Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 667/2016-T
Data da decisão: 2017-06-20  Selo  
Valor do pedido: € 1.256.034,33
Tema: IS - Sociedade Gestora de Fundos de Pensões
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ACÓRDÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Conselheiro José Baeta de Queiroz (árbitro-presidente), Prof. Doutor Paulo Nogueira da Costa e Dr. José Nunes Barata (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 26 de janeiro de 2017, acordam no seguinte:

 

 

I.                   RELATÓRIO

 

1.                  A…, S.A. (doravante “Requerente”) portadora do número de identificação de pessoa coletiva …, sedeada na Avenida …–…– … em …, na sequência do despacho de 23.08.2016 do Diretor Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, que indeferiu expressamente a reclamação graciosa apresentada em 24-03-2016, na qual se solicitava a anulação das liquidações adicionais de Imposto do Selo n.º 2015…, no montante de € 207.834,52, n.º 2015…, no montante de € 362.215,80, n.º 2015…, no montante de € 330.390,29, e n.º 2015…, no montante de € 355.593,72, referentes, respetivamente, aos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014, bem como das respetivas liquidações de juros compensatórios, veio, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e nos artigos 10.º, 15.º e seguintes, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ou “RJAT”) deduzir pedido de pronúncia arbitral contra aquela decisão de indeferimento da reclamação graciosa e contra as liquidações de imposto acima identificadas, pretendendo a sua anulação.

 

2.    É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (adiante designada por “AT” ou “Requerida”)

 

3.    O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 28-11-2016.

 

4.    Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo o Conselheiro José Baeta Queiroz, o Prof. Doutor Paulo Nogueira da Costa e o Dr. José Nunes Barata, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.    Em 11-01-2017 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos do disposto no artigo 11.º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

6.    Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 26-01-2017.

 

7.    A Requerente, no pedido de constituição do tribunal arbitral por si apresentado, invoca, em síntese, o seguinte:

a)      A norma de incidência subjetiva constante da Verba 17.3 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) inclui os conceitos de (i) instituição de crédito, (ii) sociedade financeira ou outras entidades a ela legalmente equiparadas e de (iii) instituição financeira, cujo sentido deve ser interpretado à luz do Direito Bancário, Financeiro e Segurador, conforme dispõe o n.º 2 do artigo 11.º da LGT, uma vez que as normas fiscais não contêm a definição destes conceitos, que são próprios daquele outro ramo de direito;

b)      As normas de incidência subjetiva em causa estão, como tal, sujeitas ao princípio da legalidade tributária;

c)      Este princípio exige que as normas de incidência sejam claras, precisas e com um elevado grau de determinação, não conferindo discricionariedade administrativa no preenchimento dos seus conceitos;

d)      A resposta à magna questio de saber se as Sociedades Gestoras de Fundos de Pensões (SGFP) são instituição de crédito, sociedades financeiras ou a elas legalmente equiparadas ou instituições financeiras, só pode ser negativa, conforme resulta do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF);

e)      As atividades praticadas pelas entidades do sector segurador regem-se exclusivamente pelas regras do regime do Solvência II, transpostas em Portugal pela Lei n.º 147/2015, de 9 de setembro, a qual nomeadamente aprovou o Regime Jurídico de Acesso e Exercício da Atividade Seguradora e Resseguradora (RJASR) e pelo Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de janeiro, no que se refere às SGFP, e não pelo RGICSF ou pela legislação europeia do setor bancário;

f)       Desta forma, a definição de “instituição financeira” que consta do RGICSF, e também do Regulamento 575/2013, visto que a primeira é a réplica da segunda, nunca abrange as entidades do sector segurador;

g)      É por este motivo, de resto, que as SGFP são supervisionadas pela ASF e não pelo Banco de Portugal;

h)      Quando o legislador quis integrar no conceito de “instituição financeira” outras entidades que não são qualificadas como tal nos termos do RGICSF, estabeleceu isso mesmo em norma expressa;

i)       Foi o que aconteceu com as seguradoras (através do artigo 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 102/94, de 20 de abril, e que foi mantido pelo artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 94-B/98, de 17 de abril), e foi o que efetivamente não aconteceu com as SGFP e fundos de pensões, em relação aos quais nenhuma norma semelhante foi estabelecida;

j)       No quadro jurídico em vigor, a legislação deixou de qualificar as empresas de seguros como “instituições financeiras”, passando o legislador a qualificá-las de “empresas financeiras” (artigo 47.º do RJASR);

k)      Daqui retiram-se as seguintes conclusões: (i) o conceito de instituição financeira é o que consta do RGICSF e (ii) o legislador optou por deixar de qualificar as seguradoras como instituições financeiras;

l)       Ora, se até as seguradoras, que eram expressamente qualificadas de “instituições financeiras” o deixaram de o ser, o que dizer das SGFP e dos fundos de pensões, em relação aos quais nenhuma norma alguma vez as qualificou como tal?

m)   A utilização de um conceito indeterminado e cujo preenchimento permite à AT incluir ou não incluir, a seu bel-prazer, a multitude de entidades a que os seus “argumentos” se aplicam, redundaria numa evidente inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade fiscal e do princípio da tipicidade e, também, dos princípios da igualdade e da segurança jurídica;

n)      Desta forma, a interpretação efetuada pela AT da norma de incidência subjetiva constante da Verba 17.3, para além de ilegal, é também inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais acima mencionados;

o)      Caso se entenda que as comissões cobradas pela Requerente estão sujeitas a Imposto do Selo (o que não se concede), então será forçoso concluir que se aplica a isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS;

p)      O artigo 37.º, n.º 2, da LOE 2001, não contém, ele próprio, qualquer delimitação material ao âmbito de aplicação da isenção de Imposto do Selo postulada nas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 6.º do CIS;

q)      Esta delimitação foi introduzida diretamente na nova redação atribuída ao n.º 2 do então artigo 6.º do CIS;

r)       O n.º 2 do artigo 6.º do CIS, que estabelecia a referida delimitação da isenção, foi expressamente revogado pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro (a qual aprovou a Lei do Orçamento do Estado para 2003 – LOE 2003);

s)      A revogação ocorreu por força do artigo 30.º da LOE 2003;

t)       É certo que, na LOE 2003, o legislador não fez uso da palavra “revogado” para enunciar e anunciar que a redação dada pela LOE 2001 ao n.º 2 do então artigo 6.º do CIS havia sido efetivamente revogada.

u)      Não fez, nem precisava de o fazer, uma vez que o efeito revogatório é produzido pelo facto de o legislador, na LOE 2003, determinar que a nova redação a dar àquela norma correspondia à antiga redação do n.º 3 desse mesmo artigo;

v)      Assim, a norma revogada pela LOE 2003 apenas esteve em vigor entre 01.01.2001 e 31.12.2002;

w)    Nestes moldes, e como é evidente, uma norma que foi revogada em 31 de dezembro de 2002 não pode jamais ser aplicada a comissões pagas entre 2011 e 2014, cerca de uma década depois;

x)      Para os Serviços de Inspeção, a expressão “e, bem assim” que consta da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS destina-se a estabelecer uma relação entre a concessão de crédito e os juros, comissões e garantias;

y)      Considera a Requerente, em sentido divergente, que a expressão “e bem assim” utilizada pelo legislador aquando da redação dada pela LOE 2003 à alínea e) do n.º 1 do então artigo 6.º do CIS será sinónima de outras expressões tais como “para além disso”, “além do mais”, “ademais” e “adicionalmente”;

z)      Ou seja, a expressão citada constante da norma que aqui se interpreta contém em si mesma, segundo o ponto de vista da Requerente, uma ideia de adição ou de soma num contexto de uma enumeração de factos;

aa)  Não é, pois, possível, em termos linguísticos, pretender afirmar-se que para além da relação de enumeração de factos que decorre do uso da expressão “e bem assim”, exista um qualquer outro significado como seja uma especial relação de dependência entre a cobrança de juros e/ou comissões e/ou a prestação de garantias face a uma qualquer operação de concessão de crédito;

bb)  No mesmo sentido convergem os elementos lógico e sistemático da interpretação;

cc)  A interpretação pugnada pela AT no que respeita à alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS viola, ademais, o princípio constitucional da igualdade e o princípio da tipicidade da lei fiscal, pois restringe a aplicação de uma isenção legalmente prevista, com fundamento na aplicação de uma norma revogada em 31.12.2002.

