamente pago acrescido do pagamento de juros indemnizatórios.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente dedica-se à actividade de exportação de mercadorias, preferencialmente, para o mercado angolano, e no âmbito da sua actividade adquire junto de fornecedores nacionais diversas mercadorias que são entregues directamente por estes no local de exportação mediante o cumprimento das devidas formalidades junto dos serviços alfandegários.

 

As operações de aquisição de mercadorias pela Requerente junto dos fornecedores no mercado nacional são transmissões internas de bens entre dois sujeitos passivos residentes em território português e aqui registados como sujeitos passivos de IVA, e que se encontram isentas de IVA em relação ao fornecedor, nos termos do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 198/90, de 19 de Junho, e em relação ao exportador ao abrigo do disposto no artigo 14.º do CIVA. Sendo que as operações devem ser comprovadas, por parte do fornecedor, através da certificação de saída materializada no documento "Certificado Comprovativo de Exportação" e, por parte do adquirente (exportador), através do documento "Certificação de saída para o expedidor/exportador".

 

Todavia, ocorreram dois erros na tramitação dessa documentação que não são imputáveis à Requerente, porquanto o fornecedor indicou como fundamento para a isenção o artigo 14.º,  n.º 1, alínea a), do CIVA, em vez da disposição do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 198/90, e o despachante alfandegário emitiu "Certificação de saída para o expedidor/exportador" em nome do fornecedor e enviou-a para a Requerente.

 

O certo é que as operações se encontram comprovadas através de facturas, que revelam o circuito financeiro dos pagamentos, e do documento único de exportação, em que a Requerente figura como exportadora,  e o que se deve apurar, para efeito da aplicação da isenção de IVA, é se os bens em causa foram ou não efectivamente expedidos ou transportados para um Estado terceiro à União.

 

No Relatório de Inspecção Tributária sustenta-se que somente o documento de certificação de saída ou o documento de exportação constituem os elementos alfandegários apropriados, nos termos do disposto no artigo 29.º, n.º 8, do CIVA, para atestar a efectiva saída das mercadorias do território aduaneiro da União, pelo que não tendo a Requerente apresentado, relativamente às facturas que suportam as transmissões para Angola, qualquer desses documentos não poderia haver lugar à isenção.

 

Ora, o certificado indevidamente emitido pela Alfandega em Portugal com base na errada indicação, pelo fornecedor dos bens, da norma legal que justifica a isenção, não pode pôr em causa a realidade das operações de exportação para um Estado terceiro.

 

Ao negar a prova apresentada pela Requerente, fundando a sua posição no incumprimento de um mero formalismo, que, na prática, resulta de facto que lhe não é imputável, a Autoridade Tributária desconsidera o princípio da livre apreciação da prova e o principio da substância sobre a forma, princípio este que tem consagração legal no artigo 11.º, n.º 3, da LGT e tem sido aceite pela jurisprudência do TJUE, em que se admite que a substância das operações deve prevalecer sobre vícios das facturas contanto que não se crie um risco de fraude fiscal.

 

Além de que viola os princípios da proporcionalidade, da igualdade, da capacidade contributiva e da justiça material, constituindo uma subversão do princípio da neutralidade fiscal que norteia todo o sistema do IVA.

 

Na mesma linha de orientação, a jurisprudência tem vindo a adoptar, no que se refere à prevalência da substância sobre a forma, o princípio da neutralidade tributária, segundo o qual o regime do IVA, incluindo o direito à isenção, deve ser integralmente aplicável se os requisitos substantivos tiverem sido cumpridos, mesmo se os sujeitos passivos tiverem negligenciado certos requisitos formais. Também na regulação dos meios de prova se tem entendido que o Estado não pode impor ónus excessivos sobre os operadores, sendo que, no caso, por exemplo, de uma factura que apresente vícios formais, deverá ser possível a sua superação através da apresentação de outros elementos de prova credíveis que assegurem os fins da cobrança exacta e fiscalização do IVA.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, refere no essencial que a isenção a que se refere o artigo 14.º do CIVA apenas se aplica se a transmissão de bens se encontrarem comprovadas através dos documentos alfandegários apropriados, nos termos do disposto no artigo 29.º, n.º 8, do mesmo Código, documentos que a Requerente não possuía, pelo que o pedido não pode deixar de ser julgado improcedente.

 

2. No seguimento do processo foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e fixado prazo para a apresentação de alegações escritas facultativas.

