Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 435/2019-T
Data da decisão: 2020-02-07  IRC  
Valor do pedido: € 45.109,60
Tema: IRC do ano de 2013 - Gastos com a regularização de inventários na actividade editorial. Artigos 23º-1 e 28º-4 do Código do IRC.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I – RELATÓRIO

 

a)            Em 26 de Junho de 2019 a Requerente, A..., S.A. (adiante designada por “Requerente"), NIPC..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., em Lisboa, representada, na sequência da sua dissolução e liquidação, pela depositária B... LDA., NIPC..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, e pela C..., titular do número de identificação fiscal  ..., com sede social na ..., ... Barcelona, em Espanha, na qualidade de sócia única da A..., S.A., vieram deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), tendo em vista obter pronúncia sobre a ilegalidade da (1) “decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2018..., (2) do ato de liquidação de IRC nº 2017..., relativo ao período de tributação de 2013, e as respetivas demonstrações de liquidação de juros compensatórios e de acerto de contas, no valor de 45 109,60 euros”.

b)           É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, adiante designada por AT ou Requerida;

a)            A Requerente pede ao Tribunal que na procedência do pedido de pronúncia arbitral (PPA) proceda à “a) -  Anulação da decisão de indeferimento proferida no procedimento de reclamação graciosa nº ...2018...; b) - Em consequência, anule a liquidação adicional de IRC nº 2017..., referente ao período de 2013, e as respetivas demonstrações de liquidação de juros compensatórios e de acerto de contas identificadas supra; c) - Condene a Autoridade Tributária no pagamento dos juros indemnizatórios que se mostrem devidos, nos termos dos artigos 61º do CPPT e 43º da LGT; d) - Condene a Autoridade Tributária no pagamento de indemnização à Requerente pelos encargos em que incorreu na sequência da prestação de garantia bancária e caução para suspensão do processo de execução fiscal instaurado.”

b)           O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 27-06-2019.

c)            Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 14.08.2019, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

d)           O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 03 de Setembro de 2019, regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).

e)           A fundamentar o pedido, a Requerente começa por se pronunciar sobre o seu objecto social (actividade editorial), concluindo que “os artigos de colecção e fascículos outrora comercializados por parte da ora Requerente consubstanciavam bens que, reconhecidamente, padecem de desatualização quando não são vendidos durante o período de tempo esperado, perdendo por isso, económica, contabilisticamente e fiscalmente, o seu valor pelo mero decurso do tempo. Como tal, é habitual, no setor de atividade da Requerente, proceder-se à destruição dos bens não vendidos após decorrido determinado prazo”.

 

f)            Quanto à sua representação, tendo em conta a sua dissolução e liquidação, refere que “... exerceu, em conformidade com o seu objeto social, a sua ... até 3 de janeiro de 2014, data da sua dissolução e respetiva liquidação. Na sequência da dissolução e consequente liquidação da Requerente, a B... Lda. foi designada depositária da Requerente. Caso se venha a considerar que a representante da cessação da requerente A..., S.A., não tem legitimidade, capacidade ou personalidade tributária para a presente demanda, o que face aos elementos constantes dos autos e à conduta da Autoridade Tributária, não faz qualquer sentido, atentas as sucessivas notificações efetuadas a esta sociedade, nas várias fases procedimentais, a verdade é que a sócia única, à cautela, subscreve igualmente o presente pedido. Na verdade, a Requerente não pode ficar inibida de contestar passíveis dívidas fiscais, e como tal a Requerente, na referida qualidade de sócia única, tem legitimidade, personalidade e capacidade tributária para este efeito”.

g)            Discorda da posição adoptada pela AT, quer no Relatório da Inspecção, quer no despacho de indeferimento da reclamação graciosa que deduziu quanto à liquidação de IRC, nomeadamente quando se refere que (1) «... da análise aos elementos fornecidos pela reclamante no decurso da ação inspetiva, os SIT concluíram que, por não ter sido devidamente demonstrada e justificada a destruição das mercadorias, não era possível aceitar-se a regularização do inventário, no valor de 1.789.898,49 euros, como gasto fiscalmente dedutível, nos termos do disposto no artigo  23º do CIRC» uma vez que (2) «... analisados os elementos juntos aos autos constata-se que os mesmos não são suscetíveis de comprovar de forma clara e inequívoca o pretendido, uma vez que a documentação anexa à presente reclamação graciosa revela as mesmas lacunas e imprecisões que levaram os SIT a concluir que os elementos complementares de prova da destruição de mercadorias não demonstravam de forma clara, concreta e inequívoca que os bens foram objeto de destruição e que a regularização dos inventários não poderia ser aceite fiscalmente, de acordo com o disposto no artigo 23º do CIRC»

h)           Para fundamentar a sua discordância com a posição da AT, refere «...uma vez que o ajustamento ao valor da maioria dos referidos inventários até já havia sido reconhecido contabilisticamente e até aceite para efeitos fiscais em períodos de tributação anteriores» «... não pode tão-pouco conformar-se com o facto da Autoridade Tributária ter desvalorizado os meios de prova apresentados para complementar a documentação da efetiva destruição de mercadorias ocorrida durante o exercício de 2013, no montante global de € 1.789.898,49, que presidiu à liquidação de IRC em apreço».

