Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 391/2019-T
Data da decisão: 2020-02-14  IRC  
Valor do pedido: € 7.273.910,98
Tema: IRC/2012 - Divergências na determinação da matéria coletável - Fundos de pensões - Alteração da política contabilística.
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Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

Os árbitros, Juiz José Poças Falcão (presidente), Professor Doutor José Alberto Pinheiro Pinto (vogal) e Professor Doutor Manuel Pires (vogal), estes integrando o Tribunal Arbitral por designação das partes [artigos 6º-2/b), 10º-2/g) e 11º-2, do RJAT] e, quanto ao presidente, por designação do Conselho Deontológico do CAAD, acordam no seguinte:

 

I -  RELATÓRIO

A..., S.A., entidade com capital aberto ao investimento público, com sede na Rua ..., n.º..., em Lisboa, com o número único de identificação de pessoa coletiva e de registo na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa ... e um capital social de € 2.420.000.000,00, doravante designada, abreviadamente, por “A...” ou “Requerente”, tendo sido notificada da decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto no seguimento do indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra o ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2015..., de 12 de janeiro de 2015, relativo ao período de tributação de 2012, ao abrigo do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“Regime da Arbitragem em Matéria Tributária”, abreviadamente “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março,

 

veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e formular pedido de pronúncia tendo como objeto a  declaração da ilegalidade do ato tributário de liquidação adicional de IRC, respeitante ao período de 2012 (sublinhado nosso), visando, mais em concreto, “(...) a revogação da decisão quanto ao recurso hierárquico (...)e, por consequência, a declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação adicional de IRC e correspondentes notas de liquidação, respeitante ao período de 2012, na componente correspondente àquela correção (...)”.

 

1             O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

 

2             Cumpridos os procedimentos legais e regulamentares, designadamente os previstos nas alíneas b) do n.º 2, do artigo 6º e 1/b), do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 16-9-2019.

 

3             Tendo sido notificada para o efeito nos termos do artigo 17º, do RJAT, a Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu ao requerimento inicial apresentado, defendendo que o pedido da Requerente deve ser julgado improcedente.

 

4             Atenta a circunstância de, no caso, não se verificar qualquer das finalidades que legalmente lhe estão cometidas, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi considerada ato desnecessário ou inútil e, como tal, dispensada.

 

5             As partes apresentaram alegações escritas finais.

 

Saneamento do processo

 

6             O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, em face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

7             As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

8             O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Posição da Requerente

 

9             No essencial e em síntese, alega a Requerente para fundamentar o pedido:

 

9.1          No decurso da sua atividade, a Requerente assumiu diversas responsabilidades pós-emprego com os seus colaboradores, tendo ficado as mesmas essencialmente a cargo de dois fundos de pensões – o Fundo de Pensões do B... e o Fundo de Pensões do C... .

9.2          De uma perspetiva contabilística, e considerando que a Requerente preparava as suas demonstrações financeiras de acordo com as Normas de Contabilidade Ajustadas (“NCA”), tal como definidas pelo Banco de Portugal, as responsabilidades associadas àqueles Fundos (e ativos que as suportam) foram enquadradas na International Accounting Standard (“IAS”) 19 – Benefícios dos Empregados ( ).

9.3          Ora, na redação da IAS 19 até meados de 2011, os desvios atuariais ( ) eram refletidos na demonstração de resultados, ainda que de forma faseada – i.e. aplicava-se o “método do corredor

9.4          Em resultado da aplicação deste método, a Requerente apresentou, nas suas demonstrações financeiras relativas a 2010, desvios atuariais no montante de € 102.246.356,23, ainda não refletidos em resultados ( ), relativos apenas ao Fundo de Pensões B... (o único que, à data, se encontrava na sua esfera, tendo em conta que o negócio do C... apenas foi adquirido pela A... em abril de 2011).

9.5          No entanto, as alterações perspetivadas para aquela norma (consubstanciadas na IAS 19R) estabeleciam o afastamento daquele método, passando os desvios atuariais subsequentes a ser refletidos diretamente na situação líquida da entidade.

9.6          Sem prejuízo de a nova redação da IAS 19 apenas ser de aplicação obrigatória em 2013, a A... optou por alinhar a sua política contabilística com as alterações dali decorrentes já em 2011, tendo deixado de aplicar o “método do corredor” com referência a 1 de janeiro daquele ano ( ).

9.7          Esta alteração da Requerente, em sintonia com diversas entidades do sector financeiro, surgiu também no contexto da transferência, para a segurança social, de um conjunto muito alargado de responsabilidades com pensões no final de 2011, tendo no entanto produzido efeitos, nos termos das normas aplicáveis, a 1 de janeiro do mesmo ano.

9.8          Note-se que, caso a entidade não tivesse alterado a sua política contabilística, as perdas atuariais ainda não refletidas em resultados seriam traduzidas na demonstração de resultados da A... de uma assentada, penalizando substancialmente um indicador muito relevante na indústria.

9.9          Assim, atendendo a que a A... aplicou o “método do corredor” até 31 de dezembro de 2010 e deixou de o aplicar precisamente a 1 de janeiro de 2011, a alteração de política ocorreu naquele momento, tendo em consequência registado uma variação patrimonial a este respeito.

9.10       Sem prejuízo do que antecede, a Requerente reexpressou igualmente, para efeitos meramente comparativos, a informação relativa ao exercício de 2010, como se tivesse aplicado a nova política contabilística naquele exercício, conforme determinam as regras contabilísticas aplicáveis (em particular a IAS 8).

9.11       Naturalmente, perante uma rutura no tratamento a conferir a uma mesma realidade (os desvios atuariais), foi necessário enquadrar os impactos decorrentes daquela mudança, i.e. o ajustamento de transição (sublinhado nosso)

9.12       Em traços muito gerais, aquele ajustamento traduziu-se no abatimento, à situação líquida da A..., do montante dos desvios atuariais ainda pendente de reflexo em resultados.

9.13       Com efeito, a principal diferença entre os dois sobreditos métodos de mensuração dos desvios atuariais é, precisamente, o momento em que os desvios atuariais afetam patrimonialmente a entidade – seja diretamente ou através da inscrição na demonstração de resultados.

9.14       Neste contexto, a Requerente apurou uma variação patrimonial negativa de € 102.246.356,23, com referência a 1 de janeiro de 2011, devidamente analisada e evidenciada no Relatório e Contas daquele exercício ( ).

9.15       Acresce que o legislador, atendendo ao contexto em que decorreu a alteração da política contabilística, não apenas na A... mas no restante sector como um todo, tratou de introduzir um regime fiscal transitório, diferindo o reflexo fiscal daquele ajustamento de transição pelo período de dez anos, começando em 2012 ( ).

9.16       Mais uma vez, assim fez a Requerente: diferiu, pelo período de 10 anos, a relevância fiscal das variações determinadas a propósito do ajustamento contabilístico de transição para a nova redação da IAS 19, começando em 2012, no montante anual de € 10.224.635,62.

9.17       A AT, contudo, discorda do enquadramento adotado pela Requerente.

9.18       A AT considera, em traços gerais, que o montante cuja relevância fiscal a Requerente deveria ter diferido não era a variação patrimonial apurada no saldo de abertura do exercício em que era adotada a nova política mas, ao invés, o saldo de desvios atuariais na face do balanço a 31 de dezembro de 2011.

9.19       Em suma, a AT e a Requerente discordam na data de referência que, nos termos do dito regime fiscal transitório, deve ser considerada para efeitos de determinação do valor a reportar pelo período de dez anos.

9.20       Adicionalmente, a AT discorda ainda na forma como a Requerente apura o montante a reportar – e não apenas na data de referência para o efeito.

9.21       Na verdade, a AT defende que a Requerente deveria considerar igualmente o valor acumulado dos desvios atuariais positivos associados ao Fundo de Pensões do C... para efeitos do montante a reportar por aquele período

9.22       Posição de que a Requerente discorda, desde logo porque, aquando da produção de efeitos da alteração da política contabilística, i.e. 1 de janeiro de 2011, aquele Fundo não estava refletido na sua contabilidade, para além de outras razões igualmente inequívocas, como de seguida se demonstrará.

9.23       Assim, em suma, a AT considera que o ajustamento reportável pela Requerente, anualmente, deveria ser de apenas € 2.950.724,62.

9.24       No seguimento da ação de inspeção realizada ao período de tributação de 2012 (bem como de 2013 e 2014, as quais originam igualmente liquidações adicionais objeto de contestação autonomamente), os SIT da AT discordaram do procedimento adotado pela Requerente, tendo concluído que o montante a deduzir naquele período e em cada um dos nove períodos de tributação seguintes, nos termos do regime transitório previsto no Orçamento do Estado para 2012, deveria ascender a apenas € 2.950.724,62.

9.25       Em sede de Relatório, a AT alegou que o regime transitório previsto no Orçamento do Estado para 2012 foi inicialmente aplicável ao período de tributação de 2012 e, nesse sentido, as variações patrimoniais negativas decorrentes da alteração da política contabilística deverão corresponder ao valor refletido na contabilidade com referência a 31 de dezembro de 2011 e não a 1 de janeiro desse mesmo ano.

