Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 360/2023-T
Data da decisão: 2024-01-22  IRS  
Valor do pedido: € 34.638,51
Tema: IRS – Mais-Valias – reinvestimento valores de realização – habitação própria permanente – domicílio fiscal.
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SUMÁRIO:

  1. A revogação parcial da liquidação impugnada, implica que a instância atinente à apreciação da legalidade daquela liquidação (na parte abrangida) se extinga por inutilidade superveniente parcial da lide dado que, por terem sido eliminados os seus efeitos, perde utilidade a sua total apreciação.
  2. Não tendo a Requerente encontrado (totalmente) na via administrativa a satisfação da sua pretensão (porquanto permaneceram ainda, parcialmente, na ordem jurídica montantes que deram origem a novo acto de liquidação, substituto do primeiro) e tendo o Requerente manifestado interesse que se fosse o mesmo escrutinado, entende-se que se deverá manter a instância quanto à apreciação desta “nova” liquidação.
  3. Nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, são excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as condições ali previstas.
  4. A alínea a) do n.º 6 do mesmo artigo 10.º estatui que não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando, tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento.
  5. As referidas normas não remetem para o conceito jurídico-fiscal de domicílio fiscal, o qual apenas presume a habitação própria e permanente, sendo possível demonstrar a sua localização em morada distinta (cf. artigo 13.º, n.º 10, do Código do IRS).
  6. Não beneficiando da presunção através do domicílio fiscal, incumbe ao sujeito passivo alegar e provar que tem a sua habitação própria e permanente num outro imóvel, para poder beneficiar do afastamento da tributação das mais-valias realizadas com a alienação onerosa de bens imóveis, não impedindo o preenchimento da condição de aplicação do regime de reinvestimento o facto de não ter comunicado a alteração do seu domicílio fiscal à Autoridade Tributária.

 

DECISÃO ARBITRAL[1]

Requerente – A...

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

O árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 19-06-2023, decidiu o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. A..., titular do NIF..., residente em ..., nº..., ..., em Carnaxide (adiante designado por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 16-05-2023, ao abrigo do disposto no artigo 2, nº 1, alínea a) e do disposto no artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

  1. O Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral peticionando que o Tribunal Arbitral “(…) declare a ilegalidade do indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra a liquidação adicional de IRS e, indirectamente, da liquidação de IRS (…) em causa, determinando a sua anulação, com fundamento em ilegalidade” mais requerendo ser “(…) indemnizado pelos custos que teve com a prestação de garantia bancária para suspender o processo de execução fiscal a que estes documentos deram origem (…)”.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 18-05-2023 e notificado, na mesma data, à Requerida.

 

  1. Em 07-07-2023, dado que o Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, foi a signatária designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1 do RJAT, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

  1. Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos do disposto no artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

  1. Em 25-07-2023, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído, tendo sido proferido despacho arbitral, na mesma data, no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

  1. Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.

 

  1. A Requerida, em 03-10-2023, apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação no sentido de concluir que “(…) deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências”.

 

  1. Adicionalmente, na mesma data, a Requerida anexou ao processo cópia do Processo Administrativo.

 

  1. Por despacho arbitral de 04-09-2023, foi o Requerente notificado para, no prazo de 5 dias a contar da notificação do presente despacho, informar se mantinha interesse na inquirição das testemunhas apresentadas no pedido arbitral e, em caso afirmativo, indicar sobre que factos mencionados (no pedido) iria incidir a inquirição.

 

  1. Por requerimento apresentado em 12-10-2023, o Requerente veio informar que mantinha interesse na inquirição de testemunhas, indicando que as mesmas serão inquiridas relativamente aos factos referidos nos artigos 20, 21, 24, 25, 26, 27, 28, 30, 31, 36, 37, 38 e 39 do pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Adicionalmente, o Requerente veio requerer a substituição das duas testemunhas arroladas no pedido por duas novas testemunhas, que identificou.

 

  1. Em 13-10-2023, foram ambas as Partes notificadas de despacho arbitral com o seguinte teor:

Ao abrigo da alínea c) do artigo 16º e do n 2 do artigo 29º do RJAT, que estabelecem a autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar e o princípio da informalidade e tendo em vista maior facilidade no agendamento da reunião e maior celeridade na tramitação do processo, determina-se o seguinte:

- Agendar uma reunião, nos termos do disposto no artigo 18º do RJAT, para o dia
27-10-2023, pelas 14:15 horas;

- As testemunhas deverão comparecer nas instalações do CAAD (em Lisboa ou no Porto), o que deverá ser informado ao CAAD com antecedência em relação à data da reunião;

- Os restantes intervenientes na reunião poderão utilizar meios de comunicação à distância, para o que deverão contactar o CAAD com antecedência em relação a data da reunião;

- Na reunião proceder-se-á a inquirição das testemunhas e haverá lugar a alegações orais, sem prejuízo de as Partes acordarem alegações escritas”.

 

  1. No dia 27-10-2023 não se realizou a reunião agendada para inquirição das testemunhas devido a não comparência da mandatária do Requerente e das testemunhas.

 

  1. O Requerente, em 30-10-2023, apresentou requerimento no sentido de requerer que fosse reagendada a referida inquirição de testemunhas, para uma data a indicar pelo CAAD.

 

  1. Na mesma data, foi proferido despacho arbitral no sentido de reagendar a diligência de inquirição para o dia 06-12-2023, pelas 14:15, nas instalações no CAAD (ou via WEBEX), por ser esta a primeira data disponível para agendamento da conveniência deste Tribunal Arbitral/CAAD. Adicionalmente, tendo em consideração o teor de dois documentos anexados, pela Requerida, com o Processo Administrativo (Proc. CAAD nº 360/2023-T; SICJUT nº... ), um da DF de Lisboa (Serviço de Finanças de Lisboa ...), de 22-06-2023 e outro da DSIRS, com o nº .../23, de 14-07-2023, para os quais aqui se remete, mandou o Tribunal Arbitral notificar “(…) o Requerente para, no prazo de 5 dias, se pronunciar se pretende que o processo arbitral prossiga quanto à apreciação da legalidade do acto tributário substituto (nº 2023..., no montante de EUR 29.063,46) porquanto o acto de liquidação de IRS aqui impugnado (nº 2022..., no montante total de EUR 34.638,51) já não existe”.

 

  1. Em 03-11-2023, o Requerente veio informar que pretendia que o processo arbitral prossiga, para apreciação da legalidade do acto tributário substituto (liquidação n.º 2023..., no montante de EUR 29.063,46), uma vez que o acto de liquidação impugnado (liquidação n.º 2022..., no montante total de EUR 34.638,51) já não existe.

 

  1. Em 05-12-2023, o Requerente apresentou requerimento no sentido de requerer que uma das testemunhas fosse inquirida por videoconferência, pretensão que foi indeferida por despacho arbitral proferido na mesma data, com os fundamentos aí constantes.

 

  1.  A Requerida apresentou requerimento, em 05-12-2023, no informar que pretendia participar, via plataforma WEBEX, na reunião prevista para o dia 06-12-2023.

 

  1. A reunião agendada para 06-12-2023 realizou-se para inquirição de uma só Testemunha, tendo sido decidido pelo Tribunal Arbitral que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas, a apresentar no prazo simultâneo de 10 dias, tendo sido agendada a prolação da decisão arbitral para o dia 22-01-2024.

 

  1. Por último, o Tribunal Arbitral advertiu ainda o Requerente que, até ao termo daquele prazo, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD (o que veio a efectuar em 27-12-2023).

 

  1. A Requerida apresentou as suas alegações escritas em 18-12-2024, tendo concluído como na Resposta.

 

  1. A Requerente apresentou as suas alegações escritas em 19-12-2024, tendo concluído como no pedido.

 

  1. Em 15-01-2024, o Requerente foi notificado de despacho arbitral no sentido de “(…) anexar, no prazo de cinco dias, procuração forense emitida a favor da sua mandatária e documentos relativos à alegada prestação de garantia bancária (para suspender o processo de execução fiscal a que a liquidação de IRS em crise terá dado origem), cuja junção tem vindo a protestar (quer no pedido, quer nas alegações)”.

 

  1. O Requerente apresentou requerimento, em 17-01-2024, no sentido vir “(…) requerer a junção aos autos de procuração forense, ratificando todo o já processado” e informar que “(…) não chegou a ser prestada garantia bancária, pelo que não serão juntos documentos respeitantes à mesma”, requerendo “(…) assim, a alteração do pedido, no sentido de ser eliminado todo o segundo parágrafo, que incide sobre a garantia que se iria prestar” e, em consequência, o pedido deverá passar a ser que o Tribunal Arbitral “(…) julgue procedente, por provado, o presente Pedido de Pronúncia Arbitral e que, em consequência, declare a ilegalidade do indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra a liquidação adicional de IRS, e, indirectamente, da liquidação adicional de IRS aqui em causa, determinando a sua anulação, com fundamento em ilegalidade”.

