Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 63/2022-T
Data da decisão: 2022-10-11  IRS  
Valor do pedido: € 4.751,89
Tema: IRS de 2016. Residência fiscal. Falta de comunicação de alteração do domicílio fiscal. Artigos 19.º nºs 3 a 5 e 11 da LGT e artigo 43.º do CPPT.
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Sumário

 

  1. As expressões “residência fiscal” e “domicílio fiscal” encerram conceitos diferenciados. Residência fiscal integra a hipótese de normas tributárias substantivas e domicílio fiscal projeta-se em consequências processuais.
  2. A obrigação declarativa prevista no artigo 19.º, n.º 3, da LGT não é uma formalidade ad substanciam, pelo que a sua preterição não tem, em princípio, impacto em termos de tributação.
  3. “Não residência fiscal” resulta a contrario do próprio Código do IRS. Quem não preencher um dos critérios para ser residente, previstos no artigo 16.º do Código do IRS, é não residente fiscal em Portugal.
  4. Para prova da residência fiscal ou não residência fiscal, em Portugal, são admissíveis quaisquer meios legalmente admissíveis em direito.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

  1. A..., NIF..., residente em Rua ...,  ..., ...-... Vila Nova de Cacela,  (doravante designado por “Requerente”),  vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade  da “decisão final de indeferimento da reclamação graciosa contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) relativamente ao período de 2016 - RECLAMAÇÃO GRACIOSA N.º ...2021... LIQUIDAÇÃO N.º 2020 ... de 03.12.2020”, resultando um montante a pagar de 4 751,89 euros.

 

  1. Termina pedindo “QUE SEJA CONSIDERADO PROCEDENTE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL, E CONSEQUENTEMENTE ANULADO O ATO DE LIQUIDAÇÃO DE IRS E RESPETIVOS JUROS COMPENSATÓRIOS, E, EM CONFORMIDADE, REEMBOLSADOS OS      MONTANTES QUE HAJAM SIDO PAGOS ACRESCIDOS DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS”.

 

  1. É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, adiante designada por Requerida ou AT.

 

  1. O Requerente fundamenta o pedido de pronúncia arbitral (PPA) nos seguintes termos:
  • Tinha à data dos factos domicílio fiscal registado na AT em Portugal, mas celebrou um contrato de trabalho, com efeitos desde 14.01.2015, para trabalhar em França, tendo o referido vínculo sido renovado e transformado em contrato com duração indeterminada com efeitos a contar de 14.07.2016, pelo que fixou a sua residência em França no período compreendido entre 14.01.2015 e 24.03.2018, ano em que regressou a Portugal;
  • Durante o período em que esteve fora de Portugal não apresentou declaração de IRS em Portugal, tendo cumprido as suas obrigações fiscais em França;
  • Alegando desconhecimento não alterou o seu domicílio no cartão de cidadão;
  • No entanto, a AT, em 03.12.2020, promoveu a liquidação oficiosa de IRS aqui em discussão, contra a qual reclamou graciosamente. Em sede de audição prévia requereu a inscrição retroactiva no cadastro fiscal, como não residente em Portugal no ano de 2016, tendo sido mantida a liquidação oficiosa e indeferida a reclamação, com o fundamento de que no Sistema de Gestão e Registo de Contribuinte tinha à data da decisão (04.11.2021) residência em Portugal;
  • O Requerente considera que em 2016 era não residente em Portugal face ao critério do artigo 16º do CIRS, pelo facto de não dispor de habitação em território português e ter permanecido em França mais do que 183 dias num período de 12 meses com início e termo em 2016, pela razão de ter que prestar 35 horas semanais de trabalho à entidade patronal francesa;
  • Concluindo que “... o registo como residente fiscal em Portugal, embora constitutivo admite prova em contrário, podendo essa prova, em linha com o artigo 72.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) ser feita por qualquer meio em direito admissível”, até porque face a “toda a documentação junta, não deverão restar dúvidas que o Requerente não foi residente fiscal em Portugal em 2016, não devendo relevar o registo do Requerente no “Sistema de Gestão e Registo de Contribuinte” nos termos pretendidos pela ATA, isto é, como fator determinante para a qualificação do Requerente como residente fiscal e legitimador da liquidação de IRS cuja declaração de ilegalidade se requer”.
  • Porque não obteve rendimentos em Portugal e “tendo-se substancialmente comprovado o não preenchimento pelo Requerente dos critérios legalmente previstos na legislação tributária para a qualificação como residente fiscal, não tem a ATA legitimidade para tributar os seus rendimentos numa base mundial nos termos do artigo 15.º do CIRS, mas tão só os obtidos em território nacional, pelo que se deverá proceder-se à anulação da liquidação adicional de IRS realizada relativamente a esse período”.

