Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 431/2019-T
Data da decisão: 2020-01-28  IRS  
Valor do pedido: € 28.518,21
Tema: IRS de 2013 – Impugnação do indeferimento da reclamação graciosa e da liquidação adicional de IRS de 2009.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I - RELATÓRIO  

 

1 - DAS PARTES E DA CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL

 

                1.1 – A..., doravante designada por Requerente, com o número de identificação fiscal n.º..., residente na ..., ..., ..., em Lisboa, área fiscal do Serviço de Finanças de Lisboa ..., impugnante no âmbito do processo de impugnação judicial da liquidação adicional de IRS n.º 2013..., respeitante ao exercício de 2009, cujo imposto e juros compensatórios são do montante total de € 28.518,21, que correu seus termos na Unidade Orgânica 3 do Tribunal Tributário de Lisboa sob o processo n.º .../16...BELRS, e de cuja instância desistiu com vista ao cometimento do mesmo processo à arbitragem do CAAD, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, vem formular pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1 do Regime Jurídico da Arbitragem (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para efeitos de impugnação da referida liquidação.

 

                1.2 A Requerente juntou à petição os seguintes Anexos:

                - 1. Certidão de desistência ....pdf (certidão de desistência da instância)

                - 2. p.i. MPAC f.pdf (petição inicial)

                - 3. contestação ...pdf (contestação)

                - 4. artic. superv. MPAC f.pdf (articulado superveniente)

                - 4. artic. superv. (DOC) MPAC f.pdf (documento articulado superveniente)

                - 5. alegações MPAC f.pdf (alegações finais)

 

                1.3 A Requerente invoca como fundamentos os constantes da petição inicial, alegações e articulado superveniente, juntando o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 211/2017, de 02/05/2017, publicado no site hhtp://.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20170211.html, por entender que a sua relevância material para os presentes autos decorre da circunstância de decidir sobre factualidade semelhante e sobre a mesma questão fundamental de direito.

 

                1.4 - O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado pela Requerente em 25/06/2019, tendo sido aceite pelo Senhor Presidente do CAAD a 26 do mesmo mês. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, foi nomeado pelo Conselho Deontológico do CAAD o signatário, José Rodrigo de Castro, em 19-07-2019, encargo que aceitou em 22-07-2019 e de que foram notificadas as Partes em 14-08-2019.

 

                1.5 - Por despacho de 03/09/2019, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico deu por constituído o tribunal arbitral, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66.º-B/2012, de 31 de dezembro, determinando que se procedesse aos pertinentes trâmites legais.

 

                1.6 - As Partes foram notificadas da constituição do tribunal nessa mesma data de 03-09-2019.

 

                1.7 - Em 09-09-2019 foi proferido despacho arbitral, determinando-se a notificação da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), doravante Requerida, para apresentar resposta no prazo legal e envio do respetivo processo administrativo, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT.

 

                1.8 - A Requerida juntou aos autos a sua Resposta em 14/10/2019, dado que o processo administrativo já havia sido remetido ao Tribunal Tributário de Lisboa, de onde transitaram para os presentes autos, dando-se ambos aqui por reproduzidos.

 

                1.9 - Em 14-10-2019 foi proferido novo despacho arbitral a dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, nos termos dos artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2, também do RJAT, bem como para notificação das partes para produzirem alegações escritas, querendo, no prazo de 15 dias, bem como para designar a data de 29 de dezembro de 2019 para a prolação da decisão.

 

                1.10 - A Requerente vem em 15/10/2019 informar que prescinde de apresentar novas alegações escritas neste processo de migração, pelo que remete para os articulados juntos ao pedido de constituição do tribunal arbitral.

 

                1.11 - A Requerida vem também reiterar o vertido no articulado anterior (Resposta), bem como nos apresentados no âmbito do processo judicial.

 

                1.12 - De referir que ainda no âmbito do processo judicial, a Requerente, tendo tido então conhecimento do Acórdão n.º 211/2017 do Tribunal Constitucional de 02/05/17, requereu, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 108.º e n.º 4 do artigo 70.º do CPPT, bem como do n.º 2 do artigo 86.º do CPTA, aplicável ex-vi da alínea c) do artigo 2.º do CPPT, a junção aos autos do referido Acórdão, dada a relevância material para os mesmos, por nele se decidir sobre factos semelhantes e sobre a mesma questão de direito.

 

                1.13 - Em 04/11/2019 apresentou idêntico pedido ao CAAD, com os mesmos fundamentos, que foi imediatamente aceite, por despacho arbitral de 5 do mesmo mês e notificado à Requerente.

 

                1.14 - Em 11/12/2019 foi proferido novo despacho arbitral de prorrogação da decisão por um período de 2 meses, que terminará a 20 de fevereiro próximo.

 

2 -  DO(S) PEDIDO(S) DA REQUERENTE

 

                2.1 - A Requerente apresentou primeiramente, como antes referido, pedido de impugnação judicial no Tribunal Tributário de Lisboa - Unidade Orgânica 2, P.º n.º .../16...BELRS, em 26 de março de 2016, reagindo à notificação da decisão de indeferimento proferida no âmbito do procedimento de reclamação graciosa n.º ...2015..., relativamente à liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2013..., respeitante ao exercício de 2009, no montante total de imposto e juros compensatórios de € 28.518,21.

 

                2.2 - Foram juntos o referido processo de reclamação graciosa, bem como a informação suporte da decisão de indeferimento da mesma pela Chefe de Divisão, em substituição, proferida em 04/03/2016, que denega pedido da Reclamante de consideração da parte correspondente a 9,375% do valor de realização dos imóveis alienados em 2009, (artigos urbanos da freguesia e concelho de ... U-..., U-..., U-..., U-... e U...) de que recebeu € 45.937,50 em vez de € 145.303,13, correspondente a 9,375% do VPT, por ser aquele o valor efetivamente auferido pela Impugnante, conforme Escritura de Compra e Venda. Os Serviços de Finanças fundamentam a sua decisão no disposto no artigo 44.º, n.º 2 do Código do IRS, atendendo, assim, ao valor do Valor Patrimonial Tributário dos mesmos, que serviu de base à liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões de Imóveis (IMT), por superior ao do valor da venda.