i)             Entende que cumpriu os requisitos estabelecidos no artigo 23º do IRC para a aceitação como custos os valores de inventário das mercadorias destruídas.

j)             Sendo que ao abrigo do regime do nº 4 do artigo 28º do Código do IRC, uma parte substancial do gasto "implícito" cuja desconsideração fiscal a Autoridade Tributária promoveu, já havia sido reconhecido por parte da ora Requerente em períodos anteriores, quer para efeitos contabilísticos, quer para efeitos fiscais, ou seja, «do montante total do alegado gasto com destruição de inventários (1 789 898,49 €) 125.048,37 € foram reconhecidos no próprio exercício, sendo que € 1.664.850,12 já se encontravam reconhecidos em exercícios anteriores, e dos quais € 1.284.226,64 já haviam sido inclusivamente considerados para efeitos fiscais por já terem decorrido mais de dois anos desde o depósito legal das respetivas publicações»;

k)            Refere que se «o legislador determinou a aceitação de gastos (note-se, ainda potenciais) associados à perda de valor de inventários na atividade editorial, com base num critério objetivo associado à sua antiguidade (após decorridos 2 anos do respetivo depósito legal das publicações), qual seria o sentido de ser imposta uma condição de verificação a posteriori muito mais restritiva, especialmente num contexto de efetiva materialização da perda anteriormente aceite (como é o caso do cenário de destruição dos inventários)?» concluindo que «... apenas sob uma forte ausência de documentação de suporte se poderia conceber a correção efetuada por parte da Autoridade Tributária facto que, no entanto, não têm qualquer fundamento no caso concreto em análise».

l)             Acrescenta: «o artigo 23º do Código do IRC não contém qualquer disposição específica sobre gastos associados a regularização de inventários por via de destruição de mercadorias, designadamente que exigisse a documentação complementar de suporte solicitada por parte da Autoridade Tributária, nem tão-pouco as especificações que o seu teor alegadamente teria obrigatoriamente que conter, como a Autoridade Tributária pretende agora fazer prevalecer».

m)          Quanto ao procedimento seguido na destruição das mercadorias em inventário, refere a Requerente que o mesmo foi constatado por uma solicitadora, com assinatura reconhecida, considerando que a exigência de «...suporte documental mais discriminativo, pormenorizado e específico para regularizações de inventários (quando a lei é totalmente omissa), face àqueles que a própria lei determina expressamente no caso dos ativos fixos tangíveis»  constitui «materialização de exigência arbitrária da Autoridade Tributária quanto ao detalhe discriminativo, por mercadoria, devidamente titulada, numerada, carimbada e rubricada em todas as folhas (a qual, também não possui qualquer suporte no previsto na lei)” e “é manifestamente atentatória do princípio da proporcionalidade que deve presidir aos procedimentos administrativos que são razoáveis a Administração Tributária exigir para a demonstração da verdade material dos factos em análise, nos termos do disposto no artigo 55º da LGT».

n)           Acrescenta a Requerente que nos processos de destruição de mercadorias observaram-se os procedimentos habitualmente adoptados.

o)           Termina referindo: «note-se, ainda, que, para além de não ser legalmente necessária para determinar a dedutibilidade dos gastos sub judice, de modo a facilitar a sua apreensão, a Requerente apresentou inclusivamente mapas resumo e/ou de conexão entre os diversos elementos que a própria Autoridade Tributária havia solicitado para complementar a documentação do procedimento de destruição de inventários. Tais mapas, entre outros elementos de ligação, como seja o peso das mercadorias e as entidades intervenientes no processo de destruição, mencionam expressamente o nome da Requerente. A este respeito, importa ainda salientar que os bens objeto de destruição já se encontravam na posse de intermediários - a Logista Portugal e a Marco Postal razão pela qual, o nome da Requerente não poderia figurar nos documentos de transporte solicitados”.

p)           Notificada a Requerida, respondeu em 07.10.2019, juntando o PA, composto por quatro ficheiros informatizados (PA2, PA3, PA4 e PA5).