 

  1. A Requerida, Autoridade Tributária, na sua Resposta, defende-se em primeiro lugar remetendo para o teor do PA. Depois, em resumo, refere o seguinte:
  • O contribuinte no ano de 2016 tinha o seu domicílio fiscal localizado na Rua ...-..., ...-... Faro, considerando-se esse o local da sua residência habitual, competindo ao contribuinte comunicar à AT no prazo de 60 dias a alteração do seu estatuto de residência, sob pena de ser ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à AT, conforme estipula o artigo 19.º, n.ºs 1, 3, 4 e 5 da LGT
  • O facto de não ser proprietário de imóvel destinado a habitação, por si só nada prova quanto à inexistência de habitação em Portugal, porquanto, o contribuinte pode utilizar a habitação na qual domiciliou a sua residência fiscal ao abrigo de comodato ou direito de uso e habitação”.
  • Por outro lado, o contribuinte não demonstrou, pelos documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral, ter sido considerado residente fiscal em França no ano de 2016, mediante a apresentação de um certificado de residência fiscal emitido pela Autoridade Fiscal Francesa ao abrigo 4.º da CDT Portugal-França, o que comprovaria que o contribuinte nesse ano teria sido considerado residente fiscal em França nos termos da sua legislação interna, e determinaria o recurso às regras de desempate previstas no n.º 2 do artigo 4.º da CDT Portugal-França”.
  • Mais se pode dizer, que foi a Autoridade Fiscal Francesa que considerou o contribuinte residente fiscal em Portugal ao ter comunicado, ao abrigo da troca automática de informação, os rendimentos obtidos pelo mesmo em França no ano de 2016. E fazem fé “(…) as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado, sem prejuízo da prova em contrário do sujeito passivo ou interessado.”, conforme dispõe o artigo 76.º, n.ºs 1 e 4 da LGT”.
  • Perante o exposto, verifica-se que o contribuinte não fez prova suficiente do facto de não ser residente fiscal em Portugal” e “por conseguinte, o IRS incide sobre a totalidade dos rendimentos do contribuinte, incluindo os obtidos no estrangeiro, em conformidade com o que dispõe o artigo 15.º, n.º 1, do Código do IRS”.
  • Termina pugnando pela improcedência do PPA.

 

  1. Em 21.06.2022 foi realizada a reunião de partes a que se refere o artigo 18º do RJAT, tendo o Requerente prestado declarações de parte relativamente aos factos narrados nos artigos 1º a 6º, 41º a 43º, 45º e 56º do PPA e tendo sido inquirida a testemunha B... à matéria dos artigos 1º a 5º, 41º e 42º e 56º do PPA.

Notificadas as partes para apresentaram alegações apenas alegou o Requerente em 01.07.2022, mantendo o referido no PPA e sumariando a questão de fundo aqui em dissonância da seguinte forma “o ponto central da discussão reconduz-se a saber se o Requerente, não obstante o constante do cadastro fiscal da ATA, poderá ser material e legalmente considerado como não residente fiscal em Portugal durante o período de 2016 (e residente em França), e, concomitantemente, se se encontra ferida de ilegalidade a liquidação oficiosa de IRS emitida pela ATA relativamente aos salários obtidos pelo Requerente em França”.

 

  1. O pedido de constituição do tribunal arbitral (PPA) foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228. ° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, em substituição do Exmo. Sr. Árbitro inicialmente sorteado para integrar o presente Tribunal.

As partes foram oportuna e devidamente notificadas das designações, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6. ° e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228. ° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 20 de Abril de 2022.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

Matéria de facto

 

