Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 626/2019-T
Data da decisão: 2020-02-17  IRC  
Valor do pedido: € 16.464,57
Tema: IRC - Tributações autónomas – SIFIDE - Deduções à coleta - Exercício de 2017.
Versão em PDF

Decisão Arbitral

 

I. Relatório

 

A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., em Lisboa (doravante “Requerente”), vem, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante, abreviadamente, "RJAT"), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a pronúncia sobre a (i)legalidade do ato de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), relativo ao exercício de 2017, no montante de € 16.464,57, mantido na ordem jurídica por força da decisão de indeferimento expresso de reclamação graciosa deduzida contra o mesmo.

 

1.1.  O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 24 de setembro de 2019.

1.2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como o signatário como árbitro, nomeação aceite dentro do prazo legal.

1.3. Notificadas as partes dessa designação, não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

1.4. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral foi constituído no dia 13 de dezembro de 2019.

1.5. Prolatado o despacho determinado pelo artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, na redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, a Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu no prazo legal, pugnando pela improcedência do pedido.

1.6. Não existindo exceções a discutir ou controvérsia sobre a matéria de facto, foi proferido despacho arbitral, no dia 28 de janeiro de 2020, dispensando a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e, bem assim, a produção de alegações, tendo-se designado o dia 17 de fevereiro de 2020 como data de prolação da decisão judicativa arbitral.

2. O tribunal arbitral foi regularmente constituído, ex vi o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT.

3. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, como determinado pelos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, não enfermando o processo de quaisquer nulidades.

 

II. Fundamentação

 

4. Matéria de facto

4.1. Factos Provados

Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

4.1.1. No dia 6 de dezembro de 2013, a Comissão para a Certificação de Atividades de Investimento e Desenvolvimento (“I&D”) concedeu à Requerente um crédito fiscal, no montante global de € 155.488,62, ao abrigo do Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial II (“SIFIDE II”) – cfr. documento n.º 6, junto pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral.

4.1.2. Em 14 de junho de 2018, a Requerente submeteu a sua declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC referente ao período de tributação de 2017, no âmbito da qual apurou no campo 351, do quadro 10, uma coleta de IRC no montante de € 38.655,58 – cfr. documento n.º 1, junto pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral.

4.1.3. A Requerente deduziu à coleta de IRC relativa aos exercícios de 2015, 2016, 2017e 2018, os montantes de € 8.882,45, € 40.130,94, € 38.655,58 e € 31.647,02, respetivamente – cfr. documentos n.os 1 e 7 a 11, todos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral.

4.1.4. Após a dedução efetuada na declaração de rendimentos de 2017, o valor do benefício fiscal relativo ao SIFIDE por deduzir ascendia a € 68.162,57 – cfr. documento n.º 1, junto pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral.

4.1.5. Relativamente ao exercício de 2017, a Requerente apurou tributações autónomas no valor de € 16.464,57, montante inscrito no campo 365 do quadro 10 da declaração Modelo 22 de IRC – cfr. documento n.º 1, junto pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral.

4.1.6. No dia 16 de maio de 2019, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa onde pugnou pela anulação dos atos de autoliquidação de IRC, relativos aos exercícios de 2016 e 2017 – cfr. documento n.º 3, junto pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido.

4.1.7. Por ofício de 4 de julho de 2019, a Requerente foi notificada do conteúdo de despacho da Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa projetando indeferir a reclamação graciosa – cfr. documento n.º 12, junto pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido.

4.1.8. Por ofício de 28 de agosto de 2019, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa – cfr. documento n.º 13, junto pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido.

4.1.9. No dia 23 de setembro de 2019, foi apresentado o presente pedido de pronúncia arbitral relativo à liquidação de IRC do exercício de 2017.

 

4.2. Factos não provados

Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

 

4.3. Motivação da matéria de facto

Considerando o disposto nos artigos 596.º, n.º 1 e 607.º, n.os 2 a 4, ambos do Código de Processo Civil (por remissão do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT), incumbe ao Tribunal o dever de selecionar a matéria de facto pertinente para a decisão judicativa, tomando em consideração a causa de pedir que sustenta a pretensão dos Requerentes.

No caso sub judice, a decisão sobre os factos provados e não provados radicou, segundo o princípio da livre apreciação da prova, no acervo documental presente nos autos, tanto com o requerimento de pronúncia arbitral, como, posteriormente, com o Processo Administrativo, organizado nos termos do artigo 111.º do CPPT, e junto com a Resposta da Requerida.

Para além disso, a decisão da matéria de facto baseou-se no alegado pelos Requerentes que não foi questionado ou controvertido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, aqui Requerida.

