Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 33/2013-T
Data da decisão: 2013-09-23  IRC  
Valor do pedido: € 393.439,80
Tema: IVA – direito à dedução das SGPS
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Processo n.º 33/2013-T

 

 

Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Diogo Leite de Campos e Dr. Álvaro José da Silva (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 13-5-2013, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

, SGPS, S.A. (doravante abreviadamente designada por “Requerente”), pessoa colectiva número …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de … sob o mesmo número, com sede na …, na freguesia de …, em …, requereu, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, a constituição de Tribunal Arbitral, visando a declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de IVA n.º … e da liquidação dos juros compensatórios correspondentes, com o n.º …, bem como a obtenção de indemnização pelos prejuízos decorrentes de prestação de garantia indevida.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, defendendo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

Na reunião prevista no art. 18.º do RJAT, realizada em 10-7-2013, foi marcada diligência de produção de prova testemunhal e alegações orais, que teve lugar no dia 11-9-2013.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.


 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo instrutor apenso, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais (art. 13.º do pedido de pronúncia arbitral e art. 5.º da resposta);

  2. No ano de 2009, a Requerente deduziu IVA no montante de € 438,459,96, correspondente a toda a utilização de bens e serviços adquiridos em que suportou IVA (ponto III 1. do Relatório da Inspecção cuja cópia consta do documento n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  3. No ano de 2009, a Requerente fez consumos no valor de € 2.192.299,80 onerados com IVA e realizou operações no valor de € 2.904.832 em que liquidou IVA (documentos n.ºs 5 e 6, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

  4. O valor de € 2.904.832 corresponde aos serviços facturados pela Requerente às sociedades suas participadas (documento n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  5. Em termos de IVA suportado (com os consumos efectuados) e IVA liquidado a terceiros (às suas sociedades participadas), o saldo em 2009 foi este:

– € 580.966,40 de IVA liquidado (prestações de serviços) (Documentos n.ºs 7 e 8, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

– € 438.459,96 em IVA incorrido ou suportado (consumos ou inputs) – página do 25 Relatório da Inspecção Tributária, sendo que excluído os consumos redebitados com IVA esse valor é de € 397.861,70 (página 41 do Relatório da Inspecção Tributária);

  1. Foram efectuadas correcções pelos serviços da inspecção tributária, relativamente ao ano de 2009, em matéria de IVA, na sequência do que foi efectuada a liquidação de IVA n.º …, no valor de € 365.855,31 e a liquidação dos correspondente juros compensatórios n.º …, no valor de € 27.584,49 (Documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  2. Nas conclusões do Relatório da Inspecção, refere-se, além do mais, o seguinte:

i) A mera intervenção de uma holding na gestão das suas filiais, sem que haja transacções sujeitas a IVA (. ..) não pode ser considerada como actividade económica" para efeitos de IVA.

ii) Apenas poder-se-á considerar que a intervenção na gestão das sociedades filiais poderá constituir uma actividade económica se implicar a realização de transacções sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado, nomeadamente o fornecimento de serviços administrativos, financeiros, comerciais e técnicos. E nestes termos, "para que o IVA pago a montante (...) possa dar direito a dedução, as despesas efectuadas neste âmbito devem fazer parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante"

iii) Assim, a única actividade realizada pela …, tributada em IVA é a de prestação de serviços.

 

  1. A Requerente acompanha e assessora a gestão das suas participadas (depoimentos das testemunhas … e …);

  2. A Requerente tem um quadro de pessoal dedicado ao acompanhamento da gestão das participadas que, incluindo administradores executivos mas excluindo os não executivos, ascendia em 2009 a 25,88 colaboradores (Documento n.º 4, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, e depoimentos das testemunhas … e …);

  3. A actividade da Requerente de acompanhamento e assessoria às participadas implica a ocupação de espaço e uma variedade de consumos que vão desde a informática ao material de escritório, passando por contratação de assessoria externa especializada (p 17 e anexos 5 e 6 do Relatório da Inspecção Tributária – RIT – junto ao pedido de pronúncia arbitral como Documento n.º 5, cujo teor se dá como reproduzido);

  4. Na fixação da remuneração devida à … pelos serviços prestados intervieram, por vontade das partes (… e respectivas participadas) dois factores: (a) € 350/hora (€ 370 no caso da …) e (b) horas de 8 colaboradores da …, conforme quadro remetido à inspecção tributária no decurso da inspecção e conforme certificação do mesmo que (Documentos n.ºs 9 e 10, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

  5. Os 8 colaboradores referidos são os que entram em contacto com as participadas (depoimentos das testemunhas ... e …);

  6. A actividade dos 8 trabalhadores referidos na alínea anterior não podia ser levada a cabo da forma que foi se não houvesse a colaboração dos restantes trabalhadores (depoimentos das testemunhas … e …);