  1. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes:
  1. O Requerente celebrou, em janeiro de 2015, um contrato de trabalho com uma sociedade com sede em França, com efeitos a partir de 14/01/2015, tendo em julho de 2015 renovado o vínculo laboral até 13/07/2016 e tendo acordado que o contrato teria duração indeterminada com efeitos a partir de 14/07/2016 – conforme artigos 2º e 3º do PPA e documentos nºs 2 a 4 juntos com o PPA;
  2. A entidade empregadora do Requerente, em França, concedeu-lhe alojamento a título gratuito, desde a referida data de início do contrato e até 24/03/2018, data em que cessou o vínculo contratual e em que regressou ao território nacional – conforme artigo 4º do PPA e documento nº 5 em anexo ao PPA;
  3. O Requerente exerceu as funções no âmbito das telecomunicações e eletricidade e fixou a sua residência em França, país onde permaneceu entre 14/01/2015 e 24/03/2018, apenas passando férias de Verão e de Natal em território português, ficando em casa de um irmão, não tendo qualquer habitação em Portugal - artigos 5º e 56º do PPA e declarações de parte do Requerente conjugadas com o depoimento da testemunha B...;
  4. Durante o período em que o Requerente trabalhou em França, cumpriu com as obrigações fiscais e de segurança social enquanto residente em França e com domicílio fiscal neste país, não tendo entregue qualquer declaração de rendimentos em Portugal – conforme artigo 6º e 44º do PPA, primeira parte do artigo 5º da Resposta da AT e Documento nº 6 e 10 a 12 em anexo ao PPA;
  5. O Requerente não procedeu à alteração da sua morada no cartão de cidadão para a sua morada em França, no período acima referido em que trabalhou em França – conforme artigo 7º e 42º do PPA;
  6. A Autoridade Fiscal Francesa comunicou à AT, em data não apurada, ao abrigo da troca automática de informação, os rendimentos de trabalho dependente obtidos pelo Requerente em França, no ano de 2016 – conforme artigo 18º da Resposta da AT.
  7. Em 23-10-2020, não tendo o Requerente apresentado a declaração de IRS para o ano de 2016, com base nos rendimentos auferidos no estrangeiro, a AT iniciou um procedimento de “divergência” no seu sistema informático, com o fundamento de o Requerente constava como residente na Rua ...– Manta Rota, ...-... Vila Real de Santo António, Portugal, no Cadastro do Contribuinte - conforme artigo 4º da Resposta da AT e PA junto com a resposta;
  8. Em 03-12-2020 os serviços da AT procederam à elaboração de uma declaração oficiosa (DC) para o ano de 2016, onde foram declarados os rendimentos no anexo J – Rendimentos Obtidos no Estrangeiro – conforme artigo 5º da Resposta da AT, PA junto pela AT e artigo 8ºdo PPA;
  9. Em 16-12-2020 a AT emitiu a liquidação n.º 2020 ... de IRS para o ano de 2016 no montante de € 4.751,89, cuja data limite de pagamento foi em 25-01-2021 e porque o Requerente não efetuou o pagamento até aquela data, foi promovida uma execução fiscal - processo executivo n.º ...2021..., que se encontra em fase de pagamento em prestações – conforme artigos 6º e 7º da Resposta da AT e artigo 8º do PPA; 
  10. Em 07-07-2021 o Requerente apresentou uma reclamação graciosa contra a liquidação, que tomou o n.º ...2021... . Em 29-09-2021 foi elaborado o projeto de despacho com intenção de indeferir a reclamação, tendo o Requerente sido notificado, na pessoa do seu mandatário, pelo ofício n.º ... de 29-092021. Em 14-10-2021 o Requerente exerceu o direito de audição, conforme “entrada n.º 2021...” tendo requerido a inscrição retroativa como não residente fiscal em Portugal em 2016, juntando para o efeito documentação sobre o cumprimento das suas obrigações fiscais em França na qualidade de residente nesse país. O projeto de despacho foi convertido em definitivo em 04-11-2021 – conforme artigo 9º a 12º do PPA, artigos 8º a 10º da resposta da AT e documentos nºs 8, 9º 10º a 12º juntos com o PPA;
  11. O Requerente foi notificado, em data não apurada, na pessoa do seu mandatário, pelo ofício n.º 6147 de 04-11-2021, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa com os seguintes fundamentos:
  • “Estipula o artigo 24º nº 1 do DL nº 14/2013, de 28/0, que: "sempre que se verifique qualquer alteração dos elementos constantes do registo deve o contribuinte, seu representante ou gestor de negócios, comunicar as respetivas alterações à AT, no prazo de 15 dias a contar da data da ocorrência do fato determinante da alteração, salvo se outro prazo não decorrer expressamente da lei."
  • Consultado o Sistema de Gestão e Registo de Contribuinte, verifica-se que o reclamante à presente data ainda tem a sua residência em Portugal, na Rua...— Manta Rota, ...-... Vila Real de Santo António.
  • Em resultado da não comunicação da alteração da sua residência fiscal para França, foi elaborada declaração oficiosa de IRS pera o ano de 2016 e notificado da respetiva liquidação de IRS.
  • Estipula o artigo 15º âmbito da sujeição – nº 1 – “Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluído os obtidos fora desse território".
  • Da análise dos dados introduzidos no sistema informático, foi recolhida na declaração modelo3 de IRS do exercício de 2016, nomeadamente no anexo J, quadro 4, "rendimentos obtidos no estrangeiro", campo 401, "rendimentos de trabalho dependente (categoria A)", a importância de € 21.818.00, atendendo que os rendimentos declarados foram auferidos em França.
  • Após o tratamento da declaração, resultou a liquidação no 2020... com um valor a pagar de € 4.751 ,89, cujo prazo limite de pagamento foi em 2021-01-25, constata-se que, a falta do pagamento do imposto no prazo acima referido deu também origem ao processo executivo nº ...2021... .