 

5. Matéria de direito

5.1. Enquadramento da questão decidenda e posições das Partes

A quaestio decidendi contende com o problema de saber se os benefícios fiscais apurados no âmbito e nos termos do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (“SIFIDE”) são, ou não, dedutíveis à coleta das tributações autónomas, em sede de IRC, relativas ao exercício de 2017.

No sentido da referida dedutibilidade, a Requerente espraia o seu entendimento num tríptico argumentativo, pugnando, em primeiro lugar, pela aplicação do regime ínsito no artigo 90.º do CIRC (incluindo do n.º 2) à coleta resultante das tributações autónomas – nesta sede, a Requerente considera que “que o imposto liquidado com base nas tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC”, “irreleva[ndo] a circunstância de a coleta do IRC stricto sensu ser apurada nos termos do artigo 90.º e a das tributações autónomas nos termos do artigo 88.º do CIRC, uma vez que este último preceito não define qualquer mecanismo de liquidação do imposto”, daí concluindo que “o artigo 90.º do CIRC se refere às formas de liquidação do IRC, quer pelo sujeito passivo quer pela Autoridade Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no CIRC, incluindo tributações autónomas, não vigorando no exercício de 2017 disposição que preveja termos distintos para a sua liquidação” –, em segundo lugar, invoca a teleologia imanente à criação do SIFIDE II – com base na qual considera “inexist[ir] fundamento legal para afastar a dedutibilidade do benefício fiscal relativo ao SIFIDE II à coleta das tributações autónomas decorrente dos artigos 36.º, n.º 1, do Código Fiscal do Investimento (republicado pelo Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de junho) e 38.º, n.º 1, do novo Código Fiscal do Investimento (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro)” –, e, por último, considera ainda inaplicável o “artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, na redação do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março e, bem assim, na redação do artigo 233.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro” – arrazoando no sentido de que a referida disposição não prejudica a aplicação de regime especial, e que a atribuição de natureza interpretativa à alteração do disposto no artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, viola o princípio da proibição de retroatividade da lei fiscal, previsto no artigo 103.º, n.º 3, da norma normarum.

Em sentido oposto, a Requerida considera “que as normas que regulam a dedução dos benefícios fiscais ao investimento, incluindo o SIFIDE II, integram-se pelo modo como operam e pelas finalidades adstritas aos benefícios, na estrutura do regime-regra do IRC, pelo que não são conciliáveis com a ratio legis das tributações autónomas, nem com os respetivos factos geradores, e a prova é que o próprio legislador teve o cuidado de marcar essa linha divisória no artigo 3.º/5-a), da Lei 49/2013”, sublinhando, et pour cause, ser “manifesto o caráter autónomo destas tributações, decorrente da especial configuração dada aos aspetos material e temporal dos factos geradores, os quais impõem, em determinados domínios, o afastamento ou uma adaptação das regras gerais de aplicação do IRC”, de modo a concluir que  “os objetivos e a filosofia que estão subjacentes aos benefícios fiscais ao investimento e, em concreto, ao SIFIDE, são adulterados ao admitir que o crédito de imposto seja exercido por dedução às coletas das tributações autónomas”. Por fim, quanto à questão relativa à natureza interpretativa do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, a Requerida pugna pela inexistência de qualquer vício considerando a ausência de carácter inovador do disposto no artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, uma vez que este “limita-se a fixar um entendimento que já tinha apoio na letra e na ratio da lei”.

 

5.2. Enquadramento legal

Considerando o teor da argumentação das partes e as excogitações jurídicas que importa desenvolver em torno da questão decidenda, tem-se por proveitoso apresentar os critérios jurídico-legais que, a partir do caso, são convocados para o presente juízo decisório.

Nestes termos, à data dos factos tributários, o artigo 88.º, n.º 21, do Código do IRC, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, estabelecia que: “[A] liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem dos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado”. Esta norma foi posteriormente alterada, por mor da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, tendo passado a dispor que “[A] liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem dos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado, ainda que estas deduções resultem de legislação especial”. Relativamente a estes preceitos, importa sublinhar que o legislador atribuiu natureza interpretativa a ambas as redações, como resulta do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016 e do artigo 233.º da Lei n.º 114/2017.

Por seu turno, os artigos 89.º e 90.º do Código do IRC, também na redação vigente a 31 de dezembro de 2017, dispunham:

“Artigo 89.º

Competência para a liquidação

A liquidação do IRC é efetuada:

a) Pelo próprio sujeito passivo, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º;

b) Pela Direcção-Geral dos Impostos, nos restantes casos”.

