Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 42/2017-T
Data da decisão: 2017-06-27  IRS  
Valor do pedido: € 5.895,59
Tema: IRS – Cat. F; Despesas dedutíveis.
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DECISÃO ARBITRAL

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 20-01-2017. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 06-03- 2017. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral ficou constituído em 22-03-2017, seguindo-se o regular procedimento.

 

  I – RELATÓRIO

 

1- No dia 13-01-2017, a sociedade “A…”, NIPC…, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

2- Pretendendo a declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação adicional do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) dos exercícios de 2012, 2013 e 2014, bem como à declaração da ilegalidade do acto de indeferimento da Reclamação Graciosa que apresentou com vista à declaração de ilegalidade e anulação das referidas liquidações tributárias.

 

3- A Requerente invoca concretamente:

- Existência de falta de fundamentação do Relatório de Inspecção Tributária.

- Existência de fundamentação a posteriori no Indeferimento da Reclamação Graciosa.

- Existência de erro de direito nas correcções efectuadas, por conseguinte, nas liquidações emitidas, ou seja, vício de violação de lei, mormente do art.41º do Código do IRS, na redacção à data dos factos.

 

Com efeito, segundo a Requerente:

4- De acordo com a redacção do art. 41.º do Código do IRS, para “aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.º, deduzem-se as despesas de manutenção e conservação (...)”. Não obstante, aqueles conceitos indeterminados não deverão ser interpretados no sentido de se assumirem como um factor de rigidez capaz de pôr em causa a racionalidade que deverá caracterizar os rendimentos da Categoria F de IRS.

 

5- As despesas contabilizadas nos anos referidos são de causalidade directa relativamente ao imóvel, na acepção económica do mesmo, ou seja, a de produzir rendimento, devendo as mesmas, lógica e obrigatoriamente, ser consideradas de manutenção e/ou conservação e serem, como tal, dedutíveis ao abrigo do artigo 41.º do Código do IRS.

 

Por seu turno, a AT…

 

6- Alega que as liquidações em crise consubstanciam uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, estão devidamente fundamentadas, não padecendo de vício de violação de lei, devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida devendo ser absolvida do pedido.

 

7- No seu entender, em síntese, adianta a AT:

 Uma vez que, para efeitos de tributação em sede da Categoria F do Código do IRS, se atende ao rendimento líquido obtido, i.e., às rendas recebidas deduzidas das despesas e encargos suportados para produzir os rendimentos prediais englobados e para manter íntegra a respetiva fonte produtora, ou seja, os prédios objeto de arrendamento, afigura-se deverem tais despesas ser proporcionalmente consideradas tendo por base o número de meses de arrendamento.

 

8- Aliás, qualquer outra interpretação, que não a referida, violaria frontalmente preceitos Constitucionais, nomeadamente o principio da igualdade (art.º 13.º CRP) e, bem assim, o da capacidade contributiva 104.º CRP), ao discriminar aqueles que arrendam um imóvel por escassos dias, deduzindo todas e quaisquer despesas previstas no art.º 41.º sem qualquer limite, daqueles que, usando constantemente e durante todo o ano fiscal o imóvel para arrendamento, se vêm na contingência de serem colocados no mesmo patamar de capacidade contributivo (que não é de todo igual) que aqueles outros.

 

 

9- O processo não enferma de nulidades.

 

10- Não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

 

II- MATÉRIA DE FACTO

 

1- A Requerente é um SP não residente, sem estabelecimento estável, registando a atividade de “Arrendamento de bens imobiliários” com regime de determinação de lucro tributável em IRC.

 

2- A Requerente é proprietária de um imóvel, (moradia), destinado a habitação localizada em …, …, inscrita na matriz predial urbana de …, Loulé, sob o artº…, fração A.

 

3- Nos anos de 2012, 2013 e 2014, em análise, a fração foi dada de utilização remunerada a terceiros, durante 66, 95 e 121 dias, respetivamente.