 

  1. CAUSA DE PEDIR

 

2.1.    O Requerente começa por referir que, na sequência da notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa nº ...2022..., apresentada contra a liquidação adicional de IRS e de juros compensatórios nº 2022..., relativa ao exercício de 2021, e da respectiva demonstração de acerto de contas, vem apresentar pedido de pronúncia arbitral com o qual visa obter a anulação daquela decisão de indeferimento da reclamação graciosa identificada e, indirectamente, da nota de liquidação de IRS e juros compensatórios ali em causa, com fundamento em ilegalidade.

 

2.2.    Esclarece o Requerente que, em data que não consegue precisar, foi notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa identificada no ponto anterior (da qual tomou conhecimento, segundo alega, em Março de 2023) porquanto, “(..) em Fevereiro de 2023, data em que a notificação terá sido enviada, (i) a sua morada fiscal encontrava-se desactualizada, (ii) a carta que acompanhava a notificação não continha o código de registo dos CTT, pelo que não foi possível verificar qual a data exacta de envio do mesmo e (iii) o documento terá sido recebido por um vizinho, que a depositou na caixa do correio do Requerente sem envelope e em data que não se conseguiu apurar”.

 

2.3.    Acrescenta que “em 19.04.2023, (…) solicitou, através do e-balcão, a alteração retroactiva da sua morada fiscal (…)” mas foi-lhe dito que tendo sido indeferida a reclamação graciosa tinha de apresentar, para o efeito, Recurso Hierárquico.

 

2.4.    Refere o Requerente que, “(…) não obstante a informação solicitada (…), e o facto de ser certo que, quando colocou a questão, o prazo para apresentar o recurso hierárquico já tinha sido ultrapassado, a Autoridade Tributária indicou ao Requerente que deveria apresentar recurso hierárquico e que a extemporaneidade deste seria avaliada aquando da sua apresentação”.

 

  1. Entende o Requerente que “a resposta dada pela Autoridade Tributária não só transmitiu uma informação incorrecta ao Requerente (…), como não respondeu à questão concreta (qual a data da notificação do indeferimento da reclamação graciosa) nem ofereceu qualquer solução que permitisse, nos termos da lei, resolver as questões aqui em causa”, “pelo que, não pode deixar de se referir que este comportamento da Autoridade Tributária não cumpre minimamente com os deveres a que esta entidade está obrigada, nomeadamente os princípios da justiça, celeridade e respeito pelas garantias dos contribuintes (…)” “e infringe de forma grosseira o princípio da colaboração, ao qual estão sujeitos os contribuintes e a Autoridade Tributária, e que obriga esta última a prestar assistência aos contribuintes nos seus deveres acessórios, bem como a prestar esclarecimento regular e atempado das fundadas dúvidas sobre a interpretação e aplicação das normas tributárias (…)”.

 

  1. Esclarece o Requerente que “uma vez que já não se encontrava em prazo para apresentar o referido recurso hierárquico, (…) decidiu apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral, de modo a poder discutir a legalidade do indeferimento da reclamação graciosa e da liquidação adicional de IRS, o que, necessariamente, implica discutir o tema da sua residência fiscal (…)” mas, “á cautela, (…) apresentou ainda um segundo pedido de alteração retroactiva da sua morada fiscal, pedido este que incluía, agora, as duas últimas alterações de residência (…)”.

 

  1. Quantos aos factos, refere o Requerente que “(…) é um cidadão francês que, no início de 2015, adquiriu um imóvel em Portugal, o qual era utilizado como habitação secundária (…)” sendo que “(…) em 07.01.2016, (…) alterou a sua residência fiscal para aquela morada, tendo passado a residir em Portugal, conforme resulta (…) do seu portal das finanças”.

 

  1. Refere que “sendo estrangeiro, (…) não estava alerta para a importância que reveste o facto de a morada fiscal estar actualizada, nem o impacto que a mesma pode ter noutras áreas da vida quotidiana (…)”.

 

  1. Com efeito, refere o Requerente que “(…) quando se registou como residente em Portugal, (…) indicou como morada o imóvel que havia adquirido, sito na Rua do  ... n.º..., (…) Lisboa” sendo esta a sua morada fiscal que se mantém, “(…) como resulta da informação constante do portal das finanças (não obstante ter vendido o imóvel em Junho de 2017)”.

 

  1. Acrescenta que “no dia 20.06.2017, o Requerente adquiriu um imóvel sito na Travessa ..., n.º ..., tornejando para a Rua do ... n.º ..., (…) Lisboa (…)” e “mais tarde, em 20.06.2017 o Requerente alienou o imóvel localizado na Rua ..., n.º ... –..., freguesia do..., passando o imóvel localizado na Travessa ... a ser a sua habitação própria e permanente (…)” tendo sido “(…) nesta morada que o Requerente passou [aí] a residir, pelo que deveria ter alterado o seu domicílio fiscal junto da Autoridade Tributária, conforme decorre da lei”.[2]

 

  1. Segundo alega o Requerente, “(…) por desconhecimento, o Requerente não informou a Autoridade Aduaneira da sua mudança de domicílio, tendo mantido a sua morada no imóvel onde antes residira”.

 

  1. Prossegue, referindo que “em Julho de 2021, (…) vendeu o imóvel localizado na Travessa ..., n.º..., ..., (…) Lisboa, onde residia (…), tendo adquirido, em Dezembro de 2021, o imóvel sito na ..., n.º..., ..., (…) Carnaxide, onde actualmente reside (…)”.

 

  1. Acrescenta o Requerente que “a declaração de IRS respeitante ao ano de 2021 foi entregue pelo contabilista certificado que (…) contratou (…)” tendo sido “(…) indicado na mesma o reinvestimento do valor de realização numa nova habitação própria e permanente” mas esclarece que “foi apenas quando tomou conhecimento do valor do imposto a pagar, relativamente à venda do apartamento sito na Travessa ..., n.º ..., tornejando para a Rua ... n.º ..., (…) Lisboa, que o Requerente se apercebeu de que havia uma questão, pois não esperava ser tributado sobre a venda do imóvel onde residia, na medida em que utilizara o preço recebido para adquirir o apartamento onde passaria a residir”.

 

  1. Assim, “(…) foi apenas quando foi notificado da decisão da Reclamação Graciosa que se apercebeu de que, por desconhecimento, não alterara a sua morada fiscal, pelo que decidiu fazê-lo (…)” porquanto “foi naquelas moradas (…) que o Requerente viveu, dormiu, cozinhou, tomou as suas refeições, recebeu amigos, assistiu a programas de televisão e realizou todas as actividades que são realizadas no local onde se reside”.

 

  1. Segundo entende o Requerente, “não pode, assim, deixar de se concluir que, entre aquelas datas, a sua habitação própria e permanente se situou nas moradas indicadas, tendo o Requerente apresentado documentos que comprovam a sua residência naqueles imóveis (…) e arrolado, agora, testemunhas que poderão comprovar estes factos”.

 

  1. Nestes termos, entende o Requerente que “não pode esquecer-se que, mais do que os aspectos formais, como a alteração do domicílio junto do Serviço de Finanças, o que é verdadeiramente relevante é a materialidade subjacente, ou seja, qual ou quais foram os imóveis em que o Requerente habitou e entre que datas”, reiterando que “ao abrigo do princípio do inquisitório (…) a Administração Tributária deve realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”.

 

  1. É certo que o contribuinte deveria ter cumprido uma formalidade, comunicar as alterações de residência à Autoridade Tributária, e não o fez – mas tal não pode ter como consequência ser ilegitimamente tributado” pelo que peticiona o Requerente que “a correcção realizada deverá ser anulada, considerando-se que, em 2021, o Requerente vendeu a sua habitação própria e permanente, pelo que pode beneficiar do regime do reinvestimento constante do Código do IRS”.

 

  1. Aliás, considerando a resposta recebida do ebalcão, o Requerente considerou que deveria actualizar a sua informação cadastral e indicar, desde logo, as várias moradas onde vivera desde que passou a residir em Portugal (…)” porquanto “(…) não obstante não ter formalizado as alterações da sua residência/morada fiscal junto da Autoridade Tributária, o Requerente já teve diversas moradas de habitação própria e permanente desde que passou a residir em Portugal”.

 

  1. Neste âmbito, alega o Requerente que “tendo aplicado o valor resultante da venda da sua habitação própria e permanente [sita na Travessa ..., n.º ... (…)] na compra da sua nova e actual habitação própria e permanente [..., n.º..., (…)]”, “(…) tem aqui aplicação a alínea b) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, nos termos da qual, tendo o Requerente feito o reinvestimento do preço de venda da sua habitação própria e permanente na aquisição da sua nova habitação própria e permanente, dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito, não deveria ser tributado sobre a mais-valia eventualmente realizada”, “sendo (…) que (…) materialmente tenha passado a residir no imóvel adquirido” e, como “resulta do disposto na alínea na alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º do Código do IRS, o domicílio fiscal das pessoas singulares é o local da sua residência habitual”.

