Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 22/2017-T
Data da decisão: 2018-12-07  IVA  
Valor do pedido: € 68.233,76
Tema: IVA – Regularização – Insolvência do devedor – Reenvio Prejudicial.
REENVIO PREJUDICIAL   Versão em PDF
 

Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

          Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. A. Sérgio de Matos e Dr.ª Ana Teixeira de Sousa (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 07-09-2017, acordam no seguinte:

 

         

          1. Relatório

A..., S.A., titular do número de identificação fiscal ..., com sede na ..., Lugar ..., ..., (doravante designada como «Requerente»), veio, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou ”RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral visando a declaração de ilegalidade da liquidação oficiosa de IVA n.º..., de 02-09-2014, referente ao período de Julho de 2010, no valor de € 59.017,35 e da liquidação de juros compensatórios n.º..., de 02-09-2014, no valor de € 9.216,41, bem como reembolso da quantia paga acrescido de juros indemnizatórios.

            A Requerente pede ainda a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da Recurso hierárquico apresentado na sequência da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, no âmbito do processo n.º ...2015... .

            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

Foi requerida a constituição de Tribunal Arbitral Singular, sendo posteriormente constatado que o valor causa impõe a intervenção de Tribunal Colectivo, o que levou a que o Senhor Presidente do Conselho Deontológico nomeasse árbitros os signatários, que comunicaram aceitação no prazo legal.

Em 21-08-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 07-09-2017.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 08-09-2017 foi dispensada reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

A Requerente não apresentou alegações e a Administração Tributária e Aduaneira veio remeter para o que havia dito na sua Resposta.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, e é competente.

Por acórdão de 16-11-2017 foi decidido suspender a instância e efectuar reenvio prejudicial para o TJUE, em que foram colocadas as seguintes questões:

 

  1. O princípio da neutralidade e o artigo 90.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, opõem-se a uma legislação nacional como a que consta do artigo 78.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, interpretada com o alcance de não ser permitida a regularização do imposto, nos casos de não pagamento, antes de ser efectuada comunicação da anulação do imposto ao adquirente do bem ou serviço, que seja sujeito passivo do imposto, para efeitos de rectificação da dedução inicialmente efectuada?
  2. Em caso afirmativo, o princípio da neutralidade e o artigo 90.º da Directiva n.º 2006/112/CE, opõem-se a uma legislação nacional como a que consta do artigo 78.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, interpretada no sentido de não ser permitida a regularização do imposto, nos casos de não pagamento, quando a comunicação da anulação do imposto ao adquirente do bem ou serviço, que seja sujeito passivo do imposto, não é feita até ao termo do prazo previsto para a dedução do imposto, no artigo 98.º, n.º 2, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado?

 

Por acórdão de 06-12-2018, o TJUE pronunciou-se declarando:

 

O princípio da neutralidade e os artigos 90.° e 273.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que prevê que a redução do valor tributável do imposto sobre o valor acrescentado (IVA), em caso de não pagamento, não pode ser efetuada pelo sujeito passivo enquanto este não tiver previamente comunicado a sua intenção de anular uma parte ou a totalidade do IVA ao adquirente do bem ou serviço, que seja sujeito passivo do imposto, para efeitos de retificação da dedução do montante de IVA que este pôde efetuar.

 

Por despacho de 06-12-2018 foi decidido cessar a suspensão da instância, prosseguindo o processo para decisão final.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente tem por objeto a exploração e gestão dos serviços públicos municipais de drenagem, depuração e destino final de águas residuais do Sistema Integrado de Despoluição do ...(SID...);
  2.  A Requerente é um sujeito passivo de IVA, não isento, enquadrado no regime normal, com obrigação de proceder mensalmente à apresentação da declaração periódica de IVA.;
  3.  No âmbito da sua atividade, a Requerente presta serviços a entidades públicas e privadas;
  4. Em 2010, após análise de créditos em mora, a Requerente apurou que o montante de € 1.192.902,69 – IVA incluído - era devido por entidades privadas insolventes, conforme o seguinte quadro:

  1. Estes montantes reportavam-se a serviços prestados pela Requerente àquelas entidades e que foram facturados àquelas entidades;
  2.  As facturas não foram pagas e a Requerente suportou o valor do IVA por si liquidado;
  3.  Em Agosto de 2010, a Requerente submeteu a declaração periódica de IVA referente ao período de Julho de 2010, onde regularizou o IVA acima identificado, no montante de € 59.017,35, a seu favor;
  4. Em 21-03-2014 os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ... iniciaram uma inspeção tributária parcial (IRC) ao período de tributação de 2010 da Requerente, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2014...;
  5. Em 08-05-2014, o âmbito da inspeção passou a ser geral;
  6. A 07-08-2014, a Requerente foi notificada do Relatório Final de Inspeção que consta do Processo Administrativo Tributário, cujo teor se dá como reproduzido; (páginas 162 e seguintes do ficheiro denominado “Reclamação Graciosa A... 2.pdf”) em que se refere, além do mais, o seguinte:

 

2 Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA)

2.1 IVA de créditos incobráveis

      No ano de 2010, mais concretamente no período de IVA 2010/07, 0 Sujeito Passivo regularizou IVA a seu favor, com base em créditos considerados incobráveis em processos de insolvência, no montante de 59.017,35 EUR, conforme montante inscrito no campo 40 de Declaração Periódica de IVA do período referido (Anexo: Ficheiro 24.pdf -folha 1).

      De acordo com os elementos consultados (exibidos e recolhidos), o IVA regularizado respeita às seguintes entidades:

      (i) B..., SA (NIF/NIPC...), no montante de 14.989,22 EUR;

      (ii)C..., LDA (NIF/NIPC ...), no montante de 5.278,88 EUR;

      (iii)D..., LDA (NIF/NIPC...), no montante de 1.345,03 EUR;

      (iv)E..., LDA (NIF/NIPC ...), no montante 3.519,56 EUR;

      (v)F..., SA (NIF/NIPC ...), no montante de 41,19 EUR;

      (vi)G..., LDA (NIF/NIPC...), no montante de 14.099,93 EUR;

      (vii)H..., SA. (NIF/NIPC 501233326), no montante de 12.479,58 EUR;

      (viii)I..., LDA, no montante de 7.253,97 EUR.

 

      Nos termos da alínea b) do n.º 7 do artigo 78.º do Código do IVA, o Sujeito Passivo pode deduzir o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis em processo de insolvência quando a mesma seja decretada.

      O prazo para a regularização do imposto relativo a esses créditos é de quatro anos, a contar do trânsito em julgado da sentença de insolvência, por força do artigo 94.º e n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA.

      Por força do disposto no n.º 11 do artigo 78.º do Código do IVA, e indispensável comunicar a regularização do imposto ao adquirente dos bens ou serviços (a comunicação é feita ao(s) representante(s) que, no caso de insolvência, será o Administrador da insolvência), para efeito de retificação da dedução inicialmente efectuada.

      Acontece que, em relação aos créditos sobre os clientes identificados acima, não foi cumprido o requisito referido no parágrafo anterior, ou seja, não foi comunicada a regularização do imposto (IVA) aos adquirentes.

      Para provar os requisitos previstos na alínea b) do n.º 7 do artigo do artigo 78.º, do Código do IVA, o Sujeito Passivo deverá ainda ter na sua posse a certidão do tribunal, que comprove que a sentença de insolvência transitou em julgado, uma vez que só assim ela se torna definitiva, bem como a prova de ter reclamado os créditos e/ou a respetiva quantia reconhecida. Dos documentos consultados (exibidos e recolhidos) verificou-se que essa certidão não foi requerida e que nenhum dos documentos exibidos refere, ou prova, que os créditos tenham sido sequer reclamados e/ou reconhecidos. Decorre de tudo o que acima se referiu que foi indevidamente deduzido (regularizado) IVA, com base em créditos incobráveis, no ano de 2010, mais concretamente no período de IVA 2010/07, no montante de 59.017,35 EUR.

      Resulta do exposto uma correção ao imposto em sede de IVA, no período de IVA 2010/07, no montante de 59.017,35 EUR, desfavorável ao Sujeito Passivo.

 

  1.  Na sequência da inspecção, a Administração Tributária e Aduaneira emitiu em 02-09-2014 a liquidação adicional de IVA n.º..., relativa ao período 1007, no valor de € 59.017,35;
  2. A Requerente, em 28-10-2014, procedeu ao pagamento da liquidação de IVA e dos respetivos juros;
  3.  A 27-02-2015, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa com vista à anulação da liquidação referida, que veio a ser indeferida por despacho que remete para a fundamentação de uma informação cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

Enquadramento normativo

15. O CIVA permite a retificação ou regularização de imposto incluído em créditos detidos sobre clientes, desde que se encontrem preenchidos os requisitos previstos no artigo 78.º.

16. Resulta do RIT e da própria reclamação que esta em causa, para enquadramento das regularizações efetuadas pelo sp., a alínea b) do n.º 7 e o n.º 11, ambos do art. 78.º, cuja redação era a seguinte:

      (...)

7 - Os sujeitos passivos podem deduzir ainda o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis:

a) (...)

b) Em processo de insolvência quando a mesma seja decretada,

(...)

11 - No caso previsto no n.º 7 e na alínea d) do n.º 8 é comunicada ao adquirente do bem ou serviço, que seja um sujeito passivo do imposto, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de retificação de dedução inicialmente efetuada.

17. Estas normas visam atenuar o prejuízo para os fornecedores que resulta do não pagamento das dívidas pelos seus clientes, uma vez que aqueles tem de entregar o IVA ao Estado mesmo sem o ter recebido dos clientes, permitindo a recuperação do IVA nos créditos incobráveis, mediante o cumprimento de determinadas condições.

18. Importa ainda ter presente que a regularização de imposto a favor do sp. só pode ser exercida até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, ou seja, a partir do momento em que estão reunidos os requisitos para beneficiar do mecanismo de recuperação do IVA nos créditos incobráveis, conforme previsto no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA.

 

      Análise - erro na interpretação da alínea b) do n.º 7 do art. 78.º do CIVA

19. O sp alega que esta norma apenas requer que os créditos incobráveis respeitem a devedores cuja insolvência tenha sido decretada, sendo ilegal a exigência dos SIT, como condição para a regularização do IVA, de uma certidão comprovativa do trânsito em julgado da sentença que decretou a insolvência e do reconhecimento dos créditos,

20. Ora, este mecanismo de dedução/regularização de imposto, ao impor que a insolvência tenha sido decretada, impede que se possa obter a dedução do IVA anteriormente liquidado sem a existência de uma decisão judicial transitada em julgado.

21. Estando em causa uma opção do sp., pois não existe a obrigação de regularizar o imposto, ele deve estar munido dos elementos que permitam confirmar a sua validade. E estando imposta a condição de existência de um processo judicial, e considerando a tramitação própria dos processos de insolvência, deverá o s.p. estar em condições de demonstrar, quando regulariza o IVA a seu favor, que o seu crédito foi reconhecido e não pago, pois só assim demonstra a sua existência e a sua incobrabilidade.

22. Não provando através de uma certidão do Tribunal que a sentença transitou em julgado, pois só assim se torna definitiva, não demonstra a incobrabilidade do crédito e não provando o reconhecimento dos créditos não prova a sua existência. Não se trata de impor requisitos para além da norma, mas apenas de validar as condições subjacentes a regularização do imposto a favor do s.p., não assistindo razão a reclamante quanto a este ponto.