 

4- A Requerente apresentou uma Reclamação Graciosa referente aos exercícios de 2012, 2013 e 2014, visando a correcção dos actos tributários de liquidação adicional de IRC, entretanto ocorridos, tendo solicitado o reembolso do imposto pago no montante de € 5.588,57 e do valor de € 307,02 de juros compensatórios, acrescido de juros indemnizatórios.

 

5. Em 17 de Outubro de 2016, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da referida Reclamação Graciosa, considerando apenas para a dedução o montante de € 573,80 do total de despesas apresentado.

Validando os termos do Relatório de Inspecção, concluiu-se que a Requerente deveria ter aplicado um coeficiente de proporcionalidade às despesas dedutíveis nos termos do artigo 41.º do Código do IRS tendo por base o número de dias de arrendamento do imóvel.

 

6- Foram efetuadas (e comprovadas) as despesas relativas ao imóvel, constantes do Relatório Inspetivo, ainda que parte respeitantes ao período em que o imóvel não esteve ocupado.

 

Factos dados como provados

Todos os referidos.

 

Factos dados como não provados

Não há prova, (ou mesmo direta alegação), que o imóvel tenha sido utilizado em beneficio próprio, de outra pessoa/entidade que não a contratada ou para outros fins, durante o período referencial de tributação em causa nos presentes autos.

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

É certo que a Requerida impugna de forma global e abstrata todos os tactos que se encontrem em oposição com a presente defesa, considerada no seu conjunto, nos termos do disposto no artigo 574º, nº 2 do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA.

Contudo não havendo mínima concretização, contrariedade especifica ou mínima demonstração que sustente tal impugnação, não é posta em causa a veracidade dos elementos apresentados ou outros que sustentam a consideração como provada da factualidade a que se refere o nº6 dos factos provados.

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

III- DO DIREITO

 

O ponto central controvertido na presente ação arbitral aponta para a questão de   saber quais devem ou podem ser declarados, contabilizados e aceites como gastos relativamente a imóveis fontes produtoras de rendimentos, para efeitos da previsão do art. 41º do IRS e suas decorrências.

Faz, para esse efeito, sentido, como critica a AT, que aqueles que digam respeito a conservação e manutenção do prédio, a despesas de condomínio, a impostos e a taxas autárquicas, de imóvel, que gerou rendimento durante apenas uns meses, sejam associados e considerados uma despesa anual ou deverá ser tido em conta o “coeficiente de ocupação” na respetiva contabilização?

 

Tal questão já teve aturado tratamento neste CAAD, conforme, entre outras, dá conta a PI, resultando, ao que sabemos unânime entendimento.

Por com ele concordamos, transcrevemos, com a devida vénia, extratos de decisões que o fundamentam e explicitam:

 

Proc. n.º 201/2015-T

“os rendimentos (brutos) auferidos em cada ano constituem os elementos positivos que contribuem para apurar o rendimento tributável anual, havendo também que considerar os elementos negativos do mesmo período, que são as deduções e abatimentos. Há assim que concluir que a regra geral do IRS afirma que o imposto tem natureza anual e é relativamente a cada ano civil que devem ser considerados os elementos que permitem determinar a incidência, designadamente rendimento bruto, deduções e abatimentos”.

 

“Não parece que este artigo 41.º [do Código do IRS], ou qualquer outro, possa conduzir a um regime de exceção relativamente à citada regra geral da anualidade do IRS. Com efeito, este dispositivo mais não faz do que afirmar a regra geral: aos rendimentos brutos deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação (...) Claro que nada se refere quanto ao período a considerar, pois este já foi afirmado logo no artigo 1.º; trata-se do período anual”.

“Não ficam assim dúvidas que não há que fazer qualquer outra correspondência temporal entre o rendimento bruto e as despesas a deduzir. Há apenas que assegurar que as deduções dizem respeito ao ano civil em que foram pagos ou colocados à disposição os rendimentos prediais”.

 

Proc. n.º 294/2015-T:

“No que se refere à redução das despesas e encargos mediante a aplicação de um “coeficiente de ocupação”, não pode tal procedimento ser aceite, porquanto todas as despesas realizadas, tais como, limpeza das habitações e da piscina e respectivo tratamento de salubridade, água, luz, seguro, IMI e outros, terão sempre que ser suportadas, independentemente da taxa de ocupação”.