q)           Em termos gerais, adere na resposta ao PPA aos fundamentos que estão contidos no Relatório da Inspecção e nos fundamentos da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

r)            Refere que a AT que “feita a análise aos elementos juntos aos autos, verifica-se que os mesmos não são susceptíveis de comprovar de forma clara e inequívoca a destruição das mercadorias, uma vez que a documentação junta revela lacunas e imprecisões que não permitem a aceitação fiscal da regularização dos inventários, ao abrigo do artigo 23.º do CIRC.” E que

s)            «Não existindo obrigação legal de proceder a qualquer prévia diligência ou participação junto dos serviços da Administração Fiscal, no entanto, é necessário que ter na sua posse elementos justificativos das faltas nas suas existências dos bens destruídos ou inutilizados, como forma mais segura de elidir a presunção no citado artigo 86º do código do IVA a sua aceitação nos termos do artigo 23º do código do IRC, o que no caso em apreço não aconteceu”. E acrescenta: “a Autoridade Tributária não põe em causa que haja destruição de mercadorias em empresas com atividade editorial, o que não aceita é processos de destruição de mercadorias em que os mesmos não se encontram devidamente documentados, ou seja, os abates de mercadorias devem estar complementada com documentos/elementos de prova suficientes, que demonstrem de uma forma clara, concreta e inequívoca que os bens foram objeto de destruição”;

t)            Refere ainda que “no entendimento da Autoridade Tributária há que comprovar as perdas de existências e subsequente abate, para que os gastos sejam aceites fiscalmente. Contudo, tal não passa, necessariamente, só pela apresentação de guias de transporte, guias de acompanhamento de resíduos ou faturas emitidas por terceiros.  Os mesmos (guias de transporte, guias de acompanhamento ou faturas), devem identificar inequivocamente o nome da empresa detentora da mercadoria a destruir (A...), e essa mesma mercadoria deve estar devidamente identificada (livros ou artigos de coleção obsoletos/não comercializáveis de acordo com listagem em anexo devidamente tituladas, numeradas, carimbadas e rubricadas todas as folhas), e assinado por responsáveis da empresa, de forma que não existam dúvidas quanto à sua destruição”.

u)           A título conclusivo refere: “... a Requerente não tem na sua posse elementos justificativos da destruição ou inutilização dos bens (produtos ou mercadorias) e consequentemente não apresentou provas claras e inequívocas, de modo a que a Inspeção Tributária, no âmbito de procedimento inspetivo, verifique da relevância dos referidos elementos e, consequentemente, que os mesmos constituem prova suficiente, dos bens objeto de destruição, para ilidir a presunção prevista e sua aceitação como gasto fiscal”.

v)            E conclui: “A questão controvertida nos presentes autos é assim saber se os documentos apresentados pela Requerente são suficientes para comprovar que as mercadorias foram objecto de destruição e qual o seu valor, por forma a que a regularização efectuada aos resultados possa ser aceite como gasto dedutível nos termos do art.º 23.º do CIRC.”

w)          Foram ouvidas as testemunhas D..., E... e F..., sobre os factos alegados nos 15º a 42º, 64º a 72º, 75º a 77º, 97º a 125º do PPA, conforme acta de reunião do TAS e 04.11.2019.

x)            A Requerente apresentou alegações escritas em 25.11.2019, mantendo o que já tinha referido em sede de pedido de pronúncia arbitral (PPA). A Requerida também apresentou alegações escritas em 27.11.2019, mantendo o que já tinha referido em sede de resposta ao PPA.

II – SANEAMENTO

 

a)            As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica e de capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

b)           Tempestividade - o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no CAAD, em 26 de Junho de 2019. A Requerente impugna a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que lhe foi notificada em 29 de Março de 2019.

c)            Assim, nos termos conjugados dos artigos 102º, nº 1, alínea b), do CPPT e 10º, nº 1, alínea a), do RJAT, o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo.

d)           O processo arbitral não padece de nulidades.

 

Cumpre apreciar.

 

III - MÉRITO

 

III-1- MATÉRIA DE FACTO

 

Factos dados como provados

 

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

 

a)            Na sequência da dissolução e liquidação da Requerente, A..., S.A., a B... Lda, NIPC..., com sede na ..., n.º..., ...-... Lisboa, foi designada sua depositária, tendo nesta qualidade interposto o procedimento de reclamação graciosa em causa neste processo – conforme artigos 4º e 7º do PPA, documento nº 3 em anexo ao PPA e ponto 4 da resposta da AT;

b)           A Requerente, até à sua dissolução e liquidação, em 03 de Janeiro de 2014, tinha como objeto social as atividades de impressão, edição, publicação e difusão de publicações unitárias e periódicas, bem como revistas isoladamente ou complementadas por discos, cassetes, vídeos, jogos, material didático e produtos similares colecionáveis, comercialização de qualquer tipo de publicações e seus complementos incluindo importação, exportação e distribuição, e promoção do ensino à distância – conforme artigos 16º, 19º e 20º do PPA, documentos nºs 3 e 4 em anexo ao PPA e pontos 4 e 5 da resposta da AT;