 

      Análise - violação dos princípios da procura da verdade material e do inquisitório

 

23. Refere a reclamante que quando os SIT questionaram a existência das decisões de insolvência deveriam ter oficiado os tribunais competentes para fornecer as certidões e informações necessárias, em cumprimento do estabelecido no art. 6.º do RCPIT (“O procedimento de inspeção visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adotar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objetivo) e no art. 58.º da Lei Geral Tributária (“A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias a satisfação do interesse público e a descoberta da verdade material).

24. Pretende assim o sp. colocar sobre a Administração Tributária o Ónus da confirmação, junto de terceiros, dos valores por si declarados, quando, conforme atrás indicado, não consta da reclamação nem do RIT (nem do próprio relatório elaborado pela J...) a identificação dos processos judiciais relativos à insolvência destes devedores.

25. O princípio do inquisitório impõe a Administração Tributaria a realização das diligências necessárias mesmo que não requeridas pelo sp., enquanto o princípio da verdade material, que concretiza o princípio do inquisitório no âmbito do procedimento de inspeção, fixando como objetivo a descoberta da verdade material, impõe a averiguação do correto cumprimento das obrigações fiscais pelos sujeitos passivos e, com base nessa investigação, a recolha de elementos que permitam aferir da eventual existência de irregularidades.

26, Os SIT estão obrigados a realizar todas as diligências que, de acordo com um critério objetivo, se mostrem úteis ao apuramento da verdade, mas de modo algum estão obrigados a realização de todas as diligências possíveis ou impostas aos próprios sujeitos passivos.

27. Ora, não competiria aos SIT o ónus de prova da inexistência dos factos tributários cujo imposto considerou deduzido ilegalmente por parte do contribuinte nem o Ónus de cumprir as formalidades impostas ao sp., antes cabendo ao próprio contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários em que fundou a dedução que declarou.

28. A não ser assim, bastaria, no limite, ao sp. inscrever nas declarações os valores que lhe aprouvesse, que em caso de inspeção os SIT teriam de diligenciar junto dos eventuais fornecedores para validar os valores inscritos!

29. Os SIT verificaram o incumprimento dos requisitos formais para e regularização do imposto a favor do sp. efetuada no período 2010/07, requisitos esses que deviam estar verificados naquela data, pelo que não se afigura existir a violação de qualquer dos princípios invocados pelo sp.

 

      Análise - erro na interpretação do n.º 11 do art. 78.º do CIVA

30. O sp. alega que a norma prevista no n.º 11 do art. 78.º do CIVA impõe uma “mera comunicação”, sendo uma “mera formalidade” cujo incumprimento apenas poderá ser punido com uma coima, não sendo condição de validade da regularização de IVA.

 31. Esta posição não tem, a nosso ver, qualquer suporte legal. De facto, o n.º 11 do art.º 78º do CIVA determina que, para haver dedução do IVA referente a créditos enquadrados no n.º 7 do mesmo artigo, que são os que estão em discussão, deve ser comunicado ao devedor, caso este seja sujeito passivo do imposto, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos da retificação da dedução inicialmente efetuada.

32. Não se trata de uma possibilidade, mas antes de uma imposição, de um requisito para que seja aceite a regularização a favor do sp., norma que visa evitar que um sujeito passivo regularize a seu favor imposto inicialmente deduzido pelo seu cliente, sem que este fique obrigado a regularizar a favor do Estado o mesmo montante, sendo depois estes créditos do Estado considerados na liquidação do património do devedor.

33. Baseando-se o IVA num sistema de pagamentos fracionados que visam tributar o consumo final, as operações entre sujeitos passivos são, em princípio, neutras, ou seja, a liquidação de imposto nas faturas do fornecedor permite aos clientes a dedução do mesmo montante. A exigência do legislador visa manter a cadeia de operações indispensável ao funcionamento do sistema do IVA, para que não haja deduções de imposto que não é suportado por outro operador e permitindo esta imposição das formalidades contrariar a evasão fiscal.

34. Só com a comunicação aos adquirentes e que estes ficam obrigados a regularizar o imposto a favor do Estado no mesmo montante, inexistindo tal obrigação na falta dessa interpelação, daí que para o sp. exercer a faculdade que a lei lhe permite de recuperar o IVA de créditos incobráveis, lhe imponha a obrigação de comunicar o uso de tal faculdade ao adquirente.

35. Veja-se que o próprio relatório da J... que sustentou as regularizações de IVA, acima identificado, refere que “A A... deverá ainda proceder de imediato à notificação ao administrador de insolvência relativo a cada processo, informando da regularização do IVA”.

36. Apesar de não definir a forma de comunicação, ela deverá ser suportada em elementos idóneos que permitam ao s.p. demonstrar que o destinatário dela obteve conhecimento, cumprindo assim o ónus de provar o direito à dedução invocada, nos termos do art. 74.º da LGT.

37. Inexistindo comunicação aos adquirentes, não estavam cumpridos os pressupostos para a regularização de IVA a favor do s.p.,

 

      Análise - Regularização e pedido de revogação do ato de liquidação

38. Apesar de contestar os requisitos impostos para a regularização do IVA, nomeadamente a certidão da decisão de insolvência com menção dos créditos e a comunicação escrita aos devedores, o s.p. refere que não condicionam a validade da regularização de IVA e que, assim, podem ser cumpridos posteriormente.

39. Nesse sentido, junta certidões das decisões de insolvência (junta apenas uma certidão referente ao processo n.º .../08...TBGMR, em que o insolvente é a H..., SA., NIPC..., protestando juntar os restantes documentos) e cópia das comunicações endereçadas aos devedores, requerendo a anulação da liquidação adicional de IVA por estarem sanados os vícios imputados.

40. Também aqui não terá razão a reclamante pois as condições para a regularização do IVA deveriam estar cumpridas na data em que foi relevada na DP, ou seja, 2010/07.

41. No que respeita as certidões, a única que a reclamante junta e de um processo de insolvência encerrado em 2009 com a homologação do plano de insolvência, de acordo com o qual o crédito da A... foi reduzido para 68.159,71€

42. Foi identificado um novo processo de insolvência em 2009 para este cliente (processo n.º .../09. ...TBGMR), e parece-nos que seria relativamente a este que o sp. deveria ter a certidão, situação que realça a necessidade de sustentar as regularizações com certidões judiciais, pois só assim se demonstra a existência e quantificação do crédito e a sua incobrabilidade.

43. A reclamante junta ainda ao processo as comunicações efetuadas nos termos do n.º 11 do art. 78.º do CIVA para os devedores e seus administradores de insolvência, efetuadas em janeiro e fevereiro de 2015.

44. Mesmo que com estas comunicações se considerassem cumpridos todos os requisitos para a regularização do IVA, não podia a reclamante deduzir imposto num período e só mais tarde cumprir as condições para o fazer; tal seria como deduzir hoje o imposto de uma compra que vai fazer apenas no próximo ano, subvertendo o sistema de funcionamento do IVA.

45. Apenas com o cumprimento de todos os requisitos previstos estaria o sp. em condições de regularizar o IVA a seu favor, o que teria de fazer numa DP posterior a esse cumprimento, o que não coloca em causa a sustentação da correção promovida pelos SIT quanto a DP de 2010/07.

46. Importa ainda referir que, de acordo com os dados apurados, estão em causa processos de insolvência em que as sentenças foram proferidas antes de 2010:

     

 

47. O evoluir normal destes processos leva a que alguns, como por exemplo o da sociedade D..., LDA., já estejam encerrados, o que torna ineficazes as comunicações agora efetuadas.

 

      CONCLUSÃO

48. Nestes termos, considerando que em 2010/07 o sp. não cumpria os requisitos para regularizar a seu favor o IVA de créditos considerados incobráveis, nada na a apontar a correção promovida pelos SIT.

49. O sp. não cumpriu as condições decorrentes da alínea b) do n.º 7 e do n.º 11 do art. 78.º do CIVA, não se identificando qualquer violação dos princípios da procura da verdade material e do inquisitório pelos SIT.

50. O cumprimento das condições para regularização do imposto em data posterior aquela em que foi promovida na DP não pode levar à anulação da liquidação adicional de IVA, que se encontra legalmente sustentada.

51. Cumpridos os requisitos, o sp. poderia promover a regularização do IVA a seu favor em declaração posterior ao momento em que tal se verificasse, podendo tal faculdade ser exercida até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito a dedução, ou seja, a partir do momento em que estão reunidos os requisitos para beneficiar do mecanismo de recuperação do IVA nos créditos incobráveis, conforme previsto no artigo 98º, n.º 2, do CIVA

      Por tudo o atrás expandido, não colhe, em nosso entender, a argumentação da reclamante, sendo de manter a liquidação adicional de IVA no valor de 59.017,35€, acrescida de juros compensatórios no valor de 9.216,41€, referente ao período de 2010107.

 

  •  A 25-06-2015 apresentou Recurso hierárquico da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, que foi indeferido por despacho de 05-08-2016, que manifesta concordância com uma informação cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

A. Apreciação

19. Na redação em vigor à data dos factos, a al. b) do n.º 7 do art.º 78.º do CIVA, estabelecia que "os sujeitos passivos podem deduzir ainda o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis em processo de insolvência, quando a mesma seja decretada",

29. Para poder regularizar a seu favor esses créditos, ou seja, recuperar o IVA que liquidou por força da realização de operações tributáveis, entregue ao Estado mas não recebido do respetivo adquirente, a sua incobrabilidade tem de ser comprovada.

21. Constitui elemento de prova indiscutível o reconhecimento judicial do crédito, daí ser indispensável que o sujeito passivo credor tenha na sua posse a certidão emitida pelo Tribunal competente que mencione; a declaração de insolvência; o trânsito em julgado da sentença; e o reconhecimento do crédito reclamado pelo credor.

22. Trata-se de pressupostos da faculdade de proceder à regularização do IVA, e uma vez que é a Recorrente quem invoca o direito à regularização desses créditos, o ónus da prova dos factos constitutivos recai sobre si, nos termos do n.º 1 do art.º 74.º da LGT.

23. Na falta de preenchimento desses pressupostos no período objeto de inspeção, não se chegou a verificar o nascimento do direito da Recorrente de regularizar o IVA referente ao valor dos créditos considerados incobráveis, estando precludida a possibilidade de apresentação posterior dos elementos de prova para efeitos de validação da regularização já efetuada.

24. O direito previsto na al. b) do n.º 7 do art.º 78.º do CIVA, é exercido numa declaração periódica posterior a verificação daqueles pressupostos, mediante a inscrição do respetivo valor no campo 40 da declaração, durante o prazo geral de quatro anos previsto no n.º 2 do art.º 98.º do CIVA, contado a partir do trânsito em julgado da decisão, uma vez que o CIVA não estabelece um prazo especial de caducidade para o exercício do direito a regularização de créditos”.

25. Face ao exposto, não assiste razão à Recorrente quando alega violação dos princípios do inquisitório e da verdade material, e errada interpretação da al. b) do n.º 7 do art.º 78.º do CIVA, por parte dos SIT.

26. Relativamente a obrigação de comunicação, ao adquirente do bem ou serviço, pelo sujeito passivo credor, da sua anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de retificação, pelo adquirente, da dedução por este inicialmente efetuada, tem expressa consagração legal no n.º 11 do art.º 78º do CIVA”, constituindo, portanto, um pressuposto legal do exercício do direito a regularizar o imposto.

27. No rigor da aplicação do n.º 1 e 2 do art.º 22.º e nºs 7 e 11 do art.º 78.º do CIVA, os adquirentes dos bens ou serviços deduzem, em princípio, o imposto por referência ao momento em que a respetiva fatura seja emitida e devem regularizá-lo até ao fim do período seguinte ao da receção da comunicação, no campo 41 da declaração periódica.

