Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 473/2022-T
Data da decisão: 2023-04-10  IVA  
Valor do pedido: € 425.110,73
Tema: IVA - Locação financeira e ALD. Direito à dedução parcial. Percentagem de dedução e afetação real.
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SUMÁRIO:

 

  1. O artigo 173.º, n.º 2, alínea c) da Diretiva IVA foi transposto pelo artigo 23.º, n.ºs 2 e 3 do Código do IVA, permitindo à AT a imposição do método de afetação real previsto no ponto 9 do Ofício-circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009 (coeficiente de imputação específico), no caso de instituições de crédito que desenvolvam simultaneamente as atividades de Leasing ou de ALD.
  2. O coeficiente de imputação específico é um critério objetivo passível de fundar a aplicação do método da afetação real, de acordo com o disposto no artigo 23.º, n.ºs 2 e 3 do Código do IVA, e não viola o direito da União Europeia, pois representa um método de dedução mais preciso do que o pro rata geral, conquanto a utilização dos bens ou serviços mistos seja sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos, condição que a Requerente, sobre quem recaía o ónus, não logrou afastar.
  3. O coeficiente de imputação específico tem suporte legal, pelo que não resulta violado o princípio da legalidade, nem o princípio da separação de poderes, e conforma-se ao princípio da neutralidade fiscal (igualdade) atendendo a que propicia uma dedução mais aproximada do nível de consumo efetivo dos recursos de utilização mista por parte da atividade gerada pelos contratos de locação.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

As árbitros designados para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 15 de novembro de 2022, Alexandra Coelho Martins (presidente), Clotilde Celorico Palma, indicada pela Requerente, e Sofia Ricardo Borges, designada pela Requerida, acordam no seguinte:

 

 

  1. Relatório

 

A..., Sucursal em Portugal, adiante “Requerente”, com o número de identificação de pessoa coletiva ... e morada na Rua ..., ..., ...-... Lisboa, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e nos artigos 1.º, alínea a) e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante identificada por “AT” ou Requerida.

 

A Requerente pretende a declaração de ilegalidade, e consequente anulação, da decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa deduzido contra a autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) referente ao período de dezembro de 2017, no valor de € 425.110,73, e, bem assim, a anulação parcial da mencionada autoliquidação na medida em que considera ter sido aplicada uma percentagem de dedução inferior à devida, por erro no cálculo do pro rata, que entende dever ser de 87% e não de 28%. Peticiona também a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) em 1 de agosto de 2022 e notificado à AT.

 

A Requerente designou como árbitro a Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT, tendo a Requerida indicado a Dra. Sofia Ricardo Borges.

 

As árbitros designadas comunicaram ao CAAD a designação da Dra. Alexandra Coelho Martins como árbitro presidente, conforme preveem os artigos 6.º, n.º 2, alínea b) e 11.º, n.º 6 do RJAT.

 

Todas as árbitros comunicaram a aceitação do encargo. O Exmo. Presidente do CAAD informou as Partes, em 25 de outubro de 2022, para efeitos do disposto no artigo 11.º, n.º 7 do RJAT, não tendo sido manifestada oposição.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 15 de novembro de 2022.

 

Em 20 de dezembro de 2022, a Requerida apresentou a sua Resposta, com defesa por impugnação.

 

Por despacho de 24 de janeiro de 2023, o Tribunal deferiu o pedido da Requerente, de aproveitamento da prova testemunhal produzida no processo n.º 259/2022-T (v. artigo 421.º, n.º 1 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT), com a concordância da Requerida, por respeitar às mesmas Partes e a idêntica factualidade e questão de direito, apenas divergindo o período de tributação. Foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT.

 

Ambas as Partes apresentaram alegações, tendo reafirmado, no essencial, as posições assumidas nos respetivos articulados.

 

Posição da Requerente

 

            A Requerente alega que, no âmbito da atividade de leasing e de aluguer de longa duração (“ALD”), adquire a propriedade dos bens dados em locação, o que implica um consumo significativo de recursos comuns nos processos associados à disponibilização e à gestão desses bens, que não se verificaria se apenas concedesse financiamento aos clientes. Consumo esse que, na sua perspetiva, não é refletido de forma adequada na proporção do IVA dedutível alcançada pelo método previsto no Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro, da Área de Gestão Tributária do IVA, que conduz a uma dedução de IVA inferior à utilização real de recursos mistos atribuível às operações tributáveis de locação (leasing e ALD).

 

            Sustenta que a imposição, pela AT, do método da afetação real ao abrigo do disposto no artigo 23.º, n.º 3 do Código do IVA só pode verificar-se nos seus exatos pressupostos, i.e., se o sujeito passivo exercer atividades económicas distintas, o que não é aplicável à sua situação [da Requerente], ou se a aplicação do método da percentagem de dedução conduzir a distorções significativas na tributação, para o que não é suficiente a remissão para o mencionado Ofício-Circulado, exigindo a análise da situação concreta de cada contribuinte que não foi feita.

 

Acrescenta que a imposição do método da afetação real apenas seria possível se fossem empregues critérios objetivos, de utilização efetiva dos recursos comuns, não o sendo um critério baseado no volume de negócios cindindo a componente de capital da componente de juro, pelo que não se está perante a aplicação do método de afetação real.

 

            Refere ainda que não é possível a aplicação de um critério de afetação real com base em critérios objetivos, nos termos do artigo 23.º, n.º 2 do Código do IVA, para a determinação dos recursos comuns por si utilizados, quer na gestão dos contratos de financiamento, quer na disponibilização e gestão dos bens locados. Neste pressuposto, a Requerente preconiza que o único método legalmente admissível para aferir a dedução do IVA nos recursos de utilização mista é o do pro rata de dedução, previsto no artigo 23.º, n.º 4 do mesmo diploma, o qual tem de incluir na respetiva fração o valor da amortização financeira (capital) das rendas de leasing e ALD.

 

De acordo com a metodologia defendida pela Requerente, a percentagem de dedução definitiva aplicada em 2017 passa a cifrar-se em 87%, em vez daquela que foi apurada, em observância do método previsto no citado Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro, de 28%. A diferença reside no facto de, neste último caso, a componente de amortização financeira ter sido expurgada da fração de cálculo da percentagem de dedução nos recursos de utilização mista, o que, em seu entender, representa uma forma de truncar o método do pro rata, em infração ao disposto no artigo 23.º, n.º 4 do Código do IVA e ao direito da União Europeia, que definem imperativamente a respetiva fórmula de cálculo, quer quanto ao tipo de operações a considerar, quer quanto ao correspondente valor tributável.

 

Para a Requerente não assiste à AT legitimidade para impor aos contribuintes a doutrina vertida no Ofício-Circulado em causa, considerando-o desconforme ao direito nacional, por inexistir norma legal que permita a imposição desse método de cálculo, pelo que resulta violado o princípio constitucional da legalidade (v. artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5 e 165.º, n.º 1, alínea i), todos da Constituição, e artigos 8.º e 55.º da Lei Geral Tributária – “LGT”).

 

Aduz que a definição do âmbito do IVA por mera instrução administrativa viola também o princípio da separação de poderes plasmado no artigo 111.º da Constituição e, bem assim, o princípio da igualdade vertido no artigo 13.º da Lei Fundamental, dado o método previsto no Ofício Circulado apenas poder ser aplicado quando se trata de um banco e não quando se trata de uma sociedade financeira de crédito, como é o caso da Requerente.  Neste contexto, afirma que o sujeito passivo que se dedique unicamente à locação financeira pode deduzir a totalidade do IVA incorrido. No entanto, bastará a realização de uma única operação de concessão de crédito a par de milhares de operações de locação financeira para o direito à dedução relativo aos custos gerais passar de total a insignificante.

 

Conclui que o entendimento da AT enferma de três ilegalidades:

  • Violação do artigo 23.º, n.º 3 do Código do IVA e do artigo 173.º da Diretiva IVA[1];
  • Imposição do método da afetação real sem a verificação dos pressupostos previstos no artigo 23.º do Código do IVA; e
  • Aplicação de um método de dedução de IVA que o sistema tributário não contempla, violando os princípios constitucionais da legalidade, da separação de poderes e da igualdade.

 

A Requerente afirma que o direito nacional – o artigo 23.º do Código do IVA – não contempla a possibilidade, e portanto não permite, a aplicação de um pro rata considerando apenas os juros da atividade de leasing, pelo que a jurisprudência do Tribunal de Justiça, que emana do acórdão de 10 de julho de 2014, relativo ao Banco Mais, processo C-183/13, não pode ser transposta para o caso.

 

Menciona adicionalmente que a decisão do Tribunal de Justiça no caso Banco Mais apenas será de acolher se se verificar que os recursos comuns são determinados sobretudo pelo financiamento e gestão dos contratos, o que não sucedeu in casu, defendendo ainda que tal condição não se satisfaz com a mera invocação/aplicação do Ofício-Circulado.

 

Invoca, por outro lado, o acórdão do Tribunal de Justiça proferido em 18 de outubro de 2018, no processo Volkswagen Financial Services, C-153/17, de onde retira que o método de dedução parcial terá de ter em conta o valor inicial do bem dado em locação, no momento da sua entrega, e, além disso, cita diversa jurisprudência arbitral do CAAD.

 

Em relação à jurisprudência contrária do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão uniformizador proferido em 24 de março de 2021, no processo n.º 087/20.0BALSB, a Requerente salienta que a mesma assenta na insuficiência de prova de que a utilização dos recursos comuns às diversas atividades/operações não foi sobretudo determinada pela atividade de financiamento e gestão de contratos de locação financeira ao invés de outras atividades desenvolvidas pelo sujeito passivo. Porém, nos presente autos, considera não se verificar aquele pressuposto, defendendo que foi produzida prova no sentido de que os recursos comuns utilizados foram determinados, no período de referência, quer pelo financiamento e gestão dos contratos, quer também pela disponibilização e gestão dos bens locados. O que justifica que a dedução do IVA nesses recursos seja efetuada pelo método do pro rata, tal como previsto no artigo 23.º, n.º 4 do respetivo Código.

 

Posição da Requerida

 

Em posição oposta, a Requerida defende que:

  1. O artigo 23.º, n.º 2 do Código do IVA reproduz em substância a regra de determinação do direito à dedução enunciada no artigo 173.º, alínea c) da Diretiva IVA, permitindo à AT impor condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação;
  2. O método da afetação real consiste na aplicação de critérios objetivos, reais, sobre o grau ou intensidade de utilização dos bens e serviços nas operações praticadas, com e sem direito à dedução;
  3. É no âmbito dos poderes conferidos à AT, pela alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA que se enquadra o Ofício-Circulado n.º 30108, em discussão, que contempla uma solução para afastar as distorções;
  4. O coeficiente de imputação específico previsto no citado Ofício-Circulado é o único que se mostra adequado ao apuramento da dedução, afastando as distorções na tributação, em linha com o disposto nos artigos 173.º e 174.º da Diretiva IVA e 23.º do Código do IVA, salvaguardando o princípio da neutralidade;
  5. Os custos em que a Requerente incorre são sobretudo determinados pelos inputs decorrentes dos atos de financiamento e gestão dos contratos de leasing e ALD;
  6. A renda de locação financeira mobiliária decompõe-se em duas partes, uma correspondente ao capital ou amortização financeira que traduz o “reembolso da quantia emprestada”, quantia que corresponde ao preço de aquisição do bem dado em locação, e outra, de juros e encargos, que constitui a remuneração do locador;
  7. Tendo o locador, no momento de aquisição do bem objeto da locação, exercido o direito à dedução integral do IVA que onerou essa aquisição, por via do método da imputação direta, deve ser expurgado do cálculo da percentagem de dedução a parte da renda que corresponde ao valor de amortização financeira, pois esta consubstancia a restituição do capital financiado/investido para a aquisição do bem locado;
  8. Deste modo, é apenas o diferencial (genericamente juros) que se encontra conexo com a aquisição de recursos de utilização mista, i.e., os consumidos indistintamente em operações com e sem direito à dedução;
  9. Entendimento distinto permitiria um aumento artificial da percentagem de dedução do IVA incorrido nos inputs de utilização mista;
  10. O acórdão do Tribunal de Justiça no processo Banco Mais, C-183/13, de 10 de julho de 2014, corrobora a conformidade do procedimento preconizado pela AT e a interpretação desse Tribunal europeu vincula os tribunais nacionais, nos termos do artigo 8.º, n.º 4 da Constituição;
  11. Bem assim o entende a extensa jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo nesta matéria, nomeadamente o acórdão de 4 de março de 2020, proferido no processo n.º 052/19.0BALSB, que vem confirmar que a norma do artigo 23.º, n.º 2[2] do Código do IVA reproduz a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Diretiva IVA, que estabelece que os Estados-Membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços, em linha com a jurisprudência anterior daquele Supremo Tribunal (v. arestos proferidos nos processos n.º 01075/13, de 29 de outubro de 2014, n.º 081/13, de 4 de março de 2015, n.º 0970/13, de 3 de junho de 2015, n.º 01874/13, de 17 de junho de 2015, n.º 0331/14, de 27 de janeiro de 2016, e n.º 0485/17, de 15 de novembro de 2017). Mais recentemente, cita os acórdãos daquele Supremo Tribunal proferidos no mesmo sentido nos processos n.ºs 101/19; 84/19; 87/20; 32/20; 63/20; 113/20; 74/21.0BALSB; 75/21.9BALSB; 89/21.9BALSB; 118/21.6BALSB; 66/21.0BALSB; 48/20.9BALSB; e 38/20.1BALSB;
  12. Não ocorre violação do princípio da legalidade (v. artigo 103.º, n.º 2 da Constituição), pois o artigo 23.º do Código do IVA determina expressamente nos seus n.ºs 3 e 2 que a AT pode impor condições especiais, sendo conforme ao direito a concretização administrativa tipificante por via de uma instrução administrativa;
  13. O mecanismo do direito à dedução em IVA não se enquadra no capítulo da incidência sujeito à reserva de lei e tipicidade, princípios estes que não excluem a possibilidade prevista no artigo 23.º, n.º 2 do Código do IVA de serem impostas condições especiais aos sujeitos passivos;
  14. Também não pode proceder a invocada violação do princípio da igualdade, pois a atividade de uma entidade locadora é totalmente sujeita a IVA. No caso de entidades financeiras com regime misto, não corresponde à realidade que o valor do IVA referente aos custos indiferenciados não serão deduzidos, ou não o serão na medida em que deviam, se a parcela de amortização do capital mutuado não concorrer para esse apuramento, pois essa parcela apenas reflete o reembolso parcelar do capital emprestado ao cliente, não espelhando qualquer valor com o propósito de remunerar a Requerente dos custos comuns de cujo IVA diz não ter sido ressarcida;
  15. O Tribunal Arbitral está vinculado à interpretação efetuada pelo Tribunal de Justiça nos processos de reenvio, à face do disposto nos artigos 267.º do TFUE e 8.º, n.º 4 da Constituição;
  16. A Requerente não demonstrou que a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Requerente foi sobretudo determinada pela disponibilização dos veículos locados e, em consequência, que não se verifica distorção causada pelo método do pro rata, ónus que lhe competia (v. jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente o acórdão do Pleno, de 20 de janeiro de 2021, processo n.º 0101/19.1BALSB);
  17. Os inputs associados à disponibilização dos veículos aos locatários, além dos próprios veículos, cujo IVA foi deduzido na íntegra por imputação direta, são pouco significativos. As despesas que ganham peso durante a vigência do contrato situam-se ao nível do financiamento e da gestão, decorrentes das vicissitudes do contrato, como sejam as despesas com advogados, fornecedores externos, tratamento de coimas, de IUC, ou decorrentes da gestão corrente da atividade;
  18. Não se provou que os custos de disponibilização fossem os que mais afetaram os custos mistos, sendo que os custos inerentes à gestão de contrato são refletidos aos clientes através das taxas de financiamento/de juro praticadas, pelo que a solução preconizada pela Requerente representaria uma inflação inaceitável da dedução do IVA;
  19. Acresce que a Requerente tenta requalificar atos de gestão e de financiamento de um contrato de locação, de molde a serem apelidados de atos de disponibilização de veículos. No entanto, estes últimos reportam-se à pré-venda e ao momento de entrega do bem ao cliente, no início do contrato, não se confundindo com o conceito de cedência temporária do gozo dos veículos que perdura durante a execução do contrato;
  20. Cabe ao locatário a receção do veículo e assunção de quase todas as responsabilidades de manutenção e conservação do mesmo, como a sua submissão a inspeções periódicas, seguro e exercício de direitos junto do fornecedor, assumindo a locadora essencialmente o papel de intermediária financeira. Além do mais, diversos custos, como os iniciais, de “abertura do contrato”, de registo automóvel; os associados ao reboque e parqueamento de veículos; a contra-ordenações e coimas; à correspondência; ao IUC; à recuperação de veículos e demais gastos incorridos em razão de incumprimento pelos clientes, são repercutidos aos clientes por intermédio de comissões autónomas previstas no contrato e de cláusula penal indemnizatória;
  21. A Requerente não prova, de igual modo, que a percentagem de dedução que alega é aquela que é consumida na atividade de leasing automóvel e, dentro desta, consumida predominantemente nos atos de disponibilização de veículos;
  22. Quanto ao entendimento plasmado no processo C-153/17 do Tribunal de Justiça (Volkswagen Financial Services) é inaplicável ao caso, pois versa sobre situação de facto e de direito distinta;
  23. Assim, não tendo satisfeito o ónus da prova, deve ser a ação decretada improcedente.

 

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, relativa a atos de autoliquidação de IVA, atenta a conformação do objeto do processo (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), tendo o indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa sido notificado em 30 de abril de 2022 e a presente ação deduzida em 28 de julho de 2022.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

Não foram identificadas questões prévias a apreciar. O processo não enferma de nulidades.

 

 

  1. Fundamentação de Facto

 

  1. Factos Provados

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:

 

  1. A...– Sucursal em Portugal, aqui Requerente, é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, associada a uma conhecida marca do setor automóvel (aliança “Renault” e “Nissan”), oferecendo um conjunto alargado de serviços e produtos financeiros a clientes empresariais e particulares, incluindo a locação de veículos automóveis, nas modalidades de leasing[3] e de ALD, e a concessão de financiamento para a aquisição de veículos automóveis – cf. Documentos 1 a 3 e 6.
  2. A Requerente é um sujeito passivo de IVA enquadrado no regime normal com periodicidade mensal e realiza operações abrangidas por regimes diferenciados de IVA, em concreto: i) tributadas, que conferem o direito à dedução (vg. leasing e ALD de veículos), e ii) isentas, desprovidas desse direito, nomeadamente as previstas no artigo 9.º, n.º 27 do Código do IVA (concessão de crédito) – cf. Documentos 1 a 3 e 6.
  3. A Requerente configura assim um sujeito passivo “misto” e aplica, nesse âmbito, para os inputs (bens e serviços adquiridos) de utilização mista, os métodos de dedução parcial previstos no artigo 23.º do Código do IVA – cf. Documento 1.
  4. Em relação ao setor de atividade em que se enquadra a Requerente, a AT [Área de Gestão Tributária do IVA] emitiu o Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, com a regulamentação das regras do direito à dedução do IVA incorrido pelas instituições de crédito na aquisição de bens e serviços de utilização mista (indistintamente utilizados para a realização de operações que conferem e que não conferem o direito à dedução), quando aquelas instituições desenvolvem simultaneamente atividades de leasing, de ALD e de financiamento, como sucede com a Requerente – disponível para consulta em https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/instrucoes_administrativas/Documents/OficCirc_30108.pdf.
  5. Dispõe este Ofício-Circulado, no que aos presentes autos releva, o seguinte:

“[…]

5. No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23.º do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.

[…]

7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.

8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do nº.2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA.