dd)  A Requerente considera profundamente errada a interpretação constante do Acórdão do TCAS proferido em 21.09.2010 (processo n.º 02754/08), citado pelos Serviços de Inspeção;

ee)  Uma interpretação apressada e manifestamente errada por parte do TCAS não poderá, nunca, servir de guia ou de desculpa para perpetuar o erro, mantendo essa interpretação, agora que todos os elementos hermenêuticos foram expostos;

ff)    Infelizmente, também o STA tem seguido acriticamente a decisão do TCAS nesta parte (que por sua vez seguia acriticamente a sentença do TAF de Sintra), de novo em casos sobre comissões de mediadores de seguros que pouco ou nada têm a ver com os autos;

gg)  Como último argumento para a refutação da tese da Requerida, a Requerente invoca as alterações que a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (a qual aprovou a Lei do Orçamento do Estado para 2016 - LOE 2016), recentemente introduziu ao artigo 7.º, do CIS;

hh)  A redação dada pelo legislador fiscal ao novo n.º 7 do artigo 7.º do CIS apresenta inúmeras similaridades com a redação que havia sido instituída pela LOE 2001 para o então n.º 2 do artigo 6.º do mesmo Código e que vigorou durante 2 anos até ser revogado pela LOE 2003;

ii)     No entanto, o legislador não se limitou, com a LOE 2016, a repescar uma fórmula que já havia sido empregue há cerca de 15 anos atrás para efeitos de impor uma redução ao âmbito da isenção de Imposto do Selo prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS – através do artigo 154.º, da LOE 2016, o legislador estatuiu que, nomeadamente, a redação conferida ao novo n.º 7 do artigo 7.º do CIS tinha um carácter interpretativo;

jj)     Conclui-se que a LOE 2016 instituiu (novamente) uma “delimitação do âmbito material” da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, porque tal restrição não constava do ordenamento jurídico desde a sua revogação em 2003;

kk)  Esta ilação conduz a uma, também inevitável conclusão: a premissa anteriormente enunciada (e defendida pela AT no Relatório) de que essa restrição ao âmbito de isenção prevista naquela norma havia vigorado desde 2001 até aos nossos dias é, afinal, falsa;

ll)     E não se diga que o caráter interpretativo conferido legislador pelo artigo 154.º, da LOE 2016, ao novo n.º 7 do artigo 7.º do CIS virá, agora, em “socorro” da AT, apagando toda e qualquer ilegalidade entretanto cometida no passado, nomeadamente no procedimento tributário que antecedeu as liquidações de imposto e juros compensatórios contestadas pela Requerente;

mm) É que, nunca é demais recordar o artigo 103.º, n.º 3, da CRP (norma resultante da Revisão Constitucional de 1997) prescreve que “[n]inguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”;

nn)  Esta ideia de proibição da retroatividade da lei fiscal prescrita na CRP veio a ser incluída também no artigo 12.º, n.º 1, da LGT, o qual determina que “[a]s normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroativos”;

oo)  Entende a Requerente que não há como negar o caráter inovador do n.º 7 aditado pelo artigo 152.º, da LOE 2016, ao artigo 7.º, do CIS e, como tal, está-se perante um caso em que uma lei nova aplicar-se-á (por via do caráter interpretativo que lhe foi conferido pelo artigo 154.º, da LOE 2016) a factos totalmente ocorridos (e.g. nos anos de 2011 a 2014) em momento anterior à sua publicação;

pp)  Como é evidente, a norma que confere caráter interpretativo padece do vício de inconstitucionalidade na medida em que é patentemente contrário à referida proibição da retroatividade da lei fiscal;

qq)  A Requerente sustenta ainda que a restrição da isenção propugnada pela AT viola a Diretivas de “reunião de capitais”;

rr)    A proibição de aplicar impostos indiretos sobre os fundos de pensões decorre do artigo 5.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva 3008/7/CE, conjugada com a Diretiva 2003/41/CE;

ss)   Mas mesmo que se entenda que a Diretiva 3008/7/CE não é aplicável, ainda assim a tributação em sede de Imposto do Selo violaria o disposto no artigo 11.º do DL 12/2006, que impede o património dos fundos de pensões de responder por quaisquer outras obrigações, para além das elencadas nessa lei;

tt)     Uma vez que este Decreto-Lei transpõe para a ordem interna a Diretiva 2003/41/CE, a violação daquele artigo 11.º configura uma violação da Diretiva e, por essa via, da própria Constituição (artigo 8.º da CRP);

uu)  Assim, a tributação em sede de Imposto do Selo das comissões de gestão cobradas pelas SGFP aos Fundos de Pensões viola o disposto na Diretiva 3008/7/CE e Diretiva 2003/41/CE;

vv)  Caso este Tribunal venha a entender que subsistem dúvidas quanto à interpretação das regras acima mencionadas à luz do Direito da União Europeia, tem o dever legal de submeter as devidas questões ao TJUE;

ww)   A Requerente prestou garantias nos valores fixados pelo Chefe de Finanças Adjunto do Serviço de Finanças de Oeiras … para suspender as execuções fiscais instauradas após o não pagamento voluntário das liquidações ora impugnadas;

xx)  Caso se conclua que assiste razão à Requerente no presente processo, esta deverá ser ressarcida dos prejuízos resultantes da prestação indevida de tais garantias.

 

8.      Na sua Resposta, a Requerida apresenta defesa por impugnação, alegando, no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral, em síntese, o seguinte:

a)      Entende a Requerida que não assiste razão à Requerente, pelas razões evidenciadas no Relatório Final da Inspeção Tributária e na decisão da Reclamação Graciosa, as quais dá por integralmente reproduzidas na sua Resposta;

b)      O regime de constituição e funcionamento dos fundos de pensões e das respetivas sociedades gestoras consta, como já referido, do Decreto-Lei 12/2006, de 20 de Janeiro, que transpôs para a nossa ordem jurídica a Diretiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de junho, relativa às atividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais;

c)      Decorre do preâmbulo do diploma nacional o objetivo de estabelecer um tratamento unitário dos fundos de pensões, verificando-se que o legislador estendeu os princípios e previsões normativas contidos na diretiva para os planos de pensões profissionais aos fundos de pensões “do terceiro pilar da proteção social” (planos de pensões «individuais»).

d)      Nos termos do citado decreto-lei os fundos de pensões são geridos por entidades especializadas e profissionais, constituídas sob a forma de sociedade anónima exclusivamente para esse fim, designadas por SGFP, ou por empresas de seguros que explorem legalmente o ramo “Vida" e possuam estabelecimento em Portugal;

e)      Sobre a qualificação das sociedades gestoras de fundos de pensões como instituições financeiras, veja-se que, quando a atividade de gestão é exercida por seguradoras do ramo Vida, não existe margem para dúvidas nessa qualificação, de acordo com o disposto no artigo 8º do DL 94/98, de 17 de abril, que transpôs a Diretiva n.º 2005/68/CE;

f)       Quanto às Entidades Gestoras constituídas especificamente para esse fim, são também pacificamente consideradas como instituições financeiras sujeitas em conformidade à supervisão do ISP, embora de regime especial, dado a regulamentação da sua atividade não constar do Regime Geral das instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, mas sim de legislação especial para que remete o n° 3 do artigo 6.º deste mesmo Regime.