28. O Estado necessita de acautelar a possibilidade de recuperar o IVA que presumivelmente foi deduzido pelo devedor, através do instituto da reclamação de créditos, permitido pelo Código da insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

29. Pelo que tem sido entendimento destes serviços que essa garantia só se verifica se a comunicação for prévia à regularização (embora se considere admissível um prazo até ao fim do período de imposto seguinte).

30. Também é entendimento destes serviços que atentas as suas finalidades e as operações que pressupõe, por parte do credor e da insolvente, a própria regularização de créditos não pode ocorrer depois da liquidação da sociedade devedora. Mais precisamente, o direito de regularização do credor só pode ser exercido até o início da liquidação da massa insolvente (art.º 225.º do CIRE).

31. Conclui-se, assim, que a Recorrente a data da regularização não demonstrou a incobrabilidade dos créditos, através da exibição dos documentos essenciais para o nascimento do direito à regularização, nomeadamente a certidão emitida pelo tribunal competente com as menções obrigatórias, nem demonstrou, tempestivamente, o cumprimento da devida e indispensável comunicação aos adquirentes, exigida pelo n.º 11 do art.º 78.º do CIVA.

32. Como vimos, a comunicação em tempo útil revela-se essencial para a eficácia da regularização.

33. Ao proceder ao envio das comunicações apenas em 2015-02-27 e 2015-02-12, a Recorrente inviabilizou que o Estado exigisse, com eficácia, a retificação de imposto deduzido pelo sujeito passivo devedor.

34. Autorizar-se que a comunicação pudesse ser operada não apenas após alguns meses mas mesmo anos, significaria, em qualquer caso, que a comunicação ocorreria num momento em que, presumivelmente (cumpridos os prazos do CIRE) a sociedade devedora já não existia

35. Em termos formais, é ainda de acrescentar que, para que a comunicação possa ser válida e eficaz no cumprimento da finalidade de vincular o adquirente à obrigação de retificação da dedução efetuada, entende-se que deve conter os seguintes elementos: - identificação dos sujeitos passivos (com morada e NIF), da fatura (com número, data e valor), valores regularizados (com discriminação da base tributável e imposto), processo no âmbito do qual o crédito foi considerado incobrável (para que o sujeito passivo adquirente possa aferir se e devida a retificação de imposto decorrente dessa comunicação) e o período de imposto em que a regularização de créditos terá lugar”.

36. São elementos necessários para que o adquirente, com base nesse documento, conheça a regularização de créditos que vai ser efetuada e a sua razão de ser. Só assim pode proceder corretamente a retificação de imposto que lhe é exigida.

37. No caso em apreço, constata-se que as comunicações que exibe a posteriori, não contêm alguns dos elementos essenciais, o que levou, inclusivamente, o administrador de insolvência da G..., Lda, a solicitar esclarecimentos a AT acerca da comunicação referida (v. fls. 285 do procedimento de reclamação graciosa).

38. Assim tem sido o entendimento jurisprudencial, de que a formalidade indevidamente cumprida, que se afigura “ad substanciam", impede a legalidade da regularização do IVA efectuada pelo credor, e consequentemente o provimento do recurso. E não se alegue, como faz a recorrente, que esta interpretação e violadora dos princípios da legalidade, proporcionalidade e certeza e segurança jurídicas, pois que tal dever resulta directa e imediatamente da lei e a consequência do seu incumprimento - a ilegalidade da “regularização” efectuada -, é a adequada em caso de inobservância dos requisitos legais dos quais depende a legalidade da rectificação, não se afigurando nem desproporcionada nem inesperada, daí que não se nos afigure haver qualquer violação dos mencionados princípios constitucionais."

39. Em suma, reitera-se o entendimento de que não se encontravam verificadas as condições legais, da al. b) do n.º 7 e do n.º 11 do art.º 78.º do CIVA, no momento da recuperação do imposto respeitante a créditos considerados incobráveis, concluindo-se que as liquidações não padecem de qualquer ilegalidade, sendo de propor a manutenção da decisão recorrida.

 

 

  • No processo de insolvência respeitante à B..., SA, a sentença de decretamento da insolvência transitou em julgado em 28-05-2008 e o processo ainda corria termos em 24-03-2015 (página 36 do ficheiro do processo administrativo relativo à reclamação graciosa 2);
  • No processo de insolvência respeitante à C..., LDA, a sentença de decretamento da insolvência transitou em julgado em 22-01-2008 e o encerramento do processo ocorreu em 07-01-2011 (página 16 do ficheiro do processo administrativo relativo ao recurso hierárquico);
  • No processo de insolvência respeitante à D..., LDA, a sentença de decretamento da insolvência transitou em julgado em 23-04-2008 e o encerramento do processo ocorreu em 08-02-2013 (página 57 do ficheiro do processo administrativo relativo à reclamação graciosa 2);
  • No processo de insolvência respeitante à E..., LDA, a sentença de decretamento da insolvência transitou em julgado em 04-06-2009 e o processo já se encontrava findo em 04-02-2015; (página 73 do ficheiro do processo administrativo relativo à reclamação graciosa 2);
  • No processo de insolvência respeitante à F..., SA, a sentença de decretamento da insolvência transitou em julgado em 31-07-2006 e o processo ainda corria termos em 16-02-2015 (página 79 do ficheiro do processo administrativo relativo à reclamação graciosa 2);
  • No processo de insolvência respeitante à I..., LDA, a sentença de decretamento da insolvência transitou em julgado em 31-07-2006 e o processo ainda corria termos em 13-02-2015 (página 81 do ficheiro do processo administrativo relativo à reclamação graciosa 2);
  • No processo de insolvência respeitante à G..., LDA, a sentença de decretamento da insolvência transitou em julgado em 18-01-2006, foi aprovado e homologado por sentença transitada em 06-09-2007 o Plano de Insolvência e o processo foi encerrado em 02-10-2007 (página 88 do ficheiro do processo administrativo relativo à reclamação graciosa 2);
  • No processo de insolvência respeitante à H..., SA, a sentença de decretamento da insolvência transitou em julgado em 31-12-2009 e o processo ainda corria termos em 20-02-2015 (página 51 do ficheiro do processo administrativo relativo ao recurso hierárquico);
  • A Requerente, em 2015, enviou comunicações sobre a regularização do IVA às devedoras e aos respectivos administradores de insolvência;
  • Em 06-01-2017, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se no processo administrativo.

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

3. Matéria de direito

 

No ano de 2010, no período de IVA 2010/07, a Requerente regularizou IVA a seu favor, com base em créditos considerados incobráveis em processos de insolvência, no montante de 59.017,35.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a regularização não era admissível porque:

– não tinha sido comunicada a regularização do imposto ao adquirente dos bens ou serviços, representados pelos respectivos administradores de insolvência, nos termos do disposto no n.º 11 do artigo 78.º do Código do IVA; e

– a Requerente não tinha na sua posse «certidão do tribunal, que comprove que a sentença de insolvência transitou em julgado, uma vez que só assim ela se torna definitiva»;

a Requerente não tinha prova de que os créditos tenham sido reclamados e/ou reconhecidos nos processos de insolvência.

 

 

            A Requerente imputa à liquidação impugnada os seguintes vícios:

 

1. Erro na interpretação da alínea b) do número 7 do artigo 78.º do Código do IVA, na redação em vigor na data em que a Requerente procedeu à regularização de IVA;

2. Violação dos princípios da procura pela verdade material e do inquisitório no âmbito do procedimento de inspeção, previstos nos termos do artigo 6.º (princípio da verdade material) do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT), do artigo 58.º da LGT (princípio do inquisitório), da alínea e) do artigo 69.º do CPPT (princípio do inquisitório) e artigo 104.º (diligências complementares) do Código do Procedimento Administrativo (CPA);

3. Erro na interpretação do número 11 do artigo 78.º do Código do IVA, na redação em vigor na data em que a Requerente procedeu à regularização de IVA;

4. Violação do princípio da proporcionalidade a que se obriga a Autoridade Tributária no âmbito do artigo 266.º da CRP e do artigo 55.º da LGT.

5. Violação do princípio da neutralidade do IVA subjacente à Diretiva 2006/112/CE.

 

 

3.1. Questão do erro na interpretação da alínea b) do número 7 do artigo 78.º do Código do IVA, na redação em vigor na data em que a Requerente procedeu à regularização de IVA

 

Em 2010, a alínea b) do n.º 7 do artigo 78.º do CIVA tinha a seguinte redacção:[1]

 

7 - Os sujeitos passivos podem deduzir ainda o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis:

 

b) Em processo de insolvência quando a mesma seja decretada.

 

A Requerente defende que

– «esta norma não impunha, como condição de validade da regularização de IVA, que os sujeitos passivos de IVA fossem detentores (i) de documento comprovativo do processo de insolvência ou, sequer, (ii) de que a decisão de insolvência tivesse transitado em julgado»;

– «deveriam ter aceite que os documentos que lhes foram exibidos no momento da inspeção - e que são referidos no relatório de inspeção - permitiam comprovar os requisitos legais da alínea b) do número 7 do artigo 78.º do Código do IVA».

– «prova da existência de créditos reconhecidos poderia ser feita através de qualquer meio, devendo a AT ter diligenciado, como demonstraram ter capacidade para fazer no âmbito do presente procedimento;

– «a posteriori, como a Requerente fez, ao juntar as referidas certidões ao presente processo, e cuja análise não foi feita por essa Direção».

 

 

Como se vê, na redacção vigente em 2010, permitia-se a dedução do imposto respeitante a créditos considerados incobráveis em processo de insolvência quando esta fosse decretada.

Conclui-se desta norma que é necessário que os créditos sejam considerados incobráveis, o que pressupõe uma decisão que aprecie a possibilidade de eles serem ou não cobrados, que pode resultar de um juízo genérico formulado pelo juiz do processo de insolvência nos termos do artigo 39.º do CIRE, quando conclua «que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente e não estando essa satisfação por outra forma garantida».

No entanto, resulta também do texto da alínea b) do n.º 7 do artigo 78.º do CIVA que, a partir do momento em que a insolvência é decretada, independentemente do trânsito em julgado da decisão de decretamento, o sujeito passivo de IVA pode proceder à regularização.

Este efeito do decretamento da insolvência, antes do trânsito em julgado da decisão, está em sintonia com a pluralidade de efeitos que a lei lhe atribui logo que o decretamento ocorre, que são explicitamente referidos no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE):

«29 - A sentença de declaração de insolvência representa um momento fulcral do processo. Ela não se limita a essa declaração mas é intensamente prospectiva, conformando boa parte da tramitação posterior e despoletando uma vasta panóplia de consequências. Por outro lado, o momento da sua emanação é decisivo para a aplicação de inúmeras normas do Código».

«31 - A sentença de declaração da insolvência é fonte de inúmeros e importantes efeitos, que são agrupados do seguinte modo: ‘efeitos sobre o devedor e outras pessoas’; ‘efeitos processuais’; ‘efeitos sobre os créditos’, e ‘efeitos sobre os negócios em curso’»

 

Neste contexto, a referência que no n.º 7 do artigo 78.º do CIVA se faz à possibilidade de regularização do imposto relativo a créditos considerados incobráveis em processo de insolvência «quando esta fosse decretada» (e não quando transite em julgado a decisão de decretamento), revela uma intenção legislativa de assinalar o momento a partir do qual essa regularização era possível, que era o momento do decretamento e não o do trânsito em julgado da sentença que decreta a insolvência (e muito menos o trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos, que pode nem vir a ser proferida, nos casos a que alude o n.º 1 do artigo 39.º do CIRE).