c)            A Requerente foi sujeita a uma ação inspetiva externa, de âmbito geral, realizada ao abrigo da ordem de serviço nº 012017..., por referência ao exercício de 2013, tendo sido notificada em 25 de Setembro de 2017, do projeto de relatório de inspeção tributária, para audição prévia, tendo exercido este direito em 10 de Outubro de 2017 e em 25 de Outubro de 2017 foi notificada do relatório final da inspecção, no qual se mantiveram as propostas de alteração no projecto de relatório de inspecção, em sede de IRC e de IVA – conforme artigos 23º, 24º, 26º e 28º do PPA e documentos nºs 5, 6 e 7 em anexo ao PPA e ponto 6 da resposta da AT;

d)           Nos termos do relatório de inspeção tributária, foi proposta a seguinte correção em sede de IRC: acréscimo para efeitos de determinação do lucro tributável da Requerente do montante de € 1.789.898,49 correspondente à não aceitação fiscal do gasto com a regularização dos inventários, nomeadamente por não ter sido demonstrada e justificada a destruição das mercadorias (artigos de coleção), nos termos do artigo 23º do Código do IRC, o que originou o apuramento de um lucro tributável corrigido da Requerente no montante de € 618.543,28 – conforme artigo 15º do PPA e documentos nºs 5 e 7 em anexo ao PPA;

e)           No exercício do direito de audição prévia a Requerente juntou documentos – conforme artigo 27º do PPA e pontos 10 e 11 da resposta da AT;

f)            Em conclusão da análise documental apresentada pela Requerente em sede de audição prévia ao projecto de relatório de inspecção, expressou-se o seguinte no relatório final: “(1) As guias de acompanhamento de resíduos modelo A, as guias de transporte, as facturas ... referem-se a “resíduos diversos”, “lixo de embalagens plásticas”, “contentor de lixo (Horta 16)”, “1 contentor de material diverso”  e “contentor, Material – aço” e nunca a artigos de colecção” (2) Os serviços prestados nas datas constantes os referidos quadros também são anteriores às destruições das mercadorias.

Nos documentos apresentados, referem “um contentor de lixo" ou “um contentor de material de aço”. Este tipo de descritivo não comprava que os artigos de colecção foram destruídos.

Da análise detalhada efetuada aos documentos apresentados no decorrer do exercício do direito de audição, verificam-se incongruências que foram referidas anteriormente, que põem em causa a destruição das mercadorias.

Do exposto decorre que, o sujeito passivo, não tem na sua posse  justificativos da destruição ou inutilização dos bens (produtos ou mercadorias) e consequentemente não apresentou provas claras e inequívocas de modo a que a Inspecção Tributária, no âmbito do de procedimento de inspectivo, verifique da relevância dos referidos elementos e, consequentemente, que os mesmos constituam prova suficiente, dos bens objecto de destruição, para elidir a presunção prevista e a sua aceitação como custo fiscal.

O abate de bens do inventário tem que assentar em critérios que permitam aferir da sua  existência e comprovando a sua concreta verificação de forma afastar (ou não) a referida  presunção de transmissibilidade.

A Autoridade Tributária, entende que o processo adotado pela empresa a documentação produzida, não é susceptível de ilidir a presunção acima referida, de forma objectiva, clara, inequívoca e concreta, que as destruições toram efetuadas, uma vez que, os elementos/documentos apresentados, nomeadamente, as guias de transporte, as guias de acompanhamento de resíduos, não referem em nenhum momento, o nome da A..., nem os artigos e destruir. Os documentos apresentados nestes moldes, poderiam referir-se a qualquer empresa e a outros bens a destruir, o que só por si não servem de justificação.” -  conforme parte final do documento nº 7 junto com o PPA e PA junto pela AT com a resposta.

g)            Na sequência da ação de inspeção, a Requerente foi notificada da demonstração de liquidação de IRC nº 2017..., relativa ao período de tributação de 2013, bem como as respetivas demonstrações de liquidação de juros compensatórios nº 2017 ... e de acerto de contas nº 2017..., todas associadas à compensação nº 2017..., determinando tais actos um montante total a pagar de € 45.109,60, sendo € 39.732,16 respeitantes a IRC e € 5.377,44 correspondentes a juros compensatórios – conforme artigos 29º e 30º do PPA e documento nº 2 em anexo ao PPA;

h)           Em 12 de Abril de 2018 a Requerente deduziu reclamação graciosa contra a liquidação acima referida, foi notificada para se pronunciar sobre a proposta de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, faculdade que não exerceu, tendo em  29 de Março de 2019 sido notificada do despacho de indeferimento definitivo da reclamação graciosa nº ...2018... – conforme artigos 31º, 33º, 34º e 35º do PPA e documentos nºs 1, 8 e 9 juntos com o PPA;