 

  1. E, acrescenta, “confrontado com uma liquidação adicional de IRS no valor de €34.638,51, (…) apresentou reclamação graciosa contra a mesma” porquanto alega que:

 

  1. não pode (…) a Autoridade Tributária levar a que um contribuinte pague um valor de imposto muito superior ao que é devido, negando-lhe o direito que a lei lhe concede de alterar, a todo o tempo, a sua morada fiscal”;
  2. nem pode a Autoridade Tributária prestar informações incorrectas a um contribuinte, como sucedeu neste caso, relativamente à apresentação do recurso hierárquico”;
  3. (…) tem o direito de provar, seja por que meios for, que determinada morada corresponde à sua habitação própria e permanente, ilidindo a presunção de que a morada fiscal é o lugar de residência”.

 

  1. Entende o Requerente que a referida “(…) liquidação adicional de IRS não respeita nenhum destes princípios, da mesma forma que não respeita o disposto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º, ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º do Código do IRS”, pelo que “(…) não pode deixar de se considerar que o indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente (…) deverá ser considerado inconstitucional e ilegal, vícios que se estendem à liquidação de IRS em análise, que deve ser anulada”.

 

  1. Conclui o Requerente o pedido no sentido de requerer que este Tribunal Arbitral julgue procedente, por provado, o presente PPA e que, em consequência, declare a ilegalidade do indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra a liquidação adicional de IRS e, indirectamente, da liquidação adicional de IRS aqui em causa, determinando a sua anulação, com fundamento em ilegalidade, mais requerendo ser indemnizado pelos custos que teve com a prestação de garantia bancária para suspender o processo de execução fiscal a que estes documentos deram origem.

 

  1. RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.    A Requerida, na Resposta apresentada, começa por sintetizar o pedido arbitral apresentado pelo Requerente e, de seguida, remete e dá “(…) como integralmente reproduzida a decisão de pronúncia da DSIRS, tendente à manutenção do ato ora posto em crise (…)”.

 

3.2.    Por outro lado, quanto ao enquadramento factual e jurídico, refere a Requerida que “(…) reproduz-se, por com o mesmo se concordar inteiramente, fazendo nosso, o teor da informação, da decisão da reclamação graciosa, que subjaz à decisão de pronúncia pela manutenção do ato ora posto em causa (…)”.

 

3.3.    Assim, alega a Requerida que “face ao exposto (…) as liquidações (…) encontram-se dentro da legalidade”, concluindo que “(…) não poderá ser atendida a pretensão do Requerente”.

 

  1. SANEADOR

 

4.1.    O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT e é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente.

 

4.2.    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.3.    O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.[3]

 

  1. Na pendência da acção, com a junção aos autos do processo administrativo, pela Requerida, verificou este Tribunal Arbitral que, conforme aí documentado, “(…) em função da decisão de deferimento parcial proferida no âmbito do procedimento de reclamação graciosa nº ...2022... (…)” a liquidação de IRS nº 2022 ... (objecto do pedido), no montante de EUR 34.638,51, foi substituída por outra liquidação relativa aos mesmos ano e tributo (a nº 2023...), na qual se apurou menor valor de imposto a pagar (EUR 29.063,46) porquanto na decisão de deferiu parcialmente aquela reclamação graciosa foi deferida a pretensão do Requerente relativa ao facto de serem consideradas as despesas incorridas com o imóvel alienado (inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o artigo ...).

 

  1. Pretendendo o Requerente que o processo arbitral prosseguisse para apreciação da legalidade do acto tributário substituto (liquidação n.º 2023 ..., no montante de EUR 29.063,46), verifica-se que o valor do pedido de pronúncia arbitral terá de ser fixado em função do valor da liquidação de IRS que (originariamente) o Requerente impugna (a nº 2022..., no valor total de EUR 34.638,51), porquanto o montante do pedido arbitral deve ser aferido à data da constituição do Tribunal Arbitral, em função da sua utilidade económica.

 

  1. Em consequência da anulação da liquidação de IRS subjacente ao pedido será analisada, também no Capítulo 6. desta Decisão, a eventual excepção da inutilidade superveniente da lide quanto aquela liquidação.

 

  1. Não foram suscitadas quaisquer outras excepções de que cumpra conhecer nem se verificam nulidades.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.    Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].

 

5.2.    Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

Dos factos provados

 

5.3.    O Requerente é um cidadão francês que, em 06-01-2015, adquiriu um imóvel em Portugal, na Rua ..., nº ..., ..., em Lisboa, o qual era utilizado como habitação secundária, em conformidade com cópia do doc. nº 5.

 

  1. Em 07-01-2016, o Requerente alterou a sua residência fiscal para a morada referida no ponto anterior, tendo passado a residir em Portugal, conforme resulta da informação que consta do portal das finanças, segundo a qual, até então estava domiciliado no nº ... ..., França.

 

  1. O Requerente adquiriu, em 04-01-2016 um imóvel sito na Travessa ..., nº..., ... (tornejando para a Rua ... nº ...), em Lisboa, pelo preço de EUR 230.000,00, em conformidade com cópia do doc. nº 7.

 

  1. O Requerente vendeu o imóvel situado na Rua ..., nº ..., ...., em Lisboa, em 20-06-2017, pelo preço de EUR 450.000,00, em conformidade com cópia do doc. nº 6.

 

  1. A partir de 20-06-2017, a habitação própria e permanente do Requerente passou a ser no imóvel localizado na Travessa ... nº..., ..., em Lisboa, em conformidade com cópia do doc. nº 7, passando aí a residir.

 

  1. O Requerente não alterou, naquela altura, para efeito fiscais, junto da Autoridade Tributária, o seu domicílio fiscal para a Travessa ... nº ..., ..., em Lisboa.

 

  1. O Requerente apresentou, em 19-04-2020, um pedido de alteração de morada fiscal com efeitos retroactivos, no sentido de ser “tido em conta o pedido de alteração de residência fiscal com efeitos retroativos a 20.06.2017, para o imóvel sito na Travessa..., n.º ..., ..., freguesia de..., ...-... Lisboa (…), uma vez que este imóvel passou a ser, em Junho de 2017, a minha habitação própria e permanente”.

 

  1. O Requerente vendeu, em 20-07-2021, o imóvel localizado na Travessa ..., nº ..., ..., em Lisboa, pelo preço de EUR 425.000,00, em conformidade com cópia do doc. nº 8.

 

  1. O Requerente suportou despesas e encargos com a respectiva aquisição, alienação e/ou valorização no montante total de EUR 36.447,00, em conformidade com cópia constante do processo administrativo.

 

  1. O Requerente adquiriu, em 20-12-2021, o imóvel sito na ..., nº ..., ..., em Carnaxide, pelo preço de EUR 361.000, em conformidade com cópia do doc. nº 9.

 

  1. O Requerente reside, desde a data da aquisição do imóvel identificado no ponto anterior na ..., nº..., ..., em Carnaxide, em conformidade com cópia do doc. nº 9.

 

  1. O Requerente entregou, em 04-06-2022, a declaração de IRS respeitante ao ano de 2021, tendo na mesma declarado, com o objectivo de declarar o reinvestimento do valor de realização numa nova habitação própria e permanente, os seguintes elementos:

 

5.14.1.   No campo 4001 do quadro 4 do Anexo G, o Requerente fez constar os valores de aquisição (EUR 230.000) e de alienação (EUR 425.000) da fração E do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o artigo ... (ou seja, a informação relativa ao imóvel sito na Travessa ..., nº..., ..., tornejando para a Rua ... nº ..., em Lisboa;

5.14.2.   Despesas e encargos suportados com as respetivas aquisição e/ou alienação (ou valorização) do referido imóvel, no montante de EUR 36.447,00;

5.14.3.   No quadro 5 A do mesmo Anexo G, o Requerente preencheu os campos 5001 – 2021; 5002 – 4001; 5006 – “Valor de realização que pretende investir (sem recurso ao crédito)” - EUR 425.000; 5008 – “Valor de realização reinvestido no ano da declaração após a data da alienação (sem recurso ao crédito)” - EUR 425.000,00.

 

  1. Com base na declaração modelo 3 de IRS acima identificada, foi efectuada em 08-06-2022 a liquidação de IRS nº 2022..., no âmbito da qual foi apurado o montante de imposto a pagar de EUR 27.704,44.

 

  1. Em 08-06-2022 foi instaurado no Serviço de Finanças (SF) de Lisboa ... um procedimento de gestão de divergências em nome do Requerente, relativo ao exercício de 2021, e respeitante ao código D25 (reinvestimento em imóveis).

 

  1. Com base nas conclusões apuradas no procedimento mencionado no ponto anterior, foi oficiosamente elaborada pelos serviços da Requerida, em 15-11-2022, em nome do Requerente, uma declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2021, a qual foi também acompanhada do Anexo G.