“Artigo 90.º

Procedimento e forma de liquidação

1 — A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria coletável que delas conste;

b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efetuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada;

c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.

2 — Ao montante apurado nos termos do número anterior são efetuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

a) A correspondente à dupla tributação jurídica internacional;

b) A correspondente à dupla tributação económica internacional;

c) A relativa a benefícios fiscais;

d) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;

e) A relativa a retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.

3 — (Revogado).

4 — Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efetuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.

5 — As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respetivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.

6 — Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.

7 —  (Revogado).

8 — Relativamente aos sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado de determinação da matéria coletável, ao montante apurado nos termos do n.º 1 apenas são de efetuar as deduções previstas nas alíneas a) e e) do n.º 2.

9 — Das deduções efetuadas nos termos das alíneas a) a d) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.

 10 — Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efetuadas nos termos dos nºs 2 a 4.  

11 — Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efetuadas anualmente liquidações com base na matéria coletável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria coletável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.

12 — A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas”.

 

No que concerne ao Sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II), o mesmo foi aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, sendo posteriormente positivado no Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 44/2014, de 11 de julho. No artigo 4.º da referida norma da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, dispõe-se que “[o]s  sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal ou não, uma atividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação de 1 de janeiro de 2011 a 31 de dezembro de 2015, numa dupla percentagem: a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período; b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000”. No Código Fiscal do Investimento, a matéria viria a constar do artigo 38.º, no qual se relevam, para efeitos da dedução fiscal, as despesas realizadas nos períodos de tributação “com início 1 de janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2020”. De acordo com os n.os 3 e 4 desse preceito, a “ dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior” [n.º 3] e as “despesas que, por insuficiência de coleta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao oitavo exercício seguinte” [n.º 4].

 

5.3. Fundamentos de direito

A questão sub iudicio – recorde-se: de saber se os benefícios fiscais apurados no âmbito e nos termos do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (“SIFIDE”) são, ou não, dedutíveis à coleta das tributações autónomas, em sede de IRC – tem sido objeto de um vasto, prolixo e controvertido tratamento dogmático na jurisprudência deste CAAD – v.g. nos processos n.os 697/2014-T, 722/2015-T, 727/2015-T, 752/2015-T, 785/2015-T, 302/2016-T, 443/2016-T, 575/2016-T, 605/2016-T, 629/2016-T, 638/2016-T, 66/2017-T, 192/2017-T, 203/2017-T, 241/2017-T, 473/2017-T, 542/2017-T, 9/2018-T, 41/2018, 110/2018-T, 111/2018-T, 242/2018-T, 363/2018-T, 402/2018-T, 406/2018-T, 569/2018-T, 609/2018-T, 615/2018-T, 649/2018-T, 652/2018-T, 28/2019-T, 108/2019-T, 247/2019-T, 388/2019-T, este tribunal pronunciou-se no sentido da inadmissibilidade daquela dedução, ao passo que, nos processos n.os 219/2015-T, 784/2015-T, 5/2016-T, 31/2016-T, 326/2016-T, 360/2016-T,  456/2016-T, 530/2016-T, 536/2016-T, 578/2016-T, 630/2016-T, 672/2016-T, 679/2016-T, 59/2017-T, 60/2017-T, 61/2017-T, 65/2017-T,  99/2017-T, 193/2017-T, 216/2017-T, 385/2017-T, 428/2017-T, 433/2017-T, 474/2017-T, 490/2017-T, 576/2017-T, 626/2017-T, 45/2018-T, 124/2018-T,  312/2018-T, 319/2018-T, 407/2018-T, 440/2018-T, 457/2018-T, 497/2018-T, 661/2018-T,  decidiu, em sentido inverso, admitindo a dedução à coleta das tributações autónomas.

Pretendendo, indubitavelmente, extinguir ex radice, a assinalada dissonância interpretativa, o legislador aditou ao artigo 88.º do CIRC, por mor da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, o n.º 21, onde estipulou que a “liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem dos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado”, tendo atribuído natureza interpretativa a este preceito, conforme determinado pelo artigo 135.º daquela lei.