 

Em alegações, as partes reiteraram as suas anteriores posições.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 30 de Setembro de 2019.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

A)           A Requerente dedica-se à actividade de exportação de mercadorias, preferencialmente, para o mercado angolano;

B)           No âmbito da sua actividade adquire junto de fornecedores nacionais diversas mercadorias que são entregues directamente por estes na alfândega para efeitos de exportação para Angola;

C)           Nas facturas emitidas à Requerente, que se encontram identificadas no Anexo II ao relatório de inspecção tributária, o fornecedor nacional declarou a isenção de IVA ao abrigo do artigo 14.º do CIVA;

D)           Nas facturas emitidas pela Requerente ao importador é igualmente declarada a isenção de IVA ao abrigo do artigo 14.º do CIVA;

E)            Nessas operações de exportação, o documento de certificação de saída para expedidor/exportador foi emitido em nome do fornecedor dos bens;

F)            A Autoridade Tributária desencadeou relativamente à Requerente uma acção inspectiva externa de âmbito parcial, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI 2018..., tendo como finalidade o controlo declarativo em sede de IVA, com referência ao exercício de 2014, de que resultaram correcções aritméticas no montante global de € 966.869,46;

G)           Em 1 de Março de 2019, a Requerente exerceu o direito de audição prévia relativamente ao projecto de relatório de inspecção tributária como consta do documento n.º 2 junto ao pedido arbitral que aqui se dá como reproduzido;

H)           O relatório de inspecção tributária elaborado no âmbito do procedimento inspectivo obteve despacho de concordância do director de finanças adjunto, de 2 de Abril de 2019, e encontra-se fundamentado nos seguintes termos:

 

III.2.3 – Operações ativas/outputs

 

III.2.3.1 – Transmissões isentas nos termos do artigo 14.º do IVA

[…]

III.2.3.1.3 - Artigo 14.º do Código do IVA

Quanto às compras efetuadas pelo sujeito passivo a fornecedores sediados no território nacional, em que o fornecedor isenta a transmissão da mercadoria nos termos do artigo 14.º do Código do IVA, o procedimento adotado efetua-se da seguinte forma:

-              O fornecedor nacional fatura à A..., mas não lhe entrega a mercadoria, coloca-a na alfândega, em condições FOB para exportação;

-              O fornecedor nacional indica na sua fatura que o destino da mercadoria é país terceiro (Angola);

-              O fornecedor nacional declara isenção de iva na fatura ao abrigo do art.º 14.º do Código do IVA;

-              A A... emite a respetiva fatura ao cliente angolano, isentando-a de IVA nos termos do disposto no art.º 14.º do Código o IVA.

-              O documento alfandegário é emitido em nome do fornecedor nacional, constando nele o número da sua fatura.

-              A A..., não tem na sua posse, nenhum documento alfandegário apropriado, conforme estabelece o n.º 8 do artigo 29.º do Código do IVA, que comprove a exportação, tendo apresentado como comprovativo a certificação de saída para o expedidor/exportador emitido em nome do seu fornecedor.

As faturas que configuram este procedimento estão listadas no anexo II ao presente relatório. Cumpre pois, analisar este procedimento.

 III.2.3.1.3.1 - Relativamente às aquisições

Nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 1.º do Código do IVA, conjugada com o seu art.º 3.º, estão sujeitas a IVA as transmissões de bens, considerando-se como tal, por via da regra, a transferência onerosa dos bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.

Prevê o n.º 1 do art.º 6.º do Código do IVA, relativamente às regras de localização, que são tributáveis as transmissões de bens que estejam situadas no território nacional no momento em que se inicia o transporte ou expedição para o adquirente ou, no caso de não haver expedição ou transporte, no momento em que são postas à disposição do adquirente.

Face aos documentos analisados, em que os bens foram colocados à disposição do adquirente em datas anteriores a terem sido declarados para o regime de exportação, verifica-se que as operações foram realizadas no território nacional, entre dois sujeitos passivos com sede em Portugal, têm por objeto a transmissão bens localizados no território nacional, configurando, por isso, uma transmissão de bens na aceção do art.º 3.º, n.º 1 do Código do IVA, sujeita a imposto e dele não isenta, por força do art.º 1, n.º 1 al.

a) do Código do IVA conjugado com o art.º 6.º n.º 1 do mesmo código, sendo inquestionável que no momento da transmissão os bens se encontravam no território nacional.

Assim, a não entrega dos bens ao adquirente (A...), não constitui fundamento legal, para que a operação seja isenta de IVA, como também não impede, por regra, a produção de efeitos do contrato de venda realizado. Prova disso é o facto de os bens não terem sido entregues à A... mas, esta ter podido por direito, dispor dos mesmos, ao indicar ao fornecedor nacional que realizasse a expedição das mercadorias para entrega ao seu cliente, localizado em Angola.

As faturas emitidas pelos fornecedores nacionais à A..., não podem ser isentas de imposto, como aconteceu, ainda que as declarações aduaneiras de exportação estejam em seu nome (do fornecedor nacional).

 

   III.2.3.1.3.2 - Relativamente às transmissões

As transmissões da A... para os seus clientes angolanos são isentas de IVA ao abrigo do disposto no art.º 14.º do Código do IVA.