g)      Atesta tal evidência os termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei nº 25/2008, de 5 de junho que estatui expressamente que as sociedades gestoras de fundos de pensões são entidades financeiras;

h)      O direito da União Europeia, transposto pelo Decreto-Lei nº 12/2006, converge no mesmo sentido interpretativo, pois o critério que presidiu à elaboração da Diretiva n.º 2003/41/CE foi que, dada a importância e influência que essas entidades assumem na realização do mercado único de serviços financeiros considerou-se "(...) premente a elaboração de uma diretiva relativa à supervisão prudencial das instituições de realização de planos de pensões profissional, já que estas importantes instituições financeiras, que têm um papel-chave a desempenhar na integração, eficácia e liquidez dos mercados financeiros, não estão sujeitas a um quadro legislativo comunitário coerente que lhes permita tirar pleno partido das vantagens do mercado único”;

i)       No mesmo sentido, veja-se a definição constante do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (UE) nº 575/2013 de 2013-06-26, do Parlamente Europeu e do Conselho, segundo a qual é instituição financeira a empresa que não seja uma instituição de crédito, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36/EU;

j)       Verifica-se que as atividades mencionadas são subsumíveis, por exemplo, aos pontos 8 a 11 do anexo I da Diretiva 2013/36/UE, de 2013-06-26, do Parlamento Europeu e do Conselho que refere, a “Participação em emissões de títulos e prestação de serviços conexos com essa emissão'', aplicável aos Fundos abertos, e a "Gestão de carteiras";

k)      É o exercício de uma ou mais destas atividades que, a nível do direito da União Europeia, qualificam uma determinada entidade como instituição financeira;

l)       O DL 157/2014, de 24/10, aditou ao RGICSF o artigo 2.2-A, cuja alínea z) define o conceito de "instituições financeiras" como sendo as sociedades cuja atividade principal consista no exercício de uma ou mais das atividades enumeradas nos pontos 2 a 12 da lista constante no anexo I à Diretiva 2013/36/UE, do Parlamento e do Concelho, de 26 de Junho, o qual  é semelhante ao anexo I da Diretiva 2006/48/CE, que inclui, designadamente, as atividades de gestão de carteiras ou consultoria em gestão de carteiras e a custódia e administração de valores mobiliários, em que as entidades em causa se integram;

m)   Nos termos das alíneas e) e f) do nº 1 do artigo 30º do Código dos Valores Mobiliários (CVM), tanto as SGFP como os Fundos são qualificados, a par das outras instituições financeiras, investidores institucionais, sendo factualmente indesmentível a sua relevância efetiva como investidores institucionais;

n)      Igualmente, atendendo aos objetivos que presidem e às suas competências, bem como ao tipo de operações que praticam com vista à sua realização, fácil é concluir que as atividades exercidas são qualificáveis apenas como materialmente financeiras;

o)      No caso em presença, a Requerente é uma sociedade gestora de fundos de pensões, ou seja uma sociedade que, nos termos do n.º 4 do art.º 32.º do decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, acima mencionado, realiza todos os seus atos em nome e por conta comum dos associados, participantes, contribuintes e beneficiários e, na qualidade de administradora do fundo e de sua legal representante, pode negociar valores mobiliários ou imobiliários, fazer depósitos bancários na titularidade do fundo e exercer todos os direitos ou praticar todos os atos que direta ou indiretamente estejam relacionados com o património do fundo;

p)      Confrontando as atividades identificadas na citação do RGICSF e da Diretiva nº 2013/36/UE com as que acima são referidas a título de atribuições de uma sociedade gestora de fundos de pensões, somos levados a concluir que a Requerente preenche os requisitos para ser qualificada como “sociedade financeira”, categoria onde se inserem também as instituições financeiras definidas na alínea z), subalínea ii);

q)      E tanto assim é que, no art.º 6.º (Tipos de Sociedades Financeiras), o legislador afastou expressamente do RGICSF, ao prever no n.º 3: “Para efeitos deste diploma, não se consideram sociedades financeiras as empresas de seguros, as sociedades gestoras de fundos de pensões e as sociedades de investimento mobiliário e imobiliário.”, donde resulta que não as desqualifica como sociedades financeiras, antes, as retira do regime prudencial e da supervisão do Banco de Portugal;

r)       Apesar de o n.º 3 do artigo. 6.º do RGICSF ter remetido expressamente para um regime próprio, é inegável que o núcleo das suas funções se assemelha a algumas das atividades exercidas pelas entidades sujeitas ao regime geral;

s)      A composição dos ativos que integram os patrimónios dos Fundos de Pensões, cuja gestão é assegurada pelas SGFP, de acordo com uma política de investimento segura e eficiente pautada pelo princípio do “gestor prudente”, compreende, além de imóveis, aplicações em carteiras de valores mobiliários ou outro tipo de aplicações financeiras, decorrentes das aplicações dos fundos que lhe são entregues pelas entidades contribuidoras e/ou participantes;

t)       Tal implica que as SGPF operam nos mercados financeiros com o estatuto de investidor qualificado, nos termos previstos na alínea e) do n.º 1 do art.º 30.º do Código de Valores Mobiliários;

u)      Conforme é referido no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 12/2006, através deste diploma foi feita a «transposição da Diretiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Junho, relativa às atividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais, constitui ensejo para proceder à revisão geral do regime dos fundos de pensões, incrementando o nível da proteção de participantes e beneficiários, bem como procedendo ao seu aperfeiçoamento técnico tendo em conta a experiência de supervisão dos fundos de pensões»;

v)      Assim, o legislador deu nota publicamente de que procedeu, através do Decreto-Lei n.º 12/2006, à transposição da Diretiva e, assim o comunicou oficialmente à Comissão Europeia, que no seu Relatório sobre determinados aspetos essenciais da Diretiva 2003/41/CE relativa às atividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais (Diretiva IRPPP) indica que «Em 2007, todos os Estados-Membros tinham já notificado as suas medidas de aplicação…»;

w)    O âmbito de aplicação da Diretiva abrange os Fundos de Pensões e as SGFP, tal como resulta do n.º 1 do art.º 2.º, segundo o qual «…é aplicável às instituições de realização de planos de pensões profissionais. Sempre que, nos termos da legislação nacional, essas instituições não tenham personalidade jurídica, os Estados-Membros aplicarão a presente diretiva a estas instituições ou, sob reserva do n.º 2, às entidades autorizadas responsáveis pela sua gestão e que atuam em seu nome»;

x)      No preâmbulo da Diretiva, tanto no Considerando 4, na explicação dos objetivos que presidiram à sua publicação é referido que as instituições de realização dos planos de pensões profissionais são “instituições financeiras que têm um papel chave a desempenhar na integração, eficácia e liquidez dos mercados financeiros” como ainda no Considerando 19 se explicita que “As instituições de realização de planos de pensões profissionais são prestadores de serviços financeiros …”;

y)      Não restam dúvidas que as SGFP se subsumem no corpo da verba 17.3, quer como sociedades financeiras quer como instituições, à luz da qualificação feita em conformidade com os critérios do RGICSF e do direito europeu aplicável, tal como é corroborado pela Diretiva 2003/41/CE e por outros instrumentos legislativos de direito nacional e europeu, a que se alude no Parecer da DS IMT;