 

                2.3 - Daí a apresentação de petição de impugnação judicial no Tribunal Tributário de Lisboa de cuja instância desistiu posteriormente, com vista ao cometimento do mesmo processo à arbitragem do CAAD, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro.

 

                2.4 A Impugnante junta, entre outros documentos, Nota de Liquidação Adicional de IRS n.º 2013..., com valor total a pagar de € 28.518,21, incluindo juros compensatórios de € 3.433,51, a respetiva Escritura de Compra e Venda dos bens imóveis em causa, outorgada no dia 09/03/2009 em ..., as certidões de notificação da avaliação dos mesmos imóveis, de 24/03/2009, comprovativas do respetivo VPT e, ainda, comprovativos do valor dos cheques emitidos a seu favor e transferidos para a sua conta bancária, relativos à venda da sua quota-parte nos mesmos imóveis, no total de € 45.937,50. 

 

                2.5 - Tal como se refere no ponto 1.2, a impugnante traz à colação a petição judicial, as suas alegações e articulado superveniente, requerendo também a junção do Acórdão do TC n.º 211/2017, de 02/05/2017, por entender relevante para a decisão da causa.

 

                2.6 - E vem, portanto, impugnar a liquidação adicional de IRS já antes referenciada e, em suma, requerer a anulação da mesma e a restituição dos montantes pagos, acrescidos de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 100.º da LGT.

 

                2.7 - A Impugnante, nesta sua primeira petição, contesta desde logo o indeferimento da sua Reclamação Graciosa, por entender que a norma em que a correção da AT se baseia estabelece a favor do Fisco uma presunção legal que deve ser considerada ilidida, não só porque a Impugnante apresentou oportunamente os meios de prova necessários a ilidir essa presunção, como ainda se dispôs a colaborar no levantamento do sigilo bancário, caso tal se entendesse necessário à descoberta da verdade material, elementos que, em seu entender, deveriam ter produzido as necessárias consequências legais, ao abrigo dos artigos 56.º e 58.º da LGT.

 

                2.8 - E alega também que a AT, "ao desconsiderar os factos invocados e meios de prova produzidos, violou além dos princípios da justiça, imparcialidade  e verdade material, também a alínea d) do artigo 9.º da CRP, assim como os artigos 13.º, n.º 1 do artigo 104.º da mesma Lei Fundamental, ao interpretar a alínea f) do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 44.º do Código do IRS, norma de concretização da norma de incidência, no sentido em que a mesma constituiu uma ficção jurídica conducente à tributação de um rendimento ficcionado e por conseguinte a uma presunção de rendimento jures et de jure, de carácter absoluto".

 

                2.9 - Para além disso, considera a Requerente que o entendimento da AT "viola flagrantemente o artigo 73.º da LGT, o qual, de acordo com a mais avisada doutrina e jurisprudência pacífica, é imposto pelos princípios constitucionais da justiça material e da capacidade contributiva, enquanto dimensão concretizadora do princípio da igualdade no domínio tributário (cfr. além dos normativos citados, o n.º 3 do artigo 103.º da CRP)".

 

                2.10 - Cita para o efeito a alínea f) do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 44.º do Código do IRS, que transcreve: "para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização: (…) o valor da respetiva contraprestação", sendo que: "tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (…)".

 

                2.11 - E citando AMÉRICO BRÁS CARLOS, a propósito da fixação de rendimentos presumidos, que diz tratar-se de uma presunção e que, segundo considera o TCA Sul no acórdão de 09/04/2013 (proc. 06052/12), cabe ao sujeito passivo a prova de que "o valor de realização havia sido inferior (…), nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 74.º da mesma LGT".

 

                2.12 - De seguida disserta sobre os princípios da avaliação direta e da constitucionalidade de estabelecimento de presunções, desde que o sujeito passivo disponha de efetiva possibilidade de ilidir a presunção, como defendem os Acórdãos que cita, 26/92, 348/97, 84/2003, 211/2003 e 452/2003, transcrevendo parte dos mesmos, na parte relativa à questão em análise.

 

                2.13 - E entende que a presunção contida no n.º 2 do artigo 44.º do código do IRS, deve "considerar-se ilidida em virtude das provas produzidas  pela Impugnante, tanto no âmbito do processo administrativo como dos presentes autos (judiciais) - incluindo, caso se entenda necessário para esse efeito, notificar-se a instituição bancária da Impugnante, na sequência do levantamento do sigilo bancário por si autorizado no processo de inspeção tributária e que aqui renova".

 

                2.14 - Mais refere que não pode deixar de concluir-se, portanto, "pela inconstitucionalidade da norma contida no n.º 2 do artigo 44.º do código do IRS, quando interpretada no sentido segundo o qual na definição do valor de realização de direitos reais sobre bens imóveis prevalecerão sempre, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de IMT ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida, ainda que o preço efetivamente praticado tenha sido o declarado pelo sujeito passivo".

 

                2.15 - E remete para o entendimento do Tribunal Constitucional na mesma questão de Direito, decidida no seu Acórdão n.º 211/2017, de 02/05/2017, acessível em http:/.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20170211.html, cuja argumentação se encontra totalmente alinhada com a argumentação despendida nos autos pela Impugnante.

 

                No que se refere à sua Petição Arbitral, depois de colocada a questão que está em causa, remete desde logo para a sua petição inicial, alegações e articulado superveniente, voltando a trazer à colação a Jurisprudência do Acórdão do TC n.º 211/2017, de 02/05/2017, pelo facto de, como é anteriormente referido, ter relevância material para os presentes autos, que decorre da circunstância de decidir sobre factualidade semelhante e sobre a mesma questão de direito.

 

                Por outro lado, realça aspetos que considera relevantes e que constam da sua petição inicial, de que se destacam, sumariamente, os seguintes:

 

                1. A Liquidação impugnada "resultou de uma correção no montante de €            140.317,29 à matéria coletável do ano em causa, feita na sequência de uma ação inspetiva que correu na Direção de Finanças de ..., ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2013..., relativa á venda de um imóvel feita pela Impugnante e pela sua mãe e irmãs, no exercício de 2009".