Para que as transmissões de bens possam beneficiar da isenção prevista na referida norma, é necessário que comprove tal transmissão com os documentos alfandegários apropriados, que consistem na certificação de saída para o expedidor/exportador (n.º 8 do artigo 29.º do Código do IVA), sob pena de, não o fazendo, ter obrigação de proceder à liquidação do imposto correspondente (n.º 8 do mesmo artigo).

A sujeição das mercadorias ao regime aduaneiro de exportação impõe a aplicação das formalidades previstas para a saída das mercadorias do território nacional, nomeadamente a entrega de uma declaração aduaneira de exportação, que sujeita as mercadorias ao regime e que constitui o ato pelo qual uma pessoa manifesta a vontade de atribuir à mercadoria o regime aduaneiro de exportação, que se traduz na submissão da declaração aduaneira de exportação.

Como o próprio nome indica, a declaração aduaneira de exportação, é um documento declarativo, cuja responsabilidade é do declarante, exportador e sobre o qual os serviços aduaneiros não fazem qualquer verificação aquando da sua submissão, o que de forma alguma desonera a responsabilidade do exportador no seu preenchimento e cumprimento da lei.

Exportador é a pessoa por conta da qual é feita a declaração de exportação e que, no momento da aceitação dessa declaração é proprietária ou tem um direito similar de dispor das mercadorias em causa, sendo que a determinação do exportador é aferida com base em dois “parâmetros” cumulativos, a situação existente à data da aceitação da declaração aduaneira e a titularidade do direito de propriedade ou de outro direito similar de dispor das mercadorias (direito este que, como já se verificou, pertence à A...).

 

De acordo com o previsto no Direito da União Europeia, o legislador nacional entendeu que o melhor meio para assegurar a aplicação correcta e simples da isenção na exportação e de evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso, seria condicioná-la à apresentação de prova, consistente na apresentação dos documentos alfandegários apropriados, determinando o n.º 8 do art.º 29.º do CIVA, que a prova do direito à isenção prevista na al. a) do n.º 1 do art.º 14.º do mesmo Código, deverá ser feita através dos documentos alfandegários apropriados, sempre que haja a obrigação legal de intervenção dos serviços aduaneiros.

Esta condição não constitui uma mera formalidade, mas antes uma exigência de fundo, cuja inobservância impõe a exigibilidade do imposto nos termos do n.º 9 do art.º 29.º do CIVA.

 

Conclusão:

Ora, quanto às faturas emitidas pela A... para os clientes angolanos, identificadas na relação que constitui o anexo II ao presente relatório, em que é invocada a isenção prevista no artigo 14.º, n.º 1, al. a) do Código do IVA, o exemplar com a certificação de saída para o expedidor/exportador em nome do seu fornecedor nacional, não é o documento alfandegário apropriado para comprovar a referida isenção, na medida em que as declarações de exportação deveriam ter sido emitidas, não em nome do fornecedor, mas em nome da A..., já que as mercadorias foram colocadas à sua disposição antes da saída do território nacional.

 

Note-se que os fornecedores nacionais poderiam ter feito as declarações de exportação em seu nome, se as transmissões dos bens para a A... tivessem acontecido depois da saída dos bens do território nacional, ou seja, após a autorização de saída, o que comummente se designa por venda em alto mar.

Deste modo, verifica-se que o exemplar com a certificação de saída para o expedidor/exportador em nome do fornecedor nacional, quando as faturas para a A... foram emitidas antes da saída da mercadoria do território nacional, não é o documento alfandegário apropriado para comprovar a isenção nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 14.º do Código do IVA.

 

De modo a que a isenção prevista na alínea a) do n.º 1 do art.º 14.º do Código do IVA fosse aplicável, as declarações de exportação deveriam ter sido processadas em nome do adquirente A..., já que as mercadorias foram colocadas à sua disposição antes da saída do território nacional.

 

Assim, em face da análise efetuada, mais não resta à Autoridade Tributária do que proceder à liquidação do imposto (IVA) que se mostra devido, considerando o disposto nos números 8 e 9 do artigo 29.º do Código do IVA.

 

O imposto que se mostra devido, no montante total de € 966.869,46, cujo cálculo foi efetuado no quadro que constitui o Anexo II ao presente relatório, resulta da aplicação das taxas previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 18.º do Código do IVA sobre o valor tributável determinado nos termos do n.º 1 do artigo 16.º do mesmo Diploma, é imputado aos respetivos período de imposto considerando o disposto na alínea a) do n,º 1 do artigo 8.º do Código do IVA.

[…]

 

Direito de audição

[…]

Analisando,

Como já referido, o sujeito passivo entende que as operações em causa representam “... com total fidelidade e exatidão...” as formalidades descritas no art.º 6.º do Decreto-lei 198/90. Descrevendo exaustivamente o seu conteúdo bem como, o da circular 8/2015 emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que exemplifica várias situações possíveis relativas à exportação de bens.