Sobre a constitucionalidade dessa norma, viria o Tribunal Constitucional a pronunciar-se através do acórdão n.º 267/2017, de 31 de maio de 2017 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), no qual se decidiu “julgar inconstitucional, por violação da proibição de criação de impostos com natureza retroativa estatuída no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, a norma do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, na parte em que, por efeito do caráter meramente interpretativo que lhe atribui, determina que a norma do artigo 88.º, n.º 21, 2.ª parte, do Código do IRC – número esse aditado pelo artigo 133.º da citada Lei – segundo a qual, ao montante global resultante das tributações autónomas liquidadas num dado ano em sede de IRC, não podem ser deduzidos os valores pagos a título de pagamento especial por conta nesse mesmo ano, se aplique aos anos fiscais anteriores a 2016” (v. sobre o aresto, NUNO M. MORUJÃO, «Comentário ao Acórdão 267/2017 do Tribunal Constitucional (Sobre Leis interpretativas no Direito Fiscal substantivo», in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano X, 2018, pp. 193 e ss.). Deste juízo, reiterado no Tribunal Constitucional, pela decisão sumária n.º 11/2018 e pelo Acórdão da conferência da 3.ª secção, que sobre ela recaiu (Acórdão n.º 107/2018, de 22 de fevereiro de 2018), dissidiu o Acórdão n.º 49/2020, de 16 de janeiro de 2020, que, por sua vez, considerando que “a questão da dedutibilidade dos benefícios fiscais à coleta de IRC proveniente das tributações autónomas continua a ser tratada desigualmente, consoante a interpretação da lei anterior perfilhada pelos árbitros que forem designados ou escolhidos para constituir o tribunal arbitral” e que “enquanto nos tribunais arbitrais se mantiver a discrepância jurisprudencial e não for constituído um critério jurídico que possa manifestar-se através de «corrente jurisprudencial», não é possível afirmar a existência de uma situação de confiança dos atingidos pelo aditamento que a LOE 2016 fez ao artigo 88.º do CIRC, ao acrescentar-lhe o n.º 21, com caráter interpretativo”, decidiu “não julgar inconstitucional o segmento normativo do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que atribui natureza interpretativa ao artigo 133.º do mesmo diploma, na parte em que vem aditar o número 21 ao artigo 88.º do Código do IRC, fixando o sentido de que ao montante global resultante das tributações autónomas liquidadas em sede de IRC não pode ser deduzido o benefício fiscal apurado a título de SIFIDE nos exercícios fiscais anteriores a 2016”.

Ora, se, por um lado, pode afirmar-se que esta controvérsia, claramente ilustrada nos arestos supra citados, perde parte do seu sentido por força da consideração do arco temporal de vigência da norma do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, face aos factos tributários subsequentes à sua entrada em vigor no ordenamento jurídico, também não é menos verdade que, relativamente às deduções à coleta referentes a IRC dos exercícios de 2016 e 2017, o coeficiente de vetustez da problemática deve considerar-se diminuto face à redação dada ao artigo 88.º, n.º 21, do Código do IRC, pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro – “[A] liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem dos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado, ainda que estas deduções resultem de legislação especial” – à qual o artigo 233.º da Lei n.º 114/2017 atribuiu, também, natureza interpretativa.

No concreto caso decidendo, como se relatou, está em causa a legalidade das deduções à coleta de tributações autónomas cujos factos tributários ocorreram no período de tributação de 2017, estando, portanto, já prospectivamente em vigor o artigo 88.º, n.º 21, do Código do IRC, pelo que carece de sentido, pelo menos quanto à redação que lhe foi dada em 2016, equacionar a sua bondade, ex vi constitutionis, perante a proibição expressa de retroatividade fiscal ou, mais amplamente, à luz do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança ínsito no princípio do Estado de direito, consagrado no artigo 2.º da norma normarum.

Nessa ótica, e pelo menos num primeiro patamar, a questão há-de ser resolvida na prudencial ponderação do sentido jurídico-normativo dos criteria interferentes perante o problema jurídico concreto.

Tendo em consideração que o regime legal do SIFIDE prevê que os sujeitos passivos possam deduzir ao montante da coleta do IRC, apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º, do Código do IRC, o valor correspondente a determinadas percentagens de despesas com investigação e desenvolvimento, importa começar por apurar se, para esse efeito, a coleta nascida por força das tributações autónomas pode, ou não, ser considerada como coleta de IRC, ou, mutatis mutandis, se as regras previstas no artigo 90.º são aplicáveis em sede de tributações autónomas.