 

                2. Refere a Requerente "que a norma em causa em que a correção proposta se baseia estabelece uma presunção legal que deve ser considerada ilidida, não só porque a Impugnante oportunamente apresentou os meios de prova necessáriosa ilidir essa presunção, como ainda se dispôs a colaborar no levantamento do sigilo bancário caso tal se entendesse necessário à   descoberta da verdade material, elementos que deveriam ter produzido as                 necessárias consequências legais ao abrigo dos artigos 56.º e 58.º da LGT".

 

                3. E que a AT "ao desconsiderar totalmente os factos invocados e meios de prova apresentados pela Impugnante, a Administração Tributária violou, além     dos citados normativos, os princípios da justiça, imparcialidade e verdade material, a alínea d) do artigo 9.º da CRP, assim como os artigos 13.º e n.º 1 do artigo 104.º da mesma Lei Fundamental, ao interpretar a alínea f) do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 44.º do código do IRS, norma de concretização da norma de incidência, no sentido de que a mesma constitui uma ficção jurídica conducente à tributação de um rendimento ficcionado e por conseguinte de rendimento jures et de jure, de caráter absoluto".

 

                4. Mais entende a Requerente que "aquele entendimento viola aliás      flagrantemente o artigo 73.º da LGT, o qual, de acordo com a mais avisada        doutrina e jurisprudência pacífica, é imposto pelos princípios constitucionais da justiça material e da capacidade contributiva, enquanto dimensão concretizadora do princípio da igualdade no domínio tributário (cfr. além dos normativos citados, o n.º 3 do artigo 103.º da CRP)".

 

                5. E descreve as normas da alínea f) do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 44.º do código   do CIRS, que o Tribunal se dispensa, por ora, de transcrever.

 

                6. E em reforço, refere que "esta norma encontra a sua justificação na circunstância de que, sendo o Valor Patrimonial Tributário um valor que       historicamente se situou abaixo do valor de mercado dos bens imóveis, não será para o Legislador normal ou habitual que os imóveis possam, sem simulação, ser alienados por preço inferior àquele valor".

 

                7. E em reforço realça que "da conjugação das duas normas supra citadas,          contidas no artigo 44.º do código do IRS, torna-se claro que estamos perante uma forma objetiva de determinação da matéria coletável, mediante a         instituição de uma presunção quanto ao valor de realização, na medida em que o faz coincidir com o Valor Patrimonial Tributário, sempre que o valor              constante do contrato seja inferior".

 

                8. E esclarece que essa presunção "cujo efeito é a inversão do ónus da prova nos casos em que o valor declarado é inferior ao Valor Patrimonial Tributário dos imóveis transmitidos, que se justifica com a prevenção do abuso das formas jurídicas e a evasão fiscal".

 

                9. E que, portanto, se trata "de uma forma objetiva ou indireta de           determinação da matéria coletável, em tudo semelhante a outras que encontramos noutros lugares no nosso ordenamento jurídico-fiscal, tais como por exemplo no artigo 31.º ou 31.º-A do código do IRS".

 

                10. E em reforço diz a Reclamante que "não faria qualquer sentido aliás               admitir-se a elisão da presunção no caso de a mais-valia integrar-se entre os rendimentos da categoria B, conforme estabelece os n.ºs 1, 5 e 6 do artigo 31.º-A do código do IRS, afastando-se ao mesmo tempo essa mesma possibilidade no caso de mais valia integrada na categoria G".

 

                11. E argumenta a Impugnante que "tem o direito a ser tributada de acordo com a sua situação individual e concreta, sendo que a avaliação indireta, que de acordo com o n.º 2 do artigo 83.º da LGT 'visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha', é subsidiária da avaliação direta" /(cfr. n.º 1 do artigo 85.º da LGT).   

 

                12. E mais refere que "com efeito, o rendimento tributável deve ser sempre      apurado, preferencialmente, de acordo com a declaração de cada contribuinte            e segundo os critérios próprios de cada tributo destinados a apurar aquela capacidade contributiva, sem prejuízo do controlo quanto à verificação dos seus pressupostos e quantificação, feita pela Administração Fiscal (cfr. n.º 1 do artigo 81.º da LGT)".

 

                13. E continua a Requerente a referir que: "Apenas apurando-se aquele              rendimento de acordo com índices ou presunções sempre que tal se mostre necessário à sua superação empírica de dificuldades, à eficácia tributária ou      ao combate à fraude e evasão fiscais, mas sempre sem eliminar por completo   a possibilidade de afastar tais índices em favor da determinação da situação individual e concreta dos contribuintes, seja facultando a opção entre       regimes de apuramento, seja através da abertura à possibilidade de elisão de    presunção, como é o caso".

 

                14. Face ao exposto, a Requerente "conclui portanto pela            inconstitucionalidade da norma contida no n.º 2 do artigo 44.º do Código do IRS, quando interpretada no sentido segundo o qual «na definição do valor de realização de direitos reais sobre bens imóveis prevalecerão sempre, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de IMT ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida», ainda que o preço efetivamente praticado tenha sido o declarado pelo sujeito passivo".

 

                15. E mais refere que "isto porque tal norma, quando interpretada no sentido   acima descrito estabelece a favor da Administração Fiscal uma presunção 'jure et de jure', de caráter absoluto, expressamente proibida pelo nosso ordenamento jurídico, violadora dos princípios constitucionais da justiça             material e da capacidade contributiva, enquanto dimensão concretizadora do princípio da igualdade no domínio tributário (cfr. n.º 1 do artigo 103.º, artigo 13.º e n.º 1 do artigo 104.º, da CRP, além de violar o disposto no artigo no artigo 73.º da LGT)".

 

                16. E realça que "tal foi o entendimento do Tribunal Constitucional na exata      mesma questão de Direito, decidida no seu acórdão n.º 211/2017, de 02/05/2017, cuja argumentação encontra-se totalmente alinhada com a argumentação aqui despendida".