Admite que existiram erros no cumprimento das formalidades exigidas, em todo o circuito comercial cometidos por todos os intervenientes - com exceção da própria A...- desvalorizando, contudo, tais erros.

A A... desvaloriza as formalidades constantes das suas faturas e do processo  de  exportação  mas, insiste em que se deve aplicar, ao seu circuito comercial, o art.º 6.º do Decreto-lei 198/90 - que adopta um sistema excecional de suspensão da liquidação do imposto nos casos de  vendas efetuadas a exportadores  nacionais de mercadorias que são remetidas para exportação, sem que exista transformação dos bens.

Socorre-se ainda de uma circular emitida pela Autoridade Tributaria e Aduaneira, a circular n.º 8/2015 - que visa clarificar as dúvidas existentes, por parte dos operadores económicos, relativas a determinação do exportador das mercadorias a luz da definição que resulta do direito aduaneiro da união e o enquadramento das operações em sede fiscal.

No ponto 42.º do seu direito de audição, alega a A...:

“Pois é, inquestionável, inequívoco e indiscutível que a entidade exportadora é a A... e que, nesse sentido, deve e tem que beneficiar da isenção prevista no artigo 14.º n.º 1 alínea a) do CIVA.”

Ou seja, a A... pretende que seja aplicada inquestionavelmente e de forma inequívoca, determinada legislação ao seu circuito comercial, mas, sem a aplicação das regras e formalidades, nela constantes, como sejam as “outras Obrigações dos Contribuintes” constantes da Secção III do Capítulo V do Código do IVA.

Para tal, apresenta uma vasta documentação, que no seu entender, deverá substituir os formalismos legais, previstos na legislação nacional e da União Europeia (UE) que, pretende ver aplicada ao seu circuito comercial.

Alega ainda a A... no seu art.º 49 que “... o Estado não pode impor ónus excessivos sobre os operadores…”

Em conformidade com a faculdade prevista na Sexta Diretiva e reproduzida na Diretiva de IVA, o legislador nacional condicionou a concessão da isenção nas exportações a apresentação de prova, tendo entendido para o efeito como adequada, o exemplar n.º 3 do documento administrativo único certificado pelos serviços alfandegários do Estado membro de saída da UE.

Ou seja, de acordo com o previsto no Direito da UE, o legislador nacional entendeu que o melhor meio para assegurar a aplicação correta e simples da isenção na exportação e de evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso, seria condicioná-la à apresentação de prova, que  consiste na apresentação de documentos alfandegários apropriados.

Para tal, prescreve o artigo 29.º, n.º 8, do Código do IVA, que:

“As transmissões de bens e as prestações de serviços isentas ao abrigo das alíneas a) a j), p) e q) do n.º 1 do artigo 14.º e das alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 do artigo 15.º devem ser comprovadas através dos documentos alfandegários apropriados ou, não havendo obrigação  legal de intervenção dos serviços aduaneiros, de declarações emitidas pelo adquirente dos bens  ou utilizador dos serviços indicando o destino que lhes irá ser dado.”

Deve notar-se que é a própria norma que remete literal e expressamente para o conceito de “documentos alfandegários apropriados”, isto é, para as regras previstas no Código Aduaneiro Comunitário (CAC) e nas Disposições de Aplicação do Código o Aduaneiro Comunitário (DACAC).

Isto é, incumbe ao sujeito passivo provar a transmissão de bens expedidos ou transportados para fora de território fiscal da União Europeia e, existindo obrigação legal de intervenção dos serviços aduaneiros, como é o caso, a prova adequada e obrigatória tem que, ser fundada nos documentos alfandegários apropriados à comprovação da exportação.

O Código Aduaneiro Comunitário, aprovado pelo Regulamento (CEE) n.º 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992,  qualifica a exportação como um regime aduaneiro (artigo  4.º, n.º 16, alínea h)) sendo a sujeição a um regime aduaneiro um  dos destinos aduaneiros a que podem ser sujeitas as mercadorias, em conformidade com a alínea a) do n.º 15 do mesmo artigo.

O formulário do Documento Administrativo Único (DAU) vigora em todos os Estados membros, encontrando-se as suas características regulamentadas nos artigos 208.º e 215.º das DACAC. No que toca ao formulário, está previsto nos anexos 31, 32 e ss. das DACAC, devendo os respetivos elementos obedecer ao anexo 37.

Deve notar-se que a exportação se trata de uma realidade distinta das transmissões intracomunitárias de bens. Nas operações de exportação e de importação, intervém as Alfandegas e existe toda uma série de legislação harmonizada sobre a matéria ao nível do Direito da EU, como agora se verificou de forma sucinta, a entrada e a saída dos bens do território aduaneiro da UE são devidamente controladas através dos documentos apropriados que atestam a sua saída e entrada no território aduaneiro.

Neste contexto, conclui-se que, no seguimento das diretivas comunitárias, o  Estado português não exige ónus excessivos,  para comprovar a saída das mercadorias do território aduaneiro, exige apenas os documentos alfandegários apropriados, que não constam da vasta documentação enviada pela A....