 

  1. No campo 4001 do quadro 4 do Anexo G que acompanhou a declaração oficiosa de IRS identificada no ponto anterior, os serviços tributários mantiveram todos os dados que haviam sido declarados pelo Requerente na declaração por ele apresentada em
    04-06-2022, com exceção do montante relativo a despesas e/ou encargos relativos à aquisição, alienação ou valorização da fração, que foi alterado para o valor de
    EUR 7.936,88 e foi retirado do quadro 5 A qualquer elemento relativo a um hipotético reinvestimento do valor obtido com a alienação da fração E do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... (concelho de Lisboa), sob o artigo ... (ou seja, relativa ao imóvel sito na Travessa ..., nº ..., ..., tornejando para a Rua ... nº ..., em Lisboa).

 

  1. Com base na declaração identificada no ponto 5.14., supra, foi efectuada em 25-11-2022 a liquidação de IRS nº 2022..., no âmbito da qual foi apurado o montante de imposto a pagar de EUR 34.535,21, quantia à qual acresceu a importância de EUR 103,30 a título de juros compensatórios, o que totalizou o valor a pagar de EUR 34.638,51, em conformidade com cópia do doc. nº 1.

 

  1. Em 29-11-2022, a Requerida procedeu ao acerto de contas com o montante apurado na liquidação de IRS nº 2022 ... (efectuada em 08-06-2022), através do acerto de contas nº 2022... .

 

  1. O Requerente não efectuou o pagamento do IRS liquidado pela liquidação de IRS nº 2022... .

 

  1. Por não concordar com o fundamento da liquidação, o Requerente apresentou, em
    19-12-2022, Reclamação Graciosa (nº ...2022...) contra aquela liquidação de imposto, em conformidade com cópia constante do processo administrativo.

 

  1. A notificação ao Requerente do projecto de indeferimento parcial da Reclamação Graciosa interposta (Ofício de 15-02-2023) foi enviada através de carta registada (nº RF ... PT), para a morada sita na Rua ..., nº..., ..., em Lisboa, bem como para o notificar para, no prazo de 15 dias a contar da data em que se concretizou a notificação, exercer, querendo, o direito de participação naquela decisão de indeferimento parcial da Reclamação Graciosa na modalidade de audição prévia, em conformidade com cópia constante do processo administrativo.

 

  1. O referido projecto de indeferimento parcial teve como fundamento a seguinte informação:

 

(…). No âmbito de detenção de irregularidades alertado pelo sistema de gestão de divergências (…) foi o reclamante notificado, a 08/06/2022, para justificar a residência do titular diferente do imóvel objeto de reinvestimento e/ou comprovação dos valores de empréstimos ou de valores de reinvestimento declarados. Na ausência de resposta foi elaborada a notificação para audição prévia, enviada por correio registado sob o nº RF ... PT, enviada em 13/09/2022, devolvida a este serviço. Na ausência de resposta, procedeu este serviço à elaboração de documento de correção com o nº...-2021-... -..., com a liquidação nº 2022..., de que resultou imposto a pagar no montante de EUR 34.638,51, onde foi desconsiderada a possibilidade de reinvestimento. (…). Não conformado com a liquidação, a 19/12/2022, apresentam via internet, reclamação graciosa. Assim, da análise efetuada ao sistema informático, complementado pelos documentos apresentados, verifica-se que a 20 de julho de 2021, o reclamante, aliena o prédio urbano, sito na Travessa ... nº ..., ..., inscrito na matriz sob o artigo nº..., fração E da freguesia de ..., Lisboa, pelo valor de € 425.000,00. A aquisição ocorreu 4 de janeiro de 2016, através de escritura de compra e venda adquire o referido imóvel, sem recurso a crédito, pelo valor de € 230.000,00. No que diz respeito ás despesas e encargos com a fração alienada, de acordo com o artigo 51º do CIRS, para determinação das mais-valias, acrescem ao valor de aquisição, “…a) os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º; b) As despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 10.º. (…). A fim de fazer prova do alegado, juntou ao processo determinados documentos, nomeadamente, documentos e faturas relacionadas com despesas inerentes ao imóvel alienado, que se elencam:

1. IMT, no valor de € 7.936,88

2. IS, no valor de € 1.840,00

3. Fatura nº 2016/17, no valor de € 345,45, emitida a 04/01/2021, por B..., Notária, NIF ... . A fatura encontra-se emitida em nome do reclamante e respetivo NIF, referente ao valor de escritura.

4. Fatura PT008/0348, no valor de € 10.068,75, emitida a 04/06/2021, pela empresa C..., SA, NIF ..., referente a 50% Comissão imobiliária (…).

5. Fatura PT008/0558, no valor de € 10.068,75, emitida a 24/07/2016, pela empresa C..., SA, NIF ..., referente a 50% Comissão imobiliária (…).

Os documentos acima descritos enquadram-se no disposto do artigo 51º do CIRS, atrás referido, no valor global de € 30.259,83, na medida em que são exemplos de despesas necessárias e efetivamente praticadas inerentes à aquisição e alienação. Da consulta ao Sistema de Gestão e Registo de Contribuinte, verifica-se que a reclamante, à data da alienação, tinha o domicilio fiscal na Rua ... nº ... – ..., na freguesia do ..., pelo que o imóvel não constituía a sua habitação própria e permanente. Mais se verifica que mantém até a presente data o mesmo domicilio fiscal. Perante os factos apurados não se verifica o preceituado no nº 5 do artigo 10º do CIRS que refere, São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições: a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino (…); b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização; c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação; Conclui-se que para a declaração de 2021, não pode ser considerado, no anexo G, que o imóvel alienado constituía a habitação própria e permanente, do reclamante, não podendo, consequentemente, ser considerado o reinvestimento.

Proposta de decisão

Pelos factos mencionados anteriormente, sou da opinião que a presente reclamação deva ser deferida parcialmente e, em consequência seja elaborado Documento de Correção (…), não sem que antes seja notificado o reclamante para, querendo, exercer o seu direito de audição prévia (…)”.

 

  1. A notificação referida no ponto 5.23., supra, veio devolvida com a indicação de que o Requerente não residia naquela morada, em conformidade com cópia constante do processo administrativo.

 

  1. Foi enviada ao Requerente (Ofício de 30-03-2023), para a mesma morada referida nos pontos anteriores, uma segunda notificação, através de carta registada (nº RF ... PT), com o mesmo propósito da notificação referida no ponto 5.231., supra, em conformidade com cópia constante do processo administrativo.

 

  1. A notificação veio devolvida com a mesma indicação de que o Requerente não residia na referida morada, em conformidade com cópia constante do processo administrativo.

 

  1. O Requerente não exerceu o direito de audição por escrito, em conformidade com cópia constante do processo administrativo.

 

  1. Em 19-04-2023, o Requerente solicitou, através do e-balcão, um pedido de alteração de residência fiscal com efeitos retroativos a 20-06-2017, para o imóvel sito na Travessa ..., nº ..., ..., freguesia de ..., em Lisboa, “(…) uma vez que este imóvel passou a ser, em Junho de 2017, a [sua] habitação própria e permanente”, em conformidade com cópia do doc. nº 3.

 

  1. Com este pedido, que veio a ser indeferido em 08-05-2023, com fundamento no facto de “(…) tendo sido indeferida a reclamação graciosa (…), é em sede de recurso hierárquico que solicita a mesma”, anexou cópia de facturas de consumos de água (EPAL) de 24-08-2017, de 27-12-2017 e de 22-02-2018, cópia de factura da NOS de fevereiro/2018, relativa a “Pacote IRIS 100 megas” e carta de escritório de advogados (D..., SP, RL) de 12-07-2021, todas elas enviadas para o Requerente e para a morada da Rua ... nº ... (também Travessa ..., nº ...), em Lisboa (e anexadas ao pedido arbitral, em conformidade com cópia do doc. nº 3)

 

  1. Foi enviado para a morada do Requerente na Rua ..., nº ..., ..., em Lisboa, através de carta registada com A/R (nº RF ... PT), Ofício de 15-05-2023, relativo à notificação do Despacho de Deferimento Parcial da Reclamação Graciosa interposta, datado de 12-05-2023, proferido pelo Chefe de Serviço de Finanças, ao abrigo de Delegação de Competências, em conformidade com cópia constante do processo administrativo.

 

  1. O despacho referido no ponto anterior foi proferido com base em informação que propôs que “(…) a (…) reclamação graciosa [deve] ser deferida parcialmente, convolando-se em definitivo o despacho de 15/02/2023 e em consequência seja elaborado Documento de Correção, de acordo com o mapa infra (correlação das despesas e encargos):

Freguesia:...

Artigo matricial: U -...fração

E Realização: € 425.000,00 (07/2021)

Aquisição: € 230.000,00 (2016/05)

Despesas e encargos: 30.259,83”.

 

  1. A notificação referida no ponto anterior veio devolvida com a indicação de “desconhecido na morada”, em conformidade com cópia constante do processo administrativo.

 

  1. Em consequência do deferimento parcial da Reclamação Graciosa apresentada, a Autoridade Tributária procedeu, em 15-05-2023, à elaboração de uma nova declaração oficiosa em nome do Requerente, relativa ao IRS do ano de 2021, a qual foi igualmente acompanhada de um Anexo G.