 

                17. E que "ao não apreciar as provas apresentadas pela Impugnante e ao não    lançar mão dos seus poderes de descoberta da verdade material, a Administração Tributária violou os normativos constitucionais supra citados".

 

                18. Em reforço da sua tese, refere a Reclamante que "estando perante uma       presunção aplicável sempre que 'o valor da contraprestação declarada se     apresentar como inferior aos valores que houverem sido considerados para       efeitos de liquidação de IMT', era exigível à Administração Tributária que            apreciasse os elementos apresentados pela Impugnante no sentido de    tributar-se o rendimento efetivamente auferido por estes e não qualquer outro".

               

                19. Entendendo por isso que "devendo ainda aquela presunção considerar-se   ilidida em virtude das provas produzidas pela Impugnante, tanto no âmbito do            processo administrativo como dos presentes autos - incluindo, caso se entenda necessário para esse efeito, notificar-se a instituição bancária da            Impugnante, na sequência do levantamento do sigilo bancário por si   autorizado no processo de inspeção tributário e que aqui renova".

 

                20. E conclui que "por ausência do facto tributário e por violação do direito da Impugnante a ser tributada de acordo com a sua situação individual e concreta pelo seu rendimento real ou efetivo, deve ser declarada nula a liquidação adicional aqui impugnada, com todas as consequência legais daí        advenientes".

 

3. - DA(S) RESPOSTA(S) DA REQUERIDA no âmbito do TTLisboa e no âmbito do CAAD

 

A - DOS PEDIDOS

 

                A.1 - A Requerida vem referir, desde logo, "que as razões invocadas de facto e de direito estão, salvo o devido respeito, longe de fundamentar e de sustentar quaisquer das pretensões formuladas, que devem por isso improceder", o que justifica que a entidade Requerida proceda à sua defesa,

               

B - POR IMPUGNAÇÃO

 

                B.1 - A Requerida refere-se ao procedimento de inspeção que levou à conclusão de que a Requerente não declarou relativamente a 2009, os rendimentos provenientes da alienação onerosa de bens imóveis, não tendo mesmo apresentado a respetiva declaração modelo 3.

 

                B.2 - Em consequência desse facto, a Autoridade Tributária elaborou uma declaração oficiosa em 22-11-2011, com base nos elementos declarados na Mod. 10, por entidades terceiras, nomeadamente rendimentos das categorias A (trabalho dependente) e F (rendimentos prediais).

 

                B.3 - Posteriormente, veio a Requerente a apresentar também uma declaração de IRS respeitante ao mesmo ano de 2009 em 04-04-2012, onde declara ter auferido rendimentos originados pela prestação de trabalho por conta de outrem (categoria A; Anexo A) e rendimentos da categoria F (prediais), no montante global de € 78.873,35, nela não figurando o anexo G relativo a "Mais-Valias e Outros Incrementos Patrimoniais".

 

                B.4 - A Requerida recolheu da escritura de compra e venda, celebrada em 09-03-2009, os valores respeitantes à alienação da sua quota-parte de 9,375% nos 5 imóveis seguintes, da freguesia e concelho de ..., com a natureza inicial de terrenos para construção, com alvará de loteamento:

             

 

Artigo   Valor do               V.P.T.    Quota-parte ( ) Valor

matricial              contrato €           (€)          %            Declarado €

...            100.000,00             189.720,00       9,375          17.786,25

...            100.000,00             508.590,00       9,375

                     47.680,31

...            100.000,00             211.160,00       9,375          19.796,25

...            100.000,00             416.130,00       9,375          39.012,19

...            100.000,00             224.300,00       9,375          21.028,13

SOMAS 500.000,00          1.549.900,00                         145.303,13

 

                B.5 - Pelo quadro supra, constata-se que o valor total da venda ou de realização foi de € 500.000,00, o Valor Patrimonial Tributário global (V.P.T.) de € 1.549.900,00 e o Valor considerado pela AT na liquidação de IRS foi de € 145.303,13.

 

                B.6 - Este procedimento da AT deu origem à liquidação de IRS n.º 2013..., com o valor total a pagar de € 28.518,21, constituído por imposto no total de € 25.084,70 e juros compensatórios no valor de € 3.433,51.

 

                B.7 - Em 16-12-2013 foi pago o valor do IRS de € 25.084,70, tendo beneficiado do regime excecional de regularização de dívidas, de acordo com o decreto-lei n.º 151-A/2013, pelo que foi anulado o montante de € 3.433,51 de juros compensatórios.

 

                B.8 - A Requerente apresentou reclamação graciosa que foi indeferida por despacho da Chefe de Divisão (em substituição) da Divisão de Justiça Administrativa, notificada ao Impugnante, ora Requerente, na pessoa do seu mandatário, em 09/03/2016, através do Ofício n.º..., de 08/03/2016 e que deu origem à Impugnação Judicial então entregue no Serviço de Finanças de Lisboa ..., para remessa ao Tribunal Tributário de Lisboa. 

 

                B.9 -  Posto isto, de salientar que a Requerida, tal como vem sustentando a sua atuação, remete para o artigo 1.º do CIRS, ao definir a base do imposto, em que se estipula que o IRS incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias que aí preveem, entre elas, a categoria G, em que no seu artigo 9.º se incluem os incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias.

 

                B.10 - Mais esclarece que o artigo 10.º, n.º 1, alínea a), define os ganhos obtidos resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, nos termos do n.º 4 do mesmo preceito, como constituído pela diferença entre o valor de realização e o de aquisição.

 

                B.11 -  E ainda que nos termos do n.º 2 do mesmo artigo se prescreve que no caso da alínea f), prevalece o valor por que o bem foi considerado para efeitos de liquidação de IMT ou não havendo lugar a esta liquidação o valor que devesse ser considerado se tal liquidação fosse devida, ou seja, prevalece o valor maior entre a contraprestação e o VPT dos bens transmitidos.

 

                B.12 - E conclui que no caso em análise, prevalece, face à factualidade, o valor considerado para efeitos de IMT a ter em conta na determinação das mais-valias.