z)      Relevando o carácter pacífico da qualificação das sociedades gestoras dos fundos de pensões como instituições financeiras, o Banco de Portugal insere-as, bem como aos próprios fundos, nas suas estatísticas, no sector das chamadas Instituições Financeiras não Monetárias, integrando-as no subsector de Auxiliares Financeiros (AF) que são sociedades e quase sociedades financeiras cuja função principal consiste em exercer atividades financeiras auxiliares, isto é, estreitamente ligadas à intermediação financeira, mas que não constituem elas mesmas intermediação financeira;

aa)  Corroborando todo o exposto, da letra da lei, isto é, do facto de a verba 17.3 prever expressamente «quaisquer outras instituições financeiras», decorre também o intuito do legislador de a definição dever ser entendida no sentido mais abrangente;

bb)  Cumpre assinalar que o legislador do CIS, certamente consciente da diversidade de operadores no mercado financeiro e da sua previsível evolução, por força do aprofundamento do mercado interno dos serviços financeiros, na União Europeia, recorreu a uma formulação ampla do corpo da verba 17.3 que permite enquadrar quaisquer entidades que sejam consideradas legalmente equiparadas a sociedades financeiras e as que sejam qualificadas como instituições financeiras;

cc)  As operações realizadas por ou com intermediação das sociedades gestoras dos fundos de pensões, em nome e por conta dos fundos, são consideradas materialmente financeiras, sendo por isso as sociedades gestoras subsumíveis na noção de "quaisquer outras instituições financeiras", constante da verba 17.3 da TGIS, para efeitos de sujeição a tributação em sede de IS;

dd)  Deste modo, encontra-se preenchido o elemento objetivo previsto na norma de incidência, constituindo as comissões cobradas pelas sociedades gestoras a título de remuneração pela administração e gestão dos fundos de pensões, contrapartida de serviços financeiros nos termos e para os efeitos da Verba 17.3.4 da TGIS;

ee)  Em suma, como concluído pela DSIMT, as comissões sub judicio preenchem cumulativamente os elementos de natureza objetiva e subjetiva previstos na Verba 17.3.4 da TGIS, e, em conformidade, estão sujeitas a imposto do selo por força do disposto no nº 1 do artigo 1° do CIS;

ff)    Neste conspecto, cabe a liquidação, cobrança e entrega do imposto apurado nos cofres do Estado à SGFP, na qualidade de sujeito passivo, de acordo com o disposto no artigo 2.º do CIS, sendo encargo do próprio fundo, enquanto titular do interesse económico;

gg)  Ademais, outras sociedades gestoras de fundos de pensões existem, que à presente data, não discutem a qualificação como instituições financeiras ou equiparadas;

hh)  Conforme pode ler-se no parecer junto pela própria Requerente, elaborado pelos Doutores B… e C…, «Desde logo não há, pois, qualquer contestação de que as comissões em causa se enquadram na incidência do imposto do selo, quer do ponto de vista objetivo quer do ponto de vista subjetivo, uma vez que a verba 17.3 da TGIS prevê a tributação das "Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras", determinando a sub-verba 17.3.4 que estão aí incluídas "outras comissões e contraprestações por serviços financeiros"»;

ii)     Pretende a Requerente, no presente pedido de pronúncia arbitral, esgrimir, em segunda linha, o argumento de que as comissões cobradas aos fundos de pensões pela respetiva sociedade gestora estariam previstas na norma de isenção atualmente constante do artigo 7.º, n.º 1, al. e) do CIS;

jj)     A redação da alínea e) foi dada pela Lei n.º 107-B/2003, de 31.12, e o nº 7 foi aditado pela Lei n.º 7-A/2016 de 30.03, com carácter interpretativo, integrando-se, assim, na norma interpretada;

kk)  De acordo com a redação introduzida pelo artigo 37.º da Lei n.º 30-C/2000 (lei do Orçamento do Estado para 2001) ao artigo 6º, as alíneas e) e f), relativas a juros cobrados e a utilização de crédito concedido, bem como as comissões cobradas, pelas instituições de crédito aí previstas estavam abrangidas pela isenção apenas no respeitante às operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquelas alíneas;

ll)     Existe uma efetiva delimitação do âmbito material da isenção, concedida pelas alíneas e) e f) do anterior artigo 6.º e atual artigo 7º, apenas às operações financeiras diretamente destinadas a concessão de crédito;

mm)      Não se afigura racional estabelecer uma autonomia entre os juros, as comissões cobradas e as garantias prestadas, de um lado e a utilização do crédito concedido, por outro, pois apenas em relação à concessão de crédito é possível conexionar com as instituições de crédito e sociedades ou instituições financeiras concedentes e das sociedades ou entidades observadoras, na forma e no objeto, dos tipos de instituições de crédito e sociedades e instituições financeiras, beneficiárias da norma de isenção;

nn)  Como salientam o TCAS e o STA, afigura-se incompreensível que o legislador se reportasse aos juros, comissões cobradas e garantias prestadas, como realidades com existência a se, para efeitos de isenção de imposto;

oo)  Considerando o elemento histórico, é perfeitamente legítimo pensar que a agregação das alíneas e) e f), operada pelo artigo 30.º da Lei n° 32- B/2002, de 30 de dezembro, bem como a alteração da redação para passar a utilizar a expressão «e, bem assim, a utilização de crédito concedido» terá sido motivadora da convicção do legislador de que o nº 2 passaria a ser redundante, uma vez que a fusão das duas alíneas foi efetuada em simultâneo com a supressão do nº 2.;

pp)  Como consta do RIT, deve entender-se que quando o legislador menciona “e, bem assim, a utilização do crédito concedido”, identifica e delimita a relação intrínseca existente entre aquelas realidades perfeitamente identificadas e o crédito, e fá-lo no sentido de que este deva ser considerado como o elemento essencial e prévio em relação aos demais;

qq)  Não é verdade que tenha ocorrido qualquer revogação expressa, como a Requerente invoca (erradamente) na sua PI;

rr)    O que realmente aconteceu foi apenas e só que a fusão das duas alíneas foi efetuada em simultâneo com a supressão da norma anteriormente constante do nº 2 e consequente renumeração do anterior nº 3 para 2;

ss)   Todos os elementos da exegese jurídico-tributária apontam no sentido de essa supressão ter sido efetuada em virtude de a norma ser tida por redundante, em face da nova redação resultante da agregação das anteriores alíneas;

tt)     Em conclusão, é correto afirmar que inexiste preceito que, em 2003, tenha revogado uma norma que se poderá considerar interpretativa, e que apenas pretendeu esclarecer e precisar a vontade do legislador relativamente a essa matéria;

uu)  O Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul prolatado no processo nº 02754/08, em 21.09.2010, mencionado no RIT, refere expressamente: «5. A isenção concedida pelo art.º 7.º/1/e, do CISelo, na redacção do DL n.º 287/2003NOV12, alterada pela Lei n.º 107-B/2003DEZ31, tem como elemento catalisador, - a que se reportam os juros, as comissões cobradas, as garantias prestadas ou a (sua) mera utilização -, o crédito concedido nos termos mencionados em tal normativo»;

vv)   No mesmo sentido, a Requerente cita o acórdão proferido em 15.06.2016, pelo STA, no âmbito do processo nº 0770/15;

ww)        As referidas decisões dos tribunais superiores revelam o acerto do enquadramento feito pelos serviços de inspeção;