  7. Os colaboradores da … e os seus recursos produtivos em geral são utilizados na actividade de prestação de serviços às participadas, consubstanciados no acompanhamento diário da sua actividade e gestão, sendo insignificante ou irrisório, e ocasional, a parcela destes recursos afecta a outras tarefas, designadamente tarefas de recepção de dividendos e juros (depoimentos das testemunhas … e …);

  8. No ano de 2009 a Requerente não alienou qualquer participação social ou qualquer das participadas (depoimentos das testemunhas … e …);

  9. No ano de 2009 a Requerente fez empréstimos à suas participadas tendo sido desenvolvida reduzida actividade dos seus colaboradores que conheciam bem a situação financeira das participadas (depoimento da testemunha …);

  10. A requerente foi notificada do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, através do qual a Direcção de Serviços de Inspecção Tributária propôs ajustamentos de IVA no valor de € 365.855,31, alegando ter sido deduzido imposto em excesso (Documento n.º 11, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  11. Em 27-1-2012 a Requerente foi notificada das liquidações adicionais n.ºs … e …, referentes a IVA e correlativos juros compensatórios, nos valores de € 365.855,31 e € 27.584,49, respectivamente, com data limite de pagamento voluntário de 31-3-2012 (Documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  12. A Requerente apresentou reclamação graciosa em 20-7-2012 das duas liquidações (documento n.º 2, junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  13. A reclamação graciosa referida na alínea anterior foi indeferida, sendo notificada a decisão à Requerente em 19-12-2012 (documento n.º 3 , junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  14. Em 30-5-2012, a Requerente prestou a garantia bancária que consta do documento n.º 30, junto com o pedido pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido.

 

2.2. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os juízos probatórios nos documentos referidos sobre cada ponto e nos depoimentos das testemunhas … e …, que mostraram ter conhecimento do funcionamento da Requerente e aparentaram depor com isenção.

Não há factos relevantes para decisão que não se tenham provado.

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Regime jurídico aplicável

 

De harmonia com o art. 2.º da Directiva n.º 2006/112/CE, do Conselho, de 28-11-2006, estão sujeitas ao IVA, para além de outras, as operações de entregas de bens efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade, as aquisições intracomunitárias de bens efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro, as prestações de serviços efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade e as importações de bens.

Na mesma linha o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) estabelece no seu art. 1.º que estão sujeitas a este imposto as transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal, as importações de bens e as operações intracomunitárias efectuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias.

Nos termos do art. 9.º da Directiva «entende-se por "sujeito passivo" qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma actividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa actividade» e «entende-se por "actividade económica" qualquer actividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada actividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência».

O CIVA estabelece que são sujeitos passivos, além de outras, «as pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC)».

O direito à dedução surge no momento em que o imposto se torna exigível (art. 167º da Directiva n.º 2006/112/CE e art. 22.º n.º 1, do CIVA) e, em regra, só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de operações tributadas (arts. 168.º da Directiva n.º 2006/112/CE e art. 20.º, n.º 1, do CIVA).

No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, como operações sem direito à dedução, esta só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações (arts. 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE e 23.º n.ºs 1 e 2, do CIVA).

O pro rata de dedução é determinado para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo e resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes:

a) No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução;

b) No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução (arts. 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE e 23.º n.º 4, do CIVA).

 

O pro rata de dedução é determinado anualmente, fixado em percentagem e arredondado para a unidade imediatamente superior (arts. 177.º da Directiva n.º 2006/112/CE e 23.º n.º 4, do CIVA).

De harmonia com o disposto no art. 1.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro ( 1 ) as sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, sendo a participação numa sociedade considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.

O art. 4.º, n.º 1, do mesmo diploma ( 2 ) permite às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações.

 

3.2. Posição da Requerente

 

A Requerente defende que, por força do disposto no corpo do art. 168.º da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE), o direito à dedução nasce de uma relação de utilização: se os recursos foram utilizados numa actividade que confere direito a dedução, o IVA será dedutível, independentemente do peso relativo em termos de valor gerado por essa actividade no confronto com a totalidade dos proveitos.

Assim, será irrelevante a natureza da entidade, devendo ter-se em conta a actividade e a relação com esta dos recursos onerados com IVA.

A Requerente defende que a detenção de participações sociais e o recebimento de dividendos não são actividades consumidoras de recursos e a jurisprudência comunitária considerou que no cálculo do IVA dedutível pelo método standard do pro rata o volume dos dividendos não podia influenciar o nível do direito à dedução (acórdão Satam e outros).