 

                B.13 - E chama à colação o artigo 12.º do Código do IMT, relativo à determinação do valor tributável, onde se prescreve que o IMT incidirá sobre o valor do ato ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis consoante o que for maior, prescrevendo o n.º 2 que o valor patrimonial é determinado nos termos do Código do IMI.

 

                B.14 -  E conclui que no presente caso o valor de realização a considerar para efeitos de apuramento da mais-valia é o VPT utilizado para apuramento da liquidação de IMT, ou seja:

Artigo   VPT €     Quota-parte %  Valor de realização a declarar €

...               189.720,00       9,375     17.786,25

...               508.590,00       9,375     47.680,31

...               211.160,00      9,375     19.796,25

...               416.130,00       9,375     39.012,19

...               224.300,00       9,375     21.028,13

SOMAS 1.549.900,00                      145.303,13

               

               B.15 -  E porque a Requerente não concordou com as correções efetuadas pela AT, invocou o disposto no artigo 73.º da LGT, alegando que o artigo 44.º, n.º do Código do IRS é uma norma de incidência e que por isso admite prova em contrário, nomeadamente, que o valor de realização foi inferior ao valor tomado como base para liquidação de IMT.

 

                B.16 - A Requerida entende, face ao referido, que as alegações da Requerente não podem, de todo proceder, porquanto fazem uma interpretação e aplicação das normas legais subsumíveis ao caso sub judice notoriamente errada, além do mais por expandirem a noção de normas de incidência, tanto mais que a estrutura do Código do IRS inclui um capítulo de "incidência" e outro de "determinação da matéria coletável", onde se insere o invocado artigo 44.º.

 

                B.17 -  Por outro lado, o artigo 73.º da LGT invocado pela Requerente diz respeito a presunções, estabelecendo que estas admitem prova em contrário, quando consagradas nas normas de incidência, o que não é o caso, por o artigo 44.º, n.º 2, não ser uma norma de incidência, para além de que, não se trata de uma presunção do valor da transmissão, mas de um valor que resulta de um critério objetivo do valor fiscal da transmissão.

 

                B.18 - E em reforço da sua tese, a Requerida, sobre noção de presunção remete para o artigo 349.º do CC, que refere que: "Presunções são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido" e o que o n.º 2 do artigo 44.º do CIRS determina é que, estando-se perante dois valores conhecidos, prevalece um deles, ou seja, o maior, razão porque o disposto no artigo 73.º da LGT não tem aplicação ao caso em análise.

 

                B.19 - Daí que a Requerida entenda que a Requerente faz da lei fiscal uma interpretação que não só não tem qualquer correspondência com o texto da lei, como viola frontalmente o sentido e o alcance da norma prevista no artigo 44.º do Código do IRS.

 

                B.20 - E a Requerida afirma que a AT se limitou a cumprir o princípio da legalidade previsto no artigo 266.º da CRP e concretizado nos artigos 55.º da LGT e artigo 3.º do CPA.

 

                B.21 - Mas mesmo a admitir as alegações da Requerente, realça a Requerida que não é a todo e qualquer momento que a prova deve ser efetuada, uma vez que o artigo 129.º do CIRC (na redação à data dos factos, sob a epígrafe "Prova do preço efetivo na transmissão de imóveis" estabelecia que:

                "3 - A prova referida no n.º 1 deve ser efetuada em procedimento instaurado   mediante requerimento dirigido ao diretor de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos "

 

                              

4. DAS ALEGAÇÕES DA REQUERENTE   

               

                4.1 Começa a Requerente por relatar os factos ocorridos, designadamente o indeferimento da Reclamação Graciosa por si apresentada relativamente à liquidação adicional de IRS n.º 2013..., do ano de 2009, antes referida, importando um imposto apurado, acrescido de juros compensatórios no montante total de € 28.518,21.

 

                4.2  E recorda que aquela liquidação resultou de uma ação inspetiva que procedeu a uma correção de € 140.317,29 à matéria coletável do ano em causa, relativa à venda de um imóvel (? ) conjuntamente com sua mãe e irmãs, no exercício de 2009.

 

                4.3  E argumenta que a "norma em que a correção proposta pela AT se baseia, estabelece a favor do Fisco uma presunção legal que deve ser considerada ilidida", 

 

                4.4 …não só porque a Requerente apresentou oportunamente os meios de prova necessários a ilidir essa presunção, como ainda se dispôs a colaborar no levantamento do sigilo bancário caso tal se entendesse necessário à descoberta da verdade material, elementos que deveriam ter produzido as necessárias consequências legais ao abrigo dos artigos 56.º e 58.º da LGT".                

 

                4.5  Entende a Requerente que a AT ao desconsiderar totalmente os factos invocados e os meios de prova apresentados pela Impugnante, "violou, além dos citados normativos, os princípios da justiça, imparcialidade e verdade material, a alínea a) do artigo 9.º da CRP, assim como os artigos 13.º, n.º 1 do artigo 104.º da Lei Fundamental, ao interpretar a alínea f) do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 44.º do código do IRS, norma de concretização da norma de incidência, no sentido de que a mesma constitui uma ficção jurídica conducente à tributação de um rendimento ficcionado e por conseguinte a uma presunção juris et de jure, de carácter absoluto".

 

                4.6  Mais é alegado que "aquele entendimento viola ainda flagrantemente o artigo 73.º da LGT o qual, de acordo com a mais avisada doutrina e jurisprudência pacífica, é imposto pelos princípios constitucionais da justiça material e da capacidade contributiva, enquanto dimensão concretizadora do princípio da igualdade no domínio tributário (cfr. além dos normativos citados, o n.º 3 do artigo 103.º da CRP)".

 

                4.7  E termina a Requerente remetendo, para dissipar eventuais dúvidas, o acórdão n.º 211/2017 do Tribunal Constitucional de 02/05/2017, do qual foi dado conhecimento nos autos, que a propósito de semelhante situação decidiu "julgar inconstitucional a norma contida no artigo 44.º, n.º 2 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na interpretação segundo a qual, para efeitos de determinação dos ganhos sujeitos a IRS relativos s mais-valias decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis, ali se estabelece uma «presunção inilidível», por violação do princípio da capacidade contributiva ínsito nos artigos 103.º, n.º 1 e 13.º da Constituição da República Portuguesa (cfr. acórdão citado)".          