Assim, e uma vez que o contribuinte no ano de 2016 era residente em Portugal, julgamos que não assiste razão ao ora reclamante, pelo que será de indeferir o pedido.”

 – conforme Documento nº 1 junto com o PPA, teor do PA junto com a Resposta da AT e artigo 11º da Resposta da AT.

  1. O Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral em 28 de Fevereiro de 2022 – conforme registo no SGP do CAAD.

 

Factos não provados

 

Não há factos não provados que se considerem relevantes para a decisão da causa.

 

Motivação da fixação da matéria de facto

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos factos articulados no PPA, na Resposta da AT que estão em conformidade com a posição assumida por ambas as partes, e com base nos documentos juntos com o PPA e os que integram o processo administrativo junto pela Autoridade Tributária.

A prova por depoimento de parte e testemunhal relevou, essencialmente, para confirmar o que já constava nos documentos juntos, nos termos acima referidos.

 

Matéria de direito

 

  1. A questão de fundo em discussão neste processo consiste em apurar, se no ano de 2016, deverá ou não o Requerente ser considerado residente em Portugal, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 15.º, n.ºs 1 e 2, e 16.º, n.ºs 1, alíneas a) e b), 2 e 3, do Código do IRS.

 

  1. Relativamente à questão de fundo aqui a dirimir, já se pronunciou pelo menos um Tribunal constituído no CAAD, como se retira da decisão adoptada no Processo nº 36/2022-T, em que o enquadramento normativo é o mesmo que aqui é aplicável.

 

“Residência fiscal” vs. “domicílio fiscal”

 

No Processo CAAD nº 36/2022-T acima referido escreveu-se:

13. Como salienta Rui Duarte Morais (Sobre o IRS, Almedina, Coimbra, 2006, pp 17 e 18)são diferentes as noções de residência e domicílio fiscal, ainda que relativamente aos residentes o local do domicílio fiscal coincida com o da sua residência habitual (art. 19.º, n.º 1, al. a) da Lei Geral Tributária).

Enquanto o conceito de residência integra a hipótese de normas tributárias substantivas, determinantes da existência e da extensão da obrigação de imposto, a questão do domicílio fiscal projecta-se em consequências processuais. [A questão de saber se alguém é ou não residente em Portugal é independente da do domicílio fiscal. Aquele que efectivamente transferiu a sua residência para o estrangeiro não pode mais ser considerado residente em Portugal, mesmo que nos registos da administração fiscal continue a figurar como domiciliado em Portugal (mesmo que por omissão dele, sujeito passivo, em promover a necessária alteração). A nosso ver, o domicílio fiscal não constitui, no plano internacional, qualquer presunção de residência.”]   

A este propósito, afigura-se também pertinente considerar o seguinte posicionamento de Pedro Roma (Residência Fiscal Parcial em IRS, Almedina, Coimbra, 2018 pp 120-121): “(…) o conceito de “não residência fiscal” não se encontra expressamente contemplado no ordenamento jurídico-fiscal português.

Tal como analisado por José Calejo Guerra [Cf. José Calejo Guerra – A (não) residência fiscal no Código do IRS e seus requisitos: do conceito legal à distorção administrativa, Cadernos de Justiça Tributária, n.º 6, outubro-dezembro 2014, pp. 16-22], também entendemos que o conceito de não residência fiscal resulta a contrario do próprio Código do IRS, uma vez que todos aqueles que não preencherem um dos critérios de residência fiscal previstos no artigo 16.º do Código do IRS deverão ser considerados não residentes fiscais em Portugal.

Este Autor acrescenta, ainda, que a não residência fiscal é, pois, uma definição legal não escrita que se encontra sob a alçada da reserva relativa de lei da Assembleia da República, que resulta do artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP. Nesta medida, é defendido que a administração tributária não pode introduzir, através da sua atuação (ainda que baseada em orientações administrativas), quaisquer exigências que, de algum modo, dificultem ou impeçam que um qualquer sujeito passivo, que não preencha nenhum critério de residência fiscal em Portugal, seja considerado não residente fiscal.     