xx)  Se dúvidas houvesse quanto à interpretação da norma legal em causa, o Orçamento de Estado para 2016 (Lei n.º 7-A/2016, de 30.03) aditou o n.º 7 ao artigo 7.º do CIS, atribuindo ao mesmo carácter interpretativo (cf. respetivamente, artigos 152.º e 154.º daquela lei), determinando que «o disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea»;

yy)  Sem prejuízo de a Requerente, no âmbito da sua defesa, poder discordar da aplicação da lei pela AT, bem como da natureza interpretativa conferida pela Lei do Orçamento de Estado para 2016, tal não retira per se o carácter interpretativo que está subjacente à norma, diretamente atribuído por lei;

zz)  Pelo que, estando a AT sujeita ao princípio da legalidade tributária, por força do artigo 266.º, n.º 2 da CRP, do artigo 8.º da LGT e do artigo 3.º, n.º 1 do CPA, então, a posição da Requerida nos autos, face ao agora legalmente determinado na Lei do Orçamento de Estado para 2016, não pode ser diversa da adotada;

aaa)        A que acresce o facto de a AT não poder desaplicar normas com base em inconstitucionalidade;

bbb)       A norma introduzida pela Lei do Orçamento de Estado para 2016 vem apenas clarificar o alcance da isenção em causa, perante divergências interpretativas existentes, o que de resto, foi já entendido pelo Supremo Tribunal Administrativo;

ccc)        O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 01630/15, de 06/29/2016, a propósito do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS e da Lei do Orçamento de Estado para 2016 (ainda que a propósito de comissões cobradas pelos Bancos no exercício da atividade de mediação de seguros), entendeu que o n.º 7 daquele artigo 7.º tem natureza meramente interpretativa;

ddd)       Trata-se, assim, de uma solução não-inovatória, a que o julgador ou o intérprete podem chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei;

eee)        Querer atribuir a esta lei um qualquer carácter retroativo não tem sustentáculo legal, improcedendo também por esta razão, os argumentos da Requerente, e nessa medida o pedido arbitral;

fff)  Qualquer interpretação que não aplique a norma constante da Lei Orçamento de Estado para 2016 (Lei n.º 7-A/2016, de 30.03), vertida no respetivo artigo 152.º, o qual aditou o número 7 ao artigo 7.º do CIS, com os efeitos previstos no artigo 154.º, dessa mesma, qual seja, o carácter interpretativo da redação dada à referida norma do Código de Imposto do Selo, tem naturalmente subjacente a assunção de que tal norma tem, ao invés, natureza retroativa, proibida nos termos do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, sendo, consequentemente, inconstitucional, pois que «há lugar “por parte do legislador ordinário” a uma “violação ao princípio, constitucionalmente consagrado, da não retroatividade da lei fiscal, e do sub princípio da proteção da confiança, com as consequentes lesões da segurança jurídica”», pelo que a Requerida, “por cautela e mero dever de representação, caso tal venha a suceder”, requer a devida notificação ao Ministério Público da decisão arbitral, a fim de que este dê cumprimento às suas prerrogativas legais;

ggg)       A Requerente imputa ainda à interpretação adotada pela Administração Tributária, sem razão, a violação do Direito da União Europeia, nomeadamente da Diretiva «Reunião de Capitais» e do princípio da não discriminação;

hhh)       Não se descortina qualquer semelhança real ou aparente entre a tributação de entradas de capital numa sociedade de capitais, a que se refere o artigo 5.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva 2008/7/CE, e a tributação de uma comissão de gestão do Fundo de Pensões;

iii)   A tributação das comissões de gestão em imposto do selo não constitui manifestamente uma violação da liberdade de estabelecimento das sociedades gestoras de fundos de pensões, pelo que não deve ser submetida ao TJUE qualquer questão a este respeito;

jjj)   Considera também a Requerida que tal reenvio é, quer desnecessário, quer extemporâneo;

kkk)       Desnecessário por considerar, nos termos expostos, que a matéria não suscita crítica ou dúvidas por parte da Direito da União Europeia;

lll)   Para além disso, considera extemporânea a formulação de questões uma vez que, em razão do próprio funcionamento do sistema de reenvio, estas questões hão-se assentar num quadro de facto que, neste momento, não está estabelecido;

mmm)     No que se refere ao pedido de indemnização por prestação de garantia indevida entende-se não enfermar os atos de liquidação de vício que deva ditar a sua anulação;

nnn)       No entanto, e sem conceder, ainda que seja julgado procedente o pedido arbitral, o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida com fundamento em erro imputável aos serviços deve improceder, uma vez que não pode ser imputado aos serviços da AT qualquer erro – não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu;

ooo)       Entende, assim, a Requerida que deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, ou, caso assim, não entenda o Tribunal, que, com fundamento no artigo 280.º, n.º 3 da CRP e no artigo 72.º, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional, seja determinada a notificação da decisão arbitral ao Ministério Público.

 

9.                  Por despacho de 01-03-2017, não havendo razões que aconselhassem à realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, este tribunal decidiu dispensar essa diligência, convidando as partes a apresentar alegações finais escritas.

 

10.              A Requerente apresentou alegações finais, cujas conclusões sintetizam os argumentos esgrimidos no requerimento de constituição de tribunal arbitral.

 

11.              A Requerida apresentou alegações finais, nas quais manteve, integralmente, o teor da sua resposta, sustentando que o presente pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida do Pedido, tudo com as devidas e legais consequências.

 

***

 

 

 II.     SANEADOR

 

12.              Não foram suscitadas exceções;

 

13.              O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, nº 1, alínea a), 5.º e 6.º, nº 1, do RJAT;

14.              As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

15.              Não se verificam nulidades, pelo que se impõe conhecer do mérito.

 

***

 

III. MÉRITO

 

III. 1. MATÉRIA DE FACTO

 

§1.     Factos provados

 

16.               Julgam-se provados os seguintes factos:

a)      A Requerente é uma sociedade gestora de fundos de pensões;

b)      Entre os anos 2011 e 2014 (e no que releva para efeitos deste pedido de pronúncia), a Requerente cobrou, mensalmente, comissões aos fundos de pensões, como contrapartida pela prestação dos seus serviços de gestão, conforme infra discriminado:

c)      Aquando da cobrança destas comissões, a Requerente não liquidou Imposto do Selo;

d)      Ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI2015…, OI2015…, OI2015… e OI2015…, relativas aos exercícios 2011, 2012, 2013 e 2014, respetivamente, todas de 30.03.2015, os Serviços de Inspeção Tributária efetuaram uma ação inspetiva para analisar o enquadramento fiscal das comissões de gestão cobradas pela Requerente aos fundos de pensões, nos períodos de tributação de 2011 a 2014, à luz do disposto no CIS e do artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 20/86, de 13 de fevereiro;

e)      Através do Ofício n.º…, de 09.09.2015, foi a Requerente notificada para se pronunciar sobre o Projeto de Relatório da Inspeção Tributária, no qual se propunha efetuar correções em sede de Imposto do Selo;

f)       De acordo com esse Projeto, a fundamentação das correções advinha do exposto na Informação n.º I2014…, da Direção de Serviços de IMT (Informação DS IMT), e no Parecer n.º 25/2013 do Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros (CEF);

g)      As correções propostas pela AT em sede de Imposto do Selo ascendiam ao montante de € 1.256.034,33, assim discriminado (conforme consta do Projeto de Relatório da Inspeção Tributária):

 

h)      Após exercer o seu direito de audição prévia, a Requerente foi notificada, em 02.10.2015, do Relatório de Inspeção Tributária (Relatório), que manteve as correções acima enunciadas;

i)       Em face das correções pugnadas pela AT no Relatório, foi a Requerente notificada das liquidações de Imposto do Selo e de juros compensatórios melhor identificadas infra:

j)       Para efeitos de suspensão dos processos de execução instaurados pela Autoridade Tributária, a Requerente prestou garantias nos valores fixados pelo Chefe de Finanças Adjunto do Serviço de Finanças de Oeiras …;

k)      A Requerente, não se conformando com aquelas liquidações, apresentou a competente reclamação graciosa, no dia 24.03.2016, junto da AT;

l)       Após ter sido notificada para se pronunciar acerca do projeto de decisão da reclamação graciosa, veio a Requerente a ser notificada, através do ofício n.º…, de 29.08.2016, do despacho, de 23.08.2016, proferido pelo Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, do qual resultou o indeferimento de tal reclamação graciosa;

m)   Em tal despacho, aqueles serviços da AT mantiveram em pleno as liquidações então reclamadas;

n)      Não se conformando com essa decisão nem com as liquidações subjacentes, veio a Requerente apresentar este pedido de pronúncia arbitral.