i)             Em 4 de dezembro de 2017, a Requerente peticionou à AT que lhe fosse fixado o montante da garantia a prestar nos termos do artigo 199º do CPPT e para efeitos do estabelecidos no artigo 169º do CPPT, tendo em 29 de junho de 2018 concretizado a prestação da garantia bancária nº..., emitida pelo Banco F..., no valor global de € 667.852,00, para suspensão dos processos de execução fiscal que, entretanto, haviam sido instaurados (com os nºs ...2017... e ...2017...para cobrança coerciva das liquidações de IVA e juros compensatórios), e com o nº ...2018..., para cobrança coerciva da liquidação de IRC e juros compensatórios em apreço, tendo pago ainda uma caução no valor de € 3.934,12, no dia 6 de julho de 2018, atribuída ao processo de execução fiscal nº ...2018... – conforme artigos 38º, 41º e 42º do PPA e documentos nºs 10 a 14 juntos com o PPA;

j)             Os artigos de colecção e fascículos comercializados por parte da Requerente consubstanciavam bens que padecem de desatualização quando não são vendidos durante o período de tempo esperado, perdendo valor pelo mero decurso do tempo, sendo habitual proceder-se à destruição dos bens não vendidos após decorridos 2 anos sobre a data da introdução ao consumo – conforme artigos 17º e 18º do PPA e depoimento das testemunhas E... e G...;

k)            A Requerente comercializava publicações em papel (fascículos), com peças e materiais que não em papel (“gadgets”), de algumas marcas, pagando royalties, mesmo que não fossem vendidos e mesmo que fossem doados, o que só não ocorria se fosse provada a sua destruição, a qual era considerada realizada por declaração de uma solicitadora atestando a destruição, tendo em anexo uma relação de fascículos e “gadgets”, contendo o título do fascículo, o número e a quantidade – conforme documentos nºs 15, 16 e 17 juntos com o PPA e depoimento da testemunha D...;

l)             Em 2013 a Requerente promoveu a regularização de inventários, por via da destruição de mercadorias, segundo o seguinte quadro-resumo:

 

com ressalva de que um dos processos ocorreu em 30 de Outubro de 2012 e não em 30.09.2013 - conforme artigo 98º do PPA e depoimentos das testemunhas E... e D...;

m)          O montante de € 1.789.898,49 referido na alínea d) supra, resulta dos três processos de destruição de mercadorias da Requerente ocorridos no dia 30.10.2012, 20.09.2013 e no dia 30.09.2013 – conforme artigo 99º do PPA e depoimentos das testemunhas M… E... e D...;

n)           Do montante referido na alínea anterior, apenas € 125.048,37 foram reconhecidos no próprio exercício, sendo que € 1.664.850,12 já se encontravam reconhecidos em exercícios anteriores, e € 1.284.226,64 já haviam sido considerados para efeitos fiscais – artigo 62º do PPA;

o)           O procedimento de destruição de mercadorias adoptado pela Requerente observou o seguinte: (1) elaboração de listagens de fascículos a destruir com indicação dos números e quantidades (2) remessa de conjuntos de artigos através de transportadora contratada, a ...,  à empresa de destruição, a H... SA; (3) conferência pelo Chefe de Armazém ... do material para abate (4) uma solicitadora verificava as listagens, a destruição e elaborava uma declaração em que expressava que “foram destruídos os fascículos e “gadgets””, constando em anexo as referidas listagens, com assinatura da declarante reconhecida pelo Notário – conforme artigo 100º do PPA e depoimentos das testemunhas E... e D...;

p)           O procedimento adoptado pela Requerente, quanto à destruição de mercadorias atrás referido, foi o idêntico a outros anteriores e quanto a destruições de mercadorias de outros sujeitos passivos de IRC – conforme depoimento de D...;

q)           Em 26 de Junho de 2019 o Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (PPA) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral.

 

Factos não provados

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta, e os depoimentos das testemunhas, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, indicando-se, por cada ponto levado à matéria de facto assente, os meios de prova que se consideraram relevantes, como fundamentação.

 

O Tribunal considerou relevar o testemunho da Solicitadora D..., a qual referiu que o processo de destruição de mercadorias da Requerente, ao tempo, era o adoptado por outras empresas, para as quais emitia idênticas declarações comprovativas das destruições de mercadorias.

 

A AT não colocou em causa a genuinidade do conteúdo das reproduções mecânicas juntas autos, nem invocou a sua falsidade ou outra adulteração, na forma ou no conteúdo.

 

Os documentos juntos pela Requerente, em anexo ao pedido de pronúncia, juntos por reprodução mecânica, não mereceram impugnação ou qualquer observação por parte da Requerida.

 

Também os factos constantes da alínea n) não mereceram uma “impugnação especificada”, pelo que o TAS considerou-os assentes, com base nos documentos apresentados pela Requerente e no uso dos poderes do nº 7 do artigo 110º do CPPT, dado tratar-se de factualidade que se considera ser coerente com a prova documental apresentada.