 

5. - SANEAMENTO

 

5.1 O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

5.2 As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas, nos termos dos artigos 4 e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março.

 

5.3  O processo não padece de vícios que invalidem a sua apreciação.

 

5.4 A prova documental junta aos autos referente à questão decidenda mostra-se suficientemente provada, pelo que cumpre fixar a matéria de facto relevante para a decisão.

 

6. - MATÉRIA DE FACTO

 

A) - Factos provados

 

O Tribunal considera como matéria de facto relevante os seguintes factos, que conforme se retire dos autos, quer dos elementos juntos por parte da Requerente e da Requerida, são os seguintes e encontram-se devidamente provados:

 

A - Da alienação, avaliação e reclamação graciosa

 

6.1 - A Requerente, conjuntamente com sua mãe e irmãs, alienaram onerosamente, por escritura de compra e venda, celebrada em 09/03/2009, no Cartório Notarial de ..., pelo preço global de € 500.000,00, os seguintes imóveis (inicialmente lotes de terreno para construção), todos da freguesia e concelho de ..., nas proporções que se indicam, detidos em compropriedade:

 

Artigo provisório(freguesia de ...)            Preço de venda

correspondente a cada alienante €          Quota-parte da Requerente e valor a declarar € VPT-Valor patrim. tributário de cada imóvel €

...               100.000,00       9,375% - 17.786,25             189.720,00

...               100.000,00       9,375% - 47.680,31             508.590,00

...               100.000,00      9,375% - 19.796,25             211.160,00

...               100.000,00       9,375% - 39.012,19             416.130,00

...              100.000,00        9,375% - 21.028,13             224.300,00

SOMAS 500.000,00          Total - 145.303,13            1.549.900,00

               

6.2 - Segundo os autos, a ora Requerente não procedeu oportunamente à entrega da respetiva declaração de IRS do ano de 2009, o que levou a AT, numa primeira fase, em 22/01/2011, a elaborar e tratar uma declaração mod. 3, oficiosa, com os rendimentos então conhecidos das categorias A e F (trabalho e prediais).

 

6.3 - Como já foi referido, a Requerente veio a entregar, em 22/11/2011, relativamente ao mesmo ano de 2009, uma declaração mod. 3 de IRS, onde também apenas declara rendimentos das categorias A (do trabalho) e F (prediais), no montante global de € 78.873,35.

 

6.4 - Porém, na sequência de nova análise da AT, agora relativa às mais-valias, realizadas no mesmo ano de 2009, a Direção de Finanças de ... ordenou uma ação inspetiva, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2013 ..., o que levou a que a AT procedesse a correções à matéria coletável no montante de € 140.317,29, que deram origem à liquidação impugnada.

 

6.5 - Na referida declaração oficiosa foi acrescentado, segundo a Requerida,  o anexo G (mais-valias) e no seu quadro 4 foi declarada a alienação dos 5 imóveis antes referidos, dela constando, no respeitante à sua quota-parte, como valor total de realização o valor de € 145.303,13 , e como valor total de aquisição o de € 4,00 e de despesas e encargos o valor total de € 14.532,10.

 

6.6 - Em consequência do tratamento da referida declaração oficiosa e anexo G, resultou a liquidação n.º 2013..., respeitante a 2009, efetuada em 04/12/2013, cujo valor a pagar, conforme Demonstração da mesma liquidação de IRS, é de € 28.518,21, em que se incluem juros compensatórios no valor de € 3.433,51.

 

6.7 - A Requerente efetuou pagamento parcial de IRS sem juros no montante de € 25.084,70, em 05/12/2013, pelo que, por satisfazer a dívida até 20/12/2013 ficou dispensado de efetuar o pagamento de juros.

 

6.8 - A Requerente apresentou Reclamação Graciosa com o n.º ...2015... que foi apreciada pelos serviços da AT em 17/02/2016, com parecer de indeferimento e também despacho de indeferimento de 04/03/2016, pela Chefe de Divisão (em substituição) da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, após ter sido exercido o direito de audição, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 60.º da LGT.

 

6.9 - Do teor da referida informação pode constatar-se que os serviços da AT fundamentaram a sua decisão na comparação do valor global da venda constante da escritura de compra e venda, de € 500.000,00  com o Valor Patrimonial Tributário dos imóveis alienados, entretanto avaliados nos termos do Código do IMI, no total de € 1.549.900,00, e com fundamento no disposto no art.º 44.º, n.º 2 do Código do IRS, entenderam que prevaleceria este último sobre o valor da alienação, por ser superior e ter sido o considerado para efeitos de liquidação do IMT no ato da escritura.

 

6.10 -  E concluíram que a liquidação oficiosa efetuada deve manter-se, "por ter sido efetuada de acordo com as disposições legais vigentes, nomeadamente o disposto no art.º 44.º, n.º 2 do CIRS, em conjugação com as disposições previstas no art.º 12.º do CIMT e 7.º do CIMI".

 

B) - Factos cuja prova é posta em causa pela Requerida

 

Os factos descritos não foram postos em causa, em termos da sua veracidade.

 

C) - Fundamentação dos factos provados

 

Todos os factos anteriormente descritos têm por base a prova documental junta aos autos, considerando-se, portanto, provados.

 

IV - DO DIREITO

 

Fixada a matéria de facto nos termos e condicionalismos antes referidos, importa conhecer do direito a aplicar.

 

A questão decidenda prende-se fundamentalmente com a situação fiscal da Requerente respeitante ao IRS do ano fiscal de 2009, em matéria de ganhos de mais-valias, mais propriamente com o valor da alienação a considerar para o efeito.

 

Lembra-se que, no caso dos autos, a Requerente, conjuntamente com sua mãe e irmãs, alienaram onerosamente, por escritura de compra e venda, celebrada em 09/03/2009, no Cartório Notarial de ..., pelo preço de cada prédio de € 100.000,00 e global de € 500.000,00, os seguintes imóveis (lotes de terreno para construção), todos da freguesia e concelho de ..., detidos em compropriedade em iguais proporções, cujo VPT total que serviu de base à liquidação do IMT foi de € 1.549.900,00.