  1. A Requerente adotou o procedimento previsto no citado Ofício-Circulado, quando do apuramento definitivo do IVA dedutível do ano 2017, o que resultou na percentagem de dedução definitiva para esse ano de 28%, aplicável ao imposto incorrido nos gastos comuns, não tendo sido considerada na fração de cálculo subjacente (quer no numerador, quer no denominador), a componente de amortização do capital associado às rendas de locação financeira e de ALD (ou seja, o valor aplicado na aquisição dos veículos dados em locação), em linha com o estipulado no Ofício. A mencionada percentagem de 28% corresponde a IVA dedutível (e deduzido) de € 201.747,46 – cf. Documento 1.
  2. Porém, a Requerente, na sequência da indicação dos seus consultores, adotou posição de discordância com o procedimento de autoliquidação por si adotado e apresentou, em 9 de fevereiro de 2022, Pedido de Revisão Oficiosa da autoliquidação efetuada, com referência ao período de dezembro de 2017, defendendo que devia ter calculado a percentagem de dedução definitiva aplicável ao IVA incorrido nos recursos (inputs) comuns de acordo com o método do pro rata previsto no artigo 23.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4 do Código do IVA, incluindo no respetivo cálculo o valor da “amortização financeira” ínsito nas rendas de leasing e ALD, do que resultaria uma percentagem de 87% de IVA dedutível e não, como autoliquidado, de 28% – cf. Documento 1 e depoimento da primeira testemunha, B... .
  3. A  percentagem de dedução de IVA de 87% aplicável aos inputs de utilização mista  resultaria no valor de IVA dedutível de € 626.858,19, representando uma dedução adicional de IVA de € 425.110,73, por comparação àquela que foi efetuada na autoliquidação, em observância da metodologia de imputação específica do Ofício-Circulado, com expurgo da amortização financeira (i.e., do capital utilizado para a aquisição do veículo) – cf. Documento 1.
  4. A propriedade dos bens locados – veículos – implica o consumo significativo de recursos específicos associados, quer à disponibilização, quer à gestão desses bens, que não se verifica nos contratos de financiamento – cf. Documento 1 e depoimento das quatro testemunhas inquiridas.
  5. A estrutura empresarial da Requerente implica que esta use alguns dos seus recursos humanos e materiais de forma indistinta, quer para a gestão dos contratos de financiamento e de locação (leasing e ALD), quer, dentro destes últimos, para a disponibilização e gestão dos bens locados, dos quais é proprietária – cf. Documento 1 e depoimento das quatro testemunhas inquiridas.
  6. Entre os recursos usados de forma indistinta, i.e., de utilização comum aos diversos tipos de contratos (de locação e de crédito), incluem-se os recursos humanos (pessoal), gastos com comunicações, eletricidade, impressões, correios e rendas, em relação aos quais a Requerente não conseguiu identificar um critério de afetação real – cf. Documento 1 e depoimento das quatro testemunhas inquiridas.
  7. Estes recursos comuns contribuíram para a realização de tarefas decorrentes da celebração e execução de contratos de locação e de financiamento, como a contabilização das operações, incluindo a aquisição dos veículos, a faturação, a gestão da documentação relativa aos contratos e aos bens, a gestão e pagamento de impostos, coimas, multas e outras importâncias associadas à detenção e propriedade dos bens, e as associadas ao incumprimento e recuperação de dívida, quer de contratos de locação, quer de contratos de financiamento – cf. Documento 1 e depoimento das quatro testemunhas inquiridas.
  8. A celebração de contratos de locação financeira e de ALD implica a inserção no sistema informático da Requerente dos dados referentes aos veículos adquiridos, o que não sucede nos contratos de financiamento a crédito – cf. Documento 5 e depoimento da primeira e segunda testemunhas (B... e C..., respetivamente). 
  9. O processo de venda das viaturas recuperadas/retomadas implica também a inserção manual da venda no sistema informático da Requerente, porém, a correspondente “contabilização e abate da viatura no imobilizado [é] em automático”– cf. Documento 17.
  10. No âmbito dos contratos de ALD, são estabelecidas, com relevo para a matéria em discussão nestes autos, as seguintes condições entre a Requerente e os clientes [locatários] – cf. Documento 2:
  1. Promessa de compra e venda do veículo – epígrafe;
  2. O locatário escolhe o veículo, o seu fornecedor, condições e prazo de entrega, preço, garantias de qualidade e bom funcionamento, assumindo a responsabilidade pela sua escolha – Artigo 1.º, (2);
  3. A Requerente compromete-se a encomendar o veículo ao fornecedor escolhido pelo locatário – Artigo 5.º, (1) – e confere mandato ao locatário para proceder à receção do veículo, correndo os custos e riscos relativos à entrega do bem a cargo daquele. Neste âmbito, o locatário remete à Requerente o auto de receção do veículo assinado por si e pelo fornecedor no prazo de 5 dias, findo o qual a Requerente presume que a entrega se verificou nas circunstâncias acordadas – Artigo 7.º, (1) a (3);
  4. Ao locatário compete exercer qualquer ação ou direito contra o fornecedor por incumprimento deste, para o que a Requerente sub-roga no locatário todos os seus direitos em relação ao fornecedor – Artigos 7.º, (8) e 9.º, (1);
  5. São da responsabilidade do locatário todas as diligências junto das entidades competentes para obtenção e manutenção de licenças e realização dos registos necessários – Artigo 7.º, (9);
  6. Em caso de arresto, penhora, furto, roubo, requisição ou confisco do veículo, o locatário obriga-se a avisar a Requerente, devendo proceder por sua conta às diligências necessárias à defesa da integridade, posse e uso do veículo e apresentar queixa às autoridades – Artigos 8.º, (2) e 15.º, (6);
  7. Todas as despesas ou encargos inerentes ou resultantes da assinatura, vigência, execução, cumprimento e incumprimento do contrato são da responsabilidade do locatário – Artigo 11.º, (1);
  8. Os montantes devidos pelos impostos incidentes sobre a utilização do veículo locado, nomeadamente o Imposto Único de Circulação (“IUC”), são pagos pela Requerente e posteriormente debitados ao locatário e, bem assim, coimas e/ou multas – Artigo 11.º, (4) e (6);
  9. A Requerente reserva-se o direito de cobrar do locatário todas as despesas e comissões decorrentes da celebração e execução do contrato, conforme o preçário, e, igualmente, todas as despesas administrativas, judiciais ou extrajudiciais, incluindo honorários de advogados, solicitadores ou a prestação de serviços por outras entidades em que a Requerente incorra para cobrança dos respetivos créditos – Artigo 11.º, (7) e (8);
  10. O locatário assume o risco inerente à utilização do veículo, sendo responsável pela sua perda e por todas as deteriorações, exceto as decorrentes do uso normal e prudente, e deve ainda suportar as despesas de conservação, manutenção e revisões periódicas – Artigo 15.º, (1) a (3);
  11. O locatário obriga-se a submeter o veículo às inspeções periódicas obrigatórias e a suportar o seu custo – Artigo 15.º, (7);
  12. A Requerente deve autorizar expressamente a realização de modificações no veículo – Artigo 15.º, (4);
  13. Por cada serviço complementar incluído no contrato, negociado pela Requerente com os prestadores (assistência, seguros, veículo de substituição, garantia auto-up, manutenção, entre outros), esta pode debitar ao locatário uma comissão, conforme preçário, tal como quando da exclusão ou renegociação e extensão do serviço – Artigo 16.º, (1), (5) e (6);
  14. Caso a Requerente venha a ser responsabilizada pelo pagamento de indemnizações a terceiros, por qualquer dano emergente da utilização do veículo, terá direito de regresso sobre o locatário por todas as quantias despendidas, incluindo despesas judiciais e honorários dos mandatários – Artigo 17.º, (9);
  15. Em caso de incumprimento definitivo, a Requerente pode resolver o contrato, devendo o locatário, além de pagar as rendas vencidas e não pagas acrescidas de juros de mora, suportar uma indemnização no valor mínimo de 20% do valor das rendas que seriam devidas até final do contrato na duração inicialmente prevista – Artigo 19.º, (3); e
  16. Se o contrato caducar por perda ou destruição total do bem, o salvado, se o houver e não ficar na propriedade da seguradora, será sempre da responsabilidade do locatário – Artigo 20.º, (2).
  1. No âmbito dos contratos de locação financeira ou leasing, são estabelecidas, condições contratuais entre a Requerente e os clientes [locatários] similares às descritas no ponto anterior para os contratos de ALD, nomeadamente, com relevo para a matéria em discussão – cf. Documento 3:
  1. O locatário escolhe o veículo, o seu fornecedor, marca, modelo e especificações técnicas, condições e prazo de entrega, preço, garantias de qualidade e bom funcionamento, assumindo a responsabilidade pela sua escolha – Artigo 1.º, (2);
  2. A Requerente confere mandato ao locatário para proceder à receção do veículo, correndo os custos e riscos relativos à entrega do bem a cargo daquele. Neste âmbito, o locatário remete à Requerente o auto de receção do veículo assinado por si e pelo fornecedor no prazo de 5 dias, findo o qual a Requerente presume que a entrega se verificou nas circunstâncias acordadas – Artigo 9.º, (1) a (3);
  3. Ao locatário compete exercer qualquer ação ou direito contra o fornecedor por incumprimento deste, para o que a Requerente sub-roga no locatário todos os seus direitos em relação ao fornecedor – Artigos 9.º, (8) e 11.º, (1);
  4. São da responsabilidade do locatário todas as diligências junto das entidades competentes para obtenção e manutenção de licenças e realização dos registos necessários – Artigo 9.º, (9);
  5. Em caso de arresto, penhora, furto, roubo, requisição ou confisco do veículo, o locatário obriga-se a avisar a Requerente, devendo proceder por sua conta às diligências necessárias para defesa da sua integridade, apresentar queixa às autoridades e tomar as medidas de salvaguarda necessárias – Artigos 10.º, (2) e 17.º, (5);
  6. Todas as despesas ou encargos inerentes ou resultantes da assinatura, vigência, execução, cumprimento e incumprimento do contrato são da responsabilidade do locatário – Artigo 13.º, (1);
  7. É da responsabilidade do locatário a liquidação dos impostos incidentes sobre a utilização do veículo locado, nomeadamente o IUC, bem como taxas, licenças, multas, coimas e outras prestações devidas a quaisquer entidades públicas emergentes da utilização do bem locado – Artigo 13.º, (4);
  8. A Requerente reserva-se o direito de cobrar do locatário todas as despesas e comissões decorrentes da celebração e execução do contrato, conforme o preçário, e, igualmente, todas as despesas administrativas, judiciais ou extrajudiciais, incluindo honorários de advogados, solicitadores ou a prestação de serviços por outras entidades em que a Requerente incorra para cobrança dos respetivos créditos – Artigo 13.º, (7) e (8);
  9. O locatário obriga-se a submeter o veículo às inspeções periódicas obrigatórias e a suportar o seu custo – Artigo 13.º, (5);
  10. O locatário assume o risco inerente à utilização do veículo, sendo responsável pela sua perda e por todas as deteriorações causadas em infração a este princípio e deve ainda suportar as correspondentes despesas de conservação – Artigo 17.º, (1) e (2);
  11. É debitada uma comissão de abertura de contrato – Artigo 15.º, (2);
  12. Podem ser incluídos no contrato serviços complementares, nas condições negociadas pela Requerente com os prestadores (seguros como o auto-up, pneus, seguro automóvel, entre outros) – Artigo 18.º, (2);
  13.  Caso a Requerente venha a ser responsabilizada pelo pagamento de indemnizações a terceiros, por qualquer dano emergente da utilização do veículo, terá direito de regresso sobre o locatário por todas as quantias despendidas, incluindo despesas judiciais e honorários dos mandatários – Artigo 19.º, (9);
  14. No termo do contrato de locação, se não for exercida a opção de compra pelo locatário, este deve restituir o veículo à Requerente, ficando as despesas decorrentes da devolução, nomeadamente embalagem, transporte e seguro, a cargo do locatário – Artigo 21.º, (3) a (9);
  15. Em caso de incumprimento definitivo, a Requerente pode resolver o contrato, devendo o locatário, além de restituir o bem e pagar as rendas vencidas e não pagas acrescidas de juros, suportar uma indemnização no montante mínimo de 20% do valor das rendas vincendas, na duração inicialmente convencionada – Artigo 24.º, (1) e (3);
  16. Ainda no caso de incumprimento definitivo, a Requerente pode, além do referido na alínea anterior, cobrar uma comissão como retribuição pelos serviços prestados. Serão ainda repercutidas no locatário, mediante justificação documental, as despesas posteriores à entrada em incumprimento que tenham sido suportadas pela Requerente perante terceiros, nomeadamente o reboque e o parqueamento de recuperação do veículo – Artigo 23.º, (2) a (4); e
  17. Se o contrato caducar por perda ou destruição total do bem, o salvado, se o houver e não ficar na propriedade da seguradora, será sempre da responsabilidade do locatário – Artigo 26.º, (2).
  1. Os contratos de crédito celebrados pela Requerente têm por objeto exclusivo o financiamento da aquisição, pelos clientes (mutuários), de veículos identificados de forma especificada nas respetivas condições particulares, sendo a Requerente autorizada para efetuar o pagamento direto ao fornecedor do veículo – cf. Documento 6, [contrato CRD17503619001 - artigos 1.º e 7.º, (2); contrato CRD17503140001 – artigos 1.º e 8.º, (1)]. Neste âmbito, preveem-se, entre outras, as seguintes cláusulas contratuais:
  1. As despesas ou encargos inerentes ou resultantes da assinatura, vigência, execução, cumprimento e incumprimento do contrato de crédito são da responsabilidade do cliente, incluindo todas as despesas administrativas, judiciais ou extrajudiciais, honorários de advogados, solicitadores ou a prestação de serviços por outras entidades em que a Requerente incorra para cobrança dos respetivos créditos – Artigo 9.º do contrato CRD17503619001 e Artigo 10.º do contrato CRD17503140001; 
  2. A Requerente pode exigir ao cliente a prestação de garantias pessoais ou reais que assegurem o bom cumprimento das obrigações emergentes do contrato de crédito celebrado e pode, ainda, exigir que a venda financiada seja feita com reserva de propriedade (Artigos 10.º e 11.º do contrato CRD17503619001 e Artigos 11.º e 12.º do contrato CRD17503140001), que pode ser acionada em caso de resolução do contrato, designadamente por incumprimento definitivo – Artigo 15.º do contrato CRD17503619001 e Artigo 19.º do contrato CRD17503140001; e
  3. Podem ser incluídos no contrato serviços complementares e opcionais, nas condições negociadas pela Requerente com os prestadores (serviços de manutenção, seguro de assistência, veículo de substituição, seguro automóvel, garantia auto-up, seguro de pneus, ou outro), sendo debitada a comissão por cada serviço incluído, excluído ou renegociado, conforme preçário em vigor – Artigo 16.º do contrato CRD17503619001.
  1. Constituem gastos específicos identificáveis e exclusivos da atividade de locação (financeira e de ALD) os incorridos com:
    1. O prestador D..., Lda. relativos ao tratamento de documentação dos veículos junto da Conservatória do Registo Automóvel, em cujas faturas não é liquidado qualquer IVA – cf. Documento 7;
    2. O prestador D..., Lda., em relação ao pagamento dos IMSV/IUC dos veículos da propriedade da Requerente, em cujas faturas não é liquidado qualquer IVA – cf. Documento 8;
    3. O prestador E... (RAL, Resolução Alternativa de Litígios), para recuperação de dívida dos clientes da Requerente e também quando haja necessidade de recuperação de viaturas, sendo liquidado IVA nestas faturas, acompanhadas em anexo de mapas discriminativos dos serviços – cf. Documento 10;
    4. O prestador F..., pelos serviços de consultoria fiscal do processo de reclamação de IUC junto da AT e do CAAD, nos quais foi liquidado IVA – cf. Documento 14;
    5. O prestador G..., Lda., por serviços de recolha/reboque das viaturas recuperadas e parqueamento das mesmas, com liquidação de IVA – cf. Documento 15;
    6. O prestador H..., S.A., por serviços de gestão das viaturas recuperadas até à sua venda, nos quais é liquidado o IVA – cf. Documentos 16 e 17;
  2. O prestador I... fatura à Requerente serviços de recuperação de dívida dos clientes daquela, com liquidação de IVA, segregando os valores cobrados por contrato, com a identificação LSG (leasing) ou CRD (crédito), consoante respeitem às mencionadas tipologias contratuais, evidenciando portanto os valores de serviços cobrados em relação à recuperação de dívida dos contratos de locação versus contratos de financiamento a crédito – cf. Documento 11.
  3. As faturas do fornecedor J..., SA relativas a serviços de envio de cartas a clientes da Requerente, são em parte significativa referentes à comunicação das emissões de IUC e do Documento Único Automóvel, no âmbito de contratos de leasing e de ALD – cf. Documento 9.
  4. A Requerente adquire ao prestador K... SA serviços, faturados com IVA, referentes a impressão, dobragem, envelopagem e entrega nos CTT das cartas emitidas pelo sistema informático para os contratos de leasing, de ALD e de crédito – cf. Documento 12.
  5. A Requerente adquire ao prestador D..., Lda. serviços de gestão de documentação, de reconhecimento de assinaturas, de gestão de tratamento de IUC e de apoio à gestão de contratos e impostos, que lhe são faturados com IVA. O valor cobrado é discriminado por tipologia de serviço, sendo identificável nomeadamente o gasto específico do leasing/ALD referente à gestão dos IUC – cf. Documento 13.
  6. A Requerente adquire ao prestador L..., Lda. serviços informáticos de apoio ao sistema ERES, no qual são registadas as transações com contratos, sendo liquidado IVA nos mesmos – cf. Documento 18.
  7. A Requerente adquire ao prestador M..., Lda. serviços de informação comercial dos clientes e relativos a insolvências e processos especiais de recuperação – cf. Documento 19.
  8. Inconformada com a autoliquidação de IVA efetuada com referência ao período de dezembro de 2017, na parte referente à determinação do imposto dedutível nos moldes do Ofício-Circulado n.º 30108, a Requerente apresentou um Pedido de Revisão Oficiosa, tendo sido notificada, em 30 de abril de 2022, da decisão de indeferimento, datada de 14 de abril de 2022, do Chefe de Divisão da Unidade dos Grandes Contribuintes, por subdelegação, que recaiu sobre o mesmo, após prévia notificação para exercício do direito de audição – cf. Documento 1.
  9. Entendeu a Requerida, na apreciação do Pedido de Revisão Oficiosa, que não existe qualquer erro no preenchimento da declaração periódica de IVA ou no apuramento da dedução, assente na aplicação do método da afetação real através da utilização de um critério de imputação objetivo. Fundamenta neste âmbito, nos seguintes termos – cf. Documento 1:

58.  […] não podemos abstrair-nos do facto dessas operações de locação (leasing e ALD) consubstanciarem uma modalidade de crédito (entre outras), pelo que a atividade da entidade locadora é, em substância, a concessão de financiamento, cuja contrapartida remuneratória é constituída, essencialmente, por juros e outros encargos incluídos nas rendas.

59. A esse propósito, cumpre realçar que, um dos objetivos do legislador nesta matéria, foi assegurar o cumprimento do princípio da neutralidade fiscal, na vertente de princípio da igualdade que, no caso concreto, se consubstancia no facto de ser assegurado um tratamento fiscal equivalente, no sentido de igual onerosidade, em relação aquele que adquire um bem através de um contrato de locação financeira, face a outra pessoa que o adquire diretamente.

60. Ora, o facto do valor integral da renda, pago pelo locatário ao locador, constituir o valor tributável sobre o qual incidirá IVA tal não significa que a parte integrante da renda, correspondente à amortização financeira ou do capital tenha de ser incluída no cômputo do apuramento da percentagem de dedução, conjuntamente com a parte correspondente aos juros e outros encargos.

61. Desde logo porque, a renda constitui o pagamento do serviço de concessão de financiamento ao locador, sendo composta por duas partes: capital ou amortização financeira, que mais não é que o reembolso da quantia “emprestada” e juros, acrescidos de eventuais encargos, que constituem a remuneração do locador.

62. Note-se que, na perspetiva da operação de locação enquanto operação de concessão de financiamento, o valor de aquisição do bem objeto de contrato de locação corresponde ao capital financiado que constitui a componente de amortização financeira na renda liquidada pelo locador ao locatário.

63. Sendo que, no momento da aquisição desse mesmo input, o sujeito passivo (locador) exerceu o direito à dedução integral do montante do IVA liquidado pelo fornecedor do bem objeto do contrato de locação, por via do método da imputação direta.

64. Razão pela qual, não pode deixar de ser excluída do cálculo da percentagem de dedução, sendo-lhe aplicável o método de afetação real com recurso a um critério de imputação objetivo, a parte da amortização financeira incluída na renda, uma vez que esta mais não é do que a restituição do capital financiado/investido para a aquisição do bem.

65. Logo, à luz do princípio da neutralidade em que assenta o sistema deste imposto, fácil se torna perceber que a incidência do IVA sobre a totalidade da renda é a única forma de garantir que o Estado recupera o valor do imposto que foi já deduzido pelo sujeito passivo.

66. Por outro lado, a inclusão no rácio entre operações com e sem direito à dedução da componente relativa à restituição do capital (amortização financeira), enquanto parte integrante da renda, provoca um aumento injustificado na percentagem de dedução definitiva, atendendo a que será significativa e positivamente influenciada, por via de uma mera restituição de um financiamento, cujo bem subjacente foi já objeto de liquidação e dedução de IVA no momento da aquisição.

67. Este facto gerará deduções acrescidas para o sujeito passivo, relativamente à generalidade dos inputs de utilização mista, por via da utilização de um coeficiente, que nessa medida, se apresenta como exagerado, face à realidade das operações tributáveis.

68. A atividade principal da locadora não consiste na compra e venda de bens, mas tão só na concessão de créditos a terceiros para aquisição desses bens, ainda que se substitua aos destinatários dos bens na aquisição, reservando para si o direito de propriedade. E dessa atividade obtém, fundamentalmente, juros.

69. Deste modo, torna-se compreensível que no cálculo do mencionado coeficiente de imputação específico, aplicável ao caso objeto de análise, e em harmonia com o entendimento da AT, deve considerar-se, apenas, o montante que excede o valor dos custos utilizados nas operações tributadas, uma vez que, através do método de imputação direta o IVA da parte relativa ao capital é integralmente deduzido.

70. E é apenas aquele valor diferencial (que, genericamente, corresponde a juros) que se encontra conexo com os custos de aquisição de recursos utilizados indistintamente em operações com e sem direito à dedução.

71. Se assim não fosse, permitir-se-ia um aumento artificial da percentagem de dedução do IVA incorrido com a generalidade dos bens ou serviços de utilização mista adquiridos pelo sujeito passivo.

72. Do entendimento propugnado pela AT, não decorre, assim, qualquer restrição do direito legítimo à dedução. Antes pelo contrário, pugna pela inadmissibilidade do exercício do direito à dedução ilegítimo, na medida em que, a eventual execução do procedimento defendido pela Requerente colocaria em causa a neutralidade fiscal inerente à mecânica do IVA.

73. Acresce, ainda, que o método do pro rata que a Requerente pretende ver aplicado, não tem mérito para medir o grau de utilização que as duas categorias de operações, com e sem direito à dedução, fazem dos bens e serviços que lhe são indistintamente alocados (utilização mista) e, consequentemente, não pode ser utilizado para determinar a parcela dedutível, cuja liquidação foi efetuada a montante por outros operadores económicos que se situam na fase imediatamente anterior do circuito económico.

74. São dois os métodos de dedução previstos no CIVA (artigo 23º).

75. Por um lado, o denominado método da afetação real, que «(…) consiste na aplicação de critérios objetivos, reais, sobre o grau ou intensidade de utilização dos bens e serviços em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito. É de acordo com esse grau ou intensidade de utilização dos bens, medidos por critérios objetivos, que o sujeito determinará a parte de imposto suportado que poderá ser deduzida. Os critérios estão sujeitos (…) ao escrutínio da Direção-Geral dos Impostos que pode vir a impor condições especiais ou mesmo a fazer cessar o procedimento de afetação real, no caso de se verificar que assim se provocam ou podem provocar distorções significativas da tributação. (…)».

76. E por outro, o método da percentagem de dedução ou pro rata, definido na alínea b) do n.º 1 e n.º 2, do artigo 23.º, e desenvolvido nos n.º s 4 a 8 do mesmo preceito legal. No fundo, trata-se de uma dedução parcial, que se traduz no facto do imposto suportado nas aquisições de bens e serviços utilizados num e noutro tipo de operações, apenas ser dedutível na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dão lugar a dedução.

77. Neste caso, a percentagem de dedução a aplicar é calculada provisoriamente com base no montante de operações realizadas no ano anterior (pro rata provisório), sendo corrigida na declaração do último período do ano a que respeita, de acordo com os valores definitivos de volume de negócios referente ao ano a que reportam, determinando a correspondente regularização por aplicação do pro rata definitivo.

78. Ora, com a alteração introduzida ao artigo 23.º pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, tais procedimentos foram “estendidos” ao método da afetação real, nomeadamente, aos casos em que o mesmo é imposto pela AT, quer para as situações em que o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas, quer para os casos em que se apure que a utilização dos demais métodos poderá originar distorções significativas na tributação, conforme dispõe o n.º 3 do artigo em análise.

79. O que se mostra perfeitamente justificável, e em nada contraria o sistema comum de IVA. De facto, de um ano para outro pode mudar o grau de utilização dos bens no regime da afetação real e os critérios objetivos de apuramento do mesmo.

80. É precisamente no âmbito dos poderes conferidos à AT pela alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º CIVA, que tem por base a faculdade que vinha conferida na alínea c) do terceiro parágrafo do n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Diretiva, que se enquadra o ofício – circulado n.º 30.108, aqui em discussão, prevendo uma solução que permite afastar a possibilidade de ocorrência de distorções significativas, quando estamos perante sujeitos passivos que realizem operações de locação financeira e ALD.

81. Assim, no seu ponto 9. prescreve que «Na aplicação do método da afetação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23º do CIVA».

82. Ou seja, a AT veio estabelecer a adoção de critérios mais adequados que permitam aferir com maior objetividade o grau de afetação de bens e serviços de utilização mista, nos casos como o presente.

83. Importa ressalvar que a adoção do critério referido, é demostrativa que a AT admite a existência de algum grau de afetação dos recursos integrantes do conceito de despesas gerais incorridas pelos bancos no âmbito da celebração deste tipo de contratos. Muito embora seja um facto notório que, por norma, as operações desta natureza exigem uma utilização de recursos técnicos e administrativos bastante menos relevante que aqueles que se encontram afetos às atividades principais desenvolvidas pelas instituições bancárias como a Requerente.

84. Por outro lado, tal não significa que os sujeitos passivos sejam obrigados a seguir o entendimento preconizado no ofício-circulado, aplicando o critério nele definido. Com efeito, como decorre do mesmo, a AT aceita que as instituições financeiras recorram a outros critérios de afetação real, desde que, os mesmos se mostrem idóneos ao fim pretendido.

85. Posto isto, a questão que se coloca é saber se o procedimento adotado pela AT, está conforme com as normas internas e comunitárias, em especial, o artigo 16.º e 23.º CIVA, já referidos, e bem assim, os artigos 174.º e 175.º da Diretiva IVA.

86. Esta instrução administrativa veio contemplar a doutrina defendida pela então DGCI (atual AT) que visou «(…) divulgar a correta interpretação a dar ao artigo 23º do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a atividade de Leasing ou de ALD (…)», procurando afastar algumas dificuldades interpretativas suscitadas pela redação do artigo 23º do CIVA, harmonizando-o com a doutrina e jurisprudência comunitárias.

87. Não obstante, grande parte da doutrina nele preconizada, já vinha sendo aplicada pela AT antes mesmo da sua publicação.