 

III-2- DO DIREITO

 

III-2-Quanto ao mérito

 

A)           O texto da lei cuja aplicação está aqui directamente em causa.

 

Refere o Artigo 28.º do Código do IRC, na redacção vigente até 31.12.2013:

 

Ajustamentos em inventários

 

1 — São dedutíveis no apuramento do lucro tributável os ajustamentos em inventários reconhecidos no período de tributação até ao limite da diferença entre o custo de aquisição ou de produção dos inventários e o respectivo valor realizável líquido referido à data do balanço, quando este for inferior àquele.

2 — Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por valor realizável líquido o preço de venda estimado no decurso normal da actividade do sujeito passivo nos termos do n.º 4 do artigo 26.º, deduzido dos custos necessários de acabamento e venda.

3 - A reversão, parcial ou total, dos ajustamentos previstos no n.º 1 concorre para a formação do lucro tributável.

4 — Para os sujeitos passivos que exerçam a actividade editorial, o montante anual acumulado do ajustamento corresponde à perda de valor dos fundos editoriais constituídos por obras e elementos complementares, desde que tenham decorrido dois anos após a data da respectiva publicação, que para este efeito se considera coincidente com a data do depósito legal de cada edição.

5 — A desvalorização dos fundos editoriais deve ser avaliada com base nos elementos constantes dos registos que evidenciem o movimento das obras incluídas nos fundos.

 

E o nº 1 - h) do artigo 23º do Código do IRC refere o seguinte:

Gastos

1 — Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

h) Ajustamentos em inventários, perdas por imparidade e provisões;

 

B)           Apreciação face à matéria de facto provada

 

A Autoridade Tributária no ponto EE) das suas alegações sintetiza o que separa as partes neste litígio.

 

Afirma: “a questão controvertida nos presentes autos é assim saber se os documentos apresentados pela Requerente são suficientes para comprovar que as mercadorias foram objecto de destruição e qual o seu valor, por forma a que a regularização efectuada aos resultados possa ser aceite como gasto dedutível nos termos do art.º 23.º do CIRC”.

 

E isto porque a AT considerou que o “... processo adotado pela empresa e a documentação produzida, não é suscetível de ilidir a presunção acima referida, não tendo sido demonstrado, de forma objetiva, clara, inequívoca e concreta, que as destruições foram efetuadas, uma vez que, os elementos/documentos apresentados, nomeadamente as guias de transporte, as guias de acompanhamento de resíduos, não referem em nenhum momento, o nome da A..., nem os artigos a destruir. Os documentos apresentados nestes moldes, poderiam referir-se a qualquer empresa e a outros bens a destruir, o que só por si não servem de justificação.” (Alínea CC) das alegações)

 

A AT considerou, na avaliação da prova que lhe foi apresentada pela Requerente (e trata-se de um acerco documental com alguma extensão, constante dos documentos nºs 15 a 26 juntos com o PPA) que não é inequívoca no sentido de provar que a destruição das mercadorias ocorreu. Conclui, nesta conformidade, que não está provada a destruição das mercadorias.

 

Em processo tributário e em procedimento tributário, em matéria de juízo ou convicção na apreciação da prova (livre apreciação da prova), tal como no processo civil, afigura-se-nos que vigora a regra da probabilidade prevalecente.

 

Face às dúvidas sobre os documentos ou alguns dos seus elementos, não vemos como v.g., não se convidou a Requerente a apresentar outros meios de prova, incluindo prova testemunhal, quer em sede de procedimento de inspecção, quer em sede de procedimento de reclamação graciosa.

 

Pretendendo colocar-se em causa as declarações emitidas, por escrito, pela Senhora Solicitadora, onde de algum modo se atesta a destruição das mercadorias, afigura-se que se impunha, mesmo oficiosamente, que a mesma pudesse ser confrontada com as mesmas.

 

Não vemos, pois, que o standard da prova relevante em processo e procedimento tributário deva ser o da prova clara e convincente e muitos menos o da prova para além de toda a dúvida razoável (frequente em processo penal), como parece defender-se quando se refere que não foi feita pela Requerente, nos procedimentos de inspecção e de impugnação graciosa, prova inequívoca.

 

De facto, face ao que se provou neste processo, sobretudo, percute-se, tendo em conta o conteúdo das declarações escritas emitidas pela Srª Solicitadora, e em respeito pelo standard da prova aqui aplicável, não vemos como poderia este TAS dar como não provado que a mercadorias aqui em causa, não tenham sido destruídas.

 

Mas mesmo que assim não fosse, configura-se que a prova produzida, apreciada na sua globalidade, se configura, pelo menos, convincente.