9.26       Decorrente dessa linha de pensamento, e relativamente ao Fundo de Pensões B..., adiantou a AT na decisão final do Recurso Hierárquico que “[a] junção destes dois movimentos [variação patrimonial negativa de € 102.246.356,23 decorrente da alteração da política contabilística e variação patrimonial positiva de € 53.647.169,15 relativa aos desvios atuariais do ano], ambos realizados em dezembro de 2011, resultou um saldo final devedor de € 48.599.187,08”.

9.27       Continuou a AT, argumentando, que “[a] soma destas duas realidades (…) corresponde às variações patrimoniais negativas registadas no período de tributação de 2011 decorrentes da alteração da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais, acolhidas na redação do artigo 183.º da Lei OE 2012”.

9.28       A AT não faz qualquer distinção entre a variação patrimonial decorrente da alteração da política contabilística e a variação patrimonial intrínseca ao próprio ano de 2011, tratando ambas como se decorressem da alteração da política contabilística.

9.29       No que respeita ao Fundo de Pensões C..., entendeu a AT que as “(…) variações patrimoniais resultantes da alteração da política contabilística registada em contas de capital próprio ascendia em 31.12.2011 a um valor positivo de € 21.285.694,30  (sendo € 12.306.143,74, por via dos desvios atuariais imputáveis a períodos anteriores a 2011 e € 8.979.548,56  por desvios atuariais intrínsecos ao próprio exercício de 2011)”, sendo que deveria relevar para efeitos do cômputo do ajustamento de transição previsto no Orçamento de Estado para 2012 o montante de € 20.797.550,56 ( ).

9.30       Acrescenta ainda a AT que “da redação do artigo, desde logo, não se infere que a existência de mais do que um Fundo implique, por parte das empresas, uma análise individual destes gastos.”, pelo que entendeu a AT que as variações patrimoniais geradas pelo Fundo de Pensões C... deveriam ser analisadas conjuntamente com as variações patrimoniais geradas pelo Fundo de Pensões B... .

9.31       Reafirma a Requerente que decidiu abandonar o sobredito “método do corredor” em 2011 e, em consequência, veio a contabilizar em “Resultados transitados”, com referência a 1 de janeiro de 2011, os desvios atuariais que nessa data estavam suspensos, e que figuravam no balanço em 31 de dezembro de 2010, no montante de € 102 246 356,23.

9.32       Na eminência da cessação legal do método do corredor nos termos da  nova redação da IAS 19, com o inerente reflexo negativo nas contas das entidades com responsabilidades associadas a fundos de pensões, a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Orçamento do Estado para 2012), no seu artigo 183.º, veio estabelecer que “[a]s variações patrimoniais negativas registadas no período de tributação de 2011 decorrentes da alteração, nos termos previstos na Norma Internacional de Contabilidade n.º 19, da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais relativos a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego de benefício definido, respeitantes a contribuições efetuadas nesse período ou em períodos de tributação anteriores, não concorrem para os limites estabelecidos nos n.os 2 e 3 do artigo 43.º do Código do IRC, sendo consideradas dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável, em partes iguais, no período de tributação que se inicie em ou após 1 de janeiro de 2012 e nos nove períodos de tributação seguintes.”

9.33       E, aludindo o citado artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011 a “variações patrimoniais negativas registadas no período de tributação de 2011 decorrentes da alteração, nos termos previstos na Norma Internacional de Contabilidade n.º 19, da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais …”, a Requerente considerou que o ajustamento de transição a considerar para efeitos fiscais deveria corresponder ao lançamento contabilístico reportado a 1 de janeiro de 2011, no montante dos desvios atuariais pendentes de inclusão até essa data.

9.34       E considerou ainda que, em relação ao ano de 2012, não concorreria para o respetivo lucro tributável a quantia correspondente a um décimo do ajustamento de transição, ou seja, a € 10 224 635,62.

9.35       Diferentemente, no âmbito da sobredita ação inspetiva que concretizou à Requerente, entendeu a Requerida que a alteração a considerar deveria reportar-se ao fim de 2011. E, assim, que no cômputo do ajustamento de transição deveriam ter sido incluídas as variações patrimoniais negativas contabilizadas durante o ano de 2011. Ou seja:  apesar de a Requerente ter optado, dentro do que a lei dispunha, por fazer a transição para o novo método em 1 de janeiro de 2011, deveria, segundo a Requerida, tê-lo feito em 1 de janeiro de 2012.

9.36       Em 4 de abril de 2011, a Requerente, para além do Fundo de Pensões B... que abrangia os seus trabalhadores, assumiu as responsabilidades inerentes ao Fundo de Pensões C..., na sequência da aquisição da totalidade do capital do D..., S.A..

9.37       Dado que em 1 de janeiro de 2011 abandonou o método do corredor, já não o aplicou na sua contabilidade ao Fundo de Pensões C..., pelo que não houve lugar a qualquer ajustamento de transição.

9.38       Do entendimento da Requerida resultou uma liquidação adicional de IRC em relação ao exercício de 2012, com o n.º 2015..., de 12 de janeiro de 2015 ora sob impugnação, contra a qual a Requerente deduziu reclamação graciosa, tendo na ocasião contestado igualmente outras correções realizadas na liquidação (que aqui não estão em causa).

9.39       A reclamação graciosa veio a ser totalmente desatendida, tendo a Requerente recorrido hierarquicamente do indeferimento.

9.40       Em 7 de março de 2019, foi a Requerente notificada do indeferimento do recurso hierárquico.

9.41       Tendo-se a Requerente conformado com as demais correções, manteve a sua discordância em relação ao tratamento dos desvios atuariais relativos a pensões, pelo que apresentou no CAAD, em 4 de junho de 2019, pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo.

 

10  Posição da Requerida

 

Na Resposta, alega a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), muito sinteticamente:

 

A-           Questão prévia: impugnação parcialmente inadmissível na parte que constitui “caso resolvido” na fase administrativa

 

10.1       A Requerente, embora em sede graciosa (reclamação e recurso hierárquico) tenha contestado três das diversas correções à matéria coletável em IRC promovidas pela AT no procedimento inspetivo, quais sejam (i) a correção referente a outras perdas relativas a partes de capital não dedutíveis, (ii) a respeitante à correção pelo adquirente do imóvel quando adota o VPT para determinação do resultado tributário na respetiva transmissão e a (iii) referente à alteração da política contabilística relativa a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego...

10.2       ... apenas se afigura legítimo o pedido de anulação parcial das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico, pois não tendo as demais correções contestadadas administrativamente sido agora postas em causa na ação arbitral, as mesmas já se consolidaram no plano jurídico por falta de contestação.

10.3       Verifica-se assim uma contradição entre a causa de pedir (em que a Requerente apenas contesta uma das correções anteriormente impugnadas no procedimento gracioso de reclamação e de recurso hierárquico) e o pedido (de anulação integral das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico) ...

10.4       ... apenas podendo ser determinado pelo Tribunal uma (eventual) anulação parcial das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico.

10.5       A Requerente, quer em sede de reclamação graciosa, quer em sede de recurso hierárquico, contestou a correção promovida pela AT (no montante de € 7.273.910,98) apenas parcialmente, no montante de € 6.043.296,43.

10.6         Ou seja: não obstante se peticionar a anulação das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico, estas decisões apenas poderão ser anuladas parcialmente pelo presente Tribunal, uma vez que a Requerente havia nestes procedimentos impugnado outras correções que não contesta agora no processo arbitral.

 

B – Exceção: Intempestividade do pedido de pronúncia arbitral

 

10.7       Alega a AT, muito em síntese e no essencial, que a impugnação arbitral foi apresentada fora do prazo previsto nos artigos, conjugados, 10º, do RJAT e 102º´, do CPPT, considerando que notificação adicional objeto de impugnação foi notificada em 2015 e o pedido de pronúncia arbitral (PPA) foi apresentado em 4-6-2019

 

C – Por impugnação

 

10.8       Notificada da respetiva liquidação de IRC, melhor identificada no PPA (pedido de pronúncia arbitral), a Requerente apresentou reclamação graciosa na qual, em sede deste imposto, face à totalidade das correções promovidas no procedimento inspetivo, vem contestar apenas (entre outras que não estão em causa neste processo) a correção seguinte:

                               Alteração da política contabilística relativa a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego (aqui, embora tenha sido corrigido pela AT, o montante de € 7.273.910,43, a Requerente apenas reclamou o montante de € 6.043.296,43

10.9         Com efeito, na reclamação graciosa apresentada a Requerente considerou que o montante a diferir em partes iguais, no período de tributação que se inicie em ou após 1 de janeiro de 2012 e nos nove períodos seguintes, “ascende apenas a € 89.940.210,50”.

10.10     Ou seja: quanto à correção promovida pela AT no montante de € 7.273.910,98, a Requerente em sede de reclamação graciosa apenas contestou o montante de € 6.043.296,43, valor correspondente à diferença que Reclamante considera ser de relevar, isto é, 1/10 de € 89.940.210,50 (parcela de um diferimento por 10 anos da “alteração da política contabilística relativa a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego” prevista artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011), v. g.,  € 8.994.021,05, e a que foi relevada pela AT no procedimento inspetivo (1/10 de € 29.507.246,22), ou seja, de € 2.950.724,62 [€ 8.994.021,05 - € 2.950.724,62 = € 6.043.296,43].