88. A questão principal que se dirime, nesta sede, foi já objeto de apreciação por parte do TJUE (Acórdão proferido no processo Banco Mais C-183/13, de 10 de julho de 2014), sendo que, o entendimento nele preconizado confirma a posição que tem vindo a ser assumida pela AT relativamente a esta matéria.

[…]

90. A este propósito refere Tânia Meireles da Cunha [IVA e locação financeira de bens moveis na jurisprudência do TJUE, Cadernos IVA 2015, Almedina, 2015, p. 419-448]: «Neste contexto, o TJUE entendeu que o direito interno (concretamente o art. 23º, n.ºs 2 e 3, do CIVA, na redação vigente) legitimava a atuação da AT, no sentido de derrogar a regra de cálculo do pro rata prevista na Sexta Diretiva.

O entendimento do TJUE foi no sentido de que o acervo normativo em causa, considerando os princípios que enformam o IVA (designadamente os da neutralidade e da proporcionalidade) e considerando que o cálculo de um quociente de dedução deverá ser o mais possível aproximado da realidade (apesar de alguma margem de erro que o caracteriza, por definição), não se opõe a que os EM apliquem um método ou um critério diferente do volume de negócios, se este método for o mais preciso.

No caso em concreto, o TJUE entendeu que o método que a AT portuguesa definiu é, em princípio, mais preciso do que o previsto na Sexta Diretiva, dado que considerou apenas a parte das rendas pagas que servem para compensar a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador. (negrito e sublinhado nosso)».

91. Não subsistem dúvidas que a situação em apreço se enquadra na “maioria dos casos” a que se refere o citado acórdão, uma vez que a realização pela Requerente deste tipo de operações de locação financeira (maioritariamente) para o setor automóvel implica a utilização de parte dos bens ou serviços promíscuos, mas esta é «(…) sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos.»

92. Este entendimento veio, necessariamente, a ter acolhimento pelos nossos tribunais superiores, nomeadamente, no âmbito dos processos onde havia sido solicitado o reenvio prejudicial para o referido tribunal [Nesse sentido, Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 04.03.2015, recursos n.º 1017/12 e n.º 81/13, de 29.10.2014, recurso n.º 1075/13, de 17.06.2015, recurso n.º 01874/13, de 27.01.2016, recurso n.º 331/14, e de 15.11.2017, recurso n.º 0485/17.].

93. Sendo de realçar, entre outros, o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do recurso n.º 052/19, de 04.03.2020, onde se deixa patente que:

«(…) A questão em causa nos presentes autos já se colocou por diversas vezes a este Supremo Tribunal Administrativo, que tem respondido de forma uniforme nos diversos Acórdãos proferidos a seu respeito – veja-se, a título de exemplo, os Acórdãos proferidos por esta Secção do STA a 4 de Março de 2015 no Processo n.º 081/13, a 3 de Junho de 2015 no Processo n.º 0970/13, a 17 de Junho de 2015 no Processo n.º 01874/13, a 27 de Janeiro de 2016 no Processo n.º 0331/14 e a 15 de Novembro de 2017 no Processo n.º 0485/17 (Acórdão Fundamento).

Concordamos com esta orientação jurisprudencial, não apenas por ser aquela que se encontra actualmente consolidada mas também, e sobretudo, por ser aquela que se revela mais curial.

Tal como aconteceu nos arestos acima referidos, também nos presentes autos se verifica que a questão a decidir é em tudo idêntica à que foi objecto de pronúncia pelo TJUE a 10 de Julho de 2014 no processo n.º C-183/13 (Acórdão Banco Mais), na sequência de pedido de reenvio suscitado por este STA no âmbito do processo n.º 1017/12.

(…)

Neste contexto, não só se verifica que o artigo 19.º n.º 1 da Sexta Directiva (intitulado “Cálculo do pro rata de dedução”) remete unicamente para o pro rata previsto no artigo 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, desta Directiva, como se verifica que, “embora o segundo parágrafo do artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Directiva preveja que essa regra de cálculo se aplica a todos os bens e serviços de utilização mista adquiridos por um sujeito passivo, o terceiro parágrafo desse artigo 17.º, n.º 5, que também inclui a disposição que figura na alínea c), começa com a conjunção adversativa «todavia», que implica a existência de derrogações à referida regra (acórdão Royal Bank of Scotland, EU:C:2008:750, n.º 23). - parágrafos 25 e 26.

Ora, nesta perspetiva a norma do artº 23º nº 2 do CIVA, ao permitir que Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – artº 17º, nº 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços»”.

E é precisamente por este motivo que não colhe a argumentação da Recorrida quando vem arguir que nos termos do disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA é, necessariamente, “toda a renda recebida (ou seja, capital e juros) que constitui o valor tributável da locação financeira, pelo que não seria admissível “distinguir onde a lei não distingue” aquando da dedução de IVA relativamente a bens e serviços que são comprovadamente de utilização mista”. E não colhe porque, ao abrigo da legislação europeia transposta para o artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA, o legislador nacional pode estabelecer condições especiais para o cálculo pro rata do imposto sempre que se verifiquem distorções significativas na tributação o que determina, no caso dos autos, que para o cálculo do pro rata apenas sejam considerados os juros, ou seja, apenas seja considerada a parte da remuneração do locador incluída na renda e que é, afinal, o valor que traduz o seu interesse financeiro.(...)».

94. Quanto a este ponto em concreto, importa realçar que “as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia constituem fonte imediata, permitindo a uniformidade e a harmonização na aplicação do direito da União no território dos Estados-Membros (…)” sendo fundamental “(…) atentar ao papel da jurisprudência principialista do TJUE, que gozando ainda de precedente vinculativo, assume particular relevância na fixação e subsequente densificação dos princípios que subjazem a esta ordem jurídica.” Relevando aqui o princípio do primado, que determina a prevalência do direito da União Europeia sobre o direito nacional dirigindo-se “(…) ao juiz nacional e a quem de resto incumbe fiscalizar e zelar pela aplicação do direito da União e a sua efetiva tutela jurisdicional.” Pelo que, “(…) no que aos efeitos materiais da decisão prejudicial (…) diz respeito (…) o tribunal que suscitou a questão e os restantes tribunais nacionais e do espaço da União estão vinculados às conclusões – bem como à fundamentação - do acórdão prejudicial, sendo razões de uniformidade as subjacentes a tal obrigatoriedade. (negrito e sublinhado nosso)” [Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07.06.2018, proferido no âmbito do processo n.º 460/17.0YHLSB-A.S1.L1-6.]. 

95. Ora, sendo os pressupostos de facto e de direito da questão controvertida em análise na decisão do TJUE acima referida idênticos aos da presente, deve considerar-se que a interpretação e doutrina dele constante, mostra-se inteiramente aplicável ao caso em apreço.

96. Aliás este entendimento veio a ser reiterado e explicitado num recente Acórdão do TJUE [Acórdão do TJUE, proferido no processo Commissioners of her Majesty’s Revenue & Customs vs Volkswagen Finantial Services (UK) ltd, C-153/17, de 18 de outubro de 2018], invocado pela Requerente, onde se refere expressamente que:” (…) nos termos do artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da referida diretiva, os Estados-Membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços.

Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os Estados-Membros podem, graças a essa disposição, aplicar, numa determinada operação, um método ou um critério de repartição diferente do método do volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a resultante da aplicação do método do volume de negócios (Acórdão de 8 de novembro de 2012, BLC Baumarkt, C-511/10, EU:C:2012:689, n.º 24).

(…) o Tribunal de Justiça considerou que o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios, que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos, leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas atividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o setor automóvel.”

97. Na verdade, a componente de capital contida nas rendas não deve onerar o cálculo da percentagem de dedução, uma vez que, não constitui rendimento da atividade do sujeito passivo, ao invés do que sucede com as demais variáveis que integram a fórmula, sendo que, a sua consideração, provocaria distorções significativas na tributação, também desvirtuaria o próprio método do pro rata e toda a mecânica do sistema de dedução do IVA, ao reconhecer como dedutíveis, custos que não contribuíram, para a realização de operações tributadas. Só assim é alcançada a neutralidade do imposto. Não são todas as operações tributadas e/ou não tributadas que devem ser integradas na fórmula, mas apenas aquelas que, realizadas no âmbito de uma atividade económica realizada pelo sujeito passivo, tenham utilizado custos comuns para gerar valor acrescentado (no caso da locação financeira, advém da cedência do uso do bem objeto do contrato, através da qual o locador obtém rendimentos, sob a forma de juros).

98. Ora, resulta claro à evidência, que consubstanciando a componente das rendas correspondente à amortização financeira, um mero reembolso de capital, que nesse sentido, não gera qualquer valor acrescentado, só a título muito diminuto é que os custos comuns suportados pelo locador numa operação de locação financeira, poderão, eventualmente, contribuir para a sua realização. Se não contribuíram para a amortização financeira, não lhe podem ser imputáveis.

99. A demostração de tais riscos decorre claramente do teor do oficio-circulado em análise, sendo que, é defendida ao nível da jurisprudência e doutrina desenvolvidas para casos semelhantes, destacando-se, dada a clareza da exposição o que ficou consignado na declaração de voto de vencido de Vítor Calvete lavrada no âmbito do processo arbitral n.º 811/2019-T (p. 71 a 80).

100. Face a tudo o que ficou dito, não subsistem dúvidas que o procedimento adotado pela Administração Fiscal está de acordo com as normas internas e comunitárias e nenhuma ilegalidade se lhe pode assacar.

101. De facto, o artigo 174.º da Diretiva IVA que correspondia ao n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Diretiva consente aos Estados-Membros opções em relação ao apuramento do IVA dos “inputs promíscuos”, autorizando ou impondo que utilizem determinados métodos específicos de dedução do IVA quando as circunstâncias o justifiquem. [Veja-se nesse sentido, Acórdão de TJUE, proferidos nos processos BLC Baumarkt (08.11.2012, C-511/10) e Royal Bank of Scotland (18.12.2008, C-488/07).]

102. Em consonância com essa permissão está o disposto no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3, ambos do artigo 23.º do CIVA, constituindo o parâmetro da legalidade da solução constante do ofício aqui em análise, expressando aquela que é a vontade do legislador, e legitimando a AT a impor um critério específico de determinação do direito à dedução.

103. A este propósito, atente-se no disposto no relatório do grupo de trabalho sobre a dedução do IVA pelos sujeitos passivos que exercem atividades que conferem direito à dedução e atividades que não conferem esse direito, e que esteve na base da alteração introduzida ao artigo 23.º, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, onde se diz expressamente que:

«68. Um outro aspecto que cabe focar, no tocante ao método da afectação real previsto no n.º 2 do artigo 23.º do CIVA, respeita à possibilidade de, na determinação da real da afectação de um bem de uso misto, a mesma ser também expressa por uma proporção. Proporção, no entanto, já não baseada nos volumes e negócios gerados a jusante, mas destinada a representar o grau de utilização dos bens e serviços nas operações que possibilitam a dedução do IVA e nas outras que não a possibilitam, a partir de outros critérios que visem determinar o seu nível de utilização numa circunstância e na outra.

(…)

69. Embora se considere ser esta última uma solução adequada para as situações de recurso ao método da afetação real, a qual se deve manter, é de admitir, em todo o caso, que a possibilidade de apurar uma proporção de utilização de bens e serviços e, consequentemente, uma percentagem de dedução com base noutros indicadores que não o volume de negócios não tivesse estado inicialmente presente no espírito do legislador português, quando da elaboração e aprovação do CIVA.

(…)

Eventualmente devido a essa perspectiva inicial sobre o alcance do método da afectação real, não parece ter sido equacionada nessa altura pelo legislador interno a possibilidade de uma dedução proporcional do IVA em aplicação de critérios que permitissem aferir do grau de afectação de um bem ou serviços a operações de um tipo e de outro.

70. Em face dos desenvolvimentos conceptuais que a jurisprudência comunitária tem permitido em matéria de direito à dedução, a possibilidade de dedução proporcional em aplicação de critérios baseados no método da afectação real, não deve deixar de ser tida em conta e, desde já, generalizadamente admitida.»