 

Retomando a questão decidenda e o direito aplicável, o que importa aqui conhecer, são os valores de realização a considerar para efeitos do cálculo das mais-valias, face ao disposto no artigo 44.º do CIRS, relativamente aos imóveis alienados, inscritos na matriz da freguesia e concelho de ..., sob os artigos ..., ..., ..., ... e ..., na quota-parte indivisa pertencente à Requerente.

 

E isto em atenção ao que dispõem os n.ºs 2 e 5 do artigo 44.º do CIRS, com a redação vigente à data dos factos que a seguir se transcreve:

 

"Artigo 44.º

Valor de realização

1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se  valor de realização:

a) …

….

d) Nos demais casos, o valor da respetiva contraprestação.

2. Nos casos das alíneas a), b) e d) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de sisa  ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida".

 

Face ao conteúdo das normas citadas, importa recordar que pela Lei n.º 82.º-E/2014, de 31/12, com entrada em vigor em 01/01/2015, foram aditados ao artigo 44.º do CIRS os n.ºs 5, 6 e 7, que criam um procedimento próprio para efeitos de prova de que o valor de venda efetivamente praticado, foi inferior ao VPT, ilidindo deste modo a presunção prevista na norma do artigo 44.º, n.º 2, do CIRS, que refere que os valores a considerar, como valores de realização para efeitos de apuramento das mais-valias, devem ser os que houverem sido considerados para efeitos de liquidação do IMT, quando da alienação onerosa dos bens.

 

A presunção em causa, face ao disposto no n.º 2 do artigo 45.º, só poderá deixar de se aplicar se, como dispõem os n.º 5 e 6 do mesmo artigo, for feita prova, de acordo com o procedimento previsto no artigo 139.º do CIRC, cumprindo-se o que se mostra previsto no n.º 3 deste normativo, ou seja, "mediante requerimento dirigido ao diretor de finanças competente e apresentado em janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos ".

 

Sucede, porém, que à data da alienação onerosa dos bens em causa, na referida data de 09/03/2009, ainda não vigoravam na ordem jurídica as referidas disposições legais, pelo que não poderão ser chamadas à colação.

 

Refira-se, no entanto, que as citadas normas do artigo 45.º do CIRS se inserem no Capítulo II do CIRS, que trata da Determinação do rendimento coletável, que se segue ao das normas de Incidência.

 

Não há dúvida que no referido n.º 1 do artigo 45.º do CIRS, o legislador estabelece uma presunção, que, à data, por não admitir prova em contrário, terá de considerar-se como uma presunção "juris et de jure".

 

Ora, nos termos do artigo 73.º da LGT, "as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário".

 

Dir-se-á que estamos perante normas de determinação da matéria coletável e não de normas de incidência. Em sentido restrito sim, mas é consabido que as normas integradas no processo de determinação da matéria tributável têm por função o desenvolvimento das normas de incidência. E isto porque elas são indispensáveis para o apuramento do quantum do imposto em causa.

 

Aliás, toda a doutrina e Jurisprudência vão no sentido de que ambos os capítulos se encontram submetidos ao princípio da tipicidade, muito em particular, cfr. J.M. Cardoso da Costa, in "O Enquadramento Constitucional do Direito dos Impostos em Portugal: A Jurisprudência do Tribunal Constitucional", in Perspetivas Constitucionais. Nos 20 Anos da Constituição de 1976, vol. II, Coimbra, 1997, pág. 425, nota 19 , segundo a qual "o princípio da tributação do rendimento real exprime uma exigência constitucional mais vasta que se alarga a toda a tributação do rendimento que, no entanto, exclui o recurso à técnica das presunções absolutas para a definição da incidência ou a determinação da matéria coletável do imposto".

 

Nesse mesmo aresto, Ac. T.C. 211/2003, citado, entre outros, no Ac. 211/2017-P.º n.º 285/15, no seu número 3 é referido que "A fixação da matéria coletável constitui, por sua vez, um momento central de determinação do montante dos impostos, repercutindo-se no seu apuramento e, consequentemente, na vertente garantística dos cidadãos enquanto contribuintes…"

 

E mais se refere no mesmo aresto, ainda que a propósito de uma presunção no âmbito do revogado Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, que "…uma tal mecânica apoiada em semelhante desrazoabilidade, alheia às decorrências da capacidade contributiva dos contribuintes, nos parâmetros constitucionais da igualdade e, em última análise, da «repartição justa do rendimento e da riqueza», a que alude o n.º 1 do artigo 103.º da Constituição - entenda-se esse expediente técnico como ficção da existência de bens de uma dada natureza, ou uma presunção radicada em juízos de «normalidade» de certas situações de vida, uma incidindo incidindo mais significativamente no âmbito da formulação, outra mais ligada à prova (cfr. Francisco Rodrigues Pardal, «O uso das Presunções do Direito Tributário», in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 325/327 [1986], pág. 20".

 

E no Acórdão n.º 211/207, P.º 285/15, do TC, mencionado e junto pelo Requerente, os Meritíssimos Juízes, após profusas citações de outros acórdãos e de doutrinadores, designadamente J. Casalta Nabais, Sérgio Vasques, Ana Paula Dourado e Xavier de Basto, decidiram "julgar inconstitucional a norma contida no artigo 44.º, n.º 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na interpretação segundo a qual, para efeitos de determinação dos ganhos sujeitos a IRS relativos a mais-valias decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis, ali se estabelece uma «presunção inilidível», por violação do princípio da capacidade contributiva ínsito nos artigos 103.º, n.º 1 e 13.º da Constituição da República Portuguesa". 

 

Aliás, também o legislador fiscal veio a entender que assim era, ao concretizar através da publicação da Lei n.º 82.º-E/2014, de 31 de Dezembro, entrada em vigor em 01.01.2015, a admissão, no n.º 6 do art. º44.º do CIRS, a prova do preço efetivo da venda, contraposto ao VPT para efeitos de apuramento das mais-valias na alienação onerosa de imóveis, mediante mecanismos próprios, em processo autónomo, para prova do efetivo preço de venda, regulado nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 129.º do Código do IRC, aplicável ao IRS.