No entender da Requerente, a utilização de recursos que fez está associada quase exclusivamente à actividade remunerada em prol das participadas, implicando a recepção ocasional de dividendos e juros de empréstimos ou realização ocasional de mais-valias uma ínfima utilização de recursos.

A Requerente entende que não pode, sem violação da Directiva sobre o IVA, ser utilizado o método da afectação real para transformar imposto dedutível em não dedutível e, por isso, se os dividendos e a detenção de participações sociais não são rendimentos nem actividades consumidoras de recursos onerados com IVA, não pode, com aplicação daquele método, passar a atrair o IVA suportado relativamente a recursos expressivos de um sujeito passivo que, como a Requerente, se dedica à prestação de serviços técnicos e de gestão às suas participadas.

No que concerne aos juros de empréstimos efectuados pela Requerente, que no seu caso são receitas esporádicas e que consomem recursos insignificantes comparativamente com o seu montante, devem qualificar-se como operações acessórias, à luz do entendimento do Tribunal de Justiça da União Europeia (acórdão EDM).

Relativamente a despesas de aquisição de participações sociais ou de prospectivas aquisições, entende a Requerente que fazem parte das suas despesas gerais (acórdão Cibo), mas isso não afasta o direito à dedução do IVA, apenas implicando, no caso de serem efectuadas tanto operações com direito a dedução como operações sem direito a dedução, que apenas pode ser deduzida a parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.

Assim, a Requerente entende que, à excepção dos juros decorrentes de operações de empréstimos às participadas, consumidoras de uma porção de recursos irrisória, a restante actividade económica da Requerente é sujeita a IVA, pelo que as correcções do direito à dedução efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira violam esse seu direito.

A Requerente sugere ainda que, em caso de dúvida, se use o reenvio prejudicial para o TJUE.

Refere ainda a Requerente que a sua actividade principal é a gestão activa das suas participadas e que o facto de ser uma SGPS não é obstáculo à dedução da integralidade do IVA suportado.

Defende ainda a Requerente que, olhando ao circuito económico em que se insere, a SGPS é um instrumento ao serviço das sociedades participadas: a sua razão de existir são as suas participadas e tudo o que faz é instrumental relativamente aos interesses e actividades das participadas. Não sendo as SGPS consumidores finais e sendo as suas participadas, por sua vez, sujeitos passivos de IVA com direito à sua dedução (porque também não são consumidores finais, nem, no caso, realizam operações isentas sem direito à dedução), não haverá razão para o IVA suportado pela SGPS (que não está associado a um consumo final, mas a um consumo inserido no circuito económico de produção de bens e serviços) ficar arredado do direito à dedução.

 

3.3. Posição da Autoridade Tributária e Aduaneira

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira entende que, se a actividade da Requerente, enquanto SGPS, está parte fora do campo de aplicação do imposto, parte sujeita a IVA, por se traduzir na prestação de serviços às participadas e ainda, em operações isentas nos termos do artigo 9.º do CIVA, a Requerente aufere vários proveitos, entre os quais se encontram juros resultantes de empréstimos às suas associadas, que são uma prática reiterada.

Por assim ser, estamos perante “uma operação financeira isenta que afecta o pro rata de dedução” e não sobre uma operação financeira acessória, e no que concerne à percepção dos referidos juros sempre, independentemente das demais questões a dirimir no âmbito dos presentes autos, a Requerente estaria sujeita a um pro rata de dedução de 89%, sendo ilegal a dedução integral (100%) do imposto suportado a montante.

Entende a Autoridade Tributária e Aduaneira que tudo se reconduz ao facto de a A... não concordar com as correcções que foram operadas pelos serviços da inspecção tributária, relativamente ao ano de 2009, e que se traduziram na não aceitação da passagem de uma dedução de 16% do imposto suportado a montante, no ano de 2007, para uma dedução da totalidade desse imposto como se, pura e simplesmente, estivéssemos perante um sujeito passivo “normal”, e não estamos.

Na opinião da Autoridade Tributária e Aduaneira, atenta a natureza da Requerente, nunca o imposto suportado a montante poderia ser objecto de dedução integral, pois a mera detenção de partes sociais e a percepção dos dividendos daí resultantes, bem como a obtenção de mais-valias na sua alienação, não integram o conceito de actividade económica para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado, no sentido que se trata de uma mera detenção e gestão de uma carteira de títulos, que traduziria uma actividade fora do campo de aplicação do imposto.