Na verdade, de acordo com a atual prática administrativa, a administração tributária exige a apresentação de um comprovativo de residência no estrangeiro para proceder à alteração do estatuto de residência fiscal dos sujeitos passivos para não residentes em Portugal, (…). À luz daquele entendimento, que subscrevemos, entendemos que esta prática da administração tributária apenas se poderá reputar de ilegal, por violação do princípio da legalidade tributária, que encontra cobertura legal no artigo 8.º da LGT e cobertura constitucional no já citado artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP.”

Os citados entendimentos doutrinais encontram acolhimento na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, sendo disso exemplo, entre outros, os seguintes arestos:

  • Acórdão do TCAS, de 11.11.2021, proferido no processo n.º 2369/09.7BELRS, assim sumariado (na parte que aqui importa reter):

“(…)

II.        Os conceitos de domicílio fiscal (previsto no art. 19.º da LGT) e de residente fiscal para efeitos de IRS não são sinónimos.

III.       O dever de comunicação, previsto quer no n.º 1 do art. 43.º do CPPT quer no então art. 19.º, n.º 2, da LGT (atual n.º 3), não se trata de formalidade ad substanciam, pelo que a sua preterição não tem necessária e definitivamente impacto em termos de tributação.

(…)

V. Não obstante o domicílio fiscal do Impugnante, previsto no art.º 19.º da LGT, contemplar uma morada em Lisboa, esta circunstância distingue-se do conceito de residência fiscal para efeitos de IRS e não consubstancia qualquer presunção inilidível de que a residência fiscal é na morada ali constante.”

  • Acórdão do TCAS, de 08.07.2021, proferido no processo n.º 803/05.0BESNT, assim sumariado (na parte que aqui importa reter):

“(…)

III.       Saber de alguém é ou não residente em Portugal não está dependente do domicílio fiscal, por este não constituir, no plano internacional, qualquer presunção de residência.

IV.       O conceito de residência integra a hipótese de normas tributárias substantivas, determinantes da existência e da extensão da obrigação de imposto, enquanto o domicílio fiscal projecta-se em consequências processuais.”

 14 - Noutra ordem de considerações, importa chamar à colação os seguintes ensinamentos de Paula Rosado Pereira (Manual de IRS, Almedina, Coimbra, 2018, pp. 56 a 59):

Temos, portanto, no IRS, uma distinção essencial entre sujeitos passivos residentes e sujeitos passivos não residentes.

A residência é, a par da fonte do rendimento, um dos elementos de conexão que definem os termos da aplicação da lei fiscal no espaço, quando nos encontramos perante situações com um elemento internacional relevante.

Reportando-nos ao já aludido artigo 13.º, n.º 1 do CIRS, a tributação em Portugal dos rendimentos obtidos por pessoas singulares que residam em território português reflete o elemento de conexão “residência”, ao passo que a tributação dos não residentes quanto aos rendimentos considerados como obtidos em território português concretiza a aplicação do elemento de conexão “fonte”.    

(…)

A definição de residência em território português é dada pelo artigo 16.º do CIRS, prevendo-se que sejam residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos: 

a)        Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;

b)        Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual. 

(…)

Para além de corresponder, como vimos, a um dos elementos de conexão para a aplicação da lei fiscal no espaço, a residência é também um conceito essencial para determinar o âmbito de sujeição pessoal ao IRS, uma vez que este tende a ser bastante distinto para residentes e não residentes.

Relativamente aos residentes, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora de território português (artigo 15.º, n.º 1 do CIRS). Os residentes encontram-se, portanto, sujeitos a um princípio da universalidade ou da tributação universal ou ilimitada pelo Estado da residência. Assim, podem ser tributados em Portugal todos os rendimentos obtidos por um residente, independentemente do local onde tais rendimentos sejam obtidos.

(…)

Em contrapartida, um não residente – pessoa singular que não preencha nenhum dos critérios de residência fiscal previstos no artigo 16.º do CIRS – encontra-se sujeito a IRS unicamente quanto aos rendimentos obtidos em território português (artigo 15.º, n.º 2 do CIRS). Os não residentes são tributados ao abrigo do elemento de conexão fonte do rendimento. O artigo 18.º elenca os rendimentos que se consideram obtidos em território português e que, como tal, podem ser tributados em sede de IRS mesmo quando auferidos por um não residente.”  