 

 

 

 

§2. Factos não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos não provados.

 

§3. Motivação quanto à matéria de facto

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas partes em sede de facto, no processo administrativo e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados pelas Partes.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

 

III.2.1. Questões decidendas

 

Fixada a factualidade relevante, importa passar à matéria de direito.

A primeira questão a decidir no processo sub judice refere-se à interpretação da norma contante da Verba 17.3 da Tabela Geral do Imposto do Selo, tendo em vista saber se as comissões de gestão cobradas pelas entidades gestoras aos respetivos fundos de pensões estão sujeitas a Imposto do Selo.

Caso se conclua pela sujeição a Imposto do Selo das referidas comissões de gestão, importa saber se as mesmas beneficiam da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo.

Uma outra questão que se suscita no presente processo é a que se prende com saber se a norma aditada ao artigo 7.º do CIS pelo artigo 152.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (LOE 2016) tem, efetivamente, o caráter interpretativo a que se refere o artigo 154.º desta lei e, bem assim, se a mesma pode, à luz da Constituição da República Portuguesa, produzir efeitos retroativos.

Importa igualmente saber se a tributação em sede de Imposto do Selo das comissões de gestão cobradas pelas SGFP aos Fundos de Pensões viola o disposto na Diretiva 3008/7/CE e Diretiva 2003/41/CE e se, em caso de dúvida deste Tribunal, deve a questão ser submetida, a título prejudicial, ao TJUE.

Também no quadro do Direito da União Europeia, há que determinar se a incidência de Imposto do Selo sobre as comissões aqui em causa é violadora do princípio da não discriminação, e se, em caso de dúvida deste Tribunal, deve a questão ser submetida, a título prejudicial, ao TJUE.

Finalmente, coloca-se a questão de saber se a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.

 

 

III.2.2. Sobre a incidência da Verba 17.3 da Tabela Geral do Imposto do Selo

 

A Verba 17.3 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) determina a incidência deste imposto sobre as “[o]perações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras […]”.

Nos termos da Verba 17.3.4 da TGIS, sobre o valor cobrado a título de “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros” incide a taxa de 4%.

Importa então determinar se, atenta a incidência subjetiva delimitada na Verba 17.3 da TGIS, as entidades gestoras de fundos de pensões estão por ela abrangidas.

Conforme resulta do artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT), o conceito fiscalmente relevante de «instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras» deve ser o que vigore no direito financeiro.

O Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) elenca no seu artigo 6.º os tipos de sociedades financeiras, estando excluídos, “para efeitos deste diploma[1], as “sociedades financeiras as empresas de seguros, as sociedades gestoras de fundos de pensões e as sociedades de investimento mobiliário e imobiliário” (artigo 6.º, n.º 3, do RGICSF. Assim, o RGICSF não é aplicável às SGFP, o que, todavia, não impede que estas sejam consideradas “sociedades financeiras” para outros efeitos.

Nos termos e para os efeitos do Regulamento (UE) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento, o seu artigo 4.º, n.º 1, § 26, define instituição financeira como “uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36/UE, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento, na aceção da Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º , n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE”.

Por seu lado, nos termos do disposto no § 27, considera-se “entidade do setor financeiro”: “a) Uma instituição; b) Uma instituição financeira; c) Uma empresa de serviços auxiliares incluída na situação financeira consolidada de uma instituição; d) Uma empresa de seguros; e) Uma empresa de seguros de um país terceiro; f) Uma empresa de resseguros; g) Uma empresa de resseguros de um país terceiro; h) Uma sociedade gestora de participações no setor dos seguros; […]”.

Assim, de acordo com este Regulamento, uma sociedade gestora de participações no setor dos seguros integra o conceito de “entidade do setor financeiro”.

Conforme o artigo 13.º, n.º 25, da Diretiva n.º 2009/138/CE, do Parlamento e do Conselho, de 25 de novembro de 2009, relativa ao acesso à atividade de seguros e resseguros e ao seu exercício (Solvência II) (reformulação), entende-se por “instituição financeira” qualquer das seguintes entidades: “a) Uma instituição de crédito, uma instituição financeira ou uma empresa de serviços bancários auxiliares, na acepção, respectivamente, dos pontos 1, 5 e 21 do artigo 4.º da Directiva 2006/48/CE; b) Empresas de seguros, empresas de resseguros ou sociedades gestoras de participações no sector dos seguros na acepção da alínea f) do n.º 1 do artigo 212.º; c) Uma empresa de investimento ou uma instituição financeira, na acepção do ponto 1 do n.º 1 do artigo 4.º da Directiva 2004/39/CE; d) Uma companhia financeira mista, na acepção do ponto 15 do artigo 2.º da Directiva 2002/87/CE”.

Deste modo, ao abrigo da Diretiva n.º 2009/138/CE, as sociedades gestoras de participações no sector dos seguros são qualificadas de instituições financeiras.

Também a Diretiva 2003/41/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de junho de 2003, relativa às atividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais, aponta para a qualificação destas entidades como instituições financeiras, em sentido amplo.

Com efeito, é nesse sentido que convergem as referências: (i) à criação de um “mercado interno dos serviços financeiros” tendo em vista permitir “às instituições financeiras desenvolver actividades noutros Estados-Membros e assegurar um elevado nível de protecção dos consumidores de serviços financeiros” (Considerandos 1 e 2); (ii) à premência da “elaboração de uma directiva relativa à supervisão prudencial das instituições de realização de planos de pensões profissionais, já que estas importantes instituições financeiras, que têm um papel-chave a desempenhar na integração, eficácia e liquidez dos mercados financeiros, não estão sujeitas a um quadro legislativo comunitário coerente que lhes permita tirar pleno partido das vantagens do mercado único” (Considerando 4); (iii) às instituições de realização de planos de pensões profissionais como “prestadores de serviços financeiros” (Considerando 20).

Esta Diretiva foi transposta para o ordenamento jurídico português pelo Decreto-Lei 12/2006, de 20 de janeiro[2], que aprovou o regime de constituição e funcionamento dos fundos de pensões e das respetivas sociedades gestoras.

De acordo com o disposto no artigo 32.º, n.º 1, do Decreto-Lei 12/2006, de 20 de janeiro, “[o]s fundos de pensões podem ser geridos quer por sociedades constituídas exclusivamente para esse fim, designadas no presente decreto-lei por sociedades gestoras, quer por empresas de seguros que explorem legalmente o ramo «Vida» e possuam estabelecimento em Portugal”.