Como decorre de argumentação já preteritamente expendida neste Tribunal, apesar de se entender como “materialmente distinta” a “tributação em sede das tributações autónomas que ora nos ocupam, da que ocorre em sede de IRC tout court (sendo uma através de um facto instantâneo e outra através de um facto continuado)”, não pode deixar-se de relevar, “contudo[,] que tais tributações autónomas, incidentes sobre encargos dedutíveis, ocorrem ainda no âmbito e a título de IRC (…) apesar de poderem ter por base factos instantâneos, são liquidadas e pagas a título de IRC, integrando o regime deste imposto. Entende-se, assim e em suma, que uma coisa é o tipo de facto tributário que está na base de determinada imposição. Outra coisa é o título a que tal imposição é devida, no fundo, a causa da obrigação de imposto. E no caso das tributações autónomas em sede de IRC, essa causa, o título a que o imposto é exigido, será, ainda, o IRC” – neste sentido, v. decisões tiradas nos processos n.os 94/2014-T e 457/2018-T. O que vale por dizer, tal como se afirmou no citado Acórdão n.º 267/2017, do Tribunal Constitucional, que “a autonomia da tributação em apreço quanto à sua base de incidência, quanto às taxas aplicáveis e até quanto ao momento de pagamento, só por si, não determina – nem lógica nem juridicamente – a irrelevância da coleta obtida com as tributações autónomas no âmbito do apuramento da coleta do próprio IRC – questão regulada, em geral, no artigo 90.º, n.º 1, do CIRC –, nomeadamente quanto à integração daquela nesta última”, não sendo esta proposição abalada pela observação de Casalta Nabais ao reconhecer que com o “andar do tempo, a função dessas tributações autónomas, que entretanto se diversificaram extraordinariamente e aumentaram de valor, alterou-se profundamente passando a ser progressivamente a de obter (mais) receitas fiscais, assumindo-se, assim, como efetivos impostos sobre a despesa, se bem que enxertados, em termos totalmente anómalos, na tributação do rendimento das empresas” (JOSÉ CASALTA NABAIS, «Investir e tributar no atual sistema fiscal português», in AA. VV., O Memorando da Troika e as Empresas, Colóquios do IDET, n.º 5, 2012, p. 27.). Em consequência, e como também vai assumido no processo n.º 661/2018-T, “é hoje pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral e das posições assumidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC”, não havendo razão para colocar à margem dessa imposição autónoma as disposições do Capítulo V (artigos 89.º e ss.) do Código do IRC.

Se assim se discorria, teleonomologicamente, no silêncio legislativo, também não é menos acertado concluir-se, como no acórdão arbitral tirado no processo n.º 661/2018-T, que «a nova norma do n.º 21 aditada ao artigo 88.º do CIRC pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (…), em nada altera esta conclusão, pois aí se estabelece, no que concerne à forma de liquidação das tributações autónomas, que ela “é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores”. Com efeito, se é certo que esta nova norma vem explicitar como é que se calculam os montantes das tributações autónomas (o que já decorria do próprio texto das várias disposições do artigo 88.º) e que a competência cabe ao sujeito passivo ou à Administração Tributária, nos termos do artigo 89.º, é também claro que não se afasta a necessidade de utilizar o procedimento previsto no n.º 1 do artigo 90.º, designadamente nos casos previstos na sua alínea c) em que a liquidação cabe à Administração Tributária e Aduaneira, com “base os elementos de que a administração fiscal disponha”, que abrangerão a possibilidade de liquidar com base em tributações autónomas, se a Autoridade Tributária e Aduaneira dispuser de elementos que comprovem os seus pressupostos».

Porém, já no concernente à admissibilidade das deduções à coleta de IRC decorrente das tributações autónomas, o artigo 88.º, n.º 21, vem, claramente, estabelecer a regra, até aí inexistente, de inadmissibilidade legal da realização de quaisquer deduções ao montante global das tributações autónomas, ou seja, ao valor da coleta resultante da aplicação da taxa de imposto à respetiva matéria tributável. Ou seja, tendo o legislador criado um regime específico que impossibilita qualquer dedução à coleta de IRC decorrente das tributações autónomas, fica afastada, ope legis, a realização daquelas deduções, como as previstas no artigo 90.º, n.º 2, do Código do IRC. Interpretação diversa traduzir-se-ia numa fratura sistemática (inter legem) e revogatória (intra legem) de um regime prescritivo especificamente introduzido no domínio das tributações autónomas e que passou a conformar a disciplina dessas figuras. Assim, para além da autonomia pretérita em matéria de incidência e taxas, com o regime plasmado no artigo 88.º, n.º 21, do Código do IRC, também a matéria das deduções à coleta passou a conhecer uma regulamentação específica e autónoma da que se encontra disciplinada no artigo 90.º, n.º 2, desse diploma. Pelo exposto, considera-se improcedente a argumentação expendida pela Requerente, não se vislumbrando, et pour cause, qualquer razão para considerar-se violado o artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, porquanto, como se viu, a própria inadmissibilidade das deduções à coleta tem manifesto apoio legislativo.