10.11     Em síntese:  à única correção em discussão, como se explicita no RIT, está em causa um acréscimo ao lucro tributável decorrente de incorreta quantificação do ajustamento previsto no art.º 183.º da Lei n.º 64-8/2011, de 30 de dezembro (OE 2012) alusivo a variações patrimoniais negativas registadas em 2011 decorrentes da alteração da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais, relativos a fundos de pensões respeitantes a contribuições efetuadas em 2011 ou em períodos de tributação anteriores, (cf. Ponto 111. 1.1 do Relatório de Inspeção Tributária, página 11 e seguintes para que se remete).

10.12     Ao contrário da Requerente, entende a AT que a aplicação do novo método contabilístico (substitutivo do “corredor”) só se verificou no exercício de 2011, independentemente dos ajustamentos retrospetivos efetuados nas demonstrações financeiras do exercício de 2010 e no balanço de abertura de 2011, tendo em vista assegurar a comparabilidade das demonstrações financeiras destes exercícios, logo o montante das variações patrimoniais negativas para efeitos do artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011 e, como tal, só pode ser o valor inscrito em conta apropriada dos capitais próprios à data de 31.12.2011.

10.13     Segundo a AT, o objetivo da medida contida no artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro foi o de dar um forte incentivo a uma tomada de decisão nesse sentido, por parte dos sujeitos passivos, facilitando a opção por um método alternativo ao método do «corredor» que, embora exercida  no quadro da IAS 19,  permitia antecipar os efeitos da IAS 19R, aprovada em 16.06.2011, mas  com eficácia nos períodos anuais com início em ou após 1 de janeiro de 2013 .

10.14     Assim é que conclui a AT que não encontra, portanto, sustentação na letra e no espírito daquela norma a tese interpretativa defendida pela Requerente refletida nos procedimentos que adotou no sentido de reportar a variação patrimonial negativa decorrente da alteração, nos termos previstos na Norma Internacional de Contabilidade n.º 19, da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais relativos a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego de benefício definido, respeitantes a contribuições efetuadas nesse período ou em períodos de tributação anteriores a 31.12.2010 e não a 31.12.2011.

10.15     No que respeita ao Fundo de Pensões C..., entendeu a AT que as “(…) variações patrimoniais resultantes da alteração da política contabilística registada em contas de capital próprio ascendia em 31.12.2011 a um valor positivo de 21.285.694,30 € (sendo 12.306.143,74 €, por via dos desvios atuariais imputáveis a períodos anteriores a 2011 e 8.979.548,56 € por desvios atuariais intrínsecos ao próprio exercício de 2011)”, sendo que deveria relevar para efeitos do cômputo do ajustamento de transição previsto no Orçamento de Estado para 2012 o montante de € 20.797.550,56 ( ).

10.16     Acrescenta ainda a AT que “da redação do artigo (183º, LOE/2012), desde logo, não se infere que a existência de mais do que um Fundo implique, por parte das empresas, uma análise individual destes gastos.”, pelo que entendeu a AT que as variações patrimoniais geradas pelo Fundo de Pensões C... deveriam ser analisadas conjuntamente com as variações patrimoniais geradas pelo Fundo de Pensões B... .

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos provados

Com base nos elementos que constam do processo (processo administrativo, factos consensualizados pelas partes e documentos incorporados nos autos juntos pela Requerente e que não foram impugnados), consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

 

A.           A A..., S.A., doravante designada apenas por Requerente, é uma instituição de crédito anexa ao E..., tendo sido constituída em 24.03.1844.

 

B.            O objeto social da Requerente é o exercício da atividade própria das instituições de crédito, praticando operações de captação de recursos de terceiros, sob a forma de depósito, que aplica, conjuntamente com recursos próprios, na concessão de créditos, títulos e ativos.

 

C.            A Requerente é supervisionada pelo Banco de Portugal.

 

D.           A Requerente dispõe de contabilidade, tendo como referencial as Normas de Contabilidade Ajustadas (“NCA”), tal como definidas pelo Banco de Portugal, que assentam nas Normas Internacionais de Contabilidade da International Accounting Standards (IAS).

 

E.            No decurso da sua atividade, a Requerente assumiu diversas responsabilidades pós-emprego com os seus colaboradores, tendo ficado essencialmente a seu cargo dois fundos de pensões: o Fundo de Pensões do B... e o Fundo de Pensões do C..., este a partir de 4-4-2011.

 

F.            No tratamento contabilístico do Fundo de Pensões do B..., a Requerente seguia, como lhe competia em face do referencial contabilístico que adotava, a Norma Internacional de Contabilidade (“IAS”) 19 – Benefícios dos Empregados, doravante referenciada simplesmente por IAS 19.

 

G.           Na redação inicial dessa Norma, os desvios atuariais relativos a Fundos de Pensões eram refletidos nas demonstrações financeiras das entidades de uma forma faseada, de harmonia com o chamado “método do corredor”.

 

H.           Foi esse o método adotado pela Requerente desde o início da aplicação das Normas de Contabilidade Ajustadas.

 

I.             O Regulamento (CE) n.º 1910/2005 da Comissão, de 8 de novembro de 2005, introduziu alterações a várias Normas Internacionais de Contabilidade, entre elas à IAS 19.

 

J.               A alteração à IAS 19 compreendeu a adição dos parágrafos 93A a 93D, permitindo-se, no parágrafo 93A, o abandono do método do corredor, sendo essa possibilidade aplicável em períodos anuais terminados em ou após 16 de dezembro de 2004.

 

K.            O Regulamento (UE) n.º 475/2012 da Comissão, de 5 de junho de 2012, veio novamente alterar a IAS 19, passando a prever o abandono do método do corredor.

 

L.            Não fixou uma data precisa para a sua entrada em vigor, mas simplesmente um prazo máximo, impondo que não pudesse ser aplicado para além do início do primeiro exercício iniciado em ou após 1 de janeiro de 2013.

 

M.          Permitiu, todavia, que a aplicação dessas novas regras fosse antecipada, atenta a melhoria da qualidade da informação contabilística que da antecipação decerto resultaria.

 

N.           A Requerente optou por abandonar o método do corredor em 2011.

 

O.           Com esse propósito, contabilizou em “Resultados transitados”, com referência a 1 de janeiro de 2011, os desvios atuariais que nessa data estavam suspensos, e que figuravam no balanço em 31 de dezembro de 2010, no montante de € 102 246 356,23.

 

P.            Face à iminência do fim do método do corredor, prevista na nova redação da IAS 19, com o inerente reflexo negativo nas contas das entidades com responsabilidades associadas a fundos de pensões, a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Orçamento do Estado para 2012), no seu artigo 183.º, veio estabelecer que “[a]s variações patrimoniais negativas registadas no período de tributação de 2011 decorrentes da alteração, nos termos previstos na Norma Internacional de Contabilidade n.º 19, da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais relativos a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego de benefício definido, respeitantes a contribuições efetuadas nesse período ou em períodos de tributação anteriores, não concorrem para os limites estabelecidos nos n.os 2 e 3 do artigo 43.º do Código do IRC, sendo consideradas dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável, em partes iguais, no período de tributação que se inicie em ou após 1 de janeiro de 2012 e nos nove períodos de tributação seguintes.”

 

Q.           Aludindo o artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011 a “variações patrimoniais negativas registadas no período de tributação de 2011 decorrentes da alteração, nos termos previstos na Norma Internacional de Contabilidade n.º 19, da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais …”, a Requerente considerou que o ajustamento de transição a considerar para efeitos fiscais deveria corresponder ao lançamento contabilístico reportado a 1 de janeiro de 2011, no montante dos desvios atuariais pendentes de inclusão até essa data.

 

R.            Assim, considerou que, em relação ao ano de 2012, não concorreria para o respetivo lucro tributável a quantia correspondente a um décimo do ajustamento de transição, ou seja, a € 10 224 635,62.

S.            Ao abrigo da ordem de serviço n.º OI 2014..., a Requerente foi objeto de uma ação inspetiva externa de âmbito geral, promovida pela Requerida,

 

T.            Da referida ação inspetiva resultaram diversas correções à matéria coletável, mormente em IRC, as quais, no projeto de relatório, totalizavam um valor total de € 17.718.291,78 e, ainda correções ao imposto apurado em IRC no montante de € 3.676,20, conforme detalhe infra:

 

U.           No âmbito da sobredita ação inspetiva, entendeu a Requerida que a alteração a considerar deveria reportar-se ao fim de 2011  e, assim, que no cômputo do ajustamento de transição deveriam ter sido incluídas as variações patrimoniais negativas contabilizadas durante o ano de 2011 [Ou seja, apesar de a Requerente ter optado, dentro do que a lei dispunha, por fazer a transição para o novo método em 1 de janeiro de 2011, deveria, segundo a Requerida, tê-lo feito em 1 de janeiro de 2012].

 

V.           Em 4 de abril de 2011, a Requerente, para além do Fundo de Pensões B... que abrangia os seus trabalhadores, assumiu as responsabilidades inerentes ao Fundo de Pensões C..., na sequência da aquisição da totalidade do capital do D..., S.A..

 

W.          Dado que em 1 de janeiro de 2011 abandonou o método do corredor, já não o aplicou na sua contabilidade ao Fundo de Pensões C..., pelo que não houve lugar a qualquer ajustamento de transição.

 

X.            Diferente foi o entendimento da Requerida, por considerar que a transição não deveria ter ocorrido em 1 de janeiro de 2011, mas em 31 de dezembro do mesmo ano.