O artigo 33.º do mesmo diploma prevê que “[n]a qualidade de administradora e gestora do fundo e de sua legal representante, compete à entidade gestora a prática de todos os actos e operações necessários ou convenientes à boa administração e gestão do fundo, nomeadamente: a) Proceder à avaliação das responsabilidades do fundo; b) Seleccionar e negociar os valores, mobiliários ou imobiliários, que devem constituir o fundo, de acordo com a política de investimento; c) Representar, independentemente de mandato, os associados, participantes, contribuintes e beneficiários do fundo no exercício dos direitos decorrentes das respectivas participações; d) Proceder à cobrança das contribuições previstas e garantir, directa ou indirectamente, os pagamentos devidos aos beneficiários; e) Proceder, com o acordo do beneficiário, ao pagamento directo dos encargos devidos por aquele e correspondentes aos referidos no n.º 4 do artigo 6.º, através da dedução do montante respectivo à pensão em pagamento; f) Inscrever no registo predial, em nome do fundo, os imóveis que o integrem; g) Manter em ordem a sua escrita e a dos fundos por ela geridos”.

Assim, decorre dos artigos citados supra que as SGFP se aproximam, do ponto de vista dos requisitos formais e materiais da respetiva atividade, das sociedades gestoras que atuam no setor segurador e ressegurador (conforme sustentado já, também noa decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos n.º 348/2016-T, de 2 de maio de 2017, e n.º 633/2016-T, de 19 de maio de 2017).

As competências das SGFP apontam para o exercício de uma atividade materialmente financeira, o que não pode deixar de ser tido como relevante, considerando os princípios da prevalência da substância sobre a forma e da igualdade.

A este propósito, refira-se o disposto no artigo 30.º, n.º 1, alínea e), do Código dos Valores Mobiliários (CVM) que inclui no elenco de investidores institucionais os “fundos de pensões e respectivas sociedades gestoras”, os quais, no âmbito das actividades relativas a instrumentos financeiros, estão sujeitos à supervisão da CMVM (artigo 359.º, n.º 1, alínea d), do CVM, sem prejuízo da sujeição das mesmas entidades à supervisão da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF).

Ora, é a referida materialidade que releva na aplicação da Verba 17.3 da TGIS, conforme resulta, aliás, da letra deste preceito, que alude a “[…] sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras […]”.

O parecer junto aos autos pela Requerente, elaborado pelos Doutores B… e C…, conclui, aliás, no mesmo sentido, quando nele se afirma o seguinte:

«Desde logo não há, pois, qualquer contestação de que as comissões em causa se enquadram na incidência do imposto do selo, quer do ponto de vista objetivo quer do ponto de vista subjetivo, uma vez que a verba 17.3 da TGIS prevê a tributação das "Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras", determinando a sub-verba 17.3.4 que estão aí incluídas "outras comissões e contraprestações por serviços financeiros".»

Face ao que fica dito, e na linha do que já havia sido afirmado nos acórdãos proferidos nos processos arbitrais n.º 348/2016-T, de 2 de maio de 2017, e n.º 633/2016-T, de 19 de maio de 2017, considera-se que as SGFP preenchem o tipo “quaisquer outras instituições financeiras”, previsto Verba 17.3 da TGIS.

 

 

 

III.2.3. Sobre a isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo

 

Vejamos agora a questão da interpretação e aplicação da norma contida no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo.

A alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, na redação introduzida Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro, e que se encontrava em vigor à data dos factos, dispõe o seguinte:

1 - São também isentos do imposto:

[…]

e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;

[…]”

 

Tal como referido nos acórdãos proferidos nos processos arbitrais n.º 348/2016-T, de 2 de maio de 2017, e n.º 633/2016-T, de 19 de maio de 2017, a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS reveste uma natureza mista, com uma dimensão subjetiva e outra objetiva.

Quanto ao âmbito subjetivo, a aplicação da norma contida na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS ao caso sub judice pressupõe que as SGFP possam ser qualificadas como “instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras” e, concomitantemente, que os fundos de pensões respetivos possam ser qualificados como “sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras […].

Quanto às SGFP já nos pronunciámos no sentido de as mesmas integrarem o conceito de “instituição financeira”, entendido este em sentido material.

Quanto aos fundos de pensões, dispunha a alínea c) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 12/2006, na redação em vigor à data dos factos, que aqueles consistem no “património autónomo exclusivamente afecto à realização de um ou mais planos de pensões e ou planos de benefícios de saúde”.

Os fundos de pensões, tal como sucede com as respetivas sociedades gestoras, são considerados investidores institucionais pelo Código dos Valores Mobiliários [artigo 30.º, n.º 1 alíneas e) e f)].

A qualificação dos fundos de pensões como “instituições financeiras” resulta também do n.º 4 do artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 12/2016, que prevê que “[a]s entidades gestoras realizam todos os seus actos em nome e por conta comum dos associados, participantes, contribuintes e beneficiários e, na qualidade de administradoras dos fundos, podem negociar valores mobiliários ou imobiliários, fazer depósitos bancários na titularidade do fundo e exercer todos os direitos ou praticar todos os actos que directa ou indirectamente estejam relacionados com o património do fundo”.

Conclui-se, assim, que os fundos de pensões integram o conceito amplo de “instituições financeiras”, à imagem do que sucede com as respetivas sociedades gestoras.

 

Mas é relativamente ao âmbito objetivo da norma que se centra a controvérsia no caso sub judice.

Importa, então, saber se o âmbito da norma contida na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS se cinge, ou não, a operações e serviços tipicamente bancários, donde ficariam excluídas as comissões cobradas por entidades gestoras de fundos de pensões aos respetivos fundos.

Vejamos.

A versão originária do artigo 6.º (atual 7.º) do CIS, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, previa o seguinte:

1 - Ficam também isentos do imposto:

e) Os juros cobrados e a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a instituições, sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstas na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997;

f) As comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições da mesma natureza ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito previstos na legislação comunitária, domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997;

 

Esta versão previa, ainda assim, uma limitação, nos seguintes termos:

2 - O disposto nas alíneas f) e g) não se aplica quando qualquer dos intervenientes

não tenha sede ou direcção efectiva no território nacional.

 

O artigo 37.º da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de dezembro (LOE 2001) introduziu um novo n.º 2 ao artigo 6.º (passando o então n.º 2 a n.º 3), prevendo que:

2 – O disposto nas alíneas e) e f) apenas se aplica às operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da actividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquelas alíneas”.

 

Entretanto, o artigo 30.º da Lei n.º 32-B/2002, de 31 de dezembro (LOE 2013), veio eliminar o n.º 2 do artigo 6.º, fazendo cessar os efeitos da respetiva norma. Ou seja, foi suprimida a limitação da isenção às operações diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade desenvolvida pelas entidades referidas nas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 6.º. Na sequência da eliminação do n.º 2, os n.ºs 3 e 4 da redação anterior passaram, com a nova redação, a ser os números 2 e 3.

Significa isto que o legislador, através do artigo 30.º da Lei n.º 32-B/2002, de 31 de dezembro, procedeu à revogação do n.º 2 do artigo 6.º, que havia sido introduzido pelo artigo 37.º da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de dezembro.

Através do artigo 30.º da Lei n.º Lei n.º 32-B/2002, de 31 de dezembro, o legislador operou ainda a fusão entre as anteriores alíneas e) e f), que deram lugar a uma nova redação da alínea e). Esta passou, assim, a isentar de imposto do selo “[o]s juros e comissões cobrados e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças”.