Chegados a este ponto, subsistem, no entanto, dois outros nódulos problemáticos, ainda que implicados entre si, que importa considerar: por um lado, a natureza de legis specialis do regime de benefícios fiscais do SIFIDE e, por outro, mas concomitantemente, a questão relacionada com a nova redação dada pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, que afasta a possibilidade das referidas deduções ao montante global das tributações autónomas “ainda que estas resultem de legislação especial”,  a que o artigo 233.º do diploma legislativo conferiu “natureza interpretativa”.

Quanto ao primeiro ponto, está em causa o princípio segundo o qual lex posterior generalis non derogat priori specialis, acolhido no artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil, porquanto, como referido no artigo 77.º do requerimento de pronúncia arbitral, «no que respeita à redação conferida ao artigo 88.º, n.º 21, do CIRC pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (Lei do Orçamento do Estado para 2016), entende a Requerente não ser a mesma aplicável à situação em presença por força do regime ínsito no artigo 7.º, n.º 3, do CC, de cujo conteúdo resulta: “A lei geral não revoga a lei especial, exceto se outra for a intenção inequívoca do legislador”».

Não obstante o artigo 7.º se reportar à cessação da vigência da lei, deve considerar-se que o referido princípio não deixa de constituir um arrimo dogmático que o cânone metodológico do legislador coloca à disposição do intérprete na determinação do sentido jurídico-normativo dos preceitos legais, sendo mobilizável in casu (v. artigo 11.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária).

Ora, na altura em que a disposição do n.º 21 do artigo 88.º foi introduzida, era bem conhecida da administração tributária, dos operadores jurídicos e do próprio legislador o entendimento de os sujeitos passivos poderem deduzir, ao montante da coleta de IRC decorrente das tributações autónomas, o valor correspondente a determinadas percentagens de despesas com investigação e desenvolvimento, no âmbito do SIFIDE. A questão, à data, já havia sido equacionada em sede de reclamação graciosa obrigatória perante a administração e também já neste CAAD deram entrada diversos processos, alguns dos quais com decisão prolatada antes da alteração legislativa, sendo, então, já notória a divergência da jurisprudência e do entendimento dogmático sobre essa questão, o que sinaliza, conjuntamente com o teor textual da norma, particular intenção legiferante quanto ao espectro regulatório alcançado pela norma. Não se olvida nem obnubila que, para além do referido problema, também a questão relativa à admissibilidade da dedução à coleta das tributações autónomas de IRC dos valores do pagamento especial por conta era do conhecimento do legislador. Porém, neste caso, o problema aparecia à comunidade jurídica desprovido do grau de intensidade e de controvérsia que enformava, à data, a questão anteriormente referida, e, por outro lado, a taxatividade da norma, ao vedar “qualquer dedução”, no contexto assinalado, sempre afastaria a sua interpretação restritiva à boleia do argumento de que o legislador havia dito mais do que teria pretendido dizer.

Para além do referido, importa reter que também o regime posteriormente aposto no artigo 88.º, n.º 21, do Código do IRC, consubstancia, em termos materiais, um regime especial e verdadeiramente autónomo face ao disposto no artigo 90.º, n.º 2, do Código do IRC, não sendo essa característica enfraquecida pelo enxerto num diploma de âmbito geral, outrossim reforçada pela intencional motivação de subtrair à aplicação do regime geral a dedutibilidade de quaisquer valores à coleta do IRC das tributações autónomas. Também por esse motivo, no plano da interpretação jurídica, perde sentido referencial a aplicação do disposto no artigo 7.º, n.º 3, com o sentido pressuposto pela Requerente.

Quanto ao segundo ponto, a questão central equacionada nos autos contende com a “aplicação retroativa” do artigo 88.º, n.º 21, do Código do IRC, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, a que o artigo 233.º atribuiu natureza interpretativa, e a sua compatibilidade com a injunção constitucional, “entende[endo] a Requerente padecer de inconstitucionalidade a atribuição de natureza interpretativa a tal alteração legislativa, consubstanciando a mesma uma inequívoca violação do princípio da irretroatividade previsto no artigo 103.º, n.º 3, da CRP”.