 

  1. No “novo” Anexo G referido no ponto anterior, constam do campo 4001 do quadro 4 todos os elementos já patentes no seu congénere que acompanhou a declaração oficiosa elaborada em 15-11-2022 mas a Autoridade Tributária alterou o valor relativo a despesas e encargos com a aquisição e/ou alienação (ou valorização) da fração para o montante de
    EUR 30.259,83, mantendo também completamente em branco todos os campos do quadro 5 A do referida anexo, em conformidade com processo administrativo.

 

  1. O Requerente apresentou, em 16-05-2023, novo pedido de alteração retroactiva da sua morada fiscal, pedido este que incluía, agora, as duas últimas alterações de residência, em conformidade com cópia do doc. nº 4, nos seguintes termos:

 

a. Com produção de efeitos à data de 2017.06.20 até 2021.07.20 – Travessa ..., nº..., ... Esquerdo, ...-... Lisboa; b. Com produção de efeitos à data de 2021.12.20 - ..., nº..., ..., ...-... Carnaxide

 

  1. O Requerente apresentou, em 16-05-2023, este pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Com base na declaração oficiosa modelo 3 de IRS identificada no ponto 5.34., supra, foi efectuada, em 19-05-2023, a liquidação de IRS nº 2023..., no âmbito da qual foi apurado o montante de imposto a pagar de EUR 29.063,46, em conformidade com processo administrativo.

 

  1. De acordo dom os elementos do sistema informático da Requerida, o domicílio fiscal do Requerente foi alterado, em 19-05-2023, para a ..., nº ..., ..., em Carnaxide, em conformidade com processo administrativo.

 

  1. Em 23-05-2023, os serviços tribuários procederam ao acerto de contas com o montante apurado na liquidação de IRS nº 2022..., efectuada em 25-11-202, através do acerto de contas nº 2023..., em conformidade com processo administrativo.

 

  1. Foi enviada ao Requerente, para a mesma morada referida nos pontos anteriores, uma segunda notificação, através de carta registada (nº RF ... PT), de Ofício de 26-05-2023, relativo à notificação do Despacho de Deferimento Parcial, datado de 12-05-2023, pelo Chefe de Serviço de Finanças, ao abrigo de Delegação de Competências, da Reclamação Graciosa interposta, em conformidade com cópia constante do processo administrativo.

 

  1. No âmbito do presente processo (Proc. CAAD nº 360/2023-T; SICJUT nº...), o Serviço de Finanças de Lisboa ... emitiu, em 22-06-2023, uma Informação que, concluindo pela proposta de manutenção do acto de liquidação de IRS objecto do pedido de pronúncia arbitral, refere ainda entre outros elementos relativos ao processo em análise, o seguinte:

 

          “(…). III B. 2 – (…) Não obstante (…) em função da decisão de deferimento parcial proferida no âmbito do procedimento de reclamação graciosa nº ...2022...haver sido efetuada posteriormente à liquidação de IRS nº 2022... (a contestada pelo sujeito passivo) outra liquidação relativa aos mesmos ano e tributo (a nº 2023...), na qual se apurou menor valor de imposto a pagar, a verdade é que a decisão que esteve na base da respetiva elaboração incidiu (…) sobre despesas e encargos relativos a impostos suportados com a respetiva aquisição e despesas com a intervenção de entidade mediadora imobiliária na respetiva transmissão, que os serviços fiscais consideraram suscetíveis de serem consideradas ao abrigo do disposto na al. a) do nº 1 do art. 51º do CIRS. Na mesma reclamação não foi, porém, deferida a pretensão do sujeito passivo em ver ser considerada a sua intenção de reinvestimento de parte do valor obtido com a alienação da E do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de..., concelho de Lisboa, sob o artigo ... . Sendo essa a questão que aquele vem, através do presente processo, suscitar junto do CAAD. Nesta circunstância, prossegue-se na análise da pretensão do requerente, que, no cabeçalho do requerimento, afirma expressamente vir colocar em causa junto do tribunal arbitral a liquidação de IRS nº 2022.... Tendo, porém, em conta que o que vier a ser decidido quanto a este ato tributário se poderá projetar no seu congénere nº 2023..., efetuado em 19-05-2023 (…)”.

 

  1. Esta informação foi complementada pela constante de documento emitido, em 14-07-2023, pela DSIRS, com o nº .../23, emitido no mesmo sentido do documento referido no ponto anterior.

 

  1. Com base no depoimento da Testemunha inquirida, em 06-12-2023, dá-se como provado que o Requerente, em conformidade com o alegado, entre Janeiro de 2016 e Junho de 2017, residiu na Rua ..., nº ..., ..., em Lisboa, entre Junho de 2017 e Junho de 2021, o Requerente residiu na Travessa ... nº ... (tornejando para a Rua ... nº ...), em Lisboa e desde Dezembro de 2021 até à presente data, o Requerente reside na..., nº ..., ... A, em Carnaxide.

 

  1. Em conformidade com o depoimento, foi naquelas moradas, entre as referidas datas que o Requerente viveu (nomeadamente, dormia, tomava as suas refeições, recebia amigos, com o foi o caso da Testemunha inquirida que, esclareceu que sempre que vinha a Lisboa o visitava na sua casa, tendo conhecido todas aquelas moradas).

 

  1. A Testemunha referiu que cada uma das casas em que visitou o Requerente, as mesmas estavam totalmente mobiladas e em condições de nelas poder ficar alojado, como foi o seu caso referiu que pernoitava de um dia para o outro em casa do Requerente quando o visitava.

 

  1. A Testemunha referiu que se recorda das datas das várias visitas realizadas ao Requerente porquanto, por motivos pessoais (questões de saúde) esteve ausente em França (em tratamento) mas quanto vinha a Portugal, visita o Requerente.

 

  1. A Testemunha confirmou que, em 2017, 2018 e 2019, visitou o Requerente no imóvel localizado na Travessa ... n.º ... (tornejando para a Rua ... nº ...), em Lisboa, sendo que em 2021 visitou o Requerente na sua casa em Carnaxide.

 

  1. O Requerente veio confirmar no processo arbitral que não chegou a prestar garantia bancária para pagamento do IRS liquidado.

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

  1. No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes e no teor dos documentos juntos aos autos pela Requerente e pela Requerida (processo administrativo).

 

Dos factos não provados

 

  1. Não ficou provado qualquer pagamento do IRS liquidado.

 

  1. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.       MATÉRIA DE DIREITO

 

6.1.    No caso, o objecto principal do processo, em conformidade com o pedido arbitral apresentado, reporta-se a uma liquidação de IRS (a nº 2022..., respeitante ao ano de 2021, no montante de EUR 34.638,51) relativa à não consideração do reinvestimento do valor de realização, apurado com a venda de imóvel, na aquisição de habitação própria permanente, por alegada inobservância de requisito legal, em conformidade com a fundamentação da Requerida, bem como ao despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa interposta contra aquela liquidação de IRS.

 

6.2.    Contudo, com a junção aos autos do processo administrativo, pela Requerida, verificou este Tribunal Arbitral que, em dois documentos dele constantes (acima identificados nos pontos 5.42. e 5.43.), “(…) em função da decisão de deferimento parcial proferida no âmbito do procedimento de reclamação graciosa nº ...2022... (…)” a liquidação de IRS nº 2022 ...(objecto deste pedido) foi substituída por outra liquidação relativa aos mesmos ano e tributo (a nº 2023...), na qual se apurou um valor de imposto a pagar menor (não obstante ter sido indeferida a pretensão do Requerente quanto a ser considerada a sua intenção de reinvestimento do valor obtido com a alienação do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o artigo ... (imóvel sito na Travessa..., nº..., ..., em Lisboa).

 

6.3.    Notificado o Requerente, por despacho arbitral de 30-10-2023, no sentido de se pronunciar, no prazo de 5 dias, se pretendia que o processo arbitral prosseguisse quanto à apreciação da legalidade do acto tributário substituto (nº 2023..., no montante de EUR 29.063,46) porquanto o acto de liquidação de IRS aqui impugnado (nº 2022..., no montante total de EUR 34.638,51) já não existia, aquele veio informar que pretendia que o processo arbitral prosseguisse para apreciação da legalidade do acto tributário substituto.

 

Questão prévia – da inutilidade superveniente da lide

 

6.4.    Como resulta dos factos provados, embora o acto de liquidação de IRS substituto tenha data anterior (19-05-2023) à data de constituição do Tribunal Arbitral (20-07-2023), não há qualquer evidência que:

 

6.4.1.     A Requerida tenha utilizado o mecanismo dos nºs 1 e 2 do artigo 13º do RJAT (Efeitos do pedido de constituição de tribunal arbitral), ou seja, tenha usado a prerrogativa descrita naquele artigo [no sentido de o dirigente máximo do serviço da administração tributária, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral (no caso, em 16-05-2023), proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do acto tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, acto tributário substitutivo, observando as formalidades previstas ou, [4]

6.4.2.     O Requerente tenha tido conhecimento daquela revogação parcial antes da constituição do Tribunal Arbitral, porquanto dessa revogação parcial do acto tributário impugnado foi dado conhecimento ao Tribunal Arbitral, pela Requerida, com a junção do Processo Administrativo (03-10-2023), ou seja, já na pendência do processo arbitral.