 

Nestes termos, tem todo o fundamento legal a contestação da Requerente e demais argumentos invocados na sua PI e alegações produzidas, sempre nesta linha de pensamento, onde, aliás fez prova do preço efetivo de venda da Requerente e se disponibilizou para esclarecimentos adicionais.

 

Já, por sua vez, a argumentação da Requerida, na sua Resposta, diz tratar-se de uma norma direta e não de uma presunção, uma vez que não se está a partir de um valor conhecido para firmar um valor desconhecido, mas de dois valores que a lei estabelece e que gradua e que o artigo 44.º, n.º 2 do Código do IRS não é uma norma de incidência e que por isso, a Requerente parte de um pressuposto errado.

 

A este respeito diga-se também que, quanto à questão da dita norma direta, o que se poderá afirmar, no entendimento do Tribunal é que se está presente uma norma anti abuso, que não é mais do que uma presunção inilidível, no caso em apreço e ao tempo dos factos.

 

Aliás, este entendimento retira-se do Ac. do TCASul, P.º 356/10.7BELRS, de 28/02/2019, a propósito da «consideração de transmissão na outorga de procuração irrevogável» quando refere que "por essa razão, a doutrina vem defendendo que as normas anti abuso, quando não absorvem meras inversões do ónus da prova e se tornam presunções inilidíveis, constituem regras que podem constituir uma violação frontal do princípio da igualdade entre os onerados tributários"(…).  

 

Outra questão que se levanta consiste em saber se, para efeitos da prova do preço efetivamente praticado, o procedimento prévio previsto no artigo 139.º do CIRC, constitui, à data dos factos e  no caso em apreço,  prova admissível.

 

Veja-se, para tanto, que somente com a introdução dos n.ºs 5 e 6 ao artigo 44.º do CIRS pela Lei n.º 82-E/2014, de 31/12, é que se tornou possível a prova de que o valor de realização foi efetivamente inferior ao VPT, possibilitando o afastamento da norma anti abuso ou, mais propriamente, no entender do tribunal, a presunção até àquela data inilidível prevista no n.º 2 do mesmo artigo.

Por todo o exposto, não vê este Tribunal, deste modo, no caso em apreço, fundamento para não considerar a norma do n.º 2 do artigo 44.º do Código do IRS, em que se fundou a liquidação de IRS n.º 2013..., respeitante a 2009, efetuada em 04/12/2013, no valor de € 28.518,21, em que se inclui o valor de € 3.433,51 de juros compensatórios, ferida de inconstitucionalidade, por violação do princípio da capacidade contributiva, ínsito nos artigos 103.º, n.º 1 e 13.º da CRP, que exprime e concretiza o princípio da igualdade tributária, na medida em que contendo em si mesmo uma presunção inilidível, não admitia, à data, prova em contrário.

 

Aliás, a presente decisão fundamenta-se também, com é anteriormente referido, no Acórdão n.º 211/207, P.º 285/15, do Tribunal Constitucional, que julgou a norma em causa, do artigo 44.º, n.º 2 do CIRS, vigente à data dos factos, ferida de inconstitucionalidade.  

 

V - JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

A Requerente solicita, além da anulação da liquidação objeto dos autos, que a restituição dos montantes por si pagos seja acrescida de juros indemnizatórios.

De facto, o artigo 43.º da LGT prevê que o contribuinte seja compensado pelos prejuízos causados decorrentes da indisponibilidade de um determinado montante, quando, nos termos do seu n.º 1 " (…) se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resultou pagamento da dívida tributária em montante legalmente superior ao devido".

Por sua vez, a alínea d) do n.º 3 do mesmo artigo 43.º refere também que: "Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declara ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a sua devolução" .

Assim sendo, mostra-se que são devidos juros indemnizatórios a pagar à Requerente, nos termos a seguir indicados.

 

VI - DECISÃO

 

Face a todo o exposto, decide este Tribunal Arbitral o seguinte:

 

a) Julgar totalmente procedente a presente impugnação arbitral apresentada contra a liquidação de IRS n.º 2013..., respeitante a 2009, efetuada em 04/12/2013, no valor de € 28.518,21, em que se inclui o valor de € 3.433,51 de juros compensatórios, pelos fundamentos anteriormente expressos.

 

b)  Determinar, por isso, a anulação do ato de liquidação impugnado, posteriormente corrigido, com IRS liquidado e respetivos juros compensatórios, por fundada na norma do n.º 2 do artigo 44.º do CIRS, violadora nas normas constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e da retroatividade fiscal, dada a sua inconstitucionalidade à data dos factos.

 

c) Determinar a restituição total do valor do IRS e juros compensatórios pagos, no montante total de € 28.518,21, em que se inclui o valor de € 3.433,51 de juros compensatórios;

 

d) Determinar o pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre o montante da dívida indevidamente paga, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, como anteriormente se fundamenta, contados, relativamente aos juros indemnizatórios vencidos, desde a data do pagamento indevido do imposto até sua integral devolução, e pagamento dos vincendos a contar da data da decisão até ao efetivo e integral pagamento dos referidos juros indemnizatórios reclamados, nos termos do disposto nos n.ºs 2 a 5 do artigo 61.º do CPPT, à taxa legal, apurada de harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 43.º da LGT.

 

e) Condenar, por consequência, a Requerida ao pagamento integral das custas processuais devidas.

 

VI - VALOR DO PROCESSO

 

 Fixa-se o valor do processo em € 28,518,21, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, por ser esse o valor do IRS contestado.

 

VII - CUSTAS

 Nos termos do artigo 4.º, n.º 4 do citado Regulamento e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.530,00, nos termos da Tabela I, anexa ao RCPAT, a pagar pela Requerida, dada a procedência total do pedido.

 

Lisboa, 28 de janeiro de 2020.

Notifique-se

O árbitro,

 

(José Rodrigo de Castro)