104. Estas regras que regem o direito à dedução constam das Diretivas que disciplinam o sistema comum de IVA, estando, também em consonância com as normas constantes do CIVA.

105. Nessa medida, fica inequivocamente demonstrado que o método adotado pela Requerente e que agora pretende alterar é o único que se mostra adequado para efeitos de exercício do direito à dedução, permitindo, com as especificidades constantes do ofício – circulado n.º 30.108 afastar as distorções na tributação, que de outra forma seriam manifestas, conforme amplamente se demonstrou e se encontra referido na norma em causa.

106. O que no caso presente é patente, já que a consideração no pro rata do valor das operações de venda de automóveis e da componente de amortização das rendas de leasing produz um aumento significativo do direito à dedução, sem que se comprove que o aproveitamento dos recursos de utilização mista é realizado na mesma proporção.

107. Sendo este facto por si só justificativo para a imposição da obrigatoriedade da sua utilização, já que dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º não resulta que este poder conferido à AT esteja dependente da verificação cumulativa das duas alíneas do último número indicado, ou seja, além das distorções na tributação, a prática, pelo sujeito passivo, de atividades económicas distintas.

108. Acresce que, em reforço do que se vem dito, importa atentar ainda na forma de contabilização das duas componentes que integram a renda paga. Por um lado, o locador deverá refletir o valor do bem, como um crédito, que é reembolsado através das amortizações financeiras deve ser registada como um crédito, e a restante parte (os juros e demais encargos), devem ser relevados como proveitos. Logo resulta daqui, que a amortização financeira visa tão só a redução de um crédito, enquanto os juros, irão influenciar o resultado do exercício.

109. Razão pela qual, no caso das Instituições de Crédito e de outras instituições financeiras, o conceito de volume de negócios, estatuído na alínea a) do n.º 3 do artigo 5.º do Regulamento (CE) n.º 139/2004, do Conselho, de 20 de janeiro, não contempla a parte correspondente à amortização financeira.

110. Pese embora, a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, refira que, nas operações de locação financeira, o valor tributável corresponde à renda recebida no seu todo, a verdade é que a parcela correspondente à amortização financeira, não assume a natureza de proveito, e como tal, não integra o conceito de volume de negócios nas instituições de crédito, e daí que não possa influenciar o cálculo da percentagem de dedução.

111. Nesse sentido, é ponto assente para jurisprudência, que o n.º 2 do artigo 23.º do CIVA reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada no artigo 17.º, n.º 5, terceiro paragrafo da Sexta Diretiva (que corresponde ao artigo 173.º, n.º 2, alínea c) da Diretiva IVA), constituindo uma transposição para o direito interno do direito da UE.

112. Pelo que, deve entender-se que a AT pode obrigar um banco que exerce, nomeadamente, a atividade de locação financeira, a incluir, no numerador e denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes nos contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, e não pela disponibilização dos veículos.

113. Ou seja, o objetivo do legislador foi acautelar situações, como a presente, procurando aplicar um método de apuramento do IVA dedutível que se afigure o mais próximo possível da realidade e que permita evitar a ocorrência de distorções de tributação, assim salvaguardado o princípio basilar do funcionamento do IVA – princípio da neutralidade.

114. Daqui decorre que é indubitável que o legislador conferiu à AT, nos termos do artigo 23.º do CIVA, poderes para impor aos sujeitos passivos uma adaptação do método de apuramento do montante dedutível de IVA nos inputs mistos, verificadas que estejam alguma das situações constantes das alíneas do seu n.º 3, o que sucede no presente caso, onde é entendimento dos nosso tribunais superiores, em decorrência do que vem sendo defendido pela jurisprudência do TJUE, que dado o tipo de atividades em causa, existe uma forte probabilidade da ocorrência de distorções de tributação, decorrentes da aplicação do pro rata geral, o que nos remete para a terceira questão apresentada pela Requerente e que à frente se analisará.

115. Cumprindo ressalvar que, em virtude da jurisprudência uniforme do STA, o CAAD tem vindo a alterar as suas decisões, em conformidade com o entendimento propugnado por aquele tribunal superior, acompanhando a jurisprudência do TJUE. Veja-se a título de exemplo a decisão proferida a 21.09.2020, no âmbito do processo n.º 927/2020-T, ou ainda mais recentemente, a 12.07.2021, no âmbito do processo n.º 637/2020-T.

116. A posição da AT encontra perfeito acolhimento quer nos princípios constitucionais, quer no espírito e princípios disciplinadores do mecanismo do exercício do direito à dedução, constante quer da jurisdição comunitária, quer do quadro normativo nacional, que não é mais do que uma transposição das normas jurídicas comunitárias.

117. Nesse sentido, chama-se à colação o que ficou exarado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 3/202118, referente ao Acórdão de uniformização de jurisprudência proferido a 24 de março de 2021, no âmbito do processo n.º 87/20.0BALSB — Pleno da 2.ª secção, que a propósito do entendimento defendido pelo CAAD quanto à ilegalidade do método preconizado pela AT refere que:

“O acórdão arbitral parece defender que não existe disposição interna que autorize o método proposto pela Administração Tributária porque a lei não prevê nenhum «método de imputação específica». A nosso ver, porém, o Tribunal Arbitral enquistou-se numa expressão do ofício-circulado e não levou em conta que – como, de resto, ali se afirma – constitui ainda uma aplicação do método da afetação real. Isto é, um método de afetação dos custos de bens ou serviços, a montante suportados, à atividade a que são alocados predominantemente.

O acórdão arbitral contrapõe que aquele método não é mais do que a determinação da afetação real através de uma percentagem da dedução. Querendo, com isso, inequivocamente dizer que um método que combina técnicas de determinação do montante do direito à dedução não é mais do que uma terceira via, um terceiro método. Que, por isso, a lei não prevê.

Não vemos as coisas assim. Porque não existe apenas um método de afetação real. No sentido de que não existe apenas uma forma de proceder à afetação de bens ou serviços.

A confirmar que o sistema de afetação real comporta diferentes modalidades e apresenta, por isso, uma certa plasticidade que permita ajustar o sistema de dedução às especificidades da atividade prosseguida pelo sujeito passivo vem a segunda parte do preceito, segundo a qual a Administração Tributária pode impor «condições especiais». Isto é, condições que permitam o «afinamento» (a expressão é do artigo que acima citamos, pág. 62) do método de dedução.

Pelo que a Recorrente tem razão nesta parte: o método a que alude o ponto 9 do ofício-circulado supra aludido não tem apenas cabimento na lei comunitária; também tem cabimento na lei interna.

Pelo que as referências ao princípio da legalidade e da reserva de lei também não se nos afiguram pertinentes, ao menos por aqui.

(…) O que o Tribunal Arbitral concluiu foi que aquele método «não pode constituir um critério objetivo». Em abstrato. Servindo-se de um exemplo tirado de um parecer inserido no acórdão fundamento, julgou evidente que, com base no valor das rendas, não se pode determinar com objetividade as despesas de eletricidade ou água, ou manutenção de elevadores de edifícios comuns às atividades dos dois tipos que estão afetas à atividade de locação financeira.

Em boa verdade, o que se diz no parecer é que pode, relativamente a certos custos comuns, não ser possível encontrar um critério objetivo que meça o grau ou a intensidade de utilização dos bens e serviços em operações que conferem e em operações que não conferem o direito à dedução. O que o ilustre consultor fiscal considerou acontecer ali. Em concreto. Mas o que o Tribunal de Justiça veio a sancionar no acórdão fundamento foi algo diferente: que o que importava para o caso era que o critério adotado fosse «mais preciso» que o resultante do método residual (ver o parágrafo 34). Isto é, que permitisse estabelecer com maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem o direito à dedução do que qualquer outro. Que fosse o mais 'afinado' considerando as especificidades concretas da atividade do sujeito passivo.

(…) Mas, sobretudo, não se vê como possa o Tribunal Arbitral continuar a pôr em causa a conformidade do método da Administração com o princípio da neutralidade depois de o Tribunal de Justiça ter sancionado o entendimento de que está conforme com os princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade (parágrafos 30 e 31 do supra citado acórdão).” (negrito nosso).

118. A este respeito, cumpre esclarecer que as orientações plasmadas no ponto 9. do ofício–circulado 30.108, mais não fazem do que contribuir para a praticabilidade dos desígnios constitucionais plasmados nos artigos 103.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa, sendo um fator decisivo para garantir e tutelar a confiança dos contribuintes.

119. De facto, as orientações administrativas constantes de circulares ou ofícios-circulados são relevantes para a adequada prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses dos contribuintes – artigo 266.º da CRP e artigo 55.º da LGT.

120. A importância das referidas orientações resulta, desde logo, do facto da “atividade tributária [ser] hoje uma atividade massiva, que envolve o tratamento de milhares de casos, geralmente traduzidos em declarações fiscais dos contribuintes e nesse contexto é elemento importante da segurança jurídica o conhecimento prévio da organização implementada para tratar desses casos, dos critérios e dos procedimentos que adota, dado que, designadamente, permite aos particulares perante um problema ou uma dúvida saber, caso exista regulamento interno sobre essa matéria, como, em princípio, vai ser resolvido esse caso pelos funcionários a quem cabe aplicar a lei”.

[…]

123. A aplicação da lei teria de resultar, necessariamente, na aplicação dos princípios orientadores constantes do ofício–circulado n.º 30.108.

124. Acresce que, o facto de, no mesmo ofício–circulado se explicar o método a utilizar, além de contribuir para promover a segurança jurídica, permite ainda, a realização efetiva das finalidades do direito à dedução, sendo a única que se mostra compatível com o princípio basilar nesta matéria, e em todo o sistema do IVA: o princípio da neutralidade e da justiça fiscal em relação a todos os sujeitos passivos.

125. Sendo relevante salientar que, no caso presente, foi o próprio legislador quem expressamente determinou que a AT poderia vir impor condições especiais quanto ao apuramento do imposto dedutível.

126. Note-se que, se o poderia fazer caso a caso, nomeadamente, através de correções à declaração periódica entregue, efetuada pelos serviços inspetivos, nada obsta a que o faça através de doutrina administrativa, com todas as vantagens ao nível da segurança e certeza jurídicas que esta traz para os contribuintes.

127. Na verdade, os direitos dos sujeitos passivos não ficam enfraquecidos, já que, atendendo à eficácia interna deste tipo de orientações, a sua vinculatividade é restrita à AT e seus funcionários, as mesmas ficam sempre sujeitas a um juízo de legalidade por parte dos tribunais.

128. Exigir que o legislador consagrasse normativamente, todos os casos passíveis de causar distorções de tributação enquadráveis no artigo 23.º do CIVA, é algo impensável face à multiplicidade de situações da vida real, e tanto mais que, com é do conhecimento geral, a matéria do direito à dedução e dos métodos do seu apuramento, é das mais complexas no âmbito do funcionamento do IVA.

129. Quanto à questão da não conformidade do oficio-circulado com a CRP, mais uma vez, se invoca, para que não subsistam dúvidas, o acórdão de uniformização de jurisprudência acima parcialmente transcrito, que quanto a este ponto refere que:

“(…) Uma última referência, motivada pela argumentação da Recorrente no sentido de que os n.os 2 e 3 do art. 23.º do CIVA, se interpretados no sentido de que se permite à AT definir o direito à dedução do imposto pelos contribuintes, enfermam de inconstitucionalidade material e formal, por violação dos princípios da separação dos poderes (arts. 2.º e 111.º da CRP), do art. 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (art. 103.º, n.º 2, da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República [art. 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP].

A argumentação da Recorrente assenta no pressuposto de que o CIVA não contém norma que permita o método proposto pela AT. Mas, como acima ficou dito, entendemos que não é assim: o denominado «método de imputação específica» não é um método inovador, não previsto no art. 23.º do CIVA, mas é ainda um método de afectação real, com alguns ajustamentos («condições especiais»), motivo por que deve considerar-se subsumível à previsão daquela norma. (…)”.