 

6.5.    Neste contexto, no que diz respeito às consequências processuais da anulação administrativa, ocorrida antes de constituído o Tribunal Arbitral, mas cujo conhecimento da mesma chegou aos interessados já na pendência do processo impugnatório, interessa considerar o disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 64º do CPTA (aqui subsidiariamente aplicável), nos termos dos quais se prevê que “1 - Quando, na pendência do processo, o ato impugnado seja objeto de anulação administrativa acompanhada ou sucedida de nova regulação, pode o autor requerer que o processo prossiga contra o novo ato com fundamento na reincidência nas mesmas ilegalidades (…)” e que “3 - O disposto no n.º 1 é aplicável a todos os casos em que o ato impugnado seja, total ou parcialmente, alterado ou substituído por outro com os mesmos efeitos, e ainda no caso de o ato anulatório já ter sido praticado no momento em que o processo foi intentado, sem que o autor disso tivesse ou devesse ter conhecimento” (sublinhado nosso).[5]

 

6.6.    Nestes termos, nas situações em que o acto impugnado é objecto de anulação administrativa seguida de nova definição da situação jurídica (nova liquidação), admite-se que o processo impugnatório prossiga contra o novo acto com fundamento na reincidência nas mesmas ilegalidades.[6]

 

6.7.    Assim, “prevê-se aí a hipótese típica de ampliação do objeto do processo quando, na pendência de um processo impugnatório, a Administração anule o ato impugnado praticando um novo ato em sua substituição contra o qual o impugnante poderá ter ainda interesse em reagir” por se manter ainda uma parte da liquidação com a qual o sujeito passivo não concorda (sublinhado nosso).

 

6.8.    No caso em análise, a Requerida limitou-se a anular parcialmente o acto de liquidação impugnado (o nº 2022..., no montante total de EUR 34.638,51), pela consideração do despacho de indeferimento parcial da reclamação graciosa apresentada, substituindo-o agora por uma nova liquidação (a nº 2023..., no montante de EUR 29.063,46), satisfazendo assim apenas parcialmente a pretensão impugnatória do Requerente pelo que este veio solicitar a apreciação da legalidade quanto a este “novo” acto de liquidação, substituto do anterior, pugnando o Requerente pela sua anulação.

 

6.9.    Significa isto que a liquidação de IRS objecto do pedido (a nº 2022...) e sindicada nos presentes autos foi parcialmente anulada, no sentido de serem consideradas despesas com a alienação/aquisição dos imóveis relativamente aos quais o Requerente refere ter havido reinvestimento e substituída por outra.

 

6.10.  Na verdade, a anulação parcial da liquidação impugnada, implica que a instância atinente à apreciação da legalidade daquela liquidação na parte abrangida pelo despacho de revogação (anulação), se extinga por inutilidade superveniente parcial da lide, dado que, por terem sido eliminados os seus efeitos, perde utilidade a apreciação, em relação a tal liquidação, dos vícios alegados em ordem à sua invalidade, ficando sem objecto a pretensão impugnatória contra ela deduzida.

 

6.11.  Mas não tendo a Requerente encontrado totalmente na via administrativa a satisfação da sua pretensão, porquanto permaneceram (ainda que parcialmente), na ordem jurídica montantes que deram origem a novo acto de liquidação (substituto do primeiro) e tendo o Requerente manifestado interesse que se fosse o mesmo escrutinado porquanto dizia respeito a alegadas ilegalidades cometidas na liquidação original, objecto de impugnação, entende-se que se deverá manter a instância para apreciação desta “nova” liquidação porquanto a mesma respeita a uma parte da anterior.

 

6.12.  Nestes termos, este Tribunal Arbitral entende verificar-se a inutilidade superveniente parcial da lide no que diz respeito ao pedido de anulação do acto tributário, na parte abrangida pelo despacho de revogação (anulação) parcial, ou seja, relativamente ao acto de liquidação substituído, com as consequências daí decorrentes, mantendo-se a instância quanto ao acto de liquidação substituo.

 

Questão a decidir

 

6.13.  Prosseguindo a instância quanto à apreciação da legalidade do acto de liquidação de IRS nº 2023..., no montante de EUR 29.063,46, importa apreciar e decidir se o mesmo padece de vício de violação de lei.

 

6.14.  Para o efeito, atenta a factualidade dada como provada e as normas legais em vigor à data dos factos, cabe ao Tribunal apreciar o direito do Requerente poder (ou não) beneficiar da exclusão da tributação das mais-valias provenientes da alienação do prédio que alega constituir a sua habitação própria e permanente, cujo valor de realização reinvestiu na aquisição de outro prédio com o mesmo destino.

 

6.15.  Dessa forma, a questão essencial que se coloca é a de saber se, como alega a Requerida para sustentar a liquidação adicional de IRS em causa, o domicílio fiscal declarado pelo Requerente perante a Requerida, à data a que se reportam os factos subjacentes à liquidação de imposto, constitui um requisito legal imprescindível para que o Requerente pudesse beneficiar da exclusão de tributação por reinvestimento do valor de realização de habitação própria e permanente, em conformidade com o disposto no nº 5 do artigo 10º do Código do IRS.

 

6.16.  Em concreto, a Requerida aderindo na Resposta à posição adoptada para fundamentar a Reclamação Graciosa interposta pela Requerente contra a liquidação de IRS inicialmente notificada (nº 2022...) reconhece que “(…) a 20 de julho de 2021, o reclamante, aliena o prédio urbano, sito na Travessa ... nº..., ..., inscrito na matriz sob o artigo nº ..., fração E da freguesia (…) de ..., Lisboa, pelo valor de € 425.000,00. A aquisição ocorreu 4 de janeiro de 2016, através de escritura de compra e venda adquire o referido imóvel, sem recurso a crédito, pelo valor de € 230.000,00” e, “no que diz respeito ás despesas e encargos com a fração alienada (…)” refere que o Requerente “a fim de fazer prova do alegado, juntou ao processo determinados documentos, nomeadamente, documentos e faturas relacionadas com despesas inerentes ao imóvel alienado, que se elencam: 1. IMT, no valor de € 7.936,88 2. IS, no valor de € 1.840,00. 3. Fatura nº 2016/17, no valor de € 345,45, emitida a 04/01/2021, [pela] (…) Notária (…) referente ao valor de escritura. 4. Fatura PT008/0348, no valor de € 10.068,75, emitida a 04/06/2021, (…) referente a 50% Comissão imobiliária (…) onde é feita menção da intervenção da referida imobiliária no negocio. 5. Fatura PT008/0558, no valor de € 10.068,75, emitida a 24/07/2016, (…) referente a 50% Comissão imobiliária (…) onde é feita menção da intervenção da referida imobiliária no negócio”.

 

  1. E entende que “os documentos (…) descritos enquadram-se no disposto do artigo 51º do CIRS, (…), no valor global de € 30.259,83, na medida em que são exemplos de despesas necessárias e efetivamente praticadas inerentes à aquisição e alienação”.

 

  1. Contudo, refere que “da consulta ao Sistema de Gestão e Registo de Contribuinte, verifica-se que a reclamante, à data da alienação, tinha o domicilio fiscal na Rua ... nº ... –..., na freguesia do ..., pelo que o imóvel não constituía a sua habitação própria e permanente” não se verificando “(…) o preceituado no nº 5 do artigo 10º do CIRS (…)” no que diz respeito à exclusão de tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, concluindo que na “(…) declaração de 2021, não pode ser considerado, no anexo G, que o imóvel alienado constituía a habitação própria e permanente, do reclamante, não podendo, consequentemente, ser considerado o reinvestimento” pelo que “(…) as liquidações (…) encontram-se dentro da legalidade”.

 

  1. O Requerente não concorda com a posição assumida pela Requerida porquanto ainda que reconheça não ter alterado a informação cadastral relativa ao seu domicílio fiscal, “(…) tem o direito de provar, seja por que meios for, que determinada morada corresponde à sua habitação própria e permanente, ilidindo a presunção de que a morada fiscal é o lugar de residência”.

 

  1. Assim, cumpre decidir qual o entendimento a conferir ao disposto nos nºs 5, alínea a) e 6, alínea a) do artigo 10º, do Código do IRS.

 

Da legislação aplicável

 

  1. Nos termos previstos no nº 1 do artigo 1º do Código do IRS, este imposto incide sobre o valor anual dos rendimentos das diversas categorias ali elencadas – sendo uma delas a categoria G – Incrementos patrimoniais –, depois de efetuadas as correspondentes deduções e abatimentos.

 

  1. O artigo 9º do Código do IRS estabelece no seu nº 1 que “constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias, as mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte” (alínea a)).