É uma solução que se compreende por a decisão de decretamento da insolvência constituir uma forte presunção de incobrabilidade dos créditos e estar assegurada a obrigação de entrega do imposto, caso se venha a concretizar a recuperação dos créditos, nos termos do n.º 12 do mesmo artigo 78.º.

Por outro lado, não há qualquer suporte legal para concluir que o sujeito passivo só pode proceder à regularização quando for detentor de uma certidão da decisão de decretamento, pois não existia, em 2010, qualquer norma que directa ou indirectamente previsse tal obrigação. Nomeadamente, o n.º 16 do mesmo artigo 78.º, que a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca no presente processo, estabelecia, na redacção vigente em 2010, que «os documentos, certificados e comunicações a que se referem os n.ºs 8 a 11 do presente artigo devem integrar o processo de documentação fiscal previsto nos artigos 121.º do Código do IRC e 129.º do Código do IRS», pelo que, se daqui decorresse ser requisito da regularização a inclusão dos documentos respectivos no dossier fiscal, ter-se-ia de concluir que tal inclusão não era necessária nos caso do n.º 7, pois este número não era referido, só vindo a sê-lo na redacção introduzida pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro.

Pelo exposto, conclui-se que a Requerente tem razão ao defender que a correcção subjacente à liquidação impugnada assenta num erro de interpretação da alínea b) do n.º 7 do artigo 78.º do CIVA.

 

            3.2. Questão da violação dos princípios da procura pela verdade material e do inquisitório no âmbito do procedimento de inspeção, previstos nos termos do artigo 6.º (princípio da verdade material) do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT), do artigo 58.º da LGT (princípio do inquisitório), da alínea e) do artigo 69.º do CPPT (princípio do inquisitório) e artigo 104.º (diligências complementares) do Código do Procedimento Administrativo (CPA);

 

Esta questão colocada pela Requerente relaciona-se com a obtenção das certidões do trânsito em julgado das decisões que decretaram a insolvência das sociedades devedoras da Requerente.

Estando decidido que não era requisito da regularização a detenção dessas certidões, fica prejudicado, por ser inútil [artigo 130.º do CPC subsidiariamente aplicável, por força do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º, do RJAT], saber se a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria diligenciar para que as certidões fossem obtidas.

 

3.3. Erro na interpretação do número 11 do artigo 78.º do Código do IVA, na redação em vigor na data em que a Requerente procedeu à regularização de IVA

 

A correcção subjacente à liquidação impugnada assenta também na falta do requisito previsto no n.º 11 do mesmo artigo 78.º, pelo que aquele erro de interpretação do n.º 7 não basta para concluir pela anulação da liquidação impugnada.

Na verdade, quando um acto tem mais que um fundamento, cada um deles com potencialidade para, só por si, assegurar a legalidade do seu conteúdo decisório, é irrelevante que um deles seja ilegal, pois «o tribunal, para anular ou declarar a nulidade da decisão questionada, emitida no exercício de actividade vinculada da Administração, não se pode bastar com a constatação da insubsistência de um dos fundamentos invocados, pois só após a verificação da improcedência de todos eles é que o tribunal fica habilitado a invalidar o acto» ( [2] ).

Assim, importa apreciar se a liquidação impugnada tem suporte legal no n.º 11 do artigo 78.º do CIVA.

Na redacção vigente em 2010, o n.º 11 do artigo 78.º do CIVA estabelecia o seguinte:

 

11 - No caso previsto no n.º 7 e na alínea d) do n.º 8 é comunicada ao adquirente do bem ou serviço, que seja um sujeito passivo do imposto, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de rectificação da dedução inicialmente efectuada.

 

A Requerente defende que «trata-se de uma mera formalidade, imposta pelo artigo 78.º do Código do IVA, não se estipulando qualquer forma – escrita ou oral» e «não pode ser interpretado como condição de validade da regularização de IVA», pois não é um requisito ad substantiam, podendo a comunicação ser efectuada em momento posterior, o que ocorreu no caso em apreço, pelo que deveria ser revogada a liquidação.

Porém, o Supremo Tribunal Administrativo entendeu, no acórdão de 25-06-2015, proferido no processo n.º 0288/14, que «a comunicação ao adquirente do bem ou serviço que seja sujeito passivo de IVA da intenção do credor de proceder à anulação do IVA contido no crédito incobrável em processo de insolvência constitui requisito legal do qual depende a legalidade da “regularização” pelo credor e deve ser feita, em caso de insolvência do devedor, ao administrador de insolvência nomeado e que «a formalidade indevidamente cumprida, que se afigura “ad substanciam”, impede a legalidade da regularização do IVA efectuada pelo credor e consequentemente o provimento do recurso».

Como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, a norma do n.º 11 do artigo 78.º do CIVA, tem por objectivo evitar que um sujeito passivo esteja a anular imposto que foi deduzido pelo seu cliente, sem que este fique obrigado a regularizar, a favor do Estado, o mesmo montante.

Por isso, a anulação só pode ser regularmente efectuada quando o sujeito passivo que a ela quer procedeu tiver assegurado previamente que foi efectivada a comunicação ao adquirente do bem ou serviço que seja sujeito passivo do imposto e puder confirmar que esta foi efectuada, pois só assim, estará assegurado que sobre este recai o dever de rectificação.

 De qualquer forma, mesmo que se entendesse que essa comunicação pudesse ser posterior à anulação, a verificação de todos os requisitos do «direito à dedução» previsto no n.º 7 do artigo 78.º do CIVA, incluindo o previsto no n.º 11, sempre teria de ocorrer antes de transcorrido o prazo de 4 anos, previsto no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA para exercício do direito à dedução. Na verdade, independentemente do rigor com a expressão é utilizada, o n.º 7 do artigo 78.º do CIVA considera explicitamente consequência da anulação do IVA com fundamento em incobrabilidade do crédito como dedução do imposto (ao dizer «os sujeitos passivos podem deduzir ainda o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis»), o que se justificará por a dedução na declaração periódica do imposto liquidado pelo sujeito passivo e não pago pelo adquirente, ser a via para efectuar a regularização. E, sendo a dedução a via para efectuar a regularização esta está subordinada ao prazo máximo de 4 anos «após o nascimento do direito à dedução», em conformidade com o preceituado no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA.

Por isso, tendo a anulação ocorrido em Julho de 2010, a Autoridade Tributária e Aduaneira podia seguramente concluir em Setembro de 2014, quando efectuou a liquidação, que não estava definitivamente satisfeito requisito previsto no n.º 11 do artigo 78.º.

Por isso, a Autoridade Tributária e Aduaneira interpretou correctamente o n.º 11 do artigo 78.º do CIVA.

 

 

3.4. Questão da violação do princípio da proporcionalidade enunciado no artigo 266.º da CRP e no artigo 55.º da LGT

 

Do princípio da proporcionalidade, que a actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira deve observar, por força dos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT, decorre que devem ser adoptados comportamentos adequados aos fins prosseguidos e só devem ser afectados direitos dos contribuintes na medida do necessário e em termos proporcionais aos objectivos a realizar (artigo 7.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Procedimento Administrativo). 

A exigência de comunicação da anulação do IVA ao adquirente dos bens ou serviços ou quem o represente não se afigura desproporcionada, já que se trata de uma diligência de muito fácil concretização e insignificante onerosidade e tem como justificação impor ao devedor/adquirente a obrigação de rectificação da dedução de IVA efectuada com base na factura emitida pela Requerente, assegurando que não há prejuízo para o erário público derivado da cumulação daquela dedução com a que resulta da anulação para o credor.

A Requerente invoca a violação deste princípio por a Autoridade Tributária e Aduaneira lhe impor mais requisitos do que a lei lhe impõe e ser ineficaz a comunicação a sociedades já encerradas.

No entanto, quanto às comunicações não se está perante um requisito não previsto na lei, pois consta explicitamente do n.º 11 do artigo 78.º do CIVA.

Por outro lado, como se referiu, em sintonia com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que se citou, as comunicações deveriam ter sido feitas em 2010 e deveriam ter por destinatários os respectivos administradores das insolvências, nos casos em que os processos se encontravam pendentes.

Dos processos de insolvência referidos nos autos, apenas o relativo à G..., LDA, se encontrava findo em Agosto de 2010, quando a Requerente efectuou a regularização do imposto, mas não se provou que esta sociedade se encontrasse extinta, pois foi homologado por sentença transitada em 06-09-2007 um Plano de Insolvência.

Por isso, não se pode concluir que as comunicações não seriam relevantes e eficazes se tivessem sido efectuadas em Agosto de 2010, às devedoras e administradores das respectivas insolvências.

 

 

3.5. Violação do princípio da neutralidade do IVA subjacente à Diretiva 2006/112/CE

 

A Requerente defende, em suma, que o princípio da neutralidade subjacente a Directiva n.º 2006/112/CE impõe que através da dedução do IVA suportado a montante que os operadores económicos se desoneram do imposto, não incorporando os custos da sua actividade.

A questão da compatibilidade do regime do previsto no n.º 11 do artigo 78.º do CIVA com o princípio da neutralidade, foi decidida no sentido afirmativo pelo TJUE no acórdão de 06-12-2018, proferido no processo n.º C-672/17, no âmbito do reenvio prejudicial efectuado no presente processo:

O princípio da neutralidade e os artigos 90.° e 273.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que prevê que a redução do valor tributável do imposto sobre o valor acrescentado (IVA), em caso de não pagamento, não pode ser efetuada pelo sujeito passivo enquanto este não tiver previamente comunicado a sua intenção de anular uma parte ou a totalidade do IVA ao adquirente do bem ou serviço, que seja sujeito passivo do imposto, para efeitos de retificação da dedução do montante de IVA que este pôde efetuar.

 

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).

A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

            Assim, tem de se concluir que a interpretação a Autoridade Tributária e Aduaneira fez do artigo 78.º, n. 11, do CIVA, que no ponto 3.3 deste acórdão se considerou correcta, não viola princípio da neutralidade.

 

4. Pedidos de reembolso e juros indemnizatórios

 

Como decorre do exposto, a liquidação impugnada tem suporte na falta de satisfação pela Requerente do requisito previsto no n.º 11 do artigo 78.º do CIVA, com remissão para o n.º 7 do mesmo artigo para dedução do imposto respeitante a créditos considerados incobráveis.

Por isso, o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação impugnada deve ser julgado improcedente.

O reembolso do imposto pago depende da ilegalidade e anulação da liquidação, pelo que, não sendo declarada a sua ilegalidade, tem de improceder o pedido de reembolso.

Quanto a juros indemnizatórios, o direito depende de «pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» (artigo 43.º, n 1, da LGT), o que, em face do exposto, não ocorreu.

 Improcedem, assim, os pedidos de reembolso e de juros indemnizatórios.

 

5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 297.º, 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 68.233,76.

 

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

 

Lisboa, 07-12-2018

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

(A. Sérgio de Matos)

 

(Ana Teixeira de Sousa)

 

 

 

 

Decisão Arbitral

 

          Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. A. Sérgio de Matos e Dr.ª Ana Teixeira de Sousa (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 07-09-2017, acordam no seguinte:

 

         

          1. Relatório

 

            A..., S.A., titular do número de identificação fiscal..., com sede na ... de..., Lugar da..., ..., (doravante designada como «Requerente»), veio, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou ”RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral visando a declaração de ilegalidade da liquidação oficiosa de IVA n.º ..., de 02-09-2014, referente ao período de Julho de 2010, no valor de € 59.017,35 e da liquidação de juros compensatórios n.º..., de 02-09-2014, no valor de € 9.216,41, bem como reembolso da quantia paga acrescido de juros indemnizatórios.