Só que a A... passa dessa realidade para dizer que o facto de, na qualidade de SGPS, poder intervir, de forma activa, na gestão das suas participadas procurando reconduzir-se, a todo o custo, à caracterização de sujeito passivo “normal” do imposto.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entende que a Requerente não se limita a adquirir, alienar e deter acções, e não é pelo facto de exercer, ao mesmo tempo, uma actividade de gestão directa, ou indirecta, das suas participadas, traduzida em “prestações de largo espectro”, que passa a ser um sujeito passivo normal (para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado), em particular, no que ao direito à dedução diz respeito, atenta a sua natureza.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entende que, se está perante uma actividade fora do campo de aplicação do imposto, tendo consequências, quer ao nível da sujeição — não liquidação de imposto nas operações activas — aquisição de participações sociais, alienação, percepção de dividendos etc. – quer na impossibilidade de deduzir o imposto suportado a montante. Por outro lado, na outra vertente da sua actividade, a Requerente assume a qualidade de sujeito passivo misto, já que a mesma se traduz, grosso modo, na prática de operações de gestão das suas associadas através da prestação de “serviços de largo espectro” e ainda na obtenção de juros decorrentes da actividade de concessão de crédito, operações isentas nos termos do artigo 9.º do Código do IVA.

Entende a Autoridade Tributária e Aduaneira que, por assim ser, estando em causa o exercício simultâneo, por parte da A. de operações sujeitas a IVA, que conferem direito à dedução, a par de outras que, embora sujeitas, beneficiam de isenção ao abrigo do artigo 9.º do Código do IVA, e ainda, operações – decorrentes da actividade principal — fora do campo de incidência do imposto, claro fica que nunca, em circunstância alguma, a Requerente poderia ter direito a uma dedução integral do imposto suportado a montante, sob pena de serem subvertidas as regras tributáveis aplicáveis. Aqui chegados, a Autoridade Tributária e Aduaneira passa a analisar, tendo em conta o enquadramento da A. para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado, o modo e a medida em que nestas circunstâncias, pode exercer o seu direito à dedução, ou seja, como se alcança, no seu caso, a modulação desse direito.

Entende a Autoridade Tributária e Aduaneira que, no caso dos presentes autos, há com certeza parte do imposto suportado a montante que não é dedutível e outra parte que só o será numa determinada percentagem, já que foi suportado na aquisição de bens e serviços de utilização mista. O que importa então aferir e traduz o cerne da questão a decidir no âmbito dos presentes autos é a de saber se, tendo em conta a classificação e caracterização da Requerente para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado, como se alcança e alcançou a chave de repartição. A Requerente é uma SGPS, que se enquadra na tipologia de sujeito passivo misto para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado, exercendo, em simultâneo, actividades sujeitas a imposto (prestação de serviços remunerados), outras, ainda sujeitas, mas isentas (concessão de crédito e suprimentos pelas quais aufere juros) e ainda a uma actividade — a principal — de aquisição, detenção e gestão de participações sociais não enquadrada no conceito de actividade económica (através da qual aufere dividendos, mais-valias, etc.).

A Autoridade Tributária e Aduaneira entende que a Requerente tem o seu direito à dedução limitado, tendo em conta o que se dispõe no artigo 20.º do Código do IVA e das disposições comunitárias vigentes nesta matéria, mas deduziu a totalidade do imposto suportado a montante, durante o ano de 2009, sem demonstrar uma ligação directa e imediata desses inputs com a actividade sujeita a imposto.

Assim, nos termos do n.º 1, a) e n.º 2 do artigo 23º do Código do IVA, na situação da Requerente o montante do IVA dedutível terá de ser apurado de acordo com o método de afectação real, já que, no caso concreto, confluem as três situações — operações que relevam para efeitos de não sujeição e dentro da actividade sujeita a imposto operações sujeitas e operações isentas.

Acresce que a A... deduziu a totalidade do imposto suportado a montante num total de € 438.459,96, sendo que relativamente ao imposto suportado com a aquisição dos serviços elencados no Anexo 5, do Relatório de Inspecção e que se reportam exclusivamente à actividade considerada como não económica para efeitos de IVA, no montante global de € 248 994,7 a saber:

a) Serviços adquiridos com a elaboração, revisão, concepção e tradução do relatório e contas. O IVA suportado da aquisição destes serviços, não poderá ser deduzido, na medida em que estes custos seriam sempre incorridos no caso de a A. ser uma holding pura. O valor indevidamente deduzido relativo a estes serviços ascende a € 29.679,19. (vide Acórdão de 8 de Fevereiro de 2007, Processo C-435/05, parágrafo 32 e 33)

b) Serviços de apoio administrativo e secretariado à administração da sociedade, e serviços de consultoria relativos aos benefícios de reforma dos administradores da sociedade. O IVA suportado da aquisição destes serviços, não poderá ser deduzido na medida em que estes custos respeitam à Administração da sociedade, e seriam sempre incorridos no caso de A. não ter efectuado as prestações de serviços decorrentes da sua actividade tributada. Refira-se que, dos elementos que foram disponibilizados aos serviços de inspecção decorre que nenhum administrador colaborou directamente na actividade tributável da A... O valor indevidamente deduzido relativo a estes serviços ascende a € 29.144,55.