 

  1. O artigo 10º do mesmo Código estatui, além do mais, que “1. Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (…); 3. Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1, (…); O ganho sujeito a IRS é constituído: a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), (…) do n.º 1; (…)”.

 

  1. De acordo com a redação em vigor à data dos factos, a redacção dos nºs 5 e 6, alínea a) do artigo 10º, do Código do IRS (que enunciam os requisitos da delimitação negativa da incidência de IRS sobre os rendimentos de mais-valias) determinava que “5. São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:a) a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal; b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização; c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação; (…). 6. Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando: a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento; (…)” (sublinhado nosso).

 

  1. Como decorre do estatuído no nº 1 do artigo 43º do Código do IRS, o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes, sendo que o saldo respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor (n.º 2).

 

  1. Por último, refira-se ainda que, de acordo com o disposto no artigo 51º do Código do IRS, para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do nº 1 do artigo 10º (alínea a)).

 

Reinvestimento mediante aquisição de outro imóvel para habitação

 

6.27.  Do exposto, resulta que, para que o Requerente possa beneficiar da exclusão da tributação de mais-valias, deverá preencher os seguintes requisitos cumulativos:

(i) Que o imóvel alienado (imóvel de partida), quer o imóvel adquirido (imóvel de chegada) se destinar a habitação própria e permanente “do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”;

(ii) Que o reinvestimento do valor de realização do imóvel de partida, para os fins indicados, seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização e,

(iii) Que o novo imóvel (imóvel de chegada) seja afeto a habitação própria do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nos 12 meses posteriores ao termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado.

 

  1. A este respeito, José Guilherme Xavier de Basto afirma que “[o] objectivo geral do regime de exclusão da incidência [estatuída no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS] é, pois, não embaraçar a aquisição, imediata ou mediata, de habitação própria e permanente financiada com o produto da alienação de um outro imóvel a que fora dado o mesmo destino. Usa-se uma técnica de rollover, que torna não tributáveis essas mais valias enquanto os valores de realização forem reinvestidos em imóveis também destinados à habitação (…). A exclusão referida só vale pois para as mais-valias de imóveis destinados à habitação própria e permanente quando o reinvestimento se opera em imóveis com o mesmo destino. O imóvel “de partida” e o “de chegada” têm de ser destinados à habitação própria e permanente. Qualquer outro destino de ambos, ou só de um deles, destrói as condições de aplicação da exclusão da incidência – e a mais-valia realizada no imóvel “de partida” será tributável”. [7]

 

  1. A propósito das mais-valias imobiliárias, Rui Duarte Morais, afirma que “[o] artigo 10.º, n.º 5 exclui da tributação as mais valias obtidas aquando da alienação de habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, se houver reinvestimento na aquisição, construção ou melhoramento (…) de outro imóvel afecto à mesma finalidade. (…)”. [8]

 

  1. Também neste âmbito, Paula Rosado Pereira afirma que “o regime de reinvestimento prevê a possibilidade de excluir de tributação as mais valias decorrentes da transmissão onerosa de um bem imóvel afeto a habitação própria e permanente, mediante o reinvestimento do valor de realização do imóvel transmitido, efetuado dentro dos prazos e condições previstos no artigo 10.º, n.ºs 5, 6 e 7 do CIRS. (…). O propósito do regime de reinvestimento consiste em eliminar os obstáculos, relacionados com a tributação do rendimento, à mudança de habitação por parte dos indivíduos e famílias que disponham de casa própria. (…). Relativamente à natureza da norma do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS – que constitui a base do regime de reinvestimento –, esta é a de uma norma de delimitação negativa de incidência (apesar de o artigo 10.º do CIRS, no qual se insere, ser uma norma de incidência). O n.º 5 do artigo 10.º do CIRS é, normalmente, referido como sendo uma norma de exclusão de incidência tributária. Sem nos afastarmos dessa designação geral, (…), não podemos deixar de precisar que, em rigor, nos casos de reinvestimento posterior, se está perante uma suspensão de tributação aplicável mediante a simples manifestação, da declaração de rendimentos referente ao ano de realização, da intenção de proceder ao reinvestimento (artigo 57.º, n.º 4, alínea a) do CIRS). (…). A efetiva exclusão tributária apenas se verifica se e quando ocorrer o reinvestimento, efetuado nos termos e dentro dos prazos estabelecidos legalmente. (…). (…) a limitação do âmbito de aplicação do regime de reinvestimento aos imóveis para habitação permanente do sujeito passivo ou do agregado familiar (excluindo a sua aplicação a habitação esporádica, por exemplo, a habitações de férias) foi expressamente prevista na Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro. A exclusão de tributação da mais-valia passou, portanto, a ser aplicável apenas nos casos em que tanto o imóvel transmitido como o adquirido são imóveis para habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do agregado familiar. Caso algum dos imóveis em causa tenha outro destino, não se verificam todas as condições necessárias à aplicação do regime de reinvestimento e, consequentemente, a mais-valia obtida na venda do imóvel antigo é tributável”. [9]

 

  1. Feito o necessário enquadramento normativo e regressando ao caso concreto, temos que o aludido reinvestimento declarado pelo Requerente foi desconsiderado pela Requerida, para efeitos de aplicação da exclusão de tributação prevista no nº 5 do artigo 10º do Código do IRS, por ter sido entendido que não se verifica a condição estatuída na alínea a) do n.º 6 do mesmo artigo 10º, ou seja, pelo facto de o Requerente não ter alterado a indicação do seu domicílio para o imóvel alienado e, por isso a Requerida ter considerado que o referido imóvel não “constituía a sua habitação própria e permanente (…)” não podendo por isso “(…) ser considerado o reinvestimento”.

 

  1. O Requerente, por seu lado, advoga que sempre poderia fazer prova de que destinou o imóvel adquirido à sua habitação própria e permanente.

 

  1. A regra geral quanto ao domicílio fiscal do sujeito passivo encontra-se no nº 1 do artigo 19º da Lei Geral Tributária (LGT), sendo que, salvo disposição em contrário, para as pessoas singulares é o local da residência habitual (alínea a)); importa salientar que a Lei Geral Tributária não densifica o conceito de residência habitual.

 

  1. Como é sublinhado por Rui Duarte Morais (ob. cit., pp. 17 e 18), “são diferentes as noções de residência e domicílio fiscal, ainda que relativamente aos residentes o local do domicílio fiscal coincida com o da sua residência habitual (…). Enquanto o conceito de residência integra a hipótese de normas tributárias substantivas, determinantes da existência e da extensão da obrigação de imposto, a questão do domicílio fiscal projecta-se em consequências processuais”.

 

  1. O nº 4 do mesmo artigo 19º, por seu turno, determina a ineficácia da mudança de domicílio fiscal enquanto não for comunicada à administração tributária.

 

  1. Por sua vez, o artigo 13º do Código do IRS dispõe, no seu nº 10, que “o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário”, decorrendo do nº 11 que “para efeitos do disposto no número anterior, considera-se preenchido o requisito de prova aí previsto, designadamente quando o sujeito passivo: a) faça prova de que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro imóvel; ou b) faça prova de que não dispõe de habitação própria e permanente”; a prova de tais factos “compete ao sujeito passivo, sendo admissíveis quaisquer meios de prova admitidos por lei”, competindo à AT demonstrar a falta de veracidade dos mencionados meios de prova ou das informações neles constantes (nºs 12 e 13).

 

  1. Nesta conformidade, para efeitos de verificação dos conceitos em causa [habitação própria e habitação permanente], o nº 11 (atual nº 12) do artigo 13º do Código do IRS determina que o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário. [10]

 

  1. Para o efeito, considera-se preenchido o requisito de prova aí previsto, designadamente quando o sujeito passivo (a) faça prova de que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro imóvel; ou (b) faça prova de que não dispõe de habitação própria e permanente (ex. nº 12, actual nº 13 do artigo 13º do Código do IRS).

 

  1. A prova compete ao sujeito passivo, sendo admissíveis quaisquer meios de prova admitidos por lei, ao abrigo do disposto no n.º 13 (actual nº 14) do artigo 13º do Código do IRS, devendo a Autoridade Tributária demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova ou das informações neles constantes (ex. nº 14, actual nº 15 do artigo 13º do Código do IRS).

 

  1. Note-se que em qualquer caso, o nº 5 do artigo 10º do Código do IRS não remete para o conceito jurídico-fiscal de domicílio fiscal, o qual apenas presume a habitação própria e permanente, mantendo-se a premissa da sua demonstração em morada distinta através de prova. [11]

 

  1. A este propósito, refira-se que entendem os tribunais superiores que se no caso da isenção de IMI se admite que o sujeito passivo possa demonstrar a sua morada em certo lugar através de «factos justificativos» – quando não cumpriu com a sua obrigação de comunicação da mudança de domicílio fiscal – não se vê como no regime do reinvestimento que nem sequer remete para o conceito de domicílio fiscal se poderia entender que obsta à «habitação permanente» a não comunicação da alteração do domicílio fiscal. [12]

 

  1. Para este efeito, importa realçar que o artigo 19º, nº 1 alínea a) da LGT determina, como regra geral, que o domicílio fiscal do sujeito passivo para as pessoas singulares é o local da residência habitual, sendo obrigatória a comunicação do domicílio do sujeito passivo à Autoridade Tributária, sob pena de ser ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à Autoridade Tributária.