 

As observações colocadas pela AT, como fundamento para o juízo de apreciação da prova que lhe foi apresentada, consta em f) dos factos provados: “as guias de acompanhamento de resíduos modelo A, as guias de transporte, as facturas ... referem-se a “resíduos diversos”, “lixo de embalagens plásticas”, “contentor de lixo (Horta 16)”, “1 contentor de material diverso”  e “contentor, Material – aço” e nunca a artigos de clecção” (2) Os serviços prestados nas datas constantes os referidos quadros também são anteriores às destruições das mercadorias. Nos documentos apresentados, referem “um contentor de lixo" ou “um contentor de material de aço”. Este tipo de descritivo não comprava que os artigos de colecção foram destruídos.”

 

O facto das guias de transporte e os contentores não terem as indicações em concreto dos bens a que aludiam, não parece que só por si, possam conduzir à conclusão que não tinham nada a ver com as mercadorias da Requerente, posto que, teriam sido recolhidas nos muitos locais de vendas dos produtos distribuídos pela empresa de logística de distribuição, sem passar pela Requerente. Tratar-se-á apenas de um elemento de prova de entre muitos outros apresentados.

 

A apreciação da prova, considerada na sua globalidade, afigura-se-nos que deveria ser mais abrangente e eventualmente complementada pela audição da Senhora Solicitadora, face ao que escreveu nos documentos emitidos.

 

Relevantes para o sentido desta decisão, são os seguintes factos ou circunstâncias:

 

1.            Conforme se provou em j) e n) dos factos assentes “os artigos de colecção e fascículos comercializados por parte da Requerente consubstanciavam bens que padecem de desatualização quando não são vendidos durante o período de tempo esperado, perdendo valor pelo mero decurso do tempo, sendo habitual proceder-se à destruição dos bens não vendidos após decorridos 2 anos sobre a data da introdução ao consumo”, “sendo que € 1.664.850,12 já se encontravam reconhecidos em exercícios anteriores, e € 1.284.226,64 já haviam sido considerados para efeitos fiscais”.

Ou seja, parece poder concluir-se que, independentemente da prova de terem ou não terem sido destruídas as mercadorias com o valor de aquisição de € 1 284 226,64 euros, porque já tinham decorridos 2 anos, estas perdas teriam sempre que ser reconhecidas, como gastos ou perdas nos termos do artigo 23º nº 1 do CIRC, por força do regime especial aplicável à Requerente previsto no nº 4 do artigo 28º do CIRC.

2.            A Requerente tinha interesse económico em destruir as mercadorias não vendidas (fascículos e “gadgets”) uma vez que conforme se provou em k) dos factos assentes pagava “royalties, mesmo que não fossem vendidos e mesmo que fossem doados, o que só não ocorria se fosse provada a sua destruição, a qual era considerada realizada por declaração de uma solicitadora atestando a destruição, tendo em anexo uma relação de fascículos e “gadgets”, contendo o título do fascículo, o número e a quantidade”.

3.            Segundo referiu a Senhora Solicitadora que foi testemunha, D..., os procedimentos que foram seguidos, com ênfase na declaração por si emitida onde ela expressa que “foram destruídos os fascículos e “gadgets””, constando em anexo listagens, com assinatura da declarante reconhecida pelo Notário, eram os usados por outros sujeitos passivos para os quais emitia essas declarações, não conhecendo casos que tenham sido colocados em causa pela AT.

4.            O julgador, ao valorar a prova documental apresentada, não pode abstrair-se da circunstância de se tratar de prova a realizar em 2017, de factos ocorridos em 2013 ou antes, quanto a uma sociedade que em 2014 entrou em processo de dissolução e liquidação.

5.            Não existe normativo específico, ou não foi invocado, que regule os procedimentos de destruição de mercadorias nos moldes referidos pela AT, tendo a Requerente seguido o procedimento que já usara anteriormente.

 

Procede, pois, o pedido de pronúncia arbitral, porquanto a Requerente logrou demonstrar que procedeu à destruição das mercadorias que estão na origem das alterações à liquidação do IRC aqui impugnadas.

 

D) - Direito a juros indemnizatórios e a indemnização decorrente da prestação de garantia bancária.

 

Juros indemnizatórios

 

A Requerente pede “o pagamento de juros indemnizatórios que forem devidos”, conforme alínea AA) do pedido final que consta do PPA.

 

No entanto, em lado algum alegou que pagou o valor que lhe foi liquidado. Pelo contrário, o que alegou e se provou foi o que consta da alínea i) dos factos provados, ou seja, que pediu a suspensão da execução fiscal que corre para a cobrança coerciva da dívida aqui impugnada, tendo prestado garantia bancária para o efeito.

 

Improcede, poi, nesta parte o PPA, uma vez que não ocorreu o pagamento de qualquer dívida tributária.