            A Requerente pede ainda a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da Recurso hierárquico apresentado na sequência da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, no âmbito do processo n.º ...2015... .

            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

Foi requerida a constituição de Tribunal Arbitral Singular, sendo posteriormente constatado que o valor causa impõe a intervenção de Tribunal Colectivo, o que levou a que o Senhor Presidente do Conselho Deontológico nomeasse árbitros os signatários, que comunicaram aceitação no prazo legal.

Em 21-08-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 07-09-2017.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 08-09-2017 foi dispensada reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Requerente não apresentou alegações e a Administração Tributária e Aduaneira veio remeter par o que havia dito na sua Resposta.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente tem por objeto a exploração e gestão dos serviços públicos municipais de drenagem, depuração e destino final de águas residuais do Sistema Integrado de Despoluição do ...(SID...);
  2.  A Requerente é um sujeito passivo de IVA, não isento, enquadrado no regime normal, com obrigação de proceder mensalmente à apresentação da declaração periódica de IVA.;
  3.  No âmbito da sua atividade, a Requerente presta serviços a entidades públicas e privadas;
  4. Em 2010, após análise de créditos em mora, a Requerente apurou que o montante de € 1.192.902,69 – IVA incluído - era devido por entidades privadas insolventes, conforme o seguinte quadro:

  1. Estes montantes reportavam-se a serviços prestados pela Requerente àquelas entidades e que foram facturados àquelas entidades;
  2.  As facturas não foram pagas e a Requerente suportou o valor do IVA por si liquidado;
  3.  Em Agosto de 2010, a Requerente submeteu a declaração periódica de IVA referente ao período de Julho de 2010, onde regularizou o IVA acima identificado, no montante de € 59.017,35, a seu favor;
  4. Em 21-03-2014 os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ... iniciaram uma inspeção tributária parcial (IRC) ao período de tributação de 2010 da Requerente, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2014...;
  5. Em 08-05-2014, o âmbito da inspeção passou a ser geral;
  6. A 07-08-2014, a Requerente foi notificada do Relatório Final de Inspeção que consta do Processo Administrativo Tributário, cujo teor se dá como reproduzido; (páginas 162 e seguintes do ficheiro denominado “Reclamação Graciosa A... 2.pdf”) em que se refere, além do mais, o seguinte:

 

2 Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA)

2.1 IVA de créditos incobráveis

      No ano de 2010, mais concretamente no período de IVA 2010/07, 0 Sujeito Passivo regularizou IVA a seu favor, com base em créditos considerados incobráveis em processos de insolvência, no montante de 59.017,35 EUR, conforme montante inscrito no campo 40 de Declaração Periódica de IVA do período referido (Anexo: Ficheiro 24.pdf -folha 1).

      De acordo com os elementos consultados (exibidos e recolhidos), o IVA regularizado respeita às seguintes entidades:

      (i)B..., SA (NIF/NIPC...), no montante de 14.989,22 EUR;

      (ii)C..., LDA (NIF/NIPC...), no montante de 5.278,88 EUR;

      (iii)D..., LDA (NIF/NIPC...), no montante de 1.345,03 EUR;

      (iv)E..., LDA (NIF/NIPC...), no montante 3.519,56 EUR;

      (v)F..., SA (NIF/NIPC...), no montante de 41,19 EUR;

      (vi)G..., LDA (NIF/NIPC...), no montante de 14.099,93 EUR;

      (vii)H..., SA. (NIF/NIPC 501233326), no montante de 12.479,58 EUR;

      (viii)I..., LDA, no montante de 7.253,97 EUR.

 

      Nos termos da alínea b) do n.º 7 do artigo 78.º do Código do IVA, o Sujeito Passivo pode deduzir o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis em processo de insolvência quando a mesma seja decretada.

      O prazo para a regularização do imposto relativo a esses créditos é de quatro anos, a contar do trânsito em julgado da sentença de insolvência, por força do artigo 94.º e n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA.

      Por força do disposto no n.º 11 do artigo 78.º do Código do IVA, e indispensável comunicar a regularização do imposto ao adquirente dos bens ou serviços (a comunicação é feita ao(s) representante(s) que, no caso de insolvência, será o Administrador da insolvência), para efeito de retificação da dedução inicialmente efectuada.

      Acontece que, em relação aos créditos sobre os clientes identificados acima, não foi cumprido o requisito referido no parágrafo anterior, ou seja, não foi comunicada a regularização do imposto (IVA) aos adquirentes.

      Para provar os requisitos previstos na alínea b) do n.º 7 do artigo do artigo 78.º, do Código do IVA, o Sujeito Passivo deverá ainda ter na sua posse a certidão do tribunal, que comprove que a sentença de insolvência transitou em julgado, uma vez que só assim ela se torna definitiva, bem como a prova de ter reclamado os créditos e/ou a respetiva quantia reconhecida. Dos documentos consultados (exibidos e recolhidos) verificou-se que essa certidão não foi requerida e que nenhum dos documentos exibidos refere, ou prova, que os créditos tenham sido sequer reclamados e/ou reconhecidos. Decorre de tudo o que acima se referiu que foi indevidamente deduzido (regularizado) IVA, com base em créditos incobráveis, no ano de 2010, mais concretamente no período de IVA 2010/07, no montante de 59.017,35 EUR.

      Resulta do exposto uma correção ao imposto em sede de IVA, no período de IVA 2010/07, no montante de 59.017,35 EUR, desfavorável ao Sujeito Passivo.

 

  1.  Na sequência da inspecção, a Administração Tributária e Aduaneira emitiu em 02-09-2014 a liquidação adicional de IVA n.º..., relativa ao período 1007, no valor de € 59.017,35;
  2. A Requerente, em 28-10-2014, procedeu ao pagamento da liquidação de IVA e dos respetivos juros;
  3.  A 27-02-2015, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa com vista à anulação da liquidação referida, que veio a ser indeferida por despacho que remete para a fundamentação de uma informação cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

Enquadramento normativo

15. O CIVA permite a retificação ou regularização de imposto incluído em créditos detidos sobre clientes, desde que se encontrem preenchidos os requisitos previstos no artigo 78.º.

16. Resulta do RIT e da própria reclamação que esta em causa, para enquadramento das regularizações efetuadas pelo sp., a alínea b) do n.º 7 e o n.º 11, ambos do art. 78.º, cuja redação era a seguinte:

      (...)

7 - Os sujeitos passivos podem deduzir ainda o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis:

a) (...)

b) Em processo de insolvência quando a mesma seja decretada,

(...)

11 - No caso previsto no n.º 7 e na alínea d) do n.º 8 é comunicada ao adquirente do bem ou serviço, que seja um sujeito passivo do imposto, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de retificação de dedução inicialmente efetuada.

17. Estas normas visam atenuar o prejuízo para os fornecedores que resulta do não pagamento das dívidas pelos seus clientes, uma vez que aqueles tem de entregar o IVA ao Estado mesmo sem o ter recebido dos clientes, permitindo a recuperação do IVA nos créditos incobráveis, mediante o cumprimento de determinadas condições.

18. Importa ainda ter presente que a regularização de imposto a favor do sp. só pode ser exercida até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, ou seja, a partir do momento em que estão reunidos os requisitos para beneficiar do mecanismo de recuperação do IVA nos créditos incobráveis, conforme previsto no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA.

 

      Análise - erro na interpretação da alínea b) do n.º 7 do art. 78.º do CIVA

19. O sp alega que esta norma apenas requer que os créditos incobráveis respeitem a devedores cuja insolvência tenha sido decretada, sendo ilegal a exigência dos SIT, como condição para a regularização do IVA, de uma certidão comprovativa do trânsito em julgado da sentença que decretou a insolvência e do reconhecimento dos créditos,

20. Ora, este mecanismo de dedução/regularização de imposto, ao impor que a insolvência tenha sido decretada, impede que se possa obter a dedução do IVA anteriormente liquidado sem a existência de uma decisão judicial transitada em julgado.

21. Estando em causa uma opção do sp., pois não existe a obrigação de regularizar o imposto, ele deve estar munido dos elementos que permitam confirmar a sua validade. E estando imposta a condição de existência de um processo judicial, e considerando a tramitação própria dos processos de insolvência, deverá o s.p. estar em condições de demonstrar, quando regulariza o IVA a seu favor, que o seu crédito foi reconhecido e não pago, pois só assim demonstra a sua existência e a sua incobrabilidade.

22. Não provando através de uma certidão do Tribunal que a sentença transitou em julgado, pois só assim se torna definitiva, não demonstra a incobrabilidade do crédito e não provando o reconhecimento dos créditos não prova a sua existência. Não se trata de impor requisitos para além da norma, mas apenas de validar as condições subjacentes a regularização do imposto a favor do s.p., não assistindo razão a reclamante quanto a este ponto.

 

      Análise - violação dos princípios da procura da verdade material e do inquisitório

 

23. Refere a reclamante que quando os SIT questionaram a existência das decisões de insolvência deveriam ter oficiado os tribunais competentes para fornecer as certidões e informações necessárias, em cumprimento do estabelecido no art. 6.º do RCPIT (“O procedimento de inspeção visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adotar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objetivo) e no art. 58.º da Lei Geral Tributária (“A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias a satisfação do interesse público e a descoberta da verdade material).

24. Pretende assim o sp. colocar sobre a Administração Tributária 0 Ónus da confirmação, junto de terceiros, dos valores por si declarados, quando, conforme atrás indicado, não consta da reclamação nem do RIT (nem do próprio relatório elaborado pela J...) a identificação dos processos judiciais relativos à insolvência destes devedores.

25. O princípio do inquisitório impõe a Administração Tributaria a realização das diligências necessárias mesmo que não requeridas pelo sp., enquanto o princípio da verdade material, que concretiza o princípio do inquisitório no âmbito do procedimento de inspeção, fixando como objetivo a descoberta da verdade material, impõe a averiguação do correto cumprimento das obrigações fiscais pelos sujeitos passivos e, com base nessa investigação, a recolha de elementos que permitam aferir da eventual existência de irregularidades.

26, Os SIT estão obrigados a realizar todas as diligências que, de acordo com um critério objetivo, se mostrem úteis ao apuramento da verdade, mas de modo algum estão obrigados a realização de todas as diligências possíveis ou impostas aos próprios sujeitos passivos.

27. Ora, não competiria aos SIT o ónus de prova da inexistência dos factos tributários cujo imposto considerou deduzido ilegalmente por parte do contribuinte nem o Ónus de cumprir as formalidades impostas ao sp., antes cabendo ao próprio contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários em que fundou a dedução que declarou.

28. A não ser assim, bastaria, no limite, ao sp. inscrever nas declarações os valores que lhe aprouvesse, que em caso de inspeção os SIT teriam de diligenciar junto dos eventuais fornecedores para validar os valores inscritos!

29. Os SIT verificaram o incumprimento dos requisitos formais para e regularização do imposto a favor do sp. efetuada no período 2010/07, requisitos esses que deviam estar verificados naquela data, pelo que não se afigura existir a violação de qualquer dos princípios invocados pelo sp.