Por outro lado, conclui-se também que, contrariamente ao alegado pela A..., a apresentação dos documentos alfandegários apropriados não constitui uma mera formalidade, mas antes, uma exigência de fundo, cuja inobservância impõe a exigibilidade do imposto nos termos do n.º 9 do art.º 29.º do Código do IVA.

Neste sentido, foi entendido pela jurisprudência nacional, como no caso do Acórdão de 11-09-2008, do Supremo Tribunal Administrativo, Proc. N.º 0305/08, ao deliberar que as operações de exportação, deverão ser comprovadas  através dos documentos alfandegários que a sua falta determina a obrigação de liquidar imposto.

Em face do exposto, mantêm-se as correções propostas no ponto III.2.3.1.3 - Art.º 14.º do CIVA seguintes, do projeto de relatório, com toda a fundamentação aí vertida, no montante de €966.869,46

 

Factos não provados

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta, e em factos não questionados pelas partes.

 

                Matéria de direito

 

                5. Discute-se a questão de saber se se verifica a isenção de IVA, nos termos previstos no artigo 14.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA, relativamente à transmissão de bens para fora da União Europeia, quando o documento alfandegário de certificação de saída para o expedidor/exportador foi emitido pelo fornecedor dos bens e não pela própria entidade exportadora.

 

                Referindo-se a isenções nas exportações, operações similares e transportes internacionais, o artigo 14.º do Código do IVA, no seu n.º 1, alínea a), considera isentas do imposto “as transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade pelo vendedor ou por um terceiro por conta deste”. 

 

                               O artigo 29.º estabelece, entretanto, obrigações acessórias para os contribuintes, entre as quais a que resulta do n.º 8, que assim dispõe: 

 

As transmissões de bens e as prestações de serviços isentas ao abrigo das alíneas a) a j), p) e q) do n.º 1 do artigo 14.º e das alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 do artigo 15.º devem ser comprovadas através dos documentos alfandegários apropriados ou, não havendo obrigação legal de intervenção dos serviços aduaneiros, de declarações emitidas pelo adquirente dos bens ou utilizador dos serviços, indicando o destino que lhes irá ser dado. 

 

O subsequente n.º 9 acrescenta que “a falta dos documentos comprovativos referidos no número anterior determina a obrigação para o transmitente dos bens ou prestador dos serviços de liquidar o imposto correspondente.

 

Também o Decreto-Lei n.º 198/90, de 19 de Junho, no seu artigo 6.º, veio a instituir um regime excepcional de suspensão da liquidação do imposto nos casos de vendas efectuadas a exportadores nacionais de mercadorias que lhes não são entregues, mas remetidas imediatamente para exportação (cfr. preâmbulo do diploma). Nesse caso, as operações estão isentas de IVA, conferindo, contudo, o direito à dedução do imposto suportado a montante (proémio do n.º 1 do artigo 6.º). Esta isenção deve ser invocada na declaração aduaneira de exportação no momento da sua apresentação, mediante a aposição do código específico definido na regulamentação aduaneira e outros elementos de identificação do fornecedor e das mercadorias (artigo 6.º, n.º 3).

 

Preliminarmente, importa ainda definir o conceito de documentos alfandegários apropriados a que se refere o artigo 29.º, n.º 8, do Código do IVA. Haverá de considerar-se que estamos perante um conceito indeterminado cuja concretização não depende de um juízo valorativo ou de prognose que confira à Administração uma margem de livre apreciação administrativa. Tratar-se-á de um conceito que pode ser determinado de modo intra-sistemático através de operações de interpretação jurídica e que tem essencialmente o sentido de norma remissiva para outros lugares do sistema (cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3.ª edição, pág. 190).

 

As isenções na exportação estão previstas na Directiva do IVA, designadamente no que se refere a entregas de bens expedidos ou transportados pelo vendedor ou por sua conta para fora da União Europeia (artigo 146.º, n.º 1, alínea a)). A atribuição da isenção está, todavia, dependente de apresentação de prova que se destina, na linha do estabelecido no artigo 273.º da Directiva, a garantir a cobrança exacta do IVA e evitar a fraude. 

 

Ao exigir a comprovação das operações através de documentos alfandegários apropriados para efeitos da isenção, o legislador nacional está naturalmente a remeter para o Código Aduaneiro da União e para as disposições de aplicação desse Código.

 

Na vigência do actual Código Aduaneiro da União, aprovado pelo Regulamento EU 952/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro de 2013 (que revogou o Código Aduaneiro Comunitário, aprovado pelo Regulamento (CEE) n.º 2913/92, de 12 de Outubro), o destino aduaneiro das mercadorias é atribuído através do documento administrativo único (DAU)  a que se refere o artigo 2.º, § 5, do Anexo B ao Regulamento Delegado EU 2015/2446 da Comissão, de 28 de julho de 2015, e cujo modelo de formulário consta do título III. O DAU pode ser apresentado às autoridades aduaneiras pelo importador ou pelo seu representante, por via electrónica, ou mediante entrega directa nos locais da estância aduaneira.