c) Pagamentos com a manutenção de acções e outros títulos de participação, a A... deduziu o IVA de despesas relativas a pagamentos efectuados à Interbolsa e relativos à cotação em bolsa da própria sociedade e mão dependem da realização de operações económicas para efeitos de imposto do IVA. Ora, o IVA suportado na aquisição destes serviços, não poderá ser deduzido, na medida em que, face a não verificação de prova em contrário, estes custos seriam sempre incorridos no caso de a A. ser uma holding pura. O valor indevidamente deduzido relativo a estes serviços ascende a € 4.749,76.

d) Pagamentos relativos a serviços de Auditoria e Assessoria relacionados com aquisições/alienações de participações, relacionados com a detenção de participações sociais, relacionados com a avaliação de oportunidades de investimento/desinvestimento; relacionadas com as implicações fiscais de eventuais aquisições de participações sociais e com operações de reestruturação societária. Todos os serviços estão directamente relacionados com a aquisição ou alienação de participações sociais. O valor do imposto deduzido relativo à aquisição destes serviços ascende a C 185.421,28.

Acresce que, relativamente à aquisição de bens e serviços de utilização mista é necessário, face às disposições legais em vigor, que a Requerente exercesse o seu direito à dedução recorrendo ao método de afectação real dos bens e serviços utilizados tendo em conta um determinado critério de repartição.

Tendo em consideração que, a par da sua actividade principal de detenção e gestão de participações sociais, a Requerente prestou, ao longo do ano de 2009, serviços de natureza administrativa, financeira e de apoio informático às sociedades suas participadas - … SGPS, … S.A. e …, S.A.

Acresce que, para o cálculo da remuneração das prestações de serviços que efectuou, a Requerente imputou às suas participadas o tempo (em número de horas), que alguns dos seus colaboradores dedicaram efectivamente à prestação daqueles serviços.

O total de horas consideradas como utilizadas pela … na sua actividade global ascende a 72.744, no exercício de 2009. Destas, apenas 15.637 horas foram dedicadas à realização de prestações de serviços, única actividade sujeita a IVA e dele não isenta.

Para os recursos utilizados pela empresa, conjuntamente para actividades sujeitas e actividades fora de campo, a parte afecta à actividade sujeita a IVA e não isenta relativamente aos quais o IVA suportado confere direito à dedução corresponde a 21,5% do total dos recursos consumidos (15.637/72 744). (vide anexo 4 ao relatório inspectivo)

Assim, entende a Autoridade Tributária e Aduaneira, apurou-se que, para a generalidade dos recursos utilizados pela A..., no exercício da sua actividade, a parte relativa à actividade sujeita a IVA e não isenta, corresponde a 21,50% do total dos recursos consumidos, chegando-se, assim à chave de repartição.

Da aplicação desta chave de repartição ao IVA suportado na aquisição dos bens e serviços, que se consideram de utilização mista, os quais se encontram listados no anexo 6 ao relatório inspectivo, no valor total de € 148.866,92, resulta que a Requerente deduziu em excesso, para o exercício de 2009, o valor de global de € 116.860,53.

No que concerne aos juros auferidos pela Requerente em resultado da concessão de crédito efectuado às suas participadas, o montante dos auferidos pela Requerente (€ 1.967.277), resulta de operações sujeitas a imposto (concessão de crédito), mas dele isentas, nos termos do artigo 9.º do Código do IVA. E se é verdade que nos termos do Acórdão EDM, processo n.º C-77/01, os juros não podem ser por si só o critério para se aferir se estamos perante uma “operação acessória”, servindo tão só como mero indicador, também é verdade que a obtenção deste tipo de proveitos tem de ser enquadrada no cômputo genérico da actividade da Requerente.

 

3.3. Decisão

 

A questão que é objecto do presente processo, enquadrada pela matéria de facto fixada, é a de saber se uma sociedade gestora de participações sociais que presta serviços às suas participadas e cujos colaboradores estão principal e quase exclusivamente afectos a essa prestação de serviços pode deduzir todo o IVA suportado a montante com a aquisição de bens e serviços, e inclusivamente o conexionado com actividades como a detenção de participações sociais, o recebimento de dividendos e juros derivados de empréstimos as suas participadas e os serviços e pagamentos indicados na matéria de facto fixada.