 

      Análise - erro na interpretação do n.º 11 do art. 78.º do CIVA

30. O sp. alega que a norma prevista no n.º 11 do art. 78.º do CIVA impõe uma “mera comunicação”, sendo uma “mera formalidade” cujo incumprimento apenas poderá ser punido com uma coima, não sendo condição de validade da regularização de IVA.

 31. Esta posição não tem, a nosso ver, qualquer suporte legal. De facto, o n.º 11 do art.º 78º do CIVA determina que, para haver dedução do IVA referente a créditos enquadrados no n.º 7 do mesmo artigo, que são os que estão em discussão, deve ser comunicado ao devedor, caso este seja sujeito passivo do imposto, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos da retificação da dedução inicialmente efetuada.

32. Não se trata de uma possibilidade, mas antes de uma imposição, de um requisito para que seja aceite a regularização a favor do sp., norma que visa evitar que um sujeito passivo regularize a seu favor imposto inicialmente deduzido pelo seu cliente, sem que este fique obrigado a regularizar a favor do Estado o mesmo montante, sendo depois estes créditos do Estado considerados na liquidação do património do devedor.

33. Baseando-se o IVA num sistema de pagamentos fracionados que visam tributar o consumo final, as operações entre sujeitos passivos são, em princípio, neutras, ou seja, a liquidação de imposto nas faturas do fornecedor permite aos clientes a dedução do mesmo montante. A exigência do legislador visa manter a cadeia de operações indispensável ao funcionamento do sistema do IVA, para que não haja deduções de imposto que não é suportado por outro operador e permitindo esta imposição das formalidades contrariar a evasão fiscal.

34. Só com a comunicação aos adquirentes e que estes ficam obrigados a regularizar o imposto a favor do Estado no mesmo montante, inexistindo tal obrigação na falta dessa interpelação, daí que para o sp. exercer a faculdade que a lei lhe permite de recuperar o IVA de créditos incobráveis, lhe imponha a obrigação de comunicar o uso de tal faculdade ao adquirente.

35. Veja-se que o próprio relatório da J... que sustentou as regularizações de IVA, acima identificado, refere que “A A... deverá ainda proceder de imediato à notificação ao administrador de insolvência relativo a cada processo, informando da regularização do IVA”.

36. Apesar de não definir a forma de comunicação, ela deverá ser suportada em elementos idóneos que permitam ao s.p. demonstrar que o destinatário dela obteve conhecimento, cumprindo assim o ónus de provar o direito à dedução invocada, nos termos do art. 74.º da LGT.

37. Inexistindo comunicação aos adquirentes, não estavam cumpridos os pressupostos para a regularização de IVA a favor do s.p.,

 

      Análise - Regularização e pedido de revogação do ato de liquidação

38. Apesar de contestar os requisitos impostos para a regularização do IVA, nomeadamente a certidão da decisão de insolvência com menção dos créditos e a comunicação escrita aos devedores, o s.p. refere que não condicionam a validade da regularização de IVA e que, assim, podem ser cumpridos posteriormente.

39. Nesse sentido, junta certidões das decisões de insolvência (junta apenas uma certidão referente ao processo n.º .../08...TBGMR, em que o insolvente é a H..., SA., NIPC..., protestando juntar os restantes documentos) e cópia das comunicações endereçadas aos devedores, requerendo a anulação da liquidação adicional de IVA por estarem sanados os vícios imputados.

40. Também aqui não terá razão a reclamante pois as condições para a regularização do IVA deveriam estar cumpridas na data em que foi relevada na DP, ou seja, 2010/07.

41. No que respeita as certidões, a única que a reclamante junta e de um processo de insolvência encerrado em 2009 com a homologação do plano de insolvência, de acordo com o qual o crédito da A... foi reduzido para 68.159,71€

42. Foi identificado um novo processo de insolvência em 2009 para este cliente (processo n.º.../09...TBGMR), e parece-nos que seria relativamente a este que o sp. deveria ter a certidão, situação que realça a necessidade de sustentar as regularizações com certidões judiciais, pois só assim se demonstra a existência e quantificação do crédito e a sua incobrabilidade.

43. A reclamante junta ainda ao processo as comunicações efetuadas nos termos do n.º 11 do art. 78.º do CIVA para os devedores e seus administradores de insolvência, efetuadas em janeiro e fevereiro de 2015.

44. Mesmo que com estas comunicações se considerassem cumpridos todos os requisitos para a regularização do IVA, não podia a reclamante deduzir imposto num período e só mais tarde cumprir as condições para o fazer; tal seria como deduzir hoje o imposto de uma compra que vai fazer apenas no próximo ano, subvertendo o sistema de funcionamento do IVA.

45. Apenas com o cumprimento de todos os requisitos previstos estaria o sp. em condições de regularizar o IVA a seu favor, o que teria de fazer numa DP posterior a esse cumprimento, o que não coloca em causa a sustentação da correção promovida pelos SIT quanto a DP de 2010/07.

46. Importa ainda referir que, de acordo com os dados apurados, estão em causa processos de insolvência em que as sentenças foram proferidas antes de 2010:

     

47. O evoluir normal destes processos leva a que alguns, como por exemplo o da sociedade D..., LDA., já estejam encerrados, o que torna ineficazes as comunicações agora efetuadas.

 

      CONCLUSÃO

48. Nestes termos, considerando que em 2010/07 o sp. não cumpria os requisitos para regularizar a seu favor o IVA de créditos considerados incobráveis, nada na a apontar a correção promovida pelos SIT.

49. O sp. não cumpriu as condições decorrentes da alínea b) do n.º 7 e do n.º 11 do art. 78.º do CIVA, não se identificando qualquer violação dos princípios da procura da verdade material e do inquisitório pelos SIT.

50. O cumprimento das condições para regularização do imposto em data posterior aquela em que foi promovida na DP não pode levar à anulação da liquidação adicional de IVA, que se encontra legalmente sustentada.

51. Cumpridos os requisitos, o sp. poderia promover a regularização do IVA a seu favor em declaração posterior ao momento em que tal se verificasse, podendo tal faculdade ser exercida até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito a dedução, ou seja, a partir do momento em que estão reunidos os requisitos para beneficiar do mecanismo de recuperação do IVA nos créditos incobráveis, conforme previsto no artigo 98º, n.º 2, do CIVA

      Por tudo o atrás expandido, não colhe, em nosso entender, a argumentação da reclamante, sendo de manter a liquidação adicional de IVA no valor de 59.017,35€, acrescida de juros compensatórios no valor de 9.216,41€, referente ao período de 2010107.

 

  •  A 25-06-2015 apresentou Recurso hierárquico da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, que foi indeferido por despacho de 05-08-2016, que manifesta concordância com uma informação cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

A. Apreciação

19. Na redação em vigor à data dos factos, a al. b) do n.º 7 do art.º 78.º do CIVA, estabelecia que "os sujeitos passivos podem deduzir ainda o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis em processo de insolvência, quando a mesma seja decretada",

29. Para poder regularizar a seu favor esses créditos, ou seja, recuperar o IVA que liquidou por força da realização de operações tributáveis, entregue ao Estado mas não recebido do respetivo adquirente, a sua incobrabilidade tem de ser comprovada.

21. Constitui elemento de prova indiscutível o reconhecimento judicial do crédito, daí ser indispensável que o sujeito passivo credor tenha na sua posse a certidão emitida pelo Tribunal competente que mencione; a declaração de insolvência; o trânsito em julgado da sentença; e o reconhecimento do crédito reclamado pelo credor.

22. Trata-se de pressupostos da faculdade de proceder à regularização do IVA, e uma vez que é a Recorrente quem invoca o direito à regularização desses créditos, o ónus da prova dos factos constitutivos recai sobre si, nos termos do n.º 1 do art.º 74.º da LGT.

23. Na falta de preenchimento desses pressupostos no período objeto de inspeção, não se chegou a verificar o nascimento do direito da Recorrente de regularizar o IVA referente ao valor dos créditos considerados incobráveis, estando precludida a possibilidade de apresentação posterior dos elementos de prova para efeitos de validação da regularização já efetuada.

24. O direito previsto na al. b) do n.º 7 do art.º 78.º do CIVA, é exercido numa declaração periódica posterior a verificação daqueles pressupostos, mediante a inscrição do respetivo valor no campo 40 da declaração, durante o prazo geral de quatro anos previsto no n.º 2 do art.º 98.º do CIVA, contado a partir do trânsito em julgado da decisão, uma vez que o CIVA não estabelece um prazo especial de caducidade para o exercício do direito a regularização de créditos”.

25. Face ao exposto, não assiste razão à Recorrente quando alega violação dos princípios do inquisitório e da verdade material, e errada interpretação da al. b) do n.º 7 do art.º 78.º do CIVA, por parte dos SIT.

26. Relativamente a obrigação de comunicação, ao adquirente do bem ou serviço, pelo sujeito passivo credor, da sua anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de retificação, pelo adquirente, da dedução por este inicialmente efetuada, tem expressa consagração legal no n.º 11 do art.º 78º do CIVA”, constituindo, portanto, um pressuposto legal do exercício do direito a regularizar o imposto.

27. No rigor da aplicação do n.º 1 e 2 do art.º 22.º e nºs 7 e 11 do art.º 78.º do CIVA, os adquirentes dos bens ou serviços deduzem, em princípio, o imposto por referência ao momento em que a respetiva fatura seja emitida e devem regularizá-lo até ao fim do período seguinte ao da receção da comunicação, no campo 41 da declaração periódica.

28. O Estado necessita de acautelar a possibilidade de recuperar o IVA que presumivelmente foi deduzido pelo devedor, através do instituto da reclamação de créditos, permitido pelo Código da insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

29. Pelo que tem sido entendimento destes serviços que essa garantia só se verifica se a comunicação for prévia à regularização (embora se considere admissível um prazo até ao fim do período de imposto seguinte).

30. Também é entendimento destes serviços que atentas as suas finalidades e as operações que pressupõe, por parte do credor e da insolvente, a própria regularização de créditos não pode ocorrer depois da liquidação da sociedade devedora. Mais precisamente, o direito de regularização do credor só pode ser exercido até o início da liquidação da massa insolvente (art.º 225.º do CIRE).

31. Conclui-se, assim, que a Recorrente a data da regularização não demonstrou a incobrabilidade dos créditos, através da exibição dos documentos essenciais para o nascimento do direito à regularização, nomeadamente a certidão emitida pelo tribunal competente com as menções obrigatórias, nem demonstrou, tempestivamente, o cumprimento da devida e indispensável comunicação aos adquirentes, exigida pelo n.º 11 do art.º 78.º do CIVA.

32. Como vimos, a comunicação em tempo útil revela-se essencial para a eficácia da regularização.

33. Ao proceder ao envio das comunicações apenas em 2015-02-27 e 2015-02-12, a Recorrente inviabilizou que o Estado exigisse, com eficácia, a retificação de imposto deduzido pelo sujeito passivo devedor.

34. Autorizar-se que a comunicação pudesse ser operada não apenas após alguns meses mas mesmo anos, significaria, em qualquer caso, que a comunicação ocorreria num momento em que, presumivelmente (cumpridos os prazos do CIRE) a sociedade devedora já não existia

35. Em termos formais, é ainda de acrescentar que, para que a comunicação possa ser válida e eficaz no cumprimento da finalidade de vincular o adquirente à obrigação de retificação da dedução efetuada, entende-se que deve conter os seguintes elementos: - identificação dos sujeitos passivos (com morada e NIF), da fatura (com número, data e valor), valores regularizados (com discriminação da base tributável e imposto), processo no âmbito do qual o crédito foi considerado incobrável (para que o sujeito passivo adquirente possa aferir se e devida a retificação de imposto decorrente dessa comunicação) e o período de imposto em que a regularização de créditos terá lugar”.