 

No regime precedente, a circular n.º 8/2015, da Divisão dos Serviços de Regulação Aduaneira e da Divisão dos Serviços do Imposto sobre o Valor Acrescentado, visando esclarecer o regime do artigo 788.º das Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário de 1992, veio estabelecer que a comprovação das transmissões isentas de IVA, nos termos do artigo 29.º, n.º 8, do Código, era efectuada através de certificação de saída para o expedidor/exportador e certificação de saída para o fornecedor nacional, sendo esses os documentos aduaneiros apropriados para efeito dessa disposição. O modelo de certificação de saída a que se referia a circular constava do anexo 3 ao ofício circulado n.º 15327/2015.

 

Por sua vez, conforme esse ofício circulado, as transmissões de bens isentas ao abrigo do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 198/90 devem ser comprovadas através do “certificado comprovativo de exportação” (CEE), validado pelos serviços aduaneiros e entregue pelo exportador ao fornecedor.

 

Esse mesmo ofício explicita que a autorização de saída e a certificação de saída têm efeitos distintos: a autorização de saída tem como efeito autorizar a realização da operação de exportação quando ela se processe por transmissão electrónica de dados através do Sistema de Tratamento Automático da Declaração Aduaneira de Exportação (STADA), sendo substituída pelo Documento de Acompanhamento da Exportação nos restantes casos; a certificação de saída tem como efeito confirmar a saída das mercadorias do território aduaneiro da União.         

As operações de exportação a que se refere o pedido arbitral foram realizadas no decurso de 2014, antes ainda da entrada em vigor do Regulamento Delegado EU 2015/2446, pelo que a terminologia usada nos documentos aduaneiros é a que consta da circular n.º 8/2015, sendo a certificação de saída para o expedidor/exportador o documento alfandegário apropriado para efeitos do disposto no artigo 29.º, n.º 8, do Código do IVA.

 

6. Na situação do caso, o que está em causa são vendas efectuadas por um fornecedor a um exportador nacional de mercadorias que lhes não são entregues, mas remetidas imediatamente para exportação, e que se encontrariam abrangidas pela dupla isenção de IVA: a do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 198/90, no que se refere à transmissão interna de bens, isto é, à venda efectuada pelo fornecedor ao exportador; e a do artigo 14.º, n.º 1, do Código do IVA, no que se refere à exportação traduzida na transmissão de bens expedidos para fora da União Europeia.

 

No entanto, as correcções aritméticas em IVA incidiram, não sobre a transmissão interna de bens a que seria aplicável a isenção prevista no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 198/90, mas sobre as operações de exportação realizadas pela Requerente, que se encontrariam cobertas pela isenção do artigo 14.º, n.º 1, do Código do IVA. No entanto, a certificação de saída para expedidor/exportador, que constituía o documento alfandegário apropriado para efeito de isenção, nos termos do falado artigo 29.º, n.º 8, do Código, foi emitido em nome do fornecedor, tendo sido essa a circunstância que determinou a desconsideração da isenção fiscal pela Administração Tributária.

 

                A Requerente contrapõe que houve um erro do fornecedor, ao indicar na emissão da factura, como disposição justificativa da isenção, o artigo 14.º,  n.º 1 , alínea a),  do CIVA, quando, tratando-se de uma transmissão interna de bens, essa isenção era conferida pelo artigo  6.º do DL 198/90; e o despachante alfandegário incorreu num outro erro ao emitiu a "certificação de saída para o expedidor/exportador" em nome do fornecedor quando o devia fazer em nome do exportador. Entende a Requerente, nestes termos, que havendo efectuado prova material das operações de exportação através das facturas emitidas aos clientes angolanos, os actos tributários que recusam a isenção de imposto violam o princípio da livre apreciação da prova e o princípio da prevalência da substância sob a forma, bem como o princípio da justiça e da verdade material.

               

Como é sabido, os Regulamentos a que se refere o artigo 288.º do Tratado da União Europeia são obrigatórios e gozam de aplicabilidade directa, o que significa que a sua disciplina se incorpora automaticamente na ordem jurídica interna independentemente de qualquer mecanismo de recepção no ordenamento nacional. E nesse sentido aponta o disposto no artigo 8.º, n.º 3, da Constituição, que determina que as normas emitidas por organizações internacionais de que o Estado Português seja parte vigoram directamente na ordem interna, vinculando o Estado e os cidadãos, independentemente de qualquer acto de aprovação ou ratificação. E, assim sendo, os Regulamentos da União Europeia, sendo vinculativos e produzindo efeitos directos, geram direitos e obrigações na esfera jurídica dos destinatários.

