Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 451/2023-T
Data da decisão: 2024-02-06  IRS  
Valor do pedido: € 43.460,86
Tema: IRS – Mais Valias Imobiliárias
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DECISÃO

SUMÁRIO: Verifica-se a inutilidade superveniente da lide e a consequente extinção da instância se o Requerente obteve a plena satisfação do seu pedido em virtude da revogação pela AT, após a constituição do Tribunal Arbitral, do ato de liquidação que havia impugnado.

DECISÃO ARBITRAL

I - Relatório

A..., Titular do Cartão de Cidadão n.º ..., válido até 26/08/2029, contribuinte fiscal n.º ..., residente em ..., Londres, Reino Unido, veio, em 21 de junho de 2023, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, "RJAT") e da Portaria .º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição do Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade da liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares com o n.º ... e demonstração de acerto de contas n.º ..., referente aos rendimentos do ano de 2021, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios.

            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária nos termos regulamentares.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitra do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n. º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi regularmente constituído em 30 de agosto de 2023.

A 31 de agosto de 2023, o Tribunal proferiu despacho nos termos do artigo 17.º do RJAT.

            Por requerimento de 4 de outubro de 2023, a Requerida veio requerer, fundadamente, a prorrogação do prazo para apresentar a resposta, o que foi concedido.

            A 11 de outubro de 2023 a Requerida veio informar os autos que por despacho de 9 de outubro de 2023 da Senhora Subdiretora-Geral, havia sido revogado o ato de liquidação objeto do presente litígio arbitral, juntando fotocópia do despacho.

            Notificado o Requente, no dia 16 de outubro de 2023, para se pronunciar sobre o teor daquele requerimento, declarando se mantinha interesse na manutenção da instância, ou pelo contrário, nada tinha a opor à sua extinção, por requerimento de 15 de dezembro 2023, veio o mesmo requerer o prosseguimento dos autos uma vez que a AT não havia pago os juros indemnizatórios ao arrepio do despacho de revogação. 

            Por despacho de 20 de dezembro de 2023 o Tribunal notificou a AT para se pronunciar sobre o teor do Requerimento do Requerente. No âmbito do exercício do contraditório, veio o Requerente informar que a Divisão de Justiça Contencioso da Direção de Finanças de Lisboa se encontrava a proceder à emissão dos juros, tendo juntado prints informáticos comprovativos do referido.

            Notificado o Requerente para se pronunciar sobre o prosseguimento dos autos o mesmo manteve-silente, tendo pago a taxa subsequente.

 

II – Saneamento

O Tribunal é competente.

O processo é próprio e as partes são legítimas e detêm capacidade e personalidade judiciárias.

Não há exceções ou nulidades.

Cumpre apreciar e decidir da extinção da instância.

 

III- Decisão

Revogado o ato tributário impugnado na pendência da ação depois de proferido despacho nos termos do artigo 17.º do RJAT e antes de apresentada a Resposta pela AT, cumpre apreciar a utilidade do pedido.

Segundo Lebre de Freitasa impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dáse quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da proveniência pretendida. Num e noutro caso, a proveniência deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outros meios” – cfr. “Código de Processo Civil Anotado”, vol. III, pág. 633. No mesmo entendimento segue Lopes do Rego, Comentários, pág. 611 e Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum, pág. 381.

Também o Tribunal Central Administrativo Sul se pronunciou sobre a inutilidade superveniente da lide no acórdão de 19 de novembro de 2020, proferido no âmbito do processo n.º 0246/19.7BEBRG, no qual referiu “A impossibilidade ou a inutilidade superveniente da lide (al. e) do art. 277º do CPC) verificam-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a resolução do litígio se torna impossível ou deixa de ter interesse e utilidade, conduzindo, por isso, à extinção da instância, pois que a pretensão do autor não poderá, então, manter-se, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou por se encontrar fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio. (…)”

O que quer dizer que, destruído o ato tributário sindicado por revogação administrativa na pendência da causa, a continuação da instância é não só inútil como impossível.

A inutilidade superveniente é, nos termos da alínea a) do artigo 277.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT, conduzindo à extinção da instância.

Coloca-se, portanto, a questão de saber quem suporta as custas.

 

A questão das custas

 

O princípio-regra nesta matéria é o de que suporta as custas quem dá causa à extinção da instância, tornando-a inútil ou impossível. (cfr. artigos 527.º e 536.º n.ºs 3 e 4, do CPC, ex vi artigo 29º, do RJAT).

Não se vislumbra que tivessem sido trazidos ao processo elementos ou que tivesse ocorrido outros factos supervenientes, imputáveis ao Requerente, que só agora permitissem à Requerida corrigir aquilo que ela própria assume ser a ilegalidade dos atos objeto do pedido de pronúncia arbitral.

Assim, à luz do artigo 13.º-1, do RJAT, a AT pode evitar a constituição do Tribunal Arbitral se, no prazo de 30 dias após conhecimento da existência do pedido arbitral, revogar totalmente os atos objeto daquele pedido.

Mas não é manifestamente o caso porquanto, sabendo da pendência do processo arbitral, a revogação do ato só vem a ocorrer numa fase relativamente avançada do processo, designadamente após prolação do despacho arbitral para apresentação da Resposta nos termos do artigo 17.º, do RJAT, e esgotado prazo inicial para a AT apresentar a Resposta.

Dito isto, a anulação do ato de liquidação dentro do prazo concedido para a apresentação da Resposta pela AT é tempestivo e satisfez a pretensão impugnatória do Requerente. O que quer dizer que, destruído totalmente o ato tributário sindicado por revogação administrativa na pendência da causa, a continuação da instância é não só inútil como mesmo e sobretudo impossível, por falta de objeto da lide.

Á luz do sumariamente exposto, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide é imputável à AT que deve, em consequência.

 

 

III. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 43.460,86, (quarenta e três mil quatrocentos e sessenta euros e oitenta e seis cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

IV. Custas

Ficam as custas a cargo da Requerida (AT) na medida em que deu causa à extinção da instância (cfr. artigos 527.º e 536.º n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29º, do RJAT), fixando-se a taxa de arbitragem em € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT e 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

            Notifique-se.

Lisboa, 6 de fevereiro de 2024

 

Cristina Coisinha