Relativamente a esta matéria, cumpre começar por assinalar, a título propedêutico, a crescente mobilização legiferante, no âmbito dogmático circunstancialmente em causa, de normas atributivas de “natureza interpretativa” – uma “meta-norma para considerar interpretativa uma certa norma”, no sentido lapidarmente referido por VICTOR CALVETE, O bom, o mau e o vilão – interpretação autêntica, “interpretação autêntica de 2.º grau e a jurisprudência fiscal”, Coimbra, 2019, p. 36 –  a outros preceitos legais. Essa linha tendencial, com expressão quantificada – v. VICTOR CALVETE, op.cit., pp. 11-12, onde o Autor refere, quantitativamente, que “nas últimas 22 Leis do Orçamento do Estado (as das LOE de 1998, ano subsequente ao da proibição constitucional de retroatividade fiscal – a 2019), só em 8 (as de 2001, de 2007 a 2010, de 2015, de 2017 e de 2019), ou seja, em pouco mais de 1/3) não houve normas expressamente consideradas interpretativas em matéria fiscal” –, vem sendo qualificada doutrinalmente “como uma verdadeira manobra para tentar passar ao lado da proibição de impostos retroativos constante do n.º 3 do art. 103.º da Constituição, uma vez que estamos perante normas inteiramente inovadoras [LOE/2016] e, por conseguinte, sem qualquer natureza interpretativa” – v. JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 11.ª ed., 2019, p. 214, e, especificamente sobre o tema, do mesmo Autor, «Notas a respeito das leis interpretativas e impostos retroativos», in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 147.º, 4008, p. 140.

Neste quadro, tendo em conta a proposição metodológica do artigo 13.º do Código Civil e a proibição constitucional de impostos retroativos, caberá ao “aplicador judicial das normas interpretadas (…) a possibilidade de escrutinar as normas formal ou materialmente interpretativas para certificar que elas não contrabandeiam efeitos retroativos inadmissíveis” – a expressão é de VICTOR CALVETE, op.cit., p.130.

Ora, não sendo aqui de tratar das aporias de carácter metodológico que possam ir implicadas pelo instituto da “interpretação autêntica” – v. A. CASTANHEIRA NEVES, O Instituto dos “Assentos” e a função jurídica dos Supremos Tribunais, separata da Revista de Legislação e Jurisprudência, 1983, pp. 340 e ss. –, sempre se deverá excogitar, o crivo da compatibilidade jusfundamental das normas de natureza interpretativa, principaliter, à luz dos efeitos introduzidos no ordenamento jurídico pela norma interpretativa. Todavia, essa preocupação deve objeto de uma ponderação prudencial em face do problema de modo a discernir se o conteúdo fixado pela “nova” lei é, ou não, comportado pelo sentido jurídico-normativo do preceito pretérito, ou seja, está em causa a questão de saber se a lei “interpretativa”, por referência à lei “interpretada” pode ser material – e não apenas formalmente – assimilada ou integrada por esta, o que, por seu turno, se traduz num juízo de inexistência ou existência de um conteúdo legiferante inovador.

A identificação da natureza materialmente interpretativa, na ausência de requisitos positivados, tem partido, tanto na jurisprudência dogmática como na jurisprudência judicial, da identificação de dois requisitos, assim identificados por Casalta Nabais: “que a solução da lei anterior se revele controvertida ou pelo menos incerta de modo a que comporte mais de um sentido; e que a solução defendida pela lei nova se situe dentro dos quadros da controvérsia ou das incertezas referidas e se apresente como uma das interpretações a que o intérprete ou o julgador pudessem chegar dentro dos limites normalmente impostos à interpretação e aplicação das normas jurídicas. Pois se o intérprete ou o julgador, em face da lei antiga, não poderiam considerar-se autorizados a adotar a solução que a lei nova veio consagrar, então esta não pode deixar de ter-se por inovadora” – v.  JOSÉ CASALTA NABAIS, «Notas a respeito das leis interpretativas e impostos retroativos», in Revista de Legislação e Jurisprudência, cit. p. 145, que retoma, no excerto, a Lição de J. Baptista Machado. Sendo a interpretação jurídica um ponto de chegada e não um ponto de partida (afastado que está o entendimento de que in claris non fit interpretativo), dir-se-á que esses dois requisitos vão aqui explicitados, como faces de uma moeda, como correspondendo à exigência de uma finalidade fundamentante – a intenção materialmente interpretativa a que se referia A. CASTANHEIRA NEVES (op. cit., p. 340) – e à assimilação, por concretização, do resultado normativo, dentro dos limites metodológicos, ou seja, num sentido paralelo, a “ausência de novidade”, aferida face ao resultado interpretativo. Acrescendo que essa ponderação, seja por força da sistemática inclusão do princípio da proibição de impostos retroativos (v. JORGE BACELAR GOUVEIA, «A proibição da retroatividade da norma fiscal na Constituição Portuguesa», in Aa. Vv., Problemas fundamentais do direito tributário, 1999, p. 55), seja por força das dúvidas da razão prática quanto à “boa-fé do legislador da lei interpretativa” (VICTOR CALVETE, op.cit., p.13), deve ser iluminada pelo cânone de uma odiosa e restrigenda aplicação dos sobreditos requisitos.