“Tal “coeficiente de ocupação”, como se referiu, um fundamento “sui generis” que aparentemente não tinha até agora sido utilizado pela Inspecção, não tem, no entender deste tribunal, qualquer base legal”.

Proc. 434/2016-T

(…) No que se refere à dedutibilidade das referidas despesas em função de um “coeficiente de ocupação” (maxime, à redução proporcional daquelas tendo por base o número de dias do arrendamento), constata-se nada existir na lei que permita concluir que pode haver a referida redução; bem pelo contrário: sabendo-se, pelo que se disse, que são despesas (necessárias) de carácter fixo (i.e., despesas cuja realização e correspondente montante não dependem de uma ocupação efectiva do imóvel) – e que, a não serem realizadas, implicariam inevitável perda de rendimento para o seu proprietário... 

No mesmo sentido, veja-se, e.g.: “No que se refere à redução das despesas e encargos mediante aplicação de um «coeficiente de ocupação», não pode tal procedimento ser aceite, porquanto todas as despesas realizadas, tais como limpeza das habitações e da piscina, e respectivo tratamento de salubridade, água, luz, seguro, IMI e outros, terão sempre que ser suportadas, independentemente da taxa de ocupação(…).

No caso a relação custo beneficio, mostra, é certo, um aparente desiquilibrio em termos de racionalidade económica. Não obstante, não encontramos nos autos suficientes razões ou pertinentes argumentos,(quer factuais quer legais) que nos permitam concluir pela exclusão de qualquer das despesas apresentadas,

PELO QUE PROCEDE, assim, o pedido de pronúncia arbitral nesta parte, quanto à ilegalidade das liquidações.

 

5- Importa referir, porque invocado na resposta da AT, que não conseguimos vislumbrar em que medida é que com o entendimento propugnado poderá estar em causa a violação dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, (art.ºs 13.º e 104.º da CRP).

Não notamos, efetivamente, qualquer violação de preceitos e princípios constitucionais, nomeadamente este ultimo que, ao invés, pelo menos numa das suas vertentes, parece estar em causa se enveredasse-mos pelo entendimento defendido pela AT.

 

Concluindo…

Ante o sentido da jurisprudência consolidada, supra transcrita, ao qual se adere por inteiro, pois que importa contribuir para uma interpretação e aplicação uniformes do Direito (artigo 8.º n.º 3 do Código Civil), impõe-se concluir que não há fundamento legal para que no respeitante a gastos efetivamente suportados e pagos no ano, pelo sujeito passivo, relativamente a imóveis fonte produtora de rendimentos, apenas devam ser declarados, contabilizados e aceites aqueles que correspondem ao período em que o prédio esteve arrendado ou utilizado, nomeadamente os que digam respeito a conservação e manutenção do prédio, a despesas de condomínio, a impostos e a taxas autárquicas.

 

Nessa razão, as liquidações contestadas enfermam de vício de erro sobre os pressupostos de direito, impondo-se a respectiva anulação.

 

Ficam, nessa medida, prejudicadas as outras questões evocadas pela Requerente.

 

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

No caso, o erro que afecta a liquidação é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que praticou o ato de liquidação por sua iniciativa.

Com efeito, a Administração Tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a Lei (arts. 266°, n° 1, da C.R.P. e 55° da L.G.T.), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo, será imputável a culpa dos próprios serviços.

 

Tem, pois, direito a ser reembolsada a Requerente da quantia que pagou, (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data do pagamento da quantia, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 

DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  a- Não atender ao pedido de declaração de inconstitucionalidade invocado pela Requerida;

b- Declarar a anulação do despacho de indeferimento da Reclamação graciosa e atos tributários de liquidação adicional de IRC/2012/2013/2014.

c- Determinar o reembolso do imposto indevidamente pago e juros compensatórios;

d- Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios devidos desde a data do pagamento do imposto até o reembolso integral da quantia paga;

e- Condenar a Requerida nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 5.895,59, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi considerado totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Lisboa, 27 de Junho 2017

 

O Árbitro,

 

(Fernando Miranda Ferreira)