 

Y.            Do entendimento da Requerida resultou uma liquidação adicional de IRC em relação ao exercício de 2012, com o n.º 2015..., de 12 de janeiro de 2015, contra a qual a Requerente deduziu reclamação graciosa, tendo na ocasião contestado igualmente outras correções realizadas na liquidação.

 

Z.            Diz-se, designadamente, no Relatório dos Serviços de Inspeção Tributária (cfr página seguinte):

 

(...)

 

(...)

 

AA.        A reclamação graciosa veio a ser totalmente desatendida, tendo a Requerente recorrido hierarquicamente do indeferimento.

 

BB.         Em 7 de março de 2019, foi a Requerente notificada do indeferimento do recurso hierárquico com os fundamentos já apontados.

 

CC.         Tendo-se a Requerente conformado com as demais correções, manteve, no entanto, a sua discordância em relação ao tratamento dos desvios atuariais relativos a pensões, pelo que apresentou no CAAD, em 4 de junho de 2019, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo.

 

A.2. Factos não provados

Não se evidenciam outros factos essenciais para o objeto do litígio, provados ou não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto

Relembra-se preliminarmente que o  Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 659.º, n.º 2 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT].

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

À luz do exposto, o quadro factual relevante no caso sub juditio é o que se deixou descrito e,

para o estabelecer, ponderou o Tribunal, as posições das partes nos respetivos articulados bem como todo o acervo documental incorporado no processo, incluindo a cópia do processo administrativo instrutor junta pela AT.

 

Ponderou ainda o Tribunal, designadamente, que, relativamente ao mérito do pedido, o que está em causa é saber qual da visões interpretativas da Lei em confronto deve prevalecer relativamente à questão da exegese do artigo 183º, da Lei nº 64-B/2011, de 30 de dezembro (Orçamento do Estado para 2012, abreviadamente “LOE/2012”).

 

II. FUNDAMENTAÇÃO (cont)

 

B. O Direito

 

B.1 Considerações gerais

 

Como abordagem preliminar para a fundamentação jurídica, assinale-se o que há muito vem sendo o entendimento da Jurisprudência quanto ao dever de apreciação dos argumentos apresentados pelas partes e que se traduz na não obrigatoriedade (sublinhado nosso) de os Tribunais apreciarem todos os argumentos formulados pelas partes (Cfr., inter alia, Ac do Pleno da 2.ª Secção do STA, de 7-6-1995, recurso nº 5239, in DR – Apêndice, de 31 de março de 1997, pgs. 36-40 e Ac.  STA – 2ª Sec – de 23-4-1997, in DR – Apêndice de  9-10-1997, p. 1094).

 

No essencial, o objeto destes autos reconduz-se a sindicar a (i)legalidade dos atos de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico e o ato de liquidação adicional (consequente desses indeferimentos) de IRC nº 2015... com reversão de correção no valor de €7 273 910,98 de 28-5-2009, relativo ao período de tributação de 2012.

Mais concretamente: questiona-se se é devido (como pretende a AT) um ajustamento ao lucro tributável do exercício de 2012, na esfera da Requerente, da sobredita importância em consequência de alteração da política contabilística relativa a planos de pensões e outros benefícios pós emprego.

 

Consequentemente o Tribunal irá apreciar e decidir a matéria objeto de reclamação graciosa e recurso hierárquico e que esteja contida no presente pedido de pronúncia arbitral formulado em 4 de junho de 2019, traduzida, no essencial e em síntese, na discordância da Requerente em relação às correções efetuadas pela Requerida quanto ao tratamento dos desvios atuariais relativos a pensões e que estiveram na base da liquidação adicional ora sob impugnação.

 

Para análise do mérito do pedido há que trazer à colação, designadamente e para além de outras normas referidas ao longo desta decisão, o seguinte quadro normativo essencial:

 

a)            Artigo 183º, da Lei nº 64-B/2011 (Orçamento do Estado para 2012 – OE/2012)

Alteração da política contabilística relativa a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego

 

Reza assim este normativo:

As variações patrimoniais negativas registadas no período de tributação de 2011 decorrentes da alteração, nos termos previstos na Norma Internacional de Contabilidade nº 19, da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais relativos a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego de benefício definido, respeitantes a contribuições efetuadas nesse período ou em períodos de tributação anteriores, não concorrem para os limites estabelecidos nos n.os 2 e 3 do artigo 43º do Código do IRC, sendo consideradas dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável, em partes iguais, no período de tributação que se inicie em ou após 1 de janeiro de 2012 e nos nove períodos de tributação seguintes.

Artigo 43º, do CIRC  (realizações de utilidade social)

Dispõe este artigo 43º:

(...)

2 — São igualmente considerados gastos do período de tributação, até ao limite de 15% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao período de tributação, os suportados com contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como com contratos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, benefícios de saúde pós-emprego, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa.

3 — O limite estabelecido no número anterior é elevado para 25%, se os trabalhadores não tiverem direito a pensões da segurança social.

 

As Normas internacionais de Contabilidade – IAS (International Accounting Standard)  19

 

A referência feita nos autos a IAS 19, tem a ver com o Regulamento (UE) nº 475/2012 da Comissão que alterou o Regulamento (CE) nº 1126/2008, diploma que adotou certas normas internacionais de contabilidade nos termos do Regulamento (CE) nº 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, designadamente respeitantes às denominada “IAS 1” e “IAS 19”, esta última norma intitulada “Benefícios a empregados”.

 

Esta revisão introduz diferenças significativas no reconhecimento e mensuração dos gastos com benefícios definidos e benefícios de cessação de emprego, bem como nas divulgações a efetuar para todos os benefícios concedidos aos empregados.

 

Os desvios atuariais passam a ser reconhecidos de imediato e apenas nos "outros rendimentos integrais", não sendo permitida a aplicação do “método do corredor” ou reconhecer os desvios atuariais nos resultados do exercício.

 

Os impactos resultantes de alterações aos benefícios do plano de benefício ou o corte de beneficiários, são reconhecidos nos resultados do exercício, na data em que ocorrem, não sendo permitido o diferimento pelo período médio estimado de trabalho dos beneficiários do plano de benefícios.

 

B.2 Questões a decidir

 

Analisadas as posições das partes no processo subsistem, para decidir, as seguintes questões:

 

1ª Se o pedido de pronúncia arbitral foi tempestivamente apresentado;

 

2ª Se o objeto do pedido na reclamação graciosa e no recurso hierárquico foi alargado na impugnação judicial/arbitral

 

3ª A que período se devem reportar as variações patrimoniais objeto do regime transitório de regulamentação contabilística produzida através da alteração da IAS 19, em conjugação com o artigo 183º, da Lei nº 64-B/2011 e

 

4ª Relevância ou não da existência de dois Fundos na fórmula de cálculo.

 

Analisando e respondendo a cada uma das questões.

 

1ª questão: A tempestividade do pedido

 

11           Põe a Requerida em causa a tempestividade do pedido alegando, no essencial, que aquele foi apresentado para além do prazo de 90 dias previsto no artigo 102º-1, do CPPT em conjugação com o artigo 10º, do RJAT.

12           Ponderou a Requerida para tanto que a liquidação adicional sob impugnação foi notificada à Requerente em 2015 e o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado ao CAAD em 4-6-2019.

Vejamos:

13           Os prazos para apresentação do pedido de pronúncia arbitral são os seguintes:

a)            90 dias contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das liquidações de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e pagamento por conta)[atos de primeiro grau] ou contado desde a notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico [atos de segundo ou terceiro grau] [2º-1/a) e 10º-1/a),do RJAT e 102º-1 e 2, do CPPT;

b)           30 dias contados a partir da notificação dos atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem a liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais [2º-1/b) e 10º-1/b, do RJAT].

 

14           Os Tribunais Arbitrais não têm competência para conhecer de vícios próprios de atos de segundo ou terceiro graus (atos de indeferimento de reclamações graciosas, recursos hierárquicos ou pedidos de revisão oficiosa cujo fundamento não se prenda com a ilegalidade do ato de “primeiro grau”).

15           Ou seja: o que é sempre e só impugnável é a legalidade do ato de primeiro grau.

16           O indeferimento expresso de um meio gracioso só será arbitrável na medida em que comporte ele próprio a apreciação da legalidade do ato de primeiro grau que o contribuinte pretende efetivamente impugnar.

17           De tal modo que será sempre o ato de primeiro grau (liquidação adicional pela AT, por exemplo, como é o caso) o objeto do pedido de pronúncia arbitral, tenha ou não havido atos de indeferimento de meios graciosos para apreciação da legalidade daquele ato(reclamação ou recurso hierárquico).

18           O ato de indeferimento da reclamação graciosa ou recurso hierárquico serão marcos importantes também para aferir da tempestividade da apresentação do pedido de pronúncia arbitral na medida em que a contagem do prazo de 90 dias só se iniciará a partir da notificação da decisão da reclamação ou do termo do prazo legal do recurso hierárquico ou da decisão a proferir nesta sede

19           Não pode, em nosso entender, confundir-se o âmbito material da arbitragem (artigo 2º, do RJAT) com a data a partir da qual o pedido de pronúncia arbitral pode ser interposto (artigo 10º, do RJAT)

20           Por outro lado, trata-se aqui igualmente da abordagem da questão da recorribilidade, por intermédio da arbitragem, dos atos de segundo ou de terceiro graus.