130. Por fim, e quanto à questão da afetação dos recursos comuns no âmbito das operações de leasing, é entendimento da Requerente que, atividade de locação financeira e ALD é composta por duas prestações distintas (a aquisição e disponibilização dos veículos e a do financiamento propriamente dito), sendo que, os custos gerais que suporta são imputáveis a ambas, não se mostrando possível determinar com objetividade o grau de utilização dos mesmos em cada uma delas.

131. Por outro lado, decorre do alegado que assenta a sua posição na distinção entre mero contrato de financiamento/crédito e contrato de locação, no qual assume a posição de legitima proprietária dos bens locados. Razão pela qual, refere que nascem na sua esfera um conjunto de direitos e obrigações associados a essa qualidade, que determinam a necessidade de recursos humanos e matérias significativos.

132. Sucede que, compulsada a petição de revisão oficiosa, e atendendo à factualidade descrita e aos documentos juntos, somos desde já a verificar que não assiste razão à Requerente, conforme melhor se explicitará nos pontos seguintes.

[…]

134. Ora, conforme já referido, face às características do contrato de locação financeira, não se vislumbra que seja sobre o locador que devam recair os encargos significativos relacionados com a disponibilização dos bens locados durante a vigência do contrato.

135. Ao contrário do alegado pela Requerente, não é o facto de ser a proprietária dos bens locados que determina, necessariamente, um consumo relevante dos custos comuns, ao invés do que sucede quando há apenas recurso à concessão de financiamento para aquisição de veículo por parte dos seus clientes.

136. Este tipo de contrato não são mais do que uma modalidade de financiamento dos agentes económicos, o que decorre aliás, da denominação que lhe foi atribuída- locação financeira. Ao recorrer a este tipo de contrato, o objetivo do locatário é, precisamente, o financiamento da aquisição de um determinado bem.

137. Nesse sentido, e dada a clareza da exposição, chama-se à colação o entendimento perfilhado pela Dra. Sofia Ricardo Borges [Decisão arbitral n.º 383/2019-T, de 27.02.2020.] quando refere que, “ao contrário do que seria a regra numa locação, os riscos, encargos, responsabilidades em geral relativas ao bem correm pelo lado do locatário, não obstante não ser ele o proprietário. Ou seja, o locador fica, na lf, liberto daquilo que são as obrigações regra do proprietário no regime geral da locação. Entre o mais, não corre por conta dele o risco do perecimento do bem, sendo a obrigação de segurar o bem do locatário; não corre por conta dele locador, mas sim por conta do locatário, a obrigação de realizar reparações, mesmo que necessárias ou urgentes; ao locatário é reconhecido o direito de fazer uso de acções possessórias, sendo a ele locatário que compete defender a integridade do bem e o respectivo gozo; o locador não responde pelos vícios do bem, nem pela sua inadequação aos fins do contrato; as despesas de transporte, seguro, montagem, instalação e reparação do bem, assim como as necessárias à sua eventual devolução ao locador ficam a cargo do locatário, salvo estipulação em contrário; como assim também o risco de perda e deterioração do bem. Tudo cfr. art.ºs 10.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º do DL n.º 149/95.

Sendo ainda elucidativo, quanto a nós, o art.º 22.º do mesmo Diploma, sob a epígrafe “Operações anteriores ao contrato”, ao determinar que se, antes de celebrado o contrato de lf, “qualquer interessado [tiver] procedido à encomenda de bens, com vista a contrato futuro, entende-se que actua por sua conta e risco, não podendo o locador ser, de algum modo, responsabilizado por prejuízos eventuais decorrentes da não conclusão do contrato, (…).” Tudo a configurar, parece-nos líquido, uma relação na qual o locador, não obstante se tornar proprietário, fica desresponsabilizado (afastado) de praticamente tudo (senão tudo) o que sejam as obrigações regra de um proprietário.

Posto isto, parece-nos evidente decorrência do próprio regime legal, os custos (inputs) em que o locador incorre para a disponibilização dos veículos aos locatários, como proprietário sui generis que os “aluga”, circunscrever-se-ão essencialmente ao da aquisição do veículo (supra tratado). Incorrendo, a par desses, como será de admitir, em custos de financiamento e gestão dos contratos. Será pois neste último contexto - custos de financiamento e gestão dos contratos - que se detectarão com relevo, é a nossa maneira de ver, possíveis inputs promíscuos.” (sublinhado nosso).

138. Do que se deixou dito, decorre que o principal consumo de recursos ocorre após a disponibilização da viatura, circunscrevendo-se a fase inicial à aquisição da viatura (cujo IVA suportado é recuperado na sua totalidade), e eventualmente, ao contacto com o fornecedor do veículo, o locatário, e formalização do contrato e registo da aquisição, e inerentes operações contabilistas e fiscais daí decorrentes.

139. As demais tarefas, nomeadamente, as relacionadas com os contratos de seguro, com o pagamento do IUC, infrações rodoviárias, portagens, coimas, emissão de declaração para obtenção de um dístico de estacionamento no seu local de residência, segundas vias de documentos, serviços jurídicos, além das inerentes às vicissitudes próprias do contrato (como sejam, faturação e alterações à mensalidade, incumprimento), não se mostram subsumíveis à atividade de disponibilização do bem locado, resulta que uma parte significativa dos recursos é incorrida durante o período de vigência do contrato, enquadrando-se na atividade de gestão e financiamento.

[…]

V.II.- Juros Indemnizatórios

[…]

146. Ora da análise da presente Revisão oficiosa resulta que é entendimento da AT que não há erro nos pressupostos de facto e de direito subjacente aos atos tributários em causa.

147. Acresce que, no período em causa, não foi apurado imposto a entregar ao Estado, mas sim excesso a reportar para o período seguinte, logo não houve pagamento indevido da prestação tributária.

148. Nesse sentido, não se encontram preenchidos os pressupostos legais para que seja concedida indemnização a título de juros indemnizatórios, que, por conseguinte, não são devidos. […]”

  1. Em discordância com a decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa que manteve a autoliquidação de IVA do período de dezembro de 2017, a Requerente apresentou junto do CAAD, em 28 de julho de 2022, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) no SGP do CAAD.

 

            2.         Motivação da Decisão da Matéria de Facto e Factos não Provados

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se essencialmente na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas Partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos, complementada com os depoimentos das quatro testemunhas inquiridas, funcionárias da Requerente: B..., do departamento de contabilidade (primeira testemunha); C..., do departamento financeiro (segunda testemunha); N..., responsável das operações e, à data dos factos, com função comercial na zona norte (terceira testemunha); e O..., gestor de clientes (quarta testemunha).

 

As testemunhas demonstraram conhecimento direto dos procedimentos da Requerente, nas respetivas funções e áreas de intervenção, evidenciando a existência de diversos gastos relevantes associados à detenção e propriedade dos bens dados em locação e gestão dos mesmos no decurso da execução dos contratos, ou após o seu termo – por não exercício da opção de compra ou por resolução (v.g. derivada de incumprimento) –, como referenciado nas diversas alíneas acima.

 

No entanto, constata este Tribunal que os referidos gastos, que, de facto, não se suscitam no âmbito das operações de estrito financiamento/crédito, são essencialmente gastos específicos e exclusivos da atividade e dos contratos de locação, não revestindo a característica de recursos de utilização mista também utilizados para a realização das operações de financiamento/crédito, ou seja, estão fora do contexto da questão de direito que se suscita nos presentes autos, que se situa no quadro do artigo 23.º do Código do IVA[4].

 

Os gastos exclusivos assinalados são, na sua maioria, faturados de forma discriminada e segregada por diversos fornecedores a quem a Requerente faz o outsourcing de diversas tarefas, como a gestão dos IUC. Assim, são claramente separáveis e tratáveis de forma autónoma.

 

Nestes termos, não resulta provada a alegação de que os gastos comuns sejam de forma muito mais significativa consumidos pela atividade de locação, por oposição à atividade de financiamento/concessão de crédito (v. artigos 21.º, 23.º, 24.º, 29.º. do ppa). Isto, quer porque os gastos alegados são na sua esmagadora maioria específicos da atividade de locação (não são, gastos comuns cujo IVA tenha de ser repartido por um método de dedução do artigo 23.º do Código do IVA), o que se percebe da simples análise das faturas dos fornecedores; quer porque, em relação aos que não são específicos, não se alcança a dimensão do respetivo impacto, pois, apesar de perguntadas, as testemunhas não puderam precisar a frequência e número de ocorrências, nem foi junta qualquer prova documental nesse sentido. Acresce ainda que uma parte desses recursos comuns nem sequer é onerada com IVA, como os gastos com pessoal (consumo de “horas-homem”) ou os portes (“selos”) de correio abrangidos pelo serviço postal universal, pelo que estão fora do thema decidendum.

 

Em relação à alegada quantificação de € 613.210,00 de custos comuns com rendas, telecomunicações ou informática, que seriam sobretudo consumidos pela atividade de locação, a mesma não se provou, pois baseia-se somente num quadro de “excel” elaborado pela Requerente, desprovida da indicação das premissas que conduziriam a essa conclusão, além de que, por exemplo, as rendas, podem nem sequer ter IVA, sendo nesse caso irrelevantes para a situação vertente (v. artigo 33.º do ppa e Documento 4).

 

Sobre a fase inicial dos contratos de locação e a alegação de que esta envolve um esforço muito superior de consumo de recursos mistos com IVA, face aos contratos de crédito, em virtude do registo e contabilização do contrato e da fatura do bem adquirido no sistema e do contacto com fornecedores, também não se demonstrou que assim suceda, sendo as tarefas de escolha da viatura e da sua receção assumidas pelos locatários.

 

De salientar também que, de acordo com a prova documental, os contratos de locação preveem o débito de comissões autónomas de abertura de contrato, pelo que os eventuais encargos incorridos nessa fase são objeto de remuneração autónoma e repercutidos por via de serviços prestados, os quais estão contemplados no numerador da fração de cálculo do pro rata, incrementando proporcionalmente a dedução do IVA da Requerente.

 

Acresce que o contacto inicial também existe nos contratos de crédito e também envolve a aquisição de viaturas.

 

Com efeito, resulta dos contratos analisados que a concessão de crédito pela Requerente é, à semelhança da locação, efetuada, em exclusivo, para a aquisição dos veículos e que a Requerente assegura a verificação dessa finalidade [de aquisição de um veículo da marca] ao incluir uma cláusula em que, com a celebração do contrato de crédito, o mutuário autoriza que seja efetuado o pagamento direto da Requerente aos fornecedores (i.e., o cliente não recebe o dinheiro, sendo este diretamente encaminhado para a entidade que comercializa os veículos), pelo que em ambos os casos, de locação e financiamento a crédito, existe essa interação, ambas as áreas consumindo recursos associados à compra de uma viatura.

 

 Interessa, por fim, notar que o lançamento de dados no sistema implica, de forma mais intensiva, gastos com pessoal, os quais não são onerados com IVA, bem como não contêm IVA as coimas/multas e impostos pagos, e os portes de correio pelo envio de cartas (compreendendo o envio registado e o aviso de receção). 

 

            Sobre a repercussão dos gastos adicionais que o leasing/ALD comporta em comissões autónomas debitadas aos clientes os depoimentos não foram totalmente coincidentes, embora seja inequívoco que ocorre o débito de comissões aos clientes para além das rendas mensais. A primeira testemunha referiu que estas comissões são cobradas, mas por valores inferiores aos gastos efetivos, que não são ressarcidos na totalidade. A segunda testemunha confirmou o débito de comissões relativas à gestão e pagamento do IUC, mas já não os custos dos CTT e as faturas de recuperação de dívida e/ou de viaturas. A quarta testemunha atestou que os custos acrescidos do leasing/ALD são refletidos nos clientes por via do débito de comissões, não sabendo, porém, se essa é a prática na área de recuperação de crédito (incumprimento), pois desconhece os procedimentos aí adotados.

 

Neste âmbito, cabe salientar que todas as modalidades de contratos indicadas pela Requerente contêm cláusulas que preveem, de forma expressa, que, em caso de incumprimento, os encargos inerentes (incluindo honorários de advogados) sejam, ou possam ser, repercutidos nos clientes, sendo esse incumprimento uma vicissitude que também pode ocorrer, e ocorre, nos contratos de financiamento, pelo que os gastos associados não são privativos da locação, sendo, além do mais, faturados pelos prestadores com indicação pormenorizada dos casos a que respeitam (nesse caso são gastos identificáveis com cada uma das áreas de atividade e não comuns).