Assim, e conforme é referido nos acórdãos proferidos nos processos arbitrais n.º 348/2016-T, de 2 de maio de 2017, e n.º 633/2016-T, de 19 de maio de 2017, “a razão de ser da fusão das alíneas não tem a ver com a incorporação na nova alínea e) do n.º 1 do expressamente revogado n.º 2 do artigo 6.º, mas com a uniformização dos pressupostos da isenção de imposto do selo do crédito concedido e dos juros cobrados com o das comissões cobradas em operações em que fossem exclusivamente intervenientes instituições de crédito e sociedades financeiras”.

Subscrevemos ainda os referidos acórdãos quando neles se afirma que “[a] evolução histórica do preceito aponta de forma clara que apenas na versão originária e, posteriormente, entre o período em que vigorou a redacção dada pelo artigo 37.º da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de dezembro (que acrescentou um n.º 2 ao artigo 6.º), a isenção tinha claramente como elemento catalisador o crédito concedido nos termos mencionados em tal normativo. No que se refere em particular às comissões cobradas a isenção apenas se podia aplicar àquelas que tivessem subjacentes operações destinadas à concessão de crédito, por força da restrição introduzida no mencionado n.º 2 do artigo 6.º”.

É também este o sentido da letra do preceito quando é utilizada a expressão “bem assim”, que significa “igualmente”, “também”, “do mesmo modo”, apontando claramente para que a isenção dos juros e comissões cobradas ser feita nos mesmos termos previstos para a utilização de crédito.

Face ao exposto, conclui-se que a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS não se cingia, antes da entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, às operações diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade desenvolvida pelas instituições de crédito, sociedades financeiras e outras instituições financeiras.

 

III.2.4. Sobre a “norma interpretativa” aditada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março

 

A Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (LOE 2016), através do seu artigo 152.º, aditou ao CIS o n.º 7 do artigo 7.º, que prevê o seguinte:

«O disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea

 

O artigo 154.º da LOE 2016 prevê o caráter interpretativo do preceito citado.

Sucede, porém, que o legislador não se limitou a clarificar o sentido interpretativo de uma norma vigente. Da fundamentação exposta supra resulta, ao invés, o caráter inovatório da norma contida no n.º 7 do artigo 7.º do CIS face ao regime jurídico que vigorava.

As regras da hermenêutica jurídica postulam que o resultado interpretativo não pode deixar de ter um mínimo de correspondência na letra da lei (artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil). Ora, não há qualquer fundamento literal na redação da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS que permita ao intérprete concluir pela limitação da isenção aí prevista às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas na mesma alínea.

A Requerida invoca o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 02754/08, de 21-09-2010, bem como o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 0770/15, de 06/17/2016, e o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 01630/15, de 06/29/2016, para sustentar a interpretação do preceito em causa no sentido por si defendido.

 Sucede que a jurisprudência citada não abrange as comissões de gestão de fundos de pensões cobradas aos fundos pelas sociedades gestoras e, em geral, as comissões ou outras contraprestações pela prestação de serviços financeiros.

As comissões a que se refere a jurisprudência mencionada pela Requerida são as comissões cobradas pelo exercício da atividade de mediação de seguros, tributada pela Verba 22.2, distinta da prestação de serviços financeiros abrangidos pela Verba 17.3.4, ambas da TGIS. Deste modo, essa jurisprudência não é transponível para o presente processo, e não permite ilustrar qualquer suposta divergência interpretativa na interpretação da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

Ora, na medida em estamos perante uma alteração legislativa de sentido desfavorável ao contribuinte, ela não pode ter efeito retroativo, sob pena de violação do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos, conforme resulta do disposto no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.

Considera-se, portanto, que a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (LOE 2016) veio, através da interpretação conjugada dos seus artigos 152.º e 154.º, delimitar o âmbito material da isenção prevista alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, de forma inovadora e retroativa, e, como tal, inconstitucional, por violação do princípio da proibição da retroatividade das normas fiscais, previsto no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, ínsito no princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos.

Mas ainda que se tratasse de uma verdadeira norma interpretativa, não pode ser desconsiderada a proteção constitucional que é garantida ao contribuinte no artigo 103.º, n.º 3, ao proibir-se a retroatividade (autêntica) da lei fiscal.

Entendemos, na verdade, que «[t]ambém no caso das leis interpretativas de leis tributárias é inteiramente pertinente a proibição da retroatividade. Entende-se que as mesmas não têm apenas uma natureza declarativa, produzindo efeitos constitutivos. Na medida em que vinculam os tribunais a uma determinada interpretação, entre várias em abstrato possíveis e já acolhidas por outros tribunais, elas implicam, inevitavelmente, uma aplicação retroativa da lei interpretanda[3].

Através das normas interpretativas, como reconheceu o TC, o Estado vem impedir, a posteriori, que o Direito que criou funcione através da sua lógica intrínseca comunicável aos destinatários das normas, alterando o quadro dos elementos relevantes da interpretação jurídica, em termos que colidem com o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos e com a proibição da retroatividade das leis fiscais consagrada no artigo 103º, nº 3, da CRP[4]»[5].

 

Por tudo o exposto, não assiste razão à Requerida ao não considerar as comissões cobradas pela Requerente isentas de Imposto do Selo, em conformidade com o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 7º do CIS.

Termos em que procede o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo e juros compensatórios objeto do pedido arbitral, por erro de direito quanto ao sentido e alcance dos mencionados preceitos, com a consequente anulação das mesmas.

Fica, assim, prejudicado o conhecimento dos outros vícios imputados pela Requerente aos atos tributários em causa.

 

 

III.      2.5. O pedido de indemnização por garantias indevidamente prestadas

 

A Requerente prestou garantias nos valores fixados pelo Chefe de Finanças Adjunto do Serviço de Finanças de Oeiras … para suspender as execuções fiscais instauradas após o não pagamento voluntário das liquidações ora impugnadas.

Nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 53.º da LGT, “[o] devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.”, não se aplicando o prazo de três anos “quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo”.

No caso vertente, a prática pela AT dos atos controvertidos resultaram de erro na interpretação das normas jurídicas em causa, erro esse que apenas é imputável aos respetivos serviços, pelo que não é aplicável no presente processo o prazo de três anos.

O n.º 1 do artigo 171.º do CPPT determina, por sua vez, que “[a] indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda”.

Prevê o n.º 2 do mesmo artigo que “[a] indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.”

Assim, concluindo-se que assiste razão à Requerente no presente processo, esta deverá ser ressarcida dos prejuízos resultantes da prestação indevida de tais garantias.

Razões por que também este pedido procede.

 

 

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)      Julgar procedente o pedido arbitral principal, anulando os atos de liquidação de Imposto do Selo e de juros compensatórios impugnados;

b)      Julgar procedente o pedido de indemnização por garantias indevidamente prestadas.

 

 

 

V. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa--se ao processo o valor de € 1.256.034,33.

 

 

VI.  CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 17.136,00, conforme a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

 

 

Notifique-se, incluindo o Ministério Público.

 

 

 

Lisboa, 20 de junho de 2017

 

 

 

Os Árbitros

 

 

(José Baeta de Queiroz)

 

 

(Paulo Nogueira da Costa)

 

 

 

 

(José Nunes Barata)

 



[1] Sublinhado nosso.

[2] Alterado pelos Decretos-Leis n.º 180/2007, de 9 de maio, n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, n.º 18/2013, de 6 de fevereiro e n.º 124/2015, de 7 de julho.

[3] Andrew Pruitt, “Judicial Deference to Retroactive Interpretative Treasury Regulations”, 79, The George Washington Law Review, 2011, 1558 seguintes.

[4] Acórdão do Tribunal Constitucional nº 172/00.

[5] Jónatas E.M. Machado / Paulo Nogueira da Costa, Manual de Direito Fiscal: perspetiva multinível, Coimbra, Almedina, 2016, p. 89.