 

Certo é que a Requerente juntou documentos indiciários de que as exportações tiveram lugar. Não pode concluir-se, no entanto - contrariamente ao que vem afirmado no acórdão proferido no Processo n.º 88/2017-T -, que pode ser dada como provada a transmissão de bens para os efeitos do artigo 29.º, n.º 8, do Código do IVA, com base no princípio da livre apreciação das provas. Este princípio, com assento no artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, permite que o juiz torne como provado um facto, com base na sua íntima convicção gerada em face do material probatório trazido ao processo. Mas como logo acrescenta essa disposição, “a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.

 

No caso dos autos, como se deixou esclarecido, a comprovação da transmissão de bens, para efeito de isenção de imposto, terá de feita através dos documentos alfandegários apropriados. Numa interpretação sistemática e que tenha em conta a teleologia da norma, documentos alfandegários apropriados não podem ser tidos como sendo quaisquer documentos alfandegários ou quaisquer documentos que revelem indiciariamente, sob a livre apreciação do juiz, que foi efectuada a transmissão. Tratando-se de um conceito jurídico indeterminado não poderá ser preenchido através de um juízo valorativo de livre apreciação da Administração ou do julgador, mas unicamente por via da interpretação da lei.

 

O conceito indeterminado é aqui utilizado como um instrumento técnico-legislativo destinado a efectuar uma remissão intra-sistemática. Isto é, trata-se de uma norma que, não regulando directamente a questão de direito, manda aplicar outras normas do sistema jurídico, contidas no mesmo ou noutro diploma legal, em que a questão se encontre estatuída (cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1993, pág. 105). E a integração do conceito terá, nesses termos, de ser efectuada por via dos dispositivos que definem o procedimento aduaneiro de exportação de bens para fora da União Europeia, que, como ficou dito, se reconduz ao chamado documento administrativo único, que à data era designado como certificação de saída de mercadorias, que, de resto, a própria Administração Tributária especificou, através de circular, como sendo o documento que poderá comprovar a exportação de mercadorias para efeito de isenção de IVA.

 

Por outro lado, face ao disposto no artigo 74.º da Lei Geral Tributária, “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”. Estando em causa a aplicação de uma norma de isenção de imposto e recaindo especialmente sobre o transmitente dos bens a obrigação de comprovar, através de documentos alfandegários apropriados, a transmissão de bens que se considera isenta, parece claro que é ao sujeito passivo que cabe o ónus da prova dos factos de que depende a atribuição da isenção tributária. 

               

                No caso, não tendo sido feita a prova da certificação de saída através do modelo que constava do anexo 3 ao ofício circulado n.º 15327/2015 em que a Requerente figurasse como exportador, não é possível dar como assente que tenha comprovado através do documento alfandegário apropriado a saída das mercadorias para país fora da União Europeia para efeitos de beneficiar da isenção prevista no artigo 14.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA.

 

                7. Esta mesma ordem de considerações justifica que não possa aplicar-se o princípio da prevalência da substância sob a forma e que não se encontre verificada a violação do princípio da justiça ou o princípio da verdade material.

 

                Preconiza a Requerente que o princípio da prevalência da substância sobre a forma pressupõe que, na apreciação de uma questão jurídico-tributária, se atenda à verdadeira substância da operação, desvalorizando o incumprimento das formalidades legalmente impostas, invocando a esse propósito não só o disposto no artigo 11.º, n.º 3, da LGT, que manda atender à substância económica dos factos tributários, em caso de dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, e a jurisprudência do TJUE, que tem vindo a relativizar de algum modo os requisitos de forma para o exercício do direito à dedução do imposto, admitindo que a substância das operações prevaleça sobre os vícios da factura, quando estejam em causa elementos previstos exclusivamente na lei interna dos Estados-membros.

 

                No entanto, essa abordagem coloca-se a propósito do direito à dedução de imposto e tem o objectivo de garantir o direito à dedução de qualquer sujeito passivo que efectivamente tenha suportado o imposto a montante, assim se entendendo que as exigências dos Estados-membros relativamente à emissão de facturas não possa ultrapassar o estritamente necessário para controlar a aplicação correcta do procedimento de autoliquidação, não podendo dificultar ou anular o direito à dedução por quem deve exercê-lo em substância (cfr. SÉRGIO VASQUES, Imposto sobre o Valor Acrescentado, Coimbra, 2015, pág. 345). Essa jurisprudência, por outro lado, assenta na ideia central de que o direito à dedução constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA, que não pode, em princípio, ser limitado e que se exerce imediatamente em relação à totalidade dos impostos que tenham onerado as operações passivas. Tendo em vista garantir, dessa forma, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, desde que essas actividades se encontrem, em princípio, sujeitas a IVA (acórdão de 8 de Maio de 2013, Processo n.º C-271/12, acórdão Petroma). 