Neste contexto, por se estar perante uma situação semelhante, há que ter em conta a mais recente jurisprudência do TJUE, designadamente o recente acórdão 6-9-2012 do Tribunal de Justiça da União Europeia proferido no processo n.º C-496/11.

Embora o acórdão tenha sido emitido aplicando o regime da 6.ª Directiva (n.º 77/388/CEE, de 17-5-1977) que foi revogada pela Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, que entrou em vigor em 1-1-2007, o regime desta é essencialmente semelhante à anterior, no que aqui interessa, pelo que se deve fazer aplicação daquela jurisprudência a situação dos autos, apesar de estarem em causa factos ocorridos em 2009.

Na verdade, como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência, é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no art. 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o art. 234.º do Tratado de Roma, anterior art. 177.º), o seu carácter vinculativo para os Tribunais nacionais quando têm de decidir questões conexas com do direito da União. ( 3 )

Designadamente, no que concerne ao regime das deduções de IVA, manifesta-se nesta Directiva n.º 2006/112/CE a preocupação na harmonização, no ponto 39 do Preâmbulo, em que se refere que «o regime das deduções deverá ser harmonizado, uma vez que influencia os montantes efectivamente cobrados, devendo o cálculo do pro rata de dedução ser efectuado da mesma maneira em todos os Estados-Membros».

Na parte decisória daquele acórdão refere-se o seguinte:

 

O artigo 17.º, n.ºs 2 e 5, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que uma sociedade holding como a que está em causa no processo principal, que, acessoriamente à sua actividade principal de gestão das participações sociais das sociedades de que detém a totalidade ou parte do capital social, adquire bens e serviços que factura em seguida às referidas sociedades, está autorizada a deduzir o imposto sobre o valor acrescentado pago a montante, na condição de os serviços adquiridos a montante apresentarem um nexo directo e imediato com operações económicas a jusante com direito a dedução. Quando os referidos serviços são utilizados pela sociedade holding para realizar simultaneamente operações económicas com direito a dedução e operações económicas sem direito a dedução, a dedução só é admitida para a parte do imposto sobre o valor acrescentado que seja proporcional ao montante relativo às primeiras operações e a Administração Tributária nacional está autorizada a prever um dos métodos de determinação do direito a dedução enumerados no dito artigo 17.º, n.º 5. Quando os referidos bens e serviços são utilizados simultaneamente para actividades económicas e para actividades não económicas, o artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Directiva 77/388 não é aplicável e os métodos de dedução e de repartição são definidos pelos Estados-Membros, que, no exercício deste poder, devem ter em conta a finalidade e a economia da Sexta Directiva 77/388 e, a esse título, prever um modo de cálculo que reflicta objectivamente a parte de imputação real das despesas a montante a cada uma destas duas actividades.

 

No caso em apreço, não é controvertido que a Requerente é uma SGPS que presta serviços às sociedades de que detém participações.

Da prova produzida resulta mesmo que essa prestação de serviços foi, no ano de 2009, a actividade principal da Requerente, que era desempenhada com coadjuvação de todos os seus colaboradores.

O citado acórdão vem, desde logo, afastar o obstáculo conceitual suscitado pela Autoridade Tributária e Aduaneira da inadmissibilidade de dedução integral do IVA suportado por uma SGPS, atenta a sua natureza, quando se trata de uma sociedade deste tipo que presta serviços às suas participadas.

Na verdade, refere-se expressamente naquele acórdão que «caso seja de considerar que todos os serviços adquiridos a montante têm um nexo directo e imediato com operações económicas a jusante com direito a dedução, o sujeito passivo em causa teria o direito, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 2, da Sexta Directiva, de deduzir a integralidade do IVA que tenha onerado a aquisição a montante dos serviços em causa no processo principal. Este direito a dedução não pode ser limitado pelo simples facto de a regulamentação nacional, em razão do objecto social das referidas sociedades ou da sua actividade geral, qualificar as operações tributadas de acessórias da sua actividade principal».

Assim, tem razão a Requerente ao defender, em primeira linha, que o direito à dedução nasce de uma relação de utilização: se os recursos foram utilizados pela Requerente em actividades que conferem direito a dedução, o IVA será dedutível, independentemente do peso relativo em termos de valor gerado por essa actividade no confronto com a totalidade dos proveitos.

A referida jurisprudência do TJUE tem suporte explícito na legislação da União Europeia, no art. 168.º da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE) que estabelece que, quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efectua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes do IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo.

A legislação nacional está em sintonia com aquela norma, ao estabelecer no art. 20.º do CIVA, que pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações que aí se indicam, entre as quais se incluem as transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.