Neste conspecto, afirma Pedro Roma (Residência Fiscal Parcial em IRS, Almedina, Coimbra, 2018 pp. 131-145) o seguinte:  

Assim, tendo em conta estas três normas [artigo 16.º, n.ºs 1, alínea a), 2 e 3, do Código do IRS], julgamos que se poderá formular este critério de residência fiscal [a permanência por mais de 183 dias num período de 12 meses] do seguinte modo: (i) um sujeito passivo é considerado residente fiscal se, em qualquer período de 12 meses, permanecer mais de 183 dias (que incluam dormida) em Portugal e (ii) será considerado residente fiscal em Portugal desde o primeiro dia de permanência daquele período de 183 dias.

(…)

(…), a mera disposição de uma habitação não é suficiente para que se possa concluir pelo preenchimento deste critério de residência fiscal em Portugal [critério previsto no artigo 16.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS], pois é necessária a existência de “condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual”.   

Em primeiro lugar, deverá tratar-se de uma residência habitual, o que significa que não basta a existência de um imóvel em Portugal que é ocupado ocasionalmente (e.g. em período de férias ou fins-de-semana) para que o mesmo qualifique para este efeito.

Por outro lado, veio a nova redação desta norma esclarecer que temos que estar perante uma intenção “atual”, o que significa que o imóvel em questão até pode ter sido adquirido para que no futuro venha a ser utilizado como residência habitual do sujeito passivo – contudo, se no momento em questão o mesmo não estiver a ser ocupado com esse propósito, não poderá ser considerado uma residência habitual para este efeito.

Por último, no que respeita às “condições que [fazem] supor” a intenção de manter e ocupar uma habitação, como residência habitual, verificamos que o legislador decidiu não concretizar que condições são essas, deixando-as ao critério do intérprete.     

(…)

Uma vez que a ocupação da habitação como residência habitual não é objeto de prova direta, a mesma resulta das condições objetivas e subjetivas que a façam supor.

(…) Não obstante, (…), uma análise casuística impor-se-á sempre.

(…)

Por último, (…) os critérios de residência fiscal previstos nas alíneas a) e b) do artigo 16.º, n.º 1 do Código do IRS são alternativos, (…)” 

Destarte, temos, pois, que o critério previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS se cinge à presença física (corpus), em Portugal, considerando residentes, de forma automática, os indivíduos que permaneçam mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, num período de 12 meses, no território nacional. Por seu turno, a alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS, exigindo uma ligação física menos qualificada, impõe uma análise casuística que permita, ainda assim, assegurar que existe uma conexão efetiva com o território; esta conexão tem-se por verificada através de um elemento subjetivo mediato, a intenção de ser residente (animus), que deve ser analisado de uma perspetiva objetiva, ou seja, através de elementos imediatos que permitam a reconstrução da vontade do indivíduo a partir dos indícios por si revelados.”

 

A fundamentação que sustenta a decisão de indeferimento da reclamação graciosa

 

Verifica-se que a AT na fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa refere que “consultado o Sistema de Gestão e Registo de Contribuinte, verifica-se que o reclamante à presente data tem a sua residência em Portugal, na Rua...—..., ...-... Vila Real de Santo António.  Em resultado da não comunicação da alteração da sua residência fiscal para França, foi elaborada declaração oficiosa de IRS pera o ano de 2016 e notificado da respetiva liquidação de IRS”.

Configura-se que não se ponderou, a diferença entre o conceito legal de “residência fiscal” e de “domicílio fiscal”, que não são coincidentes, porquanto se verifica que:

  • A Requerida sabia, e até o invoca, que o Requerente, na data em que foi elaborado o projecto de decisão (04.11.2021) tinha residência fiscal em França, só que não tinha promovido essa alteração no Sistema de Gestão e Registo de Contribuinte, daqui passando, sem mais, para a consideração de que o contribuinte era residente em Portugal;
  • Parte de um equívoco, quando considera que o incumprimento da obrigação prescrita no nº 3º do artigo 19º - 3 da  LGT e no artigo 43º do CPPT, que aludem à “comunicação da alteração do domicílio” (que não se confunde com “residência fiscal”), não pode ou não deve, ser sanado oficiosamente pela própria AT, desde logo em sede de procedimento de “divergências” (procedimento que a AT encetou como refere no artigo 4º da Resposta) nos termos do nº 11 do artigo 19º da LGT, face à comunicação que lhe foi feita pela Autoridade Fiscal Francesa de recebimento de rendimentos do trabalho auferidos em França, por uma pessoa singular, que não apresenta quaisquer outros rendimentos auferidos em Portugal. Com efeito,

O nº 11 do artigo 19º da LGT tem a seguinte redacção: “a administração tributária poderá rectificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos se tal decorrer dos elementos ao seu dispor”.