21           A problemática dos atos de segundo e terceiro graus na arbitragem tributária prende-se, ao que se julga, com pelo menos duas questões distintas: uma primeira, a de saber se tendo sido intentado um meio gracioso ou administrativo, o objeto do processo arbitral será a decisão que venha a ser proferida pela Administração Tributária – em sede de reclamação graciosa, de recurso hierárquico ou de pedido de revisão oficiosa – ou, pelo contrário, o ato de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta; uma segunda, que interliga questões de competência e questões de prazo, e que é a de saber se o tribunal terá competência – e, se sim, em que medida – para apreciar um ato de primeiro grau quando o pedido seja apresentado na decorrência de um indeferimento de reclamação graciosa, recurso hierárquico ou pedido de revisão oficiosa previamente apresentados.

22           No que respeita à primeira questão, já no âmbito da impugnação judicial, era discutível se, perante uma decisão expressa de reclamação graciosa, de recurso hierárquico ou de pedido de revisão oficiosa, o contribuinte impugnava diretamente o ato de liquidação anteriormente reclamado, recorrido ou revisto (o ato de primeiro grau) ou a própria decisão (de indeferimento) de reclamação, de recurso ou de pedido de revisão oficiosa que, por sua vez, apreciou a (i)legalidade do ato impugnado - o ato de segundo grau.

23           O Supremo Tribunal Administrativo (STA) veio pronunciar-se sobre a questão, em acórdão datado de 18 de maio de 2011, proferido no âmbito do processo n.º 0156/11, admitindo que“(…) o objeto real da impugnação é o ato de liquidação e não o ato que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise(…).“(…) a impugnação não está, por isso, limitada pelos fundamentos invocados na reclamação graciosa, podendo ter como fundamento qualquer ilegalidade do acto tributário.(…)”

24           Esta é a primeira questão que deve ficar clara: o objeto do processo arbitral é o ato de liquidação.

25           Questão diferente desta mas interligada, é a de saber se o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado dentro do prazo. Aqui parece-nos que o legislador arbitral foi, ao que se crê, claro ao compartimentar questões de competência e questões de prazos.

26           Assim é que quanto à competência ou âmbito material o objeto da arbitragem é, como se concluiu, a apreciação da ilegalidade dos atos de liquidação. 

27           Quanto ao prazo, o contribuinte pode recorrer à arbitragem logo aquando da notificação dos atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta ou, tendo recorrido à via administrativa, após a notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa ou do recurso ou ainda da formação  do indeferimento tácito.

28           Esta resposta encontra-se, por seu turno, no citado artigo 10.º, do RJAT.

29           Desta norma não se pode ou deve nunca retirar a competência para apreciação direta dos atos de segundo grau, pois se trata de norma que respeita única e exclusivamente ao dies a quo do prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral. É uma norma que respeita portanto ao momento a partir do qual se inicia a contagem do prazo para solicitar o pedido de constituição do tribunal arbitral.

30           Com efeito, o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, determina que os tribunais arbitrais têm competência para apreciar “a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”. Não há, pois, qualquer referência aos atos de indeferimento de reclamação graciosa, de recurso hierárquico ou de pedido de revisão oficiosa, i.e., não se menciona a arbitrabilidade de decisões de indeferimento, expresso ou tácito, das vias administrativas prévias utilizadas. Não há nem tinha que haver.

31           Entende-se a este propósito que os atos de segundo ou terceiro graus poderão sempre, reafirma-se,  ser arbitráveis, na medida em que comportem, e só nesta medida, eles próprios, a (i)legalidade dos atos de liquidação em causa.

32           Na base deste entendimento estará uma interpretação teleológica, designadamente por a alínea a) do n.º 1, do artigo 10.º referir expressamente a “decisão de recurso hierárquico”  e o facto de o ato de segundo ou de terceiro grau estar a apreciar o ato de liquidação, autoliquidação, retenção na fonte ou pagamento por conta objeto da arbitragem.

33           Defende-se aqui, por conseguinte, uma interpretação segundo a qual não são arbitráveis os vícios próprios dos atos de indeferimento de reclamações graciosas, de recursos hierárquicos ou de pedidos de revisão do ato tributário porque escapam ao âmbito material da arbitragem tributária.

34           Por outras palavras, esses atos de indeferimento só poderão ser “trazidos” para a jurisdição arbitral, na estrita condição de terem, eles próprios, apreciado a (i)legalidade do ato tributário que o sujeito passivo, verdadeira e efetivamente, pretende impugnar pela via arbitral.

35           Neste sentido, veja-se, v. g., a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 272/2014-T, de que se transcrevem os seguintes extratos:“(…) 65 - O indeferimento de reclamação graciosa corporiza, no quadro da impugnação judicial, o caso previsto no n.º 2 do art.º 102.º do CPPT, colocando-se a questão de saber se, face às competências legalmente cometidas aos tribunais arbitrais, os mesmos serão competentes para, em quaisquer circunstâncias, apreciarem os atos de indeferimento de reclamações graciosas. 66 - Estando a competência dos tribunais arbitrais, que funcionam junto do CAAD, circunscrita e limitada, como já atrás se referiu, à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, a apreciação dos atos de indeferimento de reclamações graciosas, por parte dos referidos tribunais, há de estar condicionada ao efetivo conhecimento que tais atos tiveram da legalidade dos atos de liquidação com que estão relacionados. 67 - A decisão de indeferimento da reclamação graciosa, proferida nas atrás mencionadas circunstâncias, reafirma a legalidade do ato de liquidação em causa e volta a confirmá-lo, tal como inicialmente fora configurado. 68 - O indeferimento da reclamação graciosa, é um ato lesivo suscetível de impugnação por parte do interessado, o qual, na medida em que procede à reafirmação do ato primário de liquidação subjacente e do qual é indissociável, não pode deixar de ter a sua apreciação cometida aos tribunais arbitrais, que, como já se referiu, têm as suas competências fundamentalmente centradas na declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos (…)”

 

Subsumindo:

36           Da matéria de facto provada resulta que [cfr supra, BB) e CC), do elenco de factos provados]:“ (...) Em 7 de março de 2019, foi a Requerente notificada do indeferimento do recurso hierárquico com os fundamentos já apontados e tendo-se a Requerente conformado com as demais correções, manteve a sua discordância em relação ao tratamento dos desvios atuariais relativos a pensões, pelo que apresentou no CAAD, em 4 de junho de 2019, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo.

37           Ou seja: a apresentação ao CAAD do pedido de pronúncia em 4-6-2019 ocorreu antes de transcorridos 90 dias sobre a data (7-3-2019) em que lhe foi notificado o não provimento do recurso hierárquico.

38           Foi assim apresentado tempestivamente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, improcede a exceção suscitada pela Requerida.

 

2ª questão: se o objeto do pedido na reclamação graciosa e no recurso hierárquico foi alargado na impugnação judicial/arbitral

 

39           Alega a Requerida, a fundamentar, no essencial esta questão que denomina como “prévia”, que a ser determinada a anulação das decisões proferidas em sede de reclamação graciosa e de recurso hierárquico, aquela (anulação) não poderá ser total mas parcial considerando ter havido matérias ou correções que haviam sido pedidas mas que não foram mantidas ou incluídas no âmbito do pedido de pronúncia arbitral.

40           A tal questão o Tribunal responde lapidarmente que se trata de matéria de improcedência do pedido, parcial, o reconhecimento que se venha a fazer de que houve alargamento do pedido de forma a envolver pedido de correções não objeto da reclamação graciosa e do recurso hierárquico ou que, sendo-o, com as decisões, nessa parte, a Requerente se conformou.

41           Assim e tal como resulta do pedido, da matéria objeto da reclamação graciosa e do recurso hierárquico só poderá ser objeto de anulação parcial porquanto tão só e apenas é sindicada a correção da liquidação na parte decorrente ou resultante da alteração da política contabilística nos termos atrás referidos.

42           Ou seja: ainda que não claramente expressa a anulação parcial, é esta necessária e implicitamente decorrente da economia de toda petição da Requerente.

43           Daqui a conclusão óbvia de que tudo quanto foi decidido na reclamação graciosa e recurso hierárquico não contenciosamente impugnado constitui o denominado “caso decidido” e, como tal, subtraído ao âmbito da decisão arbitral.

44           Mais concretamente: a Requerente conformou-se com a decisão administrativa (da AT) no respeitante às demais correções efetuadas relativas a (i) outras perdas relativas a partes de capital não dedutíveis e (ii) correção pelo adquirente do imóvel quando adota o VPT para a determinação do resultado tributário na respetiva transmissão

45           Não se conformou – e esse é o âmbito do pedido de pronúncia arbitral – com a correção promovida a propósito do ajustamento decorrente da alteração contabilística relativa a Fundos de Pensões e outros benefícios pós-emprego, no montante de € 7 273 910,98 – que representa a diferença entre o ajustamento reportável anualmente segundo a AT (€ 2 950 724 ,62) e o valor do mesmo ajustamento segundo a Requerente (€ 10 224 635,62)  e, em consequência, pede a revogação da decisão quanto ao recurso hierárquico e a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC e notas de liquidação, respeitante a 2012, na componente correspondente àquela correção.

46           Note-se, en passant, que a quantificação da liquidação em sede, como é o caso, de contencioso de anulação, tem relevância relativa em caso de procedência, total ou parcial do pedido, atendendo ao princípio da plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade – Cfr artigo 100º, da LGT.