Por outro lado, ainda em sintonia com o citado acórdão do TJUE, a interferência da Requerente «na gestão das sociedades em que tomou participações constitui uma actividade económica», para efeitos de tributação em IVA, estando a Requerente autorizada a deduzir o IVA pago a montante, na condição de os serviços adquiridos a montante apresentarem um nexo directo e imediato com operações económicas a jusante com direito a dedução.

Para além disso, como se refere no mesmo acórdão ( 4 ), «admite-se igualmente um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo directo e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo».

Assim, tem cobertura legal a dedução pela Requerente de todo o IVA suportado com serviços e bens adquiridos que tenham nexo directo e imediato com os serviços prestados às suas participadas com direito a dedução ou que, não tendo nexo directo e imediato com determinados serviços, seja IVA suportado com custos que fazem parte das despesas gerais da Requerente que tenham nexo directo e imediato com o conjunto da sua actividade económica, não havendo qualquer obstáculo a que seja deduzido integralmente o IVA suportado, se se verificarem estas situações.

No caso em apreço, tendo-se provado que todos os colaboradores da Requerente participam na prestação de serviços às suas participadas, ficará fora do âmbito do direito à dedução apenas o IVA suportado pela Requerente com despesas que não sejam despesas gerais conexionadas com a sua actividade económica de prestação de serviços e o que esteja conexionado directa e imediatamente com serviços prestados às suas participadas não tributados em IVA.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entende que há despesas da Requerente exclusivamente conexionadas com a sua actividade não económica, que não está sujeita a IVA.

No entanto, a natureza de custos gerais é clara quanto aos serviços adquiridos para a elaboração, revisão, concepção e tradução do relatório e contas e aos serviços de apoio administrativo e secretariado à administração da sociedade e serviços de consultadoria relativos aos benefícios de reforma dos administradores da Requerente e os pagamentos efectuados à CMVM, no âmbito de obrigações inerentes à citação em bolsa do grupo …. São despesas respeitantes ao funcionamento da Requerente como SGPS que, por isso, são de considerar elementos constitutivos do preço dos serviços prestados pela Requerente às suas participadas, tendo um nexo directo e imediato com a actividade económica da Requerente tributada em IVA, como se reconhece naquela jurisprudência.

No que respeita aos pagamentos com a manutenção de acções e outros títulos de participação, sendo certo que são custos que teriam de ser suportados se a Requerente fosse uma holding pura, não está afastada a possibilidade de dedução pelo facto de o critério para aferir da dedutibilidade não ser o de se tratar ou não de custos que uma holding pura teria ou não suportado, mas sim, neste caso, o de esses custos serem ou não custos gerais da Requerente conexionados com a sua actividade de prestação de serviços às suas participadas. No mínimo, terá de se entender que não pode ser dada uma resposta negativa a esta questão da conexão desses custos gerais com a actividade de prestação de serviços, já que, se eles não fossem suportados, a Requerente não poderia funcionar como a holding mista que é.

Quanto aos pagamentos relativos a serviços de Auditoria e Assessoria relacionados com aquisições/alienações de participações, relacionados com a detenção de participações sociais, relacionados com a avaliação de oportunidades de investimento/desinvestimento, relacionadas com as implicações fiscais de eventuais aquisições de participações sociais e com operações de reestruturação societária, apesar de estarem directamente relacionados com a aquisição ou alienação de participações sociais, trata-se de custos gerais de uma holding mista e, como se refere no citado acórdão, pode ser deduzido o IVA «mesmo na falta de um nexo directo e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta».

De qualquer forma, a dúvida sobre tal hipotética relação das referidas despesas com a percepção de dividendos tem de ser valorada a favor da Requerente, em face do princípio enunciado no n.º 1 do art. 100.º do CPPT [subsidiariamente aplicável, nos termos do art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT], segundo o qual «sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado».

Finalmente, é certo que algumas das despesas da Requerente estarão conexionadas, ainda que em ínfima parte quando comparada com a totalidade das despesas em relação as quais foi suportado IVA pela Requerente, com a efectivação de empréstimos e obtenção de juros, o que constitui uma actividade de natureza económica, embora isenta de IVA, nos termos do art. 9.º, n.º 27, alínea a), do CIVA.