 

  1. Assim, não beneficiando da presunção através do domicílio fiscal incumbe ao sujeito passivo vir demonstrar que tem a sua habitação própria e permanente num outro imóvel, não impedindo ao preenchimento da condição de aplicação do regime do reinvestimento o facto de não ter comunicado a alteração do seu domicílio fiscal.

 

  1. A este respeito invoque-se o disposto no artigo 73º da LGT, segundo o qual não é admissível qualquer presunção em sede de IRS que não admita prova em contrário. [13]

 

  1. Entende, assim, o Tribunal que o sujeito passivo pode ter o domicílio fiscal numa morada e habitação própria e permanente noutra, contudo, para poder beneficiar do afastamento da tributação das mais-valias realizadas com a alienação onerosa de bens imóveis, tem de alegar e provar que tem a sua habitação própria e permanente no imóvel, sendo o ónus da prova do próprio sujeito passivo, nos termos do disposto no artigo 74º da LGT, dado que é constitutivo do direito que pretende beneficiar. [14]

 

  1. Neste âmbito, refira-se que demonstrar que a sua habitação própria permanente se localizava no imóvel alienado (sito na Travessa ..., nº..., ..., em Lisboa) foi o que o Requerente sempre pretendeu demonstrar junto da Requerida, e também no processo arbitral, ao anexar documentos comprovativos de consumos de água e internet (vide ponto 5.30., supra) e através do depoimento da Testemunha inquirida (vide pontos 5.44 a 5.48., supra), tendo sido dado como provado que o Requerente teve a sua habitação própria permanente no imóveis identificados, no caso, entre Junho de 2017 e Junho de 2021, no imóvel sito na Travessa ..., nº ... (tornejando para a Rua ... nº ...), em Lisboa e, desde Dezembro de 2021 até à presente data, na ..., nº..., ..., em Carnaxide.

 

  1. Assim, face ao exposto, considera este Tribunal que o Requerente conseguiu demonstrar que tinha a sua habitação própria permanente no imóvel alienado, em 2021, afastando a presunção de que o seu domicílio fiscal (na Rua ..., nº..., em Lisboa) era a sua habitação própria permanente.

 

  1. Nestes termos, considera o Tribunal que a liquidação de IRS em crise é ilegal e, por isso, deverá ser anulada, bem como o despacho de indeferimento parcial da reclamação graciosa interposta contra a liquidação inicialmente liquidada.

 

Indemnização por garantia indevida

 

  1. O Requerente alega no pedido arbitral que prestou garantia bancária para suspender execução fiscal instaurada para cobrança da quantia liquidada pelo acto de liquidação inicialmente impugnado, protestando juntar os documentos suporte (o que também reitera nas suas alegações.

 

  1. Contudo, instando para proceder à referida junção, veio o Requerente esclarecer este Tribunal Arbitral “(…) que não chegou a ser prestada garantia bancária, pelo que não serão juntos documentos respeitantes à mesma”, requerendo uma alteração do pedido arbitral “(…) no sentido de ser eliminado todo o (…) parágrafo, que incide sobre a garantia que se iria prestar” e em consequência, requerendo que este Tribunal “(…) julgue procedente, por provado, o presente Pedido de Pronúncia Arbitral e que, em consequência, declare a ilegalidade do indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra a liquidação adicional de IRS, e, indirectamente, da liquidação adicional de IRS aqui em causa, determinando a sua anulação, com fundamento em ilegalidade”.

 

  1. Nestes termos, este Tribunal não conhece desta parte do pedido arbitral inicial, com as consequências daí decorrentes

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

  1. De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral” sendo que:

 

6.52.1.   Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito;

6.52.2.   Nos termos do nº 2 do referido artigo concretiza-se a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

  1. No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a responsabilidade integral por custas à Requerida, de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 do RJAT e artigo 4º, nº 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

  1. DECISÃO

 

7.1.    Nestes termos, tendo em consideração as conclusões apresentadas no Capítulo anterior, decidiu este Tribunal Arbitral Singular:

7.1.1.     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação da liquidação de IRS nº 2023..., no montante de EUR 29.063,46, com fundamento em ilegalidade;

7.1.2.     Não conhecer do pedido de indemnização por garantia bancária, por não ter sido prestada qualquer garantia, com as consequências daí decorrentes;

7.1.3.     Mandar anular a decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa nº ...2022..., apresentada contra a liquidação adicional de IRS e de juros compensatórios nº 2022... substituída pela aqui mandada anular no ponto anterior;

7.1.4.     Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o acima exposto nesta decisão, bem como o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 34.638,51.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 1.836,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 22 de Janeiro de 2024

 

O Árbitro,

 

Sílvia Oliveira

 



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.

[2] Note-se que aqui há lapso do Requerente, no pedido, quando indica a data de aquisição do imóvel sito na Travessa ..., n.º ..., porquanto de acordo com o Doc. nº 7 a data de aquisição (escritura publica) é de 04-01-2017.

[3] Com efeito, o Requerente foi notificado da liquidação de IRS nº 2022..., de 25-11-2022, relativa ao ano de 2021, no valor de EUR 34.638,51, tendo apresentado em 19-12-2022, Reclamação Graciosa (nº ...2022...) contra aquela liquidação, por não concordar com o fundamento da mesma, a qual foi objecto de Despacho de Deferimento Parcial, datado de 12-05-2023, proferido pelo Chefe de Serviço de Finanças, ao abrigo de Delegação de Competências. O Requerente apresentou este pedido de pronúncia arbitral em 16-05-2023, ou seja, dentro do prazo de 90 dias a contar daquela data.

[4] Neste mesmo sentido, como refere Carla Castelo Trindade, no “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”, 2016, Editora Almedina, página 333 e seguintes, “a Administração Tributária pode (…), ao abrigo do nº 1 deste artigo 13º, revogar, ratificar, reformar ou converter o acto tributário objecto do pedido de pronúncia arbitral, devendo notificar o presidente do CAAD da sua decisão” no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral. “Sobre este dever de notificação refira-se (…), que caso a Administração Tributária não notifique o CAAD da sua decisão, no prazo de 30 dias, tal não implica uma paralisação do procedimento”, admitindo-se “(…) tacitamente, que o acto tributário que o sujeito passivo pretende ver discutido em sede arbitral se mantém, ou seja, que a Administração não revogou, rectificou, reformou ou converteu o acto” (sublinhado nosso).

[5] Neste sentido, vide acórdão arbitral proferido no âmbito do processo nº 299/2020-T, de 10-11-2021.

[6] Neste sentido, com as necessárias adaptações, vide processo 715/2022-T, de 07-03-2023.

[7] Vide “IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos”, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pp. 413 e 414).

[8] Vide “Sobre o IRS”, Coimbra, Almedina, 2006, pp. 114 e 115.

[9] Vide “Manual de IRS”, Coimbra, Almedina, 2018, pp. 202 a 206 e 208.

[10] Neste sentido, vide Ana Pinto Moraes, in “Reinvestimento nas Mais-valias Imobiliárias: regime e especialidade em sede de IRS”, Coimbra, Almedina, 2019, pp. 61 a 65.

[11] Veja-se que, para efeitos da concessão da isenção de IMI (imóveis destinados à habitação própria permanente prevista), considera-se ter havido afetação do prédio à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respetivo domicílio fiscal, conforme artigo 46.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

[12] Cfr. Acórdão do STA de 23/11/2011, Processo n.º 0590/11, Rel. Lino Ribeiro e Acórdão do TCA Sul de 08/10/2015, Processo n.º 06685/13/13, Rel. Cristina Flora.

[13] Neste sentido o Acórdão do TCA Sul de 18/02/2016, Processo n.º 08826/15, Rel. Catarina Almeida e Sousa, bem como a Decisão Arbitral de 25/11/2013, Processo n.º 103/2013-T, Arbs. José Pedro Carvalho, Fernando Borges Araújo e José Rodrigues de Castro (que apresentou Declaração de voto em sentido contrário); Decisão de 29/11/2013, Processo n.º 37/2013-T, Arbs. José Pedro Carvalho, Ana Teixeira de Sousa e Olívio Mota Amador; e Decisão Arbitral de 12/02/2015, Processo n.º 343/2014-T, Arbs. Manuel Malheiros, Jorge Carita e Vera Figueiredo.

[14] Neste sentido, vide Acórdão do TCA Sul de 25/01/2005, Processo n.º 00297/03, Rel. Casimiro Gonçalves e Acórdão do TCA Norte de 25/02/2016, Processo n.º 00415/10.6BEPNF, Rel. Paula Moura Teixeira.