 

Afigura-se que a Requerente e as testemunhas confundiram o tema dos gastos comuns à locação e ao financiamento a crédito, com outro ponto, que se prende com a imputação, ou não, dos gastos incorridos, ou a repercussão destes em valor inferior ao suportado. A questão de saber se um gasto é exclusivo ou comum não depende do redébito ou imputação do mesmo aos clientes ou do valor dessa imputação, se aplicável.

 

Um gasto é exclusivo se a utilização/consumo do bem ou serviço adquirido pertencer a uma das áreas (locação ou crédito) e for perfeitamente identificável, o que, como se viu, sucede com a grande maioria dos gastos acrescidos onerados com IVA que a Requerente alega serem devidos por razão do leasing. Um gasto pode ser exclusivo da área de locação e não ser redebitado (configurando eventualmente uma prestação de serviços gratuita), ou sê-lo por um valor inferior ao de aquisição (com “prejuízo”). O facto de os gastos não serem imputados ou serem-no por um valor reduzido não significa que sejam comuns. A caraterística de serem comuns/gerais, que é aquela que está em discussão nestes autos, como pressuposto de aplicação do regime do artigo 23.º do Código do IVA (métodos de dedução parcial) respeita a outra propriedade: a de respeitarem a recursos que são consumidos por ambas as áreas de atividade (o que, a título de exemplo, não sucede com os IUC).

 

Os gastos indicados pela Requerente relativos à recuperação e detenção dos bens (por incumprimento ou recuperação) são notoriamente gastos exclusivos da atividade de locação e não comuns. Referimo-nos ao reboque/recolha, manutenção e armazenagem dos veículos, subcontratados pela Requerente a outros prestadores de serviços que, além do mais constam, nos contratos celebrados, como encargos que devem ser repercutidos aos clientes.

 

De referir ainda que a primeira testemunha afirmou que a contabilização das faturas do leasing seria uma tarefa acrescida consumidora de recursos comuns. No entanto, não se alcança a diferença face aos contratos de crédito, pois estes geram, de igual modo, a emissão de faturas mensais aos clientes.

 

Em síntese, da prova produzida não se demonstrou a alegação da Requerente de que os recursos comuns onerados com IVA, como a eletricidade, as comunicações e a informática, foram, de forma expressiva, consumidos sobretudo pela atividade de locação, sendo a maior parte das situações exemplificativas invocadas pela Requerente respeitantes à fase de execução ou termo dos contratos (pagamento do IUC, multas, sinistros, incumprimento e recuperação das viaturas) e não ao momento inicial de entrega das viaturas aos locatários pelos respetivos fornecedores.

 

Também não ficou demonstrada a recorrência ou frequência das situações invocadas, por forma a permitir a inferência da sua importância relativa, em concreto, nos casos de incumprimento, opções de compra não exercidas, sinistros, ou IUC não pago.

 

No tocante à composição e formação do preço das rendas de locação e do tipo de gastos expetáveis considerados para esse efeito, nomeadamente se incluem ou ponderam os gastos gerais, as testemunhas afirmaram não ter conhecimento.

 

            Com relevo para a decisão não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

 

  1. Do Direito
  1. Posição Consolidada do Supremo Tribunal Administrativo e Interpretação do Tribunal de Justiça

 

Discute-se na presente ação a validade de aplicação do critério de imputação específica, previsto no ponto 9 do citado Ofício-Circulado n.º 30108, ao qual a Requerente aponta diversas ilegalidades e inconstitucionalidades. Importa começar por notar que as dúvidas suscitadas sobre a conformidade do mencionado Ofício ao direito da União Europeia (Diretiva IVA) foram aclaradas pelo Tribunal de Justiça no processo C-183/13, Banco Mais, com acórdão datado de 10 de julho de 2014. Acresce que as demais questões de (erro de) direito suscitadas como fundamento de invalidade (parcial) da autoliquidação de IVA controvertida têm sido apreciadas e decididas de forma constante, em relação a situações similares, em sentido contrário ao preconizado pela Requerente, pelo Supremo Tribunal Administrativo.

 

De acordo com a jurisprudência consolidada daquele Supremo Tribunal, que aqui se acompanha, é errónea a conclusão de que o coeficiente de imputação específico corresponda à aplicação truncada, e portanto ilegal, do artigo 23.º, n.º 4 do Código do IVA, que contém a fórmula de cálculo do pro rata e transpõe o artigo 174.º da Diretiva. Ou, ainda, que o critério de imputação específica do Ofício-Circulado consubstancia uma afetação real não baseada em critérios objetivos.

 

Antes de mais, assinala-se que a argumentação da Requerente em relação à definição do método de dedução aplicado, o coeficiente de imputação específico, é incongruente, pois, se por um lado, parece enquadrá-lo no artigo 23.º, n.º 4 (pro rata), dizendo que se trata de uma percentagem de dedução truncada, que colide com a fórmula imperativa de cálculo [do pro rata] consagrada pela dita norma (em linha com a Diretiva IVA), por outro lado, acaba por acolher o entendimento da AT, ao qualificá-lo como afetação real, embora não o aceite, por, em sua opinião, não satisfazer as condições da estatuição ínsitas do n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA, nem ser baseado em critérios objetivos.

 

Contrariamente à tese da Requerente, o coeficiente de imputação específico não constitui uma aplicação do método do pro rata (geral), ficando, desde logo, afastado o argumento de violação da fórmula de cálculo prevista no artigo 23.º, n.º 4 do Código do IVA, em virtude de não estar em causa o apuramento da percentagem de dedução nos termos dessa norma, quer do ponto de vista formal, quer substantivo. Esse coeficiente tem, ao invés, enquadramento nos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º do mesmo Código, que preveem que a AT possa obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados. Está encontrada a base legal que a Requerente considera, sem razão, inexistir.

 

Sobre a conformidade deste regime com a Diretiva IVA, num caso análogo ao da Requerente, de uma instituição de crédito que realizava em simultâneo operações de crédito e de locação financeira, em que se suscitou, igualmente, a questão de saber se o método do coeficiente de imputação específico seria admissível à luz das normas e princípios do direito da União Europeia, o Tribunal de Justiça foi claro no sentido de que:

  1. A permissão contemplada no artigo 23.º, n.º 3 do Código do IVA (que dispõe que a AT pode impor a afetação real) constitui a transposição para o direito português do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c) da Sexta Diretiva[5], atualmente artigo 173.º, n.º 2, alínea c) da Diretiva IVA, segundo o qual os Estados-Membros podem, em derrogação da regra geral do pro rata de dedução, “autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”, ou seja, os Estados-Membros podem obrigar à dedução segundo o método da afetação real[6];
  2. A Diretiva IVA [à data do aresto, Sexta Diretiva] não se opõe a que um Estado-Membro obrigue uma instituição de crédito que exerce, em simultâneo, atividades de crédito e de locação financeira, a realizar a dedução nos bens e serviços de utilização mista de acordo com o coeficiente de imputação específico, i.e., considerando na fração de cálculo da dedução apenas a parte das rendas que corresponde aos juros, “quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.” – v. processo C-183/13, Banco Mais, com acórdão datado de 10 de julho de 2014.

 

Sobre a questão de saber se o método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado é um verdadeiro método de afetação real que, nas palavras de Xavier de Basto e Maria Odete Oliveira[7], permita medir a “intensidade efetiva e real da utilização dos bens ou serviços em cada um dos tipos de operações em causa”, assente em critérios objetivos, o Tribunal de Justiça confirma-o, desde que a utilização dos recursos seja, como antes aflorado, “sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos” (ponto 33 do acórdão Banco Mais).

 

Este entendimento do Tribunal de Justiça tem vindo a ser sucessivamente reiterado pelo Supremo Tribunal Administrativo, referindo-se, a título ilustrativo, os acórdãos de 29 de outubro de 2014, processo n.º 1075/13; de 4 de março de 2015, processo n.º 1017/12; de 3 de junho de 2015, processo n.º 0970/13; de 17 de junho de 2015, processo n.º 0956/13; de 15 de novembro de 2017, processo n.º 0485/17; de 20 de janeiro de 2021, processo n.º 0101/19.1BALSB; e de 24 de fevereiro de 2021, processo n.º 084/19.8BALSB[8].

 

Deste modo, é também afirmativa a resposta relativa à questão de saber se a disciplina constante do ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108 observa a Diretiva IVA, desde que, como referido, a utilização dos recursos mistos seja sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos contratos, questão de facto que adiante se analisa, tendo em conta a prova adquirida nestes autos.

 

Em relação às questões de conformidade do ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108 com o direito interno, adere-se, na íntegra, à fundamentação do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno), de 20 de janeiro de 2021, proferido no processo 0101/19.1BALSB[9].

 

Assim, o método de imputação específica, constitui uma expressão do método da afetação real, legalmente suportado (v. artigo 23.º, n.ºs 2 e 3), e não, como sustenta a Requerente, um método que a lei não prevê. Como é salientado no acórdão do Tribunal de Justiça C-183/13, inexistindo na Diretiva regras que concretizem o método da afetação real, cabe aos Estados-Membros estabelecê-las, tendo em conta “a finalidade e a sistemática da referida diretiva e os princípios em que assenta o sistema comum do IVA”, nomeadamente o da “neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas”. Foi o que o legislador português fez nos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA, operacionalizado no setor de atividade a que pertence a Requerente através de um regulamento de execução, desprovido de caráter inovatório e enquadrado nessa norma (legal) habilitante.

 

Segundo o Tribunal de Justiça, importa ter em conta as características específicas próprias das atividades dos sujeitos passivos, a fim de se obterem resultados mais precisos na determinação do alcance do direito à dedução, pois o princípio da neutralidade fiscal, inerente ao sistema comum do IVA, exige que as modalidades do cálculo da dedução reflitam objetivamente a parte real das despesas efetuadas com a aquisição de bens e serviços de utilização mista que pode ser imputada a operações que conferem direito à dedução.

 

Sendo que não existe apenas uma forma de proceder à afetação de bens e serviços.

 

A confirmar que o sistema de afetação real comporta diferentes modalidades e apresenta, por isso, uma certa plasticidade que permita ajustar o sistema de dedução às especificidades da atividade prosseguida pelo sujeito passivo vem a segunda parte do preceito [artigo 23.º, n.º 2 do Código do IVA], segundo a qual a Administração Tributária pode impor «condições especiais». Isto é, condições que permitam o «afinamento» (a expressão é do artigo que acima citamos, pág. 62) do método de dedução.

Pelo que a Recorrente tem razão nesta parte: o método a que alude o ponto 9 do ofício-circulado supra aludido não tem apenas cabimento na lei comunitária; também tem cabimento na lei interna.

Pelo que as referências ao princípio da legalidade e da reserva de lei também não se nos afiguram pertinentes, ao menos por aqui.” – v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 0101/19.1BALSB, de 20 de janeiro de 2021.[10]

 

Assente o pressuposto de que o coeficiente de imputação específica é enquadrável no método da afetação real e tem base legal[11], a questão subsequente prende-se com saber se esse método constitui um critério objetivo e ajustado, no sentido de permitir a aferição correta do grau de afetação/utilização dos bens e serviços comuns às diversas atividades (com e sem direito à dedução). Ou, dito de outro modo, se estamos perante “uma modalidade do cálculo de dedução que reflita objetivamente a parte real das despesas efetuadas com bens ou serviços de utilização mista que é imputada a operações que conferem o direito à dedução.” – v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 0101/19.1BALSB, de 20 de janeiro de 2021.

 

A este respeito, compulsa-se de novo o acórdão do Tribunal de Justiça no processo Banco Mais, que estabelece um parâmetro aproximativo e não uma exigência de rigor milimétrico, que, na prática, impediria a aplicação de soluções viáveis a coberto de posições impregnadas de formalismo