36. São elementos necessários para que o adquirente, com base nesse documento, conheça a regularização de créditos que vai ser efetuada e a sua razão de ser. Só assim pode proceder corretamente a retificação de imposto que lhe é exigida.

37. No caso em apreço, constata-se que as comunicações que exibe a posteriori, não contêm alguns dos elementos essenciais, o que levou, inclusivamente, o administrador de insolvência da G..., Lda, a solicitar esclarecimentos a AT acerca da comunicação referida (v. fls. 285 do procedimento de reclamação graciosa).

38. Assim tem sido o entendimento jurisprudencial, de que a formalidade indevidamente cumprida, que se afigura “ad substanciam", impede a legalidade da regularização do IVA efectuada pelo credor, e consequentemente o provimento do recurso. E não se alegue, como faz a recorrente, que esta interpretação e violadora dos princípios da legalidade, proporcionalidade e certeza e segurança jurídicas, pois que tal dever resulta directa e imediatamente da lei e a consequência do seu incumprimento - a ilegalidade da “regularização” efectuada -, é a adequada em caso de inobservância dos requisitos legais dos quais depende a legalidade da rectificação, não se afigurando nem desproporcionada nem inesperada, daí que não se nos afigure haver qualquer violação dos mencionados princípios constitucionais."

39. Em suma, reitera-se o entendimento de que não se encontravam verificadas as condições legais, da al. b) do n.º 7 e do n.º 11 do art.º 78.º do CIVA, no momento da recuperação do imposto respeitante a créditos considerados incobráveis, concluindo-se que as liquidações não padecem de qualquer ilegalidade, sendo de propor a manutenção da decisão recorrida.

 

 

  • No processo de insolvência respeitante à B..., SA, a sentença de decretamento da insolvência transitou em julgado em 28-05-2008 e o processo ainda corria termos em 24-03-2015 (página 36 do ficheiro do processo administrativo relativo à reclamação graciosa 2);
  • No processo de insolvência respeitante à C..., LDA, a sentença de decretamento da insolvência transitou em julgado em 22-01-2008 e o encerramento do processo ocorreu em 07-01-2011 (página 16 do ficheiro do processo administrativo relativo ao recurso hierárquico);
  • No processo de insolvência respeitante à D..., LDA, a sentença de decretamento da insolvência transitou em julgado em 23-04-2008 e o encerramento do processo ocorreu em 08-02-2013 (página 57 do ficheiro do processo administrativo relativo à reclamação graciosa 2);
  • No processo de insolvência respeitante à E..., LDA, a sentença de decretamento da insolvência transitou em julgado em 04-06-2009 e o processo já se encontrava findo em 04-02-2015; (página 73 do ficheiro do processo administrativo relativo à reclamação graciosa 2);
  • No processo de insolvência respeitante à F..., SA, a sentença de decretamento da insolvência transitou em julgado em 31-07-2006 e o processo ainda corria termos em 16-02-2015 (página 79 do ficheiro do processo administrativo relativo à reclamação graciosa 2);
  • No processo de insolvência respeitante à I... LDA, a sentença de decretamento da insolvência transitou em julgado em 31-07-2006 e o processo ainda corria termos em 13-02-2015 (página 81 do ficheiro do processo administrativo relativo à reclamação graciosa 2);
  • No processo de insolvência respeitante à G..., LDA, a sentença de decretamento da insolvência transitou em julgado em 18-01-2006, foi aprovado e homologado por sentença transitada em 06-09-2007 o Plano de Insolvência e o processo foi encerrado em 02-10-2007 (página 88 do ficheiro do processo administrativo relativo à reclamação graciosa 2);
  • No processo de insolvência respeitante à H..., SA, a sentença de decretamento da insolvência transitou em julgado em 31-12-2009 e o processo ainda corria termos em 20-02-2015 (página 51 do ficheiro do processo administrativo relativo ao recurso hierárquico);
  • A Requerente, em 2015, enviou comunicações sobre a regularização do IVA às devedoras e aos respectivos administradores de insolvência;
  • Em 06-01-2017, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se no processo administrativo.

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

3. Matéria de direito

 

No ano de 2010, no período de IVA 2010/07, a Requerente regularizou IVA a seu favor, com base em créditos considerados incobráveis em processos de insolvência, no montante de 59.017,35.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a regularização não era admissível porque:

– não tinha sido comunicada a regularização do imposto ao adquirente dos bens ou serviços, representados pelos respectivos administradores de insolvência, nos termos do disposto no n.º 11 do artigo 78.º do Código do IVA; e

– a Requerente não tinha na sua posse «certidão do tribunal, que comprove que a sentença de insolvência transitou em julgado, uma vez que só assim ela se torna definitiva»;

a Requerente não tinha prova de que os créditos tenham sido reclamados e/ou reconhecidos nos processos de insolvência.

 

 

            A Requerente imputa à liquidação impugnada os seguintes vícios:

 

1. Erro na interpretação da alínea b) do número 7 do artigo 78.º do Código do IVA, na redação em vigor na data em que a Requerente procedeu à regularização de IVA;

2. Violação dos princípios da procura pela verdade material e do inquisitório no âmbito do procedimento de inspeção, previstos nos termos do artigo 6.º (princípio da verdade material) do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT), do artigo 58.º da LGT (princípio do inquisitório), da alínea e) do artigo 69.º do CPPT (princípio do inquisitório) e artigo 104.º (diligências complementares) do Código do Procedimento Administrativo (CPA);

3. Erro na interpretação do número 11 do artigo 78.º do Código do IVA, na redação em vigor na data em que a Requerente procedeu à regularização de IVA;

4. Violação do princípio da proporcionalidade a que se obriga a Autoridade Tributária no âmbito do artigo 266.º da CRP e do artigo 55.º da LGT.

5. Violação do princípio da neutralidade do IVA subjacente à Diretiva 2006/112/CE.

 

 

3.1. Questão do erro na interpretação da alínea b) do número 7 do artigo 78.º do Código do IVA, na redação em vigor na data em que a Requerente procedeu à regularização de IVA

 

Em 2010, a alínea b) do n.º 7 do artigo 78.º do CIVA tinha a seguinte redacção:[3]

 

7 - Os sujeitos passivos podem deduzir ainda o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis:

 

b) Em processo de insolvência quando a mesma seja decretada.

 

A Requerente defende que

– «esta norma não impunha, como condição de validade da regularização de IVA, que os sujeitos passivos de IVA fossem detentores (i) de documento comprovativo do processo de insolvência ou, sequer, (ii) de que a decisão de insolvência tivesse transitado em julgado»;

– «deveriam ter aceite que os documentos que lhes foram exibidos no momento da inspeção - e que são referidos no relatório de inspeção - permitiam comprovar os requisitos legais da alínea b) do número 7 do artigo 78.º do Código do IVA».

– «prova da existência de créditos reconhecidos poderia ser feita através de qualquer meio, devendo a AT ter diligenciado, como demonstraram ter capacidade para fazer no âmbito do presente procedimento;

– «a posteriori, como a Requerente fez, ao juntar as referidas certidões ao presente processo, e cuja análise não foi feita por essa Direção».

 

 

Como se vê, na redacção vigente em 2010, permitia-se a dedução do imposto respeitante a créditos considerados incobráveis em processo de insolvência quando esta fosse decretada.

Conclui-se desta norma que é necessário que os créditos sejam considerados incobráveis, o que pressupõe uma decisão que aprecie a possibilidade de eles serem ou não cobrados, que pode resultar de um juízo genérico formulado pelo juiz do processo de insolvência nos termos do artigo 39.º do CIRE, quando conclua «que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente e não estando essa satisfação por outra forma garantida».

No entanto, resulta também do texto da alínea b) do n.º 7 do artigo 78.º do CIVA que, a partir do momento em que a insolvência é decretada, independentemente do trânsito em julgado da decisão de decretamento, o sujeito passivo de IVA pode proceder à regularização.

Este efeito do decretamento da insolvência, antes do trânsito em julgado da decisão, está em sintonia com a pluralidade de efeitos que a lei lhe atribui logo que o decretamento ocorre, que são explicitamente referidos no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE):

«29 - A sentença de declaração de insolvência representa um momento fulcral do processo. Ela não se limita a essa declaração mas é intensamente prospectiva, conformando boa parte da tramitação posterior e despoletando uma vasta panóplia de consequências. Por outro lado, o momento da sua emanação é decisivo para a aplicação de inúmeras normas do Código».

«31 - A sentença de declaração da insolvência é fonte de inúmeros e importantes efeitos, que são agrupados do seguinte modo: ‘efeitos sobre o devedor e outras pessoas’; ‘efeitos processuais’; ‘efeitos sobre os créditos’, e ‘efeitos sobre os negócios em curso’»

 

Neste contexto, a referência que no n.º 7 do artigo 78.º do CIVA se faz à possibilidade de regularização do imposto relativo a créditos considerados incobráveis em processo de insolvência «quando esta fosse decretada» (e não quando transite em julgado a decisão de decretamento), revela uma intenção legislativa de assinalar o momento a partir do qual essa regularização era possível, que era o momento do decretamento e não o do trânsito em julgado da sentença que decreta a insolvência (e muito menos o trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos, que pode nem vir a ser proferida, nos casos a que alude o n.º 1 do artigo 39.º do CIRE).

É uma solução que se compreende por a decisão de decretamento da insolvência constituir uma forte presunção de incobrabilidade dos créditos e estar assegurada a obrigação de entrega do imposto, caso se venha a concretizar a recuperação dos créditos, nos termos do n.º 12 do mesmo artigo 78.º.

Por outro lado, não há qualquer suporte legal para concluir que o sujeito passivo só pode proceder à regularização quando for detentor de uma certidão da decisão de decretamento, pois não existia, em 2010, qualquer norma que directa ou indirectamente previsse tal obrigação. Nomeadamente, o n.º 16 do mesmo artigo 78.º, que a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca no presente processo, estabelecia, na redacção vigente em 2010, que «os documentos, certificados e comunicações a que se referem os n.ºs 8 a 11 do presente artigo devem integrar o processo de documentação fiscal previsto nos artigos 121.º do Código do IRC e 129.º do Código do IRS», pelo que, se daqui decorresse ser requisito da regularização a inclusão dos documentos respectivos no dossier fiscal, ter-se-ia de concluir que tal inclusão não era necessária nos caso do n.º 7, pois este número não era referido, só vindo a sê-lo na redacção introduzida pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro.

Pelo exposto, conclui-se que a Requerente tem razão ao defender que a correcção subjacente à liquidação impugnada assenta num erro de interpretação da alínea b) do n.º 7 do artigo 78.º do CIVA.

 

            3.2. Questão da violação dos princípios da procura pela verdade material e do inquisitório no âmbito do procedimento de inspeção, previstos nos termos do artigo 6.º (princípio da verdade material) do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT), do artigo 58.º da LGT (princípio do inquisitório), da alínea e) do artigo 69.º do CPPT (princípio do inquisitório) e artigo 104.º (diligências complementares) do Código do Procedimento Administrativo (CPA);

 

Esta questão colocada pela Requerente relaciona-se com a obtenção das certidões do trânsito em julgado das decisões que decretaram a insolvência das sociedades devedoras da Requerente.

Estando decidido que não era requisito da regularização a detenção dessas certidões, fica prejudicado, por ser inútil [artigo 130.º do CPC subsidiariamente aplicável, por força do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º, do RJAT], saber se a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria diligenciar para que as certidões fossem obtidas.