No entanto, como se decidiu no acórdão do TJCE n.º C-77/01, de 19-12-2000 (caso «EDM»)

 

«a concessão por uma holding de empréstimos remunerados, anualmente, às suas participadas, bem como as aplicações feitas por aquela em depósitos bancários ou em títulos, como obrigações do Tesouro ou operações de tesouraria, constituem actividades económicas, efectuadas por um sujeito passivo agindo nessa qualidade, na acepção dos artigos 2.º, n.º 1, e 4.º, n.º 2, da Sexta Directiva 77/388;

contudo, as referidas operações estão isentas do imposto sobre o valor acrescentado nos termos do artigo 13.º, B, alínea d), n.ºs 1 e 5, desta mesma directiva;

no cálculo do pro rata de dedução previsto nos artigos 17.º e 19.º da Sexta Directiva 77/388, estas operações devem ser consideradas operações acessórias na acepção do artigo 19.º, n.º 2, segundo período, da mesma directiva, na medida em que apenas impliquem uma utilização muito limitada de bens ou de serviços pelos quais o imposto sobre o valor acrescentado é devido; embora a amplitude dos rendimentos gerados pelas operações financeiras abrangidas pelo âmbito de aplicação da Sexta Directiva 77/388 possa constituir um indício de que estas operações não devem ser consideradas acessórias na acepção da referida disposição, o facto de serem gerados por essas operações rendimentos superiores aos produzidos pela actividade indicada como principal pela empresa em causa não pode, por si só, excluir a qualificação destas de «operações acessórias».

 

No caso em apreço, como resulta da prova produzida, a actividade da Requerente relativa à concessão de empréstimos e recepção de juros implica uma utilização muito reduzida dos serviços pelos quais o IVA é devido, pelo que os proveitos que a Requerente obteve no ano de 2009 provenientes daquelas operações financeiras não são de considerar relevantes para o cálculo da percentagem de dedução de IVA, como decorre do n.º 5 do art. 23.º do CIVA, pois têm «carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo». Na verdade, para além de ser facto notório que a recepção de juros, habitualmente materializada em transferências bancárias, não envolve qualquer actividade de quem os recebe, resultou da prova produzida e não contrariada por qualquer outro elemento probatório que a actividade da Requerente que utiliza recursos relativamente aos quais foi pago IVA é quase totalmente afecta à prestação de serviços remunerados às suas participadas e, designadamente, os empréstimos que lhes faz não implicam afectação de meios relevante, por não ser necessária uma indagação da solvabilidade e idoneidade das participadas que, naturalmente, a Requerente bem conhece.

De qualquer modo, é manifesto que, à face da prova produzida, não tem correspondência com a realidade a quantificação em 21,5% do número de horas de actividade dos colaboradores da Requerente afecta à prestação de serviços às suas participadas, que pressupõe que, de 72.744 horas, apenas 15.637 horas foram dedicadas à realização de prestação de serviços. Na verdade, da prova produzida resultou, pelo contrário, que a actividade de colaboradores da Requerente afecta aos serviços às participadas é muitíssimo superior à que não está com eles conexionada, sendo de muito reduzida expressão os recursos que não lhes estão afectos.

Por isso, é manifesto que há ilegalidade do acto impugnado, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que justifica a sua anulação (artigos 20.º, n.º 1, e 23.º n.ºs 1 e 2, do CIVA e 135.º do CPA).

 

4. Indemnização por garantia indevida

 

A Requerente formula ainda um pedido de indemnização por garantia indevida.

Como resulta da alínea u) da matéria de facto fixada, a Requerente prestou uma garantia bancária no valor de € 500.731,24, para obter suspensão do processo de execução fiscal relativo à cobrança da dívida de IVA liquidada adicionalmente.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito».

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como directriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos actos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (arts. 99.º e 124.º do CPPT), podem nele ser proferidas condenações da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.

Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do acto, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu art. 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo art. 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do art. 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o art. 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo acto tributário está implicitamente pressuposta no art. 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo acto tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são susceptíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do art. 9.º do Código Civil.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do art. 52.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

 

Garantia em caso de prestação indevida

 

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, é claro que os erros do acto de liquidação de IVA são imputáveis à administração tributária, pois as correcções foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esses erros fossem praticados.

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão [art. 661.º do Código de Processo Civil de 1961, a que corresponde o art. 609.º do CPC de 2013, e art. 565.º do Código Civil, aplicáveis nos termos do artigo 2.º, alínea d) da LGT].

 

 

5. Decisão

 

Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

– julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IVA n.º …, no valor de € 365.855,31;

– julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação dos correspondentes juros compensatórios n.º …, no valor de € 27.584,49;

– julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente a indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à A. a indemnização que for liquidada em execução do presente acórdão.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 393.439,80.

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 6.426,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 23-9-2013

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

 

(Diogo Leite de Campos)

 

 

(Álvaro José da Silva)

1(  ) Redacção do Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de Dezembro.

2(  ) Redacção do Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de Dezembro.

3(  ) Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, página 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2593.

4(  ) Citando jurisprudência anterior do TJCE adoptada nos acórdãos Kretztechnik, n.º 36, Investrand, n.º 24, e SKF, n.º 58.