 

3ª questão: A que período se devem reportar as variações patrimoniais objeto do regime transitório de regulamentação contabilística produzida através da alteração da IAS 19, em conjugação com o artigo 183º, da Lei nº 64-B/2011

 

47           O Regulamento (UE) n.º 475/2012 da Comissão veio alterar o Regulamento (CE) n.º 1126/2008, que adota certas normas internacionais de contabilidade nos termos do Regulamento (CE) n.º 1606/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, designadamente no que diz respeito às Normas Internacionais de Contabilidade (IAS) 1 e (IAS) 19, sendo esta última, intitulada “Benefícios dos Empregados”, a que ora releva.

48           Diz-se nesse Regulamento, no seu artigo 1.º, a propósito dessa Norma:

“O anexo do Regulamento (CE) n.º 1126/2008 é alterado do seguinte modo:

(…)

(3) A Norma Internacional de Contabilidade (IAS) 19 Benefícios dos Empregados é alterada nos termos do anexo ao presente regulamento.

(…)”

49           Quanto à entrada em vigor da alteração, o artigo 2.º do mesmo Regulamento estabelece o seguinte:

“(…)

2. As empresas aplicam as emendas referidas no artigo 1.º, n.os 3 e 4, o mais tardar a partir da data de início do seu primeiro exercício financeiro que comece em ou após 1 de janeiro de 2013.”

50           O Regulamento (UE) n.º 475/2012 foi emitido em 5 de junho de 2012, publicado no Jornal Oficial da União Europeia do dia imediato e entrou em vigor no terceiro dia seguinte ao da publicação.

51           Não fixou uma data precisa para a sua entrada em vigor, mas simplesmente um prazo máximo, impondo que não pudesse ser aplicado para além do início do primeiro exercício iniciado em ou após 1 de janeiro de 2013. (sublinhado nosso)

52           Deixou, assim, total liberdade para que as alterações que veio introduzir – designadamente, o fim do chamado método do corredor no tratamento dos desvios atuariais  – fossem aplicadas antes do início de 2013, o que significa que não houve aqui nenhuma preocupação em termos de uniformidade entre as empresas na aplicação das novas regras, mas antes a previsão da aplicação “antecipada” dessas regras por parte das empresas que o pretendessem, atenta a melhoria da qualidade da informação contabilística que da “antecipação” decerto resultaria. 

53           Importa, entretanto, salientar que essa antecipação do fim do método do corredor já estava prevista há muito tempo.

54           Na verdade, o Regulamento (CE) n.º 1910/2005 da Comissão, de 8 de novembro de 2005, introduziu alterações a várias Normas Internacionais de Contabilidade, entre elas à IAS 9.

55           Quanto a esta, no tocante a ganhos e perdas atuariais, introduziu emendas aos seus parágrafos 92, 93 e 95 e adicionou os parágrafos 93A a 93D.

56           Concretamente, o parágrafo 93A veio permitir, no fundo, o abandono do método do corredor, sendo esta possibilidade aplicável em períodos anuais terminados em ou após 16 de dezembro de 2004.

57           Por conseguinte, mesmo que se entendesse que o abandono do método do corredor não estava abrangido pelo Regulamento (UE) n.º 475/2012 – o que não acontece, face à inexistência de uma data inicial de vigência, mas tão só de uma data limite de aplicação –, sempre a alteração de política poderia ter sido praticada em data muito anterior, tendo em conta o teor do Regulamento (CE) n.º 1910/2005.

58           Ora, a Requerente optou por aplicar a nova política contabilística a partir de 2011 (inclusive), não existindo qualquer dúvida sobre a legitimidade de mudança de política nessa data, independentemente das alterações introduzidas através do Regulamento (UE) n.º 475/2012.

59           Em traços gerais, a mudança da regulamentação contabilística produzida através da alteração da (IAS) 19 consistiu na eliminação do método de diferimento de desvios atuariais conhecido como “método do corredor”, passando esses desvios a ser refletidos diretamente no capital próprio da empresa (Cfr. IAS 19 §92 e 93A), no reconhecimento de que, abandonando o “corredor” , a empresa vai ao encontro de um método mais adequado ou idóneo a proporcionar uma informação certamente mais fiável e relevante .

60           Na data da mudança de método, houve que reconhecer contabilisticamente o total dos desvios atuariais “suspensos”, o que deveria ser feito através do registo desses desvios numa conta do capital próprio.

61           Afigura-se que o momento mais correto para se efetuar esse registo seria precisamente o da transição de um exercício para o outro, já que conviria não se afetar, por via desse registo, nenhum deles, por envolver implicações alheias ao método acolhido nesses anos.

62           Na verdade, se entre o “ano 1” e o “ano 2” se verificar uma mudança de método ou de critério, não se  afigura recomendável, que o registo de transição se faça, nem no ano 1, nem no ano 2.

63           Efetivamente, se a mudança for contabilisticamente registada no ano 1, tudo se passa, em termos de demonstrações financeiras finais desse ano – que são as que assumem mais relevância para a generalidade dos destinatários da informação –, como se o “novo” método ou critério tenha sido adotado já no ano 1, quando o que se pretendia era adotá-lo apenas no ano 2.

64           Se, diferentemente, se optar pelo registo da transição no ano 2, as mesmas demonstrações financeiras virão influenciadas por quantias que nada têm a ver com a aplicação do “novo” método ou critério, mas com a transição do “antigo”, com a “atenuante”, neste caso, de o reflexo do registo surgir evidenciado em conta própria, sem afetar os resultados desse ano.

65           Assim o recomendável seria a transição não ficar expressa nas contas de nenhum dos anos, mas ser efetuada extracontabilisticamente.

66           Poder-se-á dizer que, nessa solução, o balanço de reabertura do ano 2 não coincidirá com o balanço de encerramento do ano 1.

67           Sendo objetivamente inegável a afirmação, a verdade é que essa coincidência não tem que existir.

68           A razão é simples:  o que é exigível é que o balanço de reabertura corresponda ao balanço de encerramento do ano anterior e essa correspondência continuará a existir se a transição não for contabilisticamente relevada, bastando que exista uma explicação para as eventuais “incoincidências” de valores entre aquelas duas peças.

69           Aliás, é isso que sempre acontece quando ocorrem alterações de planos de contas, como sucedeu aquando da introdução do Plano Oficial de Contabilidade em 1977, aquando da substituição deste pelo novo Plano Oficial de Contabilidade de 1990 e aquando da sua substituição pelo Sistema de Normalização Contabilística em 2010.

70           De qualquer modo, se se entender que o registo de transição entre políticas deve ser efetuado, não extracontabilisticamente, mas dentro das próprias contas, então sempre deverá ser feito no início do ano de adoção da nova política, e não no fim do ano antecedente, nem, muito menos, como parece entender a Requerida, no fim do ano de adoção da nova política.

71           Na verdade, não se encontraria justificação para se introduzir uma nova política contabilística num dado período, mantendo-se na contabilidade os valores decorrentes da política anterior e registando os factos abrangidos com base nessa política (anterior), deixando o registo de transição para o fim do período em que afinal se pretendia passar a adotar outra política.

72           Ou seja: o que tem sentido é, na verdade, a contabilização no início do período de adoção da nova política da transição da antiga política, por forma a que, a partir de então, os registos contabilísticos se processem com base na nova política.

73           Daqui decorre que,  para assegurar a comparabilidade pretendida, e com base nas Normas Internacionais de Contabilidade aplicáveis – concretamente a (IAS) 8 –, o procedimento adequado deverá traduzir-se na  reexpressão das demonstrações financeiras dos períodos anteriores à alteração da política contabilística, nos moldes e condições previstos na sobredita Norma, não tendo tal reexpressão qualquer reflexo na relevação digráfica dos períodos antecedentes, mas simplesmente nas respetivas demonstrações financeiras.

74           Assim é que a Requerente aplicou e interpretou corretamente o sobredito quadro normativo, ao adotar o procedimento que adotou, quando, tendo em vista alterar a sua política de tratamento dos ganhos e perdas atuariais a partir do ano de 2011, registou na sua contabilidade, com referência a 1 de janeiro de 2011, a transição da antiga política para a nova política.   

75           Concretizando melhor e concluindo: de um ponto de vista contabilístico, a Requerente alterou a sua política relativa a pensões em 2011, ou seja, adotou o regime contabilístico anterior à alteração da Norma Internacional de Contabilidade (IAS) 19 no ano de 2010 e a Norma Internacional de Contabilidade (IAS) 9 decorrente da revisão que foi acolhida pelo Regulamento (UE) n.º 475/2012 no ano de 2011.

76           Isto, naturalmente, quer se entenda que se tratou de alteração decorrente da revisão que foi acolhida pelo Regulamento (UE) n.º 475/2012, quer se considere que se tratou do exercício da opção que tinha sido estabelecida no Regulamento (CE) n.º 1910/2005, no seu parágrafo 93A.

77           E assim se conclui, qualquer que seja a perspetiva que se adote, pelo cumprimento das regras contabilísticas e legalidade da transição na passagem do ano de 2010 para o ano de 2011, transição que, esquematicamente, se poderá traduzir do seguinte modo:

 

78           Em matéria de transição, a Requerente apurou o montante dos desvios atuariais pendentes de inclusão em resultados respeitantes aos anos anteriores ao da mudança, ou seja, até ao fim de 2010, que contabilizou como variação patrimonial em 1 de janeiro de 2011, numa conta intitulada “Outras reservas – Desvios atuariais”.