 

3.3. Erro na interpretação do número 11 do artigo 78.º do Código do IVA, na redação em vigor na data em que a Requerente procedeu à regularização de IVA

 

A correcção subjacente à liquidação impugnada assenta também na falta do requisito previsto no n.º 11 do mesmo artigo 78.º, pelo que aquele erro de interpretação do n.º 7 não basta para concluir pela anulação da liquidação impugnada.

Na verdade, quando um acto tem mais que um fundamento, cada um deles com potencialidade para, só por si, assegurar a legalidade do seu conteúdo decisório, é irrelevante que um deles seja ilegal, pois «o tribunal, para anular ou declarar a nulidade da decisão questionada, emitida no exercício de actividade vinculada da Administração, não se pode bastar com a constatação da insubsistência de um dos fundamentos invocados, pois só após a verificação da improcedência de todos eles é que o tribunal fica habilitado a invalidar o acto» ( [4] ).

Assim, importa apreciar se a liquidação impugnada tem suporte legal no n.º 11 do artigo 78.º do CIVA.

Na redacção vigente em 2010, o n.º 11 do artigo 78.º do CIVA estabelecia o seguinte:

 

11 - No caso previsto no n.º 7 e na alínea d) do n.º 8 é comunicada ao adquirente do bem ou serviço, que seja um sujeito passivo do imposto, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de rectificação da dedução inicialmente efectuada.

 

A Requerente defende que «trata-se de uma mera formalidade, imposta pelo artigo 78.º do Código do IVA, não se estipulando qualquer forma – escrita ou oral» e «não pode ser interpretado como condição de validade da regularização de IVA», pois não é um requisito ad substantiam, podendo a comunicação ser efectuada em momento posterior, o que ocorreu no caso em apreço, pelo que deveria ser revogada a liquidação.

Porém, o Supremo Tribunal Administrativo entendeu, no acórdão de 25-06-2015, proferido no processo n.º 0288/14, que «a comunicação ao adquirente do bem ou serviço que seja sujeito passivo de IVA da intenção do credor de proceder à anulação do IVA contido no crédito incobrável em processo de insolvência constitui requisito legal do qual depende a legalidade da “regularização” pelo credor e deve ser feita, em caso de insolvência do devedor, ao administrador de insolvência nomeado e que «a formalidade indevidamente cumprida, que se afigura “ad substanciam”, impede a legalidade da regularização do IVA efectuada pelo credor e consequentemente o provimento do recurso».

Como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, a norma do n.º 11 do artigo 78.º do CIVA, tem por objectivo evitar que um sujeito passivo esteja a anular imposto que foi deduzido pelo seu cliente, sem que este fique obrigado a regularizar, a favor do Estado, o mesmo montante.

Por isso, a anulação só pode ser regularmente efectuada quando o sujeito passivo que a ela quer procedeu tiver assegurado previamente que foi efectivada a comunicação ao adquirente do bem ou serviço que seja sujeito passivo do imposto e puder confirmar que esta foi efectuada, pois só assim, estará assegurado que sobre este recai o dever de rectificação.

 De qualquer forma, mesmo que se entendesse que essa comunicação pudesse ser posterior à anulação, a verificação de todos os requisitos do «direito à dedução» previsto no n.º 7 do artigo 78.º do CIVA, incluindo o previsto no n.º 11, sempre teria de ocorrer antes de transcorrido o prazo de 4 anos, previsto no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA para exercício do direito à dedução. Na verdade, independentemente do rigor com a expressão é utilizada, o n.º 7 do artigo 78.º do CIVA considera explicitamente consequência da anulação do IVA com fundamento em incobrabilidade do crédito como dedução do imposto (ao dizer «os sujeitos passivos podem deduzir ainda o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis»), o que se justificará por a dedução na declaração periódica do imposto liquidado pelo sujeito passivo e não pago pelo adquirente, ser a via para efectuar a regularização. E, sendo a dedução a via para efectuar a regularização esta está subordinada ao prazo máximo de 4 anos «após o nascimento do direito à dedução», em conformidade com o preceituado no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA.

Por isso, tendo a anulação ocorrido em Julho de 2010, a Autoridade Tributária e Aduaneira podia seguramente concluir em Setembro de 2014, quando efectuou a liquidação, que não estava definitivamente satisfeito requisito previsto no n.º 11 do artigo 78.º.

Por isso, a Autoridade Tributária e Aduaneira interpretou correctamente o n.º 11 do artigo 78.º do CIVA.

 

 

3.4. Questão da violação do princípio da proporcionalidade enunciado no artigo 266.º da CRP e no artigo 55.º da LGT

 

Do princípio da proporcionalidade, que a actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira deve observar, por força dos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT, decorre que devem ser adoptados comportamentos adequados aos fins prosseguidos e só devem ser afectados direitos dos contribuintes na medida do necessário e em termos proporcionais aos objectivos a realizar (artigo 7.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Procedimento Administrativo). 

A exigência de comunicação da anulação do IVA ao adquirente dos bens ou serviços ou quem o represente não se afigura desproporcionada, já que se trata de uma diligência de muito fácil concretização e insignificante onerosidade e tem como justificação impor ao devedor/adquirente a obrigação de rectificação da dedução de IVA efectuada com base na factura emitida pela Requerente, assegurando que não há prejuízo para o erário público derivado da cumulação daquela dedução com a que resulta da anulação para o credor.

A Requerente invoca a violação deste princípio por a Autoridade Tributária e Aduaneira lhe impor mais requisitos do que a lei lhe impõe e ser ineficaz a comunicação a sociedades já encerradas.

No entanto, quanto às comunicações não se está perante um requisito não previsto na lei, pois consta explicitamente do n.º 11 do artigo 78.º do CIVA.

Por outro lado, como se referiu, em sintonia com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que se citou, as comunicações deveriam ter sido feitas em 2010 e deveriam ter por destinatários os respectivos administradores das insolvências, nos casos em que os processos se encontravam pendentes.

Dos processos de insolvência referidos nos autos, apenas o relativo à G..., LDA, se encontrava findo em Agosto de 2010, quando a Requerente efectuou a regularização do imposto, mas não se provou que esta sociedade se encontrasse extinta, pois foi homologado por sentença transitada em 06-09-2007 um Plano de Insolvência.

Por isso, não se pode concluir que as comunicações não seriam relevantes e eficazes se tivessem sido efectuadas em Agosto de 2010, às devedoras e administradores das respectivas insolvências.

 

 

5. Violação do princípio da neutralidade do IVA subjacente à Diretiva 2006/112/CE

 

A Requerente defende, em suma, que o princípio da neutralidade subjacente a Directiva n.º 2006/112/CE impõe que através da dedução do IVA suportado a montante que os operadores económicos se desoneram do imposto, não incorporando os custos da sua actividade.

A questão não é de solução clara pois a Directiva n.º 2006/112/CE estabelece no seu artigo 90.º que «em caso de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço depois de efectuada a operação, o valor tributável é reduzido em conformidade, nas condições fixadas pelos Estados-Membros».

A jurisprudência do TJUE citada pela Requerente (acórdãos de 22-10-2015, proferido no processo n.º C-277/14, e de 15-09-2016, proferido no processo n.º C-516/14), não visa especificamente situações de regularização do imposto por falta de pagamento e condições podem ser fixadas pelos Estados-Membros.

A Requerente pede, a título subsidiário, que «caso o Tribunal entenda que as questões suscitadas na presente petição não são claras face à Diretiva do IVA e Jurisprudência Comunitária já cita, requer-se que se suspenda o processo e sejam suscitadas as questões tidas por relevantes perante o TJUE».

No artigo 19.º, n.º 3, alínea b) e no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia prevê-se o reenvio prejudicial para o TJUE, que é obrigatório sempre que uma questão sobre a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno.

No entanto, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia a interpretação do Direito da União Europeia resulta já da jurisprudência do TJUE não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81.

 Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado) e quando a correcta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de DUE suscitada (doutrina do acto claro) (idem, n.º14).

Porém, no caso em apreço, está em causa a interpretação de normas do Direito da União Europeia sobre a qual existem dúvidas interpretativas e não se conhece jurisprudência do TJUE que decida de forma clara sobre as questões essenciais que são colocadas no presente processo.

O TJUE tem pacificamente admitido reenvio prejudicial em processos arbitrais tributários (como se vê pelo acórdão de 11-06-2015, proferido no processo n.º C-256/14).

Assim, não havendo possibilidade de recurso relativamente às questões colocadas relativas ao princípio da neutralidade, é de entender que é obrigatório o reenvio prejudicial, à face do preceituado no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

Nestes termos, formulam-se as seguintes questões em

 

Reenvio prejudicial

 

  1. O princípio da neutralidade e o artigo 90.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, opõem-se a uma legislação nacional como a que consta do artigo 78.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, interpretada com o alcance de não ser permitida a regularização do imposto, nos casos de não pagamento, antes de ser efectuada comunicação da anulação do imposto ao adquirente do bem ou serviço, que seja sujeito passivo do imposto, para efeitos de rectificação da dedução inicialmente efectuada?
  2. Em caso afirmativo, o princípio da neutralidade e o artigo 90.º da Directiva n.º 2006/112/CE, opõem-se a uma legislação nacional como a que consta do artigo 78.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, interpretada no sentido de não ser permitida a regularização do imposto, nos casos de não pagamento, quando a comunicação da anulação do imposto ao adquirente do bem ou serviço, que seja sujeito passivo do imposto, não é feita até ao termo do prazo previsto para a dedução do imposto, no artigo 98.º, n.º 2, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado?

 

Termos em que acordam em suspender a instância até à pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre as questões referidas, ordenando-se a passagem de carta, a dirigir pela secretaria do CAAD à daquele, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado de traslado do processo, incluindo cópias do presente acórdão, do pedido de pronúncia arbitral, da resposta a Autoridade Tributária e Aduaneira e das alegações das Partes, bem como cópia do processo administrativo e dos documentos juntos com as peças processuais.

 

 

 

Lisboa, 16-11-2017

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

(A. Sérgio de Matos)

 

 

(Ana Teixeira de Sousa)



[1]              A redacção foi introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, no n.º 8 do artigo 71.º do CIVA, que corresponde ao artigo 78.º após a renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 102/2008, de 20 de Junho.
 

[2]                     Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10-5-2000, processo n.º 39073, publicado em Apêndice ao Diário da República de 09-12-2002, página 4229.

                Na mesma linha, pode ver-se o acórdão do acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 28-10-2004, processo n.º 28055, em que se entendeu que «tendo o acto contenciosamente impugnado uma pluralidade de fundamentos, a invalidade de um deles não obsta a que o tribunal conheça dos restantes e só no caso de concluir pela invalidade de todos eles pode e deve julgar o acto nulo ou anulável».

                .

 

[3]                              A redacção foi introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, no n.º 8 do artigo 71.º do CIVA, que corresponde ao artigo 78.º após a renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 102/2008, de 20 de Junho.
 

[4]                                                                     Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10-5-2000, processo n.º 39073, publicado em Apêndice ao Diário da República de 09-12-2002, página 4229.

                Na mesma linha, pode ver-se o acórdão do acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 28-10-2004, processo n.º 28055, em que se entendeu que «tendo o acto contenciosamente impugnado uma pluralidade de fundamentos, a invalidade de um deles não obsta a que o tribunal conheça dos restantes e só no caso de concluir pela invalidade de todos eles pode e deve julgar o acto nulo ou anulável».

                .