A expressão “rectificar” é sinónima de “corrigir”. Se a Requerida refere em 04.11.2021, data em que foi elaborado o projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que o Requerente “tem a sua residência em Portugal, na Rua...— Manta Rota,...-... Vila Real de Santo António ... em resultado da não comunicação da alteração da sua residência fiscal para França”, sabia, pelo menos em 04.11.2021, que o mesmo tinha residência em França, tendo implicitamente aceite os documentos que o contribuinte lhe facultou na pendência do procedimento de reclamação graciosa, demonstrando essa realidade fáctica.

 

A prova quanto à determinação da residência fiscal

 

Verifica-se ainda que a Requerida no artigo 17º da Resposta afirma que “ ... o contribuinte não demonstrou, pelos documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral, ter sido considerado residente fiscal em França no ano de 2016, mediante a apresentação de um certificado de residência fiscal emitido pela Autoridade Fiscal Francesa ao abrigo 4.º da CDT Portugal-França, o que comprovaria que o contribuinte nesse ano teria sido considerado residente fiscal em França nos termos da sua legislação interna, e determinaria o recurso às regras de desempate previstas no n.º 2 do artigo 4.º da CDT Portugal-França.”.

Sobre esta questão já se pronunciou, pelo menos, um Tribunal constituído no CAAD, como se retira da decisão adoptada no Processo nº 36/2022-T, a que aqui aderimos. Aí se escreveu “inexiste qualquer norma legal, nomeadamente no Código do IRS, que condicione/limite os meios de prova de que o contribuinte se pode servir para comprovar a sua residência fiscal, designadamente exigindo a apresentação de um certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais de outro país”. E nesta decisão refere-se ainda “A “ineficácia” da mudança de domicílio – repare-se que se diz “domicílio” e não “residência” – referida no artigo 19.º, n.º 4, da LGT não tem, por si só, o alcance de converter o contribuinte em residente para efeitos fiscais, se o mesmo fizer prova em sentido contrário”.

 

Por último, não se configura ter aqui relevância o alegado pela AT no artigo 18º da Resposta, a saber: “... foi a Autoridade Fiscal Francesa que considerou o contribuinte residente fiscal em Portugal ao ter comunicado, ao abrigo da troca automática de informação, os rendimentos obtidos pelo mesmo em França no ano de 2016. E fazem fé “(…) as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado, sem prejuízo da prova em contrário do sujeito passivo ou interessado.”, conforme dispõe o artigo 76.º, n.ºs 1 e 4 da LGT”.

Também quanto a este aspecto, reitera-se que já se pronunciou, pelo menos, um Tribunal constituído no CAAD, como se retira da decisão adoptada no Processo nº 36/2022-T, à qual, mais uma vez, aderimos. Aí se escreveu: “ “... o facto de terem sido as autoridades fiscais de França a comunicar à Requerida que, no ano de 2016, o Requerente tinha auferido rendimentos naquele país – o que aconteceu no âmbito de uma troca automática de informações realizada ao abrigo da Diretiva 2011/16/UE do Conselho, de 15 de fevereiro de 2011 (DAC1), relativa à cooperação no domínio da fiscalidade e que foi transposta para a ordem jurídica nacional através do Decreto-Lei n.º 61/2013, de 10 de maio –, não tem qualquer influência quanto ao estatuto de residência fiscal que deve ser reconhecido ao Requerente, no ano de 2016, pois a “definição de residente é feita, unilateralmente, pela lei de cada Estado” e, no caso português, os respetivos critérios são os constantes do artigo 16.º do Código do IRS”.

 

Conclui-se, pois, que não há qualquer norma legal que limite os meios de prova a que os contribuintes podem lançar mão para provar a sua residência ou não residência fiscal, face aos critérios constantes do artigo 16º do CIRS.

 

O ónus da prova quanto à não residência fiscal em Portugal

 

Cumpre verificar se o Requerente cumpriu o ónus de provar a sua não residência fiscal em Portugal por ter provado a sua residência fiscal em França no período compreendido entre 14.01.2015 e 24.03.2018.

A resposta só pode ser no sentido afirmativo.

Desde logo face ao critério previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS que alude à presença física (corpus), em Portugal, durante aquele período.

 Provou-se em C) dos factos assentes que em França “o Requerente exerceu as funções no âmbito das telecomunicações e eletricidade e fixou a sua residência em França, país onde permaneceu entre 14/01/2015 e 24/03/2018, apenas passando férias de Verão e de Natal em território português, ficando em casa de um irmão, não tendo qualquer habitação em Portugal”.