 

Indemnização por prestação de garantia indevida

 

A Requerente, ancorada nos artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT, peticiona o pagamento de uma indemnização, uma vez que, conforme ficou provado, prestou garantia bancária para suspender o processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva das quantias de IRC e de juros compensatórios liquidadas.

 

O artigo 171.º do CPPT estabelece que a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda (n.º 1) e que a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência (n.º 2).

 

O processo de impugnação judicial abrange, desta forma, a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.

 

Constituindo o processo arbitral um meio processual alternativo à impugnação judicial, no qual é discutida a legalidade do ato(s) tributário(s) subjacente(s) à dívida exequenda, sempre que os contribuintes optarem pela via arbitral, é neste processo que deve ter lugar o pedido de indemnização por garantia indevida.

 

Neste sentido se pronuncia a jurisprudência consolidada dos tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD que afirmam ser a ação arbitral o meio próprio para conhecer e apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida (cf. as decisões arbitrais proferidas em 04.11.2013, no processo n.º 66/2013-T, em 18.05.2016, no processo n.º 695/2015-T, em 02.01.2017, no processo n.º 220/2016-T e em 28.06.2017, no processo n.º 508/2016).

 

Dispõe o artigo 53.º da LGT, que rege o direito a indemnização por garantia indevida, nos seguintes moldes:

Artigo 53.º da LGT

Garantia em caso de prestação indevida

1.            O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2.            O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3.            A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4.            A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.

 

A situação vertente é     enquadrável no n.º 2 deste artigo, dependendo o direito à indemnização por prestação de garantia indevida da constatação de erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, como pressuposto constitutivo.

 

Neste sentido, conforme preconiza o Acórdão do STA, de 21.11.2007, no processo n.º 633/07: “o fundamento do direito à indemnização reside no facto complexo integrado pelo prejuízo resultante da prestação de garantia e pela ilegal atuação da administração devida a erro seu, ao liquidar indevidamente, forçando o contribuinte a incorrer em despesas com a constituição da garantia que, não fora aquela sua atuação, não teria sido necessária prestar”.

 

Assim, demonstrada a existência de erro imputável aos serviços conducente à ilegalidade do ato tributário controvertido e, consequentemente, à indevida prestação de garantia para suspensão da execução fiscal resultante do não pagamento da prestação tributária ilegalmente liquidada, assiste ao contribuinte o direito a ser ressarcido dos custos incorridos com a prestação e manutenção da garantia.

 

Compulsados os autos, foi o que ocorreu na situação vertente, tendo a Requerente sido alvo de liquidações ilegais de IRC e de juros compensatórios, da exclusiva iniciativa da AT, sem ter contribuído para que os mesmos fossem praticados.

 

Por outro lado, resultou provado que a Requerente prestou garantia bancária para sustação da execução de IRC, até ao montante de € 667 852,00 euros e pagou uma caução no valor de € 3 934,12 atribuída ao este processo de execução fiscal.

 

Deste modo, procede o pedido de condenação da AT ao pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida (garantia bancária e caução) até ao respetivo cancelamento, isto, sem prejuízo da limitação do quantum indemnizatório estatuída no artigo 53.º, n.º 3 da LGT.

 

Uma vez que a garantia bancária prestada abrangeu dois processos de execução fiscal, o alcance da presente decisão apenas abrange o processo de execução fiscal relativo à cobrança de IRC e juros indemnizatórios.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que, com os fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, uma vez que os actos impugnados estão em desconformidade com as normas constantes do artigo 23º-1 e 28º, ambas do IRC e consequentemente

1.            Anulam-se (1) a decisão de indeferimento adoptada no procedimento de reclamação graciosa com o nº de processo ...2018... (alínea h) dos factos provados) e bem assim (2) o ato de liquidação de IRC nº 2017..., relativo ao período de tributação de 2013, e as respetivas demonstrações de liquidação de juros compensatórios e de acerto de contas, no valor de 45 109,60 euros (alínea g) dos factos provados);

2.            Condena-se a AT no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida (garantia bancária e caução) até aos respetivos cancelamentos, isto, sem prejuízo da limitação do quantum indemnizatório estatuída no artigo 53.º, n.º 3 da LGT, na parte em que a garantia bancária abrange o processo de execução fiscal relativo à cobrança de IRC e juros indemnizatórios.

3.            Absolve-se a AT do pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

V - VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 45 109,60 €, nos termos do artigo 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI – CUSTAS

 

Custas de € 2 142,00 euros, a suportar em função do decaimento de cada parte, que se fixa em 10% para a Requerente e 90% para a Requerida, suportando a Requerida € 1 927,80 e a Requerente € 214,20 euros, conforme o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Notifique.

Lisboa, 07 de Fevereiro de 2020

 

Tribunal Arbitral Singular,

 

Augusto Vieira