79           A movimentação efetuada nesta conta, tal como consta do texto da página 13/58 do Relatório de Inspeção Tributária, foi a seguinte:

Outras reservas – Desvios atuariais

01-01-2011         102.246.356,23  d)           9.893.192,11

d)           1.088.300,43       d)           927.531,95

k)            48.601.739,29    e)           89.859.285,44

k)            2.869.407,23       e)           4.748.528,85

k)            714.493,22          e)           1.492.570,97

                                                                                          

                48.599.187,08                   

80           Com exceção do registo reportado a 1 de janeiro de 2011, todos os demais dizem respeito à aplicação da Norma Internacional de Contabilidade (IAS) 9 decorrente da revisão prevista no Regulamento (UE) n.º 475/2012 – que a Recorrente aplicou nesse ano de 2011 –, e não a que vigorou até 2010, inclusive.

81           Efetivamente, tais variações patrimoniais, conforme as alíneas indicadas, tiveram a seguinte origem:

d) Ganhos e perdas atuariais do ano;

e) Alterações dos pressupostos atuariais;

k) Desvios atuariais financeiros.

82           O que confirma que a mudança de política de tratamento contabilístico das pensões de reforma ocorreu em 2011 – com aplicação nesse ano da Norma ajustada –, e não em 2012.

83           E assim sendo o ajustamento de transição foi efetivamente de € 102 246 356,23.

 

O enquadramento fiscal

84           Aludindo o artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011 a “variações patrimoniais negativas registadas no período de tributação de 2011 decorrentes da alteração, nos termos previstos na Norma Internacional de Contabilidade n.º 19, da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais …”, a Requerente considerou que o ajustamento de transição a considerar para efeitos fiscais deveria corresponder, como vimos, ao lançamento contabilístico reportado a 1 de janeiro de 2011, no montante dos desvios atuariais pendentes de inclusão até essa data.

85           Diferentemente, entendeu a Requerida que a alteração a considerar deveria reportar-se ao fim de 2011 e, assim, que no cômputo do ajustamento de transição deveriam ter sido incluídas as variações patrimoniais negativas contabilizadas durante o ano de 2011.

86           Ou seja, apesar de a Requerente ter optado, dentro do que a lei dispunha, por fazer a transição para o novo método em 1 de janeiro de 2011, deveria, segundo a Requerida, tê-lo feito em 1 de janeiro de 2012.

87           E considera, no artigo 80.º da sua “Resposta”, que “seria absurdo que os efeitos do regime transitório se projetassem a partir do período de tributação que se inicie em ou após 1 de janeiro de 2012 e nos nove períodos de tributação seguintes e que os valores das variações patrimoniais negativas decorrentes da alteração da política contabilística se reportassem ao valor dos desvios atuariais acumulados reconhecidos pelo método do ‘corredor’ à data de 31.12.2010.”

88           Isto, apesar de no artigo imediato da mesma “Resposta”, reconhecer que “…a alteração da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais relativos a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego de benefícios definidos, em 2011, era facultativa.”

89           E acrescenta, no artigo 85.º do mesmo documento:

“O legislador foi muito preciso ao determinar que:

(…)

(ii) o registo contabilístico das variações patrimoniais negativas seria efetuado no período de tributação de 2011;

(iii) as variações patrimoniais negativas respeitariam a contribuições efetuadas nesse período (2011) ou em períodos de tributação anteriores;

(…).”

90           Todavia, a letra da lei não consente uma interpretação como esta, quando é certo que o parágrafo 172 da Norma Internacional de Contabilidade (IAS) 19 revista deixou a data da transição à livre escolha das empresas, ao referir:

“Uma entidade deve aplicar a presente Norma para os períodos anuais com início em ou após 1 de janeiro de 2013. É permitida a aplicação mais cedo”.

91           Ora, o facto de o efeito fiscal atribuído às variações patrimoniais negativas em apreço não ser imediato não é significativo, acontecendo por vezes no nosso ordenamento jurídico.

92           Veja-se, a título de exemplo, o que se passou em relação ao ajustamento de transição do “regime de tributação pelo lucro consolidado” para o “regime especial de tributação dos grupos de sociedades”.  Tratando-se embora de uma modificação de regime do ano de 2000 para o ano de 2001, o ajustamento de transição apenas veio a ser fiscalmente relevante nos anos de 2016 a 2019.

93           Isto é, o que agora se pretendeu uniformizar não foi a data da transição, com o eventual apuramento de diferentes ajustamentos de transição, mas um impacto na tributação distribuído por idênticos períodos de tributação.

94           É que a data da transição podia, em termos estritamente contabilísticos, ter ocorrido (muito) antes da data escolhida pela Recorrente, tendo em conta, como se viu, o disposto no parágrafo 93A da (IAS) 9, na redação que lhe foi dada através do Regulamento (CE) n.º 1910/2005.

95           De qualquer modo, as variações patrimoniais positivas que estão em causa não se referem à alteração da política contabilística que se processou entre os anos de 2010 e 2011, nada tendo a ver com a transição, que a Requerente pretendeu fazer – e fez – precisamente na passagem do ano de 2010 para o ano de 2011.

96           Entende a Requerente que o regime transitório previsto no artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011 apenas contempla as variações patrimoniais negativas decorrentes da mudança de tratamento dos ganhos e perdas atuariais relativos a pensões;  por seu turno, a Requerida entende que o que nesse regime se prevê é a inclusão das variações patrimoniais negativas deduzidas de eventuais variações patrimoniais positivas.

97           A razão nesta matéria está do lado da Requerente.

98           A letra da lei não permite qualquer dúvida:  o que nela se refere é, muito simplesmente, “variações patrimoniais negativas”.

99           E parecia ser também essa a posição da Requerida quando refere, na nota de rodapé (5) da página 15/58 do Relatório de Inspeção Tributária: “De notar que, tratando-se de uma norma de transição, e portanto uma exceção à regra geral, é de presumir que o legislador teve especial cuidado na sua redação tendo-se expressado da forma mais correta e consagrado as soluções mais adequadas ao seu pensamento e ao sentido e alcance que pretendia que aquela (norma) tivesse. E, como tal, se expressamente faz referência a variações patrimoniais negativas (…).”

100         Com efeito, se fosse outro o entendimento do legislador, este, à semelhança do que aconteceu historicamente, expressaria o sentido divergente de forma análoga à que ocorreu, por exemplo, no CIRS, na conceituação dos rendimentos de mais-valias, em que é referido expressamente que o valor desses rendimentos “é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias (…)”.

101         E, no mesmo Código, no artigo 55.º, dedicado à dedução de perdas, com a referência a “saldos negativos” e nunca a rendimentos negativos, bem como, no artigo 72º, ainda do mesmo Código, quando estabelece a sujeição a uma taxa autónoma ou especial de tributação de 28% ao “saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas nas alíneas b), c), e), f), g) e h) do n.º 1 do artigo 10.º”.

102         Aqui, não se limitou o legislador, a invocar apenas “mais-valias”, na expectativa de que os intérpretes presumissem que quereria falar em “mais-valias deduzidas de menos-valias”, enunciando com clareza aquilo que pretendia dizer.

103         O Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, que alterou o Código do IRC com vista à adaptação das regras de determinação do lucro tributável às referidas normas, previu, no n.º 1 do seu artigo 5.º, um regime transitório, nos termos seguintes: “Os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adoção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade adotadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de julho, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC e respetiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de ativos ou passivos, ou de alterações na respetiva mensuração, concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes.

104         Como resulta deste texto, o legislador previu que o regime transitório respeitasse aos “efeitos nos capitais próprios”, valendo, para esse fim, todos os efeitos, positivos ou negativos.

105         Ou seja, sempre que o legislador pretendeu considerar diferenças entre valores positivos e valores negativos, não deixou de o fazer.

106         E, no caso em apreço, o qualificativo “negativas” que vem inscrito em relação às variações patrimoniais no artigo em questão não consente, pois, outra interpretação que não seja a que claramente decorre da letra da lei.  

107         Pelo exposto se conclui pelo reconhecimento de que não há fundamento, nesta parte, para o indeferimento da reclamação graciosa e não provimento do recurso hierárquico ora sob impugnação e para a consequente liquidação adicional de IRC que, na parte impugnada, se revela ilegal.

 

4ª questão: Se a Requerente é responsável por dois Fundos de Pensões, qual a forma de cálculo das variações patrimoniais negativas reportáveis.

               

108         Em 4 de abril de 2011, a Requerente, para além do Fundo de Pensões B... que abrangia os seus trabalhadores, assumiu as responsabilidades inerentes ao Fundo de Pensões C..., na sequência da aquisição, em 31-3-2011, da totalidade do capital do D..., S.A. e em 4-4-2011, da quase totalidade dos ativos e passivos do F..., SA, entre as quais as responsabilidades com o Fundo de Pensões C... .

 

109         Ambos os Fundos são autónomos, com beneficiários, dimensão e histórico de contribuições diferentes (cfr estudos atuariais preparados pela sociedade gestora – Docs 9 e 10, juntos pela Requerente e não impugnados).

 

110         Coloca-se então a questão de saber se o citado regime fiscal transitório previsto no artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, se aplica ou não aos desvios atuariais associados a esse Fundo.