Ou seja, não há qualquer prova ou evidência no sentido de demonstrar que o Requerente tenha permanecido em Portugal mais de 183 dias seguidos ou interpolados, no ano de 2016.

Não sendo o Requerente, em termos de verdade material, residente em Portugal em 2016, não podem ser aqui tributados os rendimentos de trabalho dependente auferidos em França nesse ano, por força do nº 1 do artigo 15º do CIRS.

 

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O PPA terá que proceder porquanto se verifica desconformidade da liquidação impugnada e da decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa, nomeadamente, face às normas dos artigos 15º nº 1, 16º nº 1 alínea a) do CIRS e artigo 19º nº 11 da LGT, nos termos acima indicados.

 

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Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

  1. O Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso dos montantes que tenham sido pagos, acrescido de juros indemnizatórios.

 

Reembolso de valores pagos

 

Provou-se na alínea I) dos factos assentes que “o Requerente não efetuou o pagamento até aquela data, transitou o mesmo para execução fiscal, tendo dado origem ao processo executivo n.º ...2021..., que se encontra em fase de pagamento em prestações” com base no que a AT referiu no artigo 7º da Resposta.

O Requerente não provou, nem alegou, quantas prestações foram pagas, nem o seu cômputo. No entanto, nada impede que o Tribunal considere, tal como configurado pela AT, que há prestações vencidas e pagas.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago, ou seja, dos valores pagos a título de prestações em sede do processo executivo.

 

Juros indemnizatórios

 

No nº 5 do artigo 24.º do RJAT refere-se que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

Revertendo o que se referiu para o caso concreto deste processo, será de considerar o que refere v.g. o acórdão do STA de 8 de Março de 2017, proferido no proc. 01019/14, em sintonia com jurisprudência constante do mesmo Tribunal, o seguinte:

Sobre o denominado “erro imputável aos serviços” tem a jurisprudência desta secção uniforme e reiteradamente afirmado que o respectivo conceito compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e que essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro (vide, entre outros, os seguintes Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: de 12.02.2001, recurso nº 26.233, de 11.05.2005, recurso 0319/05, de 26.04.2007, recurso 39/07, de 14.03.2012, recurso 01007/11 e de 18.11.2015, recurso 1509/13, todos in www.dgsi.pt.).”

Por outro lado, quanto à liquidação em si, não pode este Tribunal olvidar que a AT procedeu da forma que procedeu, porque o Requerente não cumpriu a obrigação de comunicação quanto à alteração do seu domicílio fiscal (artigo 19º - 3 da LGT).

De qualquer forma, é indiscutível que a ilegalidade da decisão da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa. No entanto, o erro que afeta a liquidação oficiosa não pode ser imputável à Administração Tributária, pois resulta do incumprimento de uma obrigação declarativa do Requerente.

O mesmo não sucede, percute-se, com a decisão da reclamação graciosa, pois deveria ter sido deferida a pretensão da Requerente e este erro é imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira. Esta situação da Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido, pelo que a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a ação que a reporia, deve ser equiparada à ação.

No caso em apreço, a reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 04-11-2021, mas foi apresentada em 07-07-2021. Ou seja, o prazo legal para a decisão terminava em 08.11.2021, primeiro dia útil subsequente ao termo do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 artigo 57.º da LGT.

Assim, a partir de 08.11.2021, começam a contar-se juros indemnizatórios, relativamente às quantias que o Requerente tenha pago no âmbito do processo executivo. Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

 

III - Decisão

 

Termos em que se decide:

  1. Julgar procedente o pedido arbitral e anular a LIQUIDAÇÃO N.º 2020 ...de 03.12.2020, de que resultou um montante a pagar de 4 751,89 euros e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares relativamente ao período de 2016 - RECLAMAÇÃO GRACIOSA N.º ...2021...;
  2. Condenar a Administração Tributária (1) no reembolso das prestações que tenham sido pagas no âmbito do processo de execução fiscal e (2) no pagamento de juros indemnizatórios desde a data de 08.11.2021 e até à data do processamento da respetiva nota de crédito, relativamente aos montantes que tenham sido pagos. 

 

Valor da causa

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 4 751,89, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

Custas

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 3, do RJAT, e 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela II anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 612,00, que fica a cargo da Requerida.

Notifique.

Lisboa, 11 de Outubro de 2022

 

Tribunal Arbitral Singular 

 

 

(Augusto Vieira)