Ora, in casu, como o ponto anteriormente considerado não deixa de antecipar, o que se verifica na relação entre a lei interpretada e a lei interpretativa não sai fora da esfera de um resultado interpretativo admitido, independentemente da “nova” formulação, ou dito de outro modo, e concretizando a relação dialética entre os preceitos  num juízo de assimilação normativa, bem se poderia concluir que a “relevância material da norma [interpretada] oferece um quadro de possível consideração da relevância material” do âmbito problemático definido pela norma interpretativa (v. A. CASTANHEIRA NEVES, Metodologia Jurídica – Problemas fundamentais, 1993, pp. 176-177).

Nessa medida, inexiste, na redação dada pela Lei n.º 114/2017, quanto à concretização do sentido da norma interpretada, qualquer conteúdo que deva ter-se por exorbitante, incompreendido, apartado ou, em fim, inovador face ao sentido jurídico-normativo com que, com anterioridade, se delimitaria o resultado interpretativo de inclusão. A mera concretização de uma norma através da explicitação de um sentido nela manifestamente compreendido, afasta, et pour cause, violação da proibição de retroatividade fiscal, não sendo inconstitucional, à luz do parâmetro contido no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, a norma do artigo 88.º, n.º 21, na redação que lhe foi dada pela Lei do Orçamento de Estado para 2018.

Por fim, alega, ainda, a Requerente a “inconstitucionalidade do Despacho n.º 984/2018, de 26 de janeiro de 2018, por preterição dos artigos 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i), e 112.º, n.º 5, da CRP”, por considerar que a “impossibilidade de dedução à coleta das tributações autónomas de benefícios fiscais (designadamente, do SIFIDE II), imposta pelo Despacho n.º 984/2018, de 26 de janeiro de 2018 (no que concerne ao exercício de 2017), não pode deixar de ser vista como um meio de determinação da incidência tributária em sede de IRC”, pelo que, em consequência, no seu entendimento, estaria a ser disciplinado um elemento essencial dos impostos pela via regulamentar, o que afrontaria o princípio da legalidade fiscal.

A consideração desse vício parte, porém, de um pressuposto errado, qual seja o de considerar que se está perante “um regulamento administrativo que fixa regras (derrogatórias) relativas ao campo de incidência tributária em sede de IRC”. Com efeito, importa recordar que o referido despacho se limita a aprovar as alterações da declaração periódica de rendimentos Modelo 22, respetivos anexos e instruções de preenchimento, não disciplinando qualquer matéria relativa à criação de impostos ou à conformação dos seus elementos essenciais. Acresce, ainda, que o referido despacho é aprovado, precisamente, nos termos da lei, porquanto, de acordo com o disposto no artigo 117.º, n.º 2, do Código do IRC, as declarações fiscais em sede de IRC –  entre as quais figura a “declaração periódica de rendimentos” (alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º) – são “de modelo oficial, aprovado por despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças, devendo ser-lhes juntos, fazendo delas parte integrante, os documentos e os anexos que para o efeito sejam mencionados no referido modelo oficial”, não sendo constitucionalmente vedado que o legislador possa remeter, como sucede amiúde, para norma regulamentar a disciplina de plúrimas vicissitudes da vida dos impostos, mesmo que atinentes a elementos essenciais (v.g. a fixação da taxa do IMI ou do ISP, dentro dos limites legais – v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 70/2004), não sendo sequer esse o caso do despacho que a Requerente coloca em crise, conquanto o mesmo apenas contende com uma dimensão instrumental da liquidação, que deve ser feita nos termos da lei, para a qual existe, ademais, legislação habilitante.

Trata-se, em suma, de uma questão manifestamente improcedente.

 

6. Decisão

Destarte, atento o exposto, este Tribunal Arbitral decide:

a) julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação da autoliquidação de IRC, no valor de € 16.464,57; e, em consequência, manter a decisão de indeferimento da reclamação graciosa;

b)   julgar improcedente o pedido de reembolso do montante de IRC, respeitante ao exercício de 2017, acrescido de juros indemnizatórios, pedido este que se encontra prejudicado pela improcedência do pedido arbitral, absolvendo-se, consequentemente, a Requerida do respetivo pedido;

c) condenar a Requerente nas custas processuais infra determinadas.

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 16.464,57.

 

8. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Coimbra, 17 de fevereiro de 2020,

 

O Árbitro,

(João Pedro Rodrigues)