 

111         Adianta-se desde já a resposta em sentido negativo pelas razões sumárias que seguem.

 

112         A Requerente optou nos termos da Lei e como se viu, por alterar o método de tratamento dos seus planos de pensões a partir de 2011, inclusive, quando as responsabilidades pelo Fundo C... apenas foram assumidas no decurso desse ano – não havendo, pois, neste caso, qualquer transição ou mudança de método.

 

113         Reafirma-se aqui que a alteração da política contabilística produz os seus efeitos no início do período económico e não no fim.

 

114         Será certamente por essa razão que as demonstrações financeiras do período são apresentadas como se a nova política tivesse sido aplicada desde início.

 

115         Daí que, como consequência lógica, o ajustamento de transição decorrente da adoção da nova política há-de ser determinado por referência ao exercício imediatamente anterior. Ou seja: 2010.

 

116         Ora em 31-12-2010, a Requerente não tinha a seu cargo o Fundo de Pensões do C... pelas razões anteriormente referidas, ou seja, porque só assumiu a responsabilidade por esse Fundo em abril de 2011, mais exatamente em 4-4-2011, quando os ativos e passivos do C... foram transferidos para a Requerente.

117           Os desvios contabilizados em 2011 relativamente ao Fundo de Pensões C... respeitavam integralmente a esse ano, e não a anos anteriores, servindo apenas para dar completa satisfação à aplicação em 2011 do novo método introduzido com caráter de obrigatoriedade pela citada nova Norma Internacional de Contabilidade [(IAS) 19];

118         E sendo todos positivos esses desvios , estavam, ipso facto,  excluídos de ponderação para efeitos do regime transitório em apreço que, como se viu, limitava essa ponderação a variações patrimoniais negativas.

 

Em conclusão

 

119         Resulta tempestiva a apresentação pela Requerente do pedido de pronúncia arbitral e revelam-se ilegais os indeferimentos da reclamação graciosa e do recurso hierárquico bem como, parcialmente, a liquidação adicional sob impugnação.

 

III  DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em, conforme peticionado:

 

a.            Julgar procedente o pedido de anulação parcial, por ilegalidade, do ato de liquidação adicional de IRC identificado com o nº 2015..., com reversão da correção efetuada pela AT na parte decorrente da alteração de política contabilística, com reconstituição da situação que existiria sem tal correção, nos termos do artigo 100º, da LGT e

b.            Julgar procedente o pedido de anulação parcial das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico, na parte que originou o sobredito ato de liquidação adicional.

 

Valor do processo

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 7 273 910,98.

 

Custas

Não tendo o Tribunal sido constituído nos termos previstos no nº 1 e na alínea a) do nº 2, do artigo 6º, do RJAT, não tem lugar a fixação do montante das custas e sua repartição pelas partes (Cfr artigo 22º-4, do RJAT).

 

Lisboa e CAAD, 14 de fevereiro de 2020

 

O Tribunal Arbitral Coletivo

 

José Poças Falcão

(árbitro presidente)

 

José Alberto Pinheiro Pinto

(árbitro vogal)

 

Manuel Pires.

(árbitro vogal)

Vota vencido conforme declaração anexa a este acórdão.

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Não posso dar o meu acordo ao decidido pelas seguintes razões:

 

1.            Abstraindo não poder o tribunal decidir a anulação, sem qualquer limitação, das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico, porquanto apenas foi colocada em causa, no presente processo, a questão decorrente da alteração da política contabilística relativa a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego, existe a impossibilidade de o tribunal apreciar a totalidade do pedido parcial, em virtude do decurso do tempo, dado o que se pede agora exorbitar o objecto da reclamação e do recurso hierárquico que precederam o pedido arbitral. Não deve ser agora posta em sufrágio a problemática do âmbito de competência dos tribunais arbitrais tributários em relação a actos de segundo ou terceiro graus que comportem a apreciação da legalidade do acto, porquanto o problema é diferente: a função da reclamação no âmbito de processo relativo a autoliquidação. A reclamação (ou a revisão, como, contráriamente à lei, se tem admitido) é exigida obrigatoriamente de modo a exaurir a apreciação administrativa antes da pronúncia naquele processo. Ora, se é assim, como é, como pode ser dito que esse esgotamento ocorre quando se pede mais no processo tributário do que se pediu na reclamação obrigatória e no recurso hierárquico e neles apreciado? E se a reclamação fosse aceite, formulava-se outra pelo montante que se omitira, mesmo que fosse permitido temporalmente? Ou, se ainda possível no tempo, iniciava-se o processo arbitral pela diferença se a segunda reclamação fosse decidida desfavoravelmente?      Sendo assim, como é, encontra-se extinto o prazo para se solicitar a apreciação do que a mais se pretendeu no processo em relação ao submetido na reclamação ou no recurso. pela mera razão de que. aceitando a totalidade, julga-se não se tendo dado cumprimento ao imperativamente exigido pela lei: apreciação prévia pela Administração, apreciação que patentemente não ocorreu, visto o por ela apreciado ter sido importância menor. O juiz não pode substituir-se ao legislador,

 

2.            Mas, ainda que não ocorresse o referido anteriormente - o que se não concede -, não partilharia a decisão quanto ao mérito.

 

2.1. Embora a contabilidade seja assaz importante e que o fosse, no caso, para a determinação do imposto, não existe necessariamente subordinação das regras do imposto às regras da contabilidade, revestindo o Direito Fiscal carácter autónomo, mesmo numa perspectiva científica, que não meramente pedagógica. A questão decidenda radica-se na correcta interpretação da norma transitória que a Lei nº.64-B/2011, de 30 de Dezembro, comporta, o respectivo artigo 183º. Nele manda considerar-se o resultado de 2011 e, assim, os valores positivos - e não variações positivas - desse ano devem igualmente ser tomados em consideração no cálculo das variações patrimoniais negativas (vpns) e não apenas as de 2010, porque, se a referência fosse unicamente esta, teriam as deduções a considerar sido estabelecidas a partir do imposto de 2011 e não a partir do imposto de 2012. Osmovimentos contabilísticos relevantes são, pois, todos os feitos em 2011, as variações devem, portanto, corresponder aos valores reflectidos na contabilidade em 31 de Dezembro de 2011, ano da mudança, e não em 1 de Janeiro de 2011. O legislador considerou as vpns relativas ao período de tributação de 2011.Daí que não possa aderir-se à declaração que o que ocorreu especificamente em 2011 foi uma variação positiva, porquanto tal significa substituir a visão holística, que a lei considera, por uma visão analítica definitiva, porque seria considerar apenas parcela da realidade a atender no resultado final anual que a lei impõe ser completo, visto compreender todo o ano, não criando quarantining relativamente a uma ou mais parcelas. Unicamente deste modo poderão ser determinadas as variações patrimoniais negativas resultantes da alteração da política contabilistica: tudo o que ocorreu em 2011 reflecte a variação, se esta não tivesse existido tudo seria diferente. Por outras palavras, importa considerar todas as importâncias relativas ao período de tributação de 2011 e as do passado, mas não se limitando a estas, visto, em 2011, ter havido mudança de método e a importância correspondente desse ano deve, portanto, ser adicionada ao resultado ocorrido até ao fim de 2010 e dessas duas parcelas é que resulta, pois, a variação patrimonial negativa prevista na lei e existente no caso. Isto é, a lei impõe, numa visão global, que se considere o que ocorreu no período da alteração e não unicamente o que resulta de períodos anteriores. Aliás, se a intenção do legislador fosse não considerar o ocorrido em 2011 e apenas o verificado até 2010, inclusivé, o termo a quo da consideração da dedutibilidade teria sido 2011 e não 2012, não se entendendo o diferimento de um ano. Assim a posição da Requerente no sentido de considerar apenas as vpns com referência aos valores relativos a 31 de Dezembro de 2010 em vez de atender também ao período de tributação de 2011 não merece acolhimento, com todas as consequências legais.

 

2.2. Quanto à inclusão ou não do segundo Fundo, e continuando a manter a posição exposta em 1, é essencial ter em atenção que o disciplinado pelo artigo 183º é conexionado, sem discriminação por fundos, com o estabelecido no artigo 43º nºs 2 e 3 do CIRC, referenciado explicitamente no mencionado artigo. implicando aqui também uma outra visão holística e não analítica. Isto é, quanto à inclusão do outro Fundo no cálculo, mais uma vez teria de se atender ao citado artigo 183º. Este referencia o artigo 43º nºs 2 e 3 do CIRC e nestes os limites estabelecidos (“despesas com o pessoal ...”) reportam-se a correspondente importância global e não a despesas com o pessoal discriminadas consoante fundos, o que implica necessariamente, pelo artigo 183º, a consideração não discriminada, portanto global, dos resultados relativos a todos os fundos ocorridos no período de tributação de 2011. De outro modo estar-se-ia perante desajustamento legal, com todas as consequências legais.

 

3.            Em conclusão, ainda que a posição sustentada em 1 não merecesse acolhimento, o que, reitera-se, não é nossa opinião , não colheria adesão considerar como variações patrimoniais negativas unicamente o verificado até 31 de Dezembro de 2010 e não todo o ocorrido em 2011, resultante ainda da adição dos movimentos verificados, durante o período de tributação de 2011, dos dois fundos de pensões, corrigido dos subsídios de morte ( o citado artigo 43º nºs 2 e 3 não os compreendem). Seria esta a interpretação conforme do mencionado artigo 183º.

 

(Manuel Pires)