 

                Parece claro que esse entendimento jurisprudencial não é transponível para o caso vertente em que o que está em causa não é mero direito à dedução de imposto em que o sujeito passivo tenha incorrido na aquisição de bens ou serviços,  mas um benefício fiscal traduzido numa isenção de IVA, que consubstancia em si mesmo uma situação excepcional e que, como tem sido salientado pelo TJUE, deve ser objecto de interpretação restrita. O que se torna justificável porque as isenções perturbam o funcionamento do mecanismo das deduções afectando a característica fundamental da neutralidade do tributo (cfr. CLOTILDE CELORICO PALMA, Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF, n.º 1, 6.ª edição, Coimbra, pág. 174).

 

                Ora, como se deixou exposto, a exigência da prova da exportação de bens para fora da União Europeia, mediante o documento alfandegário apropriado, decorre do próprio direito europeu que impõe que destino aduaneiro das mercadorias seja titulado através do documento administrativo único, que à data dos factos, em aplicação do Código Aduaneiro Comunitário (CAC) e das Disposições de Aplicação do  Código Aduaneiro Comunitário (DACAC), se consubstanciava na certificação de saída para o expedidor/exportador.

 

                E essa formalidade, legalmente imposta, que tem vista em evitar a fraude fiscal, não pode ser substituída pela simples emissão de facturas que demonstrem que ocorreu uma transmissão de bens. Não estão aqui em causa meras deficiências de facturação que poderiam ser rectificadas no plano contabilístico, mas a própria inexistência do documento de que depende a concessão da isenção a favor da Requerente.

 

Neste mesmo contexto, não se vê em que medida os actos tributários impugnados possam ter violado o princípio da verdade material. Sabe-se que a Administração Tributária está vinculada, ao nível do procedimento, ao princípio da verdade material, pelo qual lhe cabe o poder-dever de realizar todas as diligências que entenda serem úteis para a descoberta da verdade.

 

Um afloramento deste princípio surge no artigo 58.º da LGT, onde se refere que “a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”. Mas consta também do artigo 6.º do RCPI onde se diz que “o procedimento de inspecção visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adotar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objectivo”.

 

Estando, no entanto, em falta o cumprimento de uma formalidade que incumbia ao interessado realizar, que integra o próprio procedimento de exportação de mercadorias, não poderiam ser as diligências a encetar pela Administração, em vista a averiguar se ocorreu uma efectiva transmissão de bens, que poderia suprir a ausência do requisito formal de que dependia a isenção de imposto.

 

8. A Requerente alude ainda à violação dos princípios da proporcionalidade, da capacidade contributiva, da justiça e da neutralidade fiscal, partindo sempre da ideia básica de que as operações realizadas são verdadeiras operações de exportação, para um país terceiro, com saída de mercadorias do território nacional, e, como tal, devem beneficiar da isenção estabelecida no artigo 14.º do CIVA.

 

Mas como já foi dito, a atribuição da isenção dependia de um formalismo específico, consubstanciado num documento alfandegário, que, para além da facturação que tenha sido emitida, pudesse comprovar nos termos legalmente previstos a efectiva exportação de mercadorias em nome da Requerente, não bastando que o interessado pudesse demonstrar que realizou operações de transmissão de bens para fora da União Europeia.

 

A recusa do direito à isenção com esse fundamento, dentro do quadro legal aplicável, não pode pôr em causa qualquer desses princípios jurídicos. Nem a Administração dispunha de liberdade de agir para prosseguir os fins legais e os interesses públicos através de uma outra medida, nem adoptou soluções que possam ser tidas como desrazoáveis ou incompatíveis com o Direito, nem se pode dizer que a norma legal em análise ofende o princípio da igualdade fiscal na sua vertente de uniformidade, que caracteriza o princípio da capacidade contributiva.

 

 E, por outro lado, como se esclareceu, não está em causa o direito à dedução, mas um benefício fiscal traduzido na isenção de IVA, pelo que não vem ao caso a invocação do princípio da neutralidade do imposto.

 

Deste modo, não sendo possível dar como assente que a Requerente comprovou através do documento alfandegário apropriado a saída das mercadorias para país fora da Comunidade, não pode considerar-se aplicável a isenção a que se refere o artigo 29.º, n.º 8, do Código do IVA, havendo lugar à liquidação do correspondente imposto nos termos do subsequente n.º 9.

 

O pedido arbitral mostra-se pois ser improcedente.  

 

Juros indemnizatórios

 

9. Sendo de julgar improcedente o pedido principal de declaração de ilegalidade dos actos tributários, fica necessariamente prejudicado o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

III – Decisão

Termos em que se decide julgar improcedente o pedido arbitral.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 1.053.246,30, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 14.688,00, que fica a cargo da Requerente.

 

Notifique.

 

Lisboa, 20 de Março de 2020

  

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

João Taborda da Gama

 

O Árbitro vogal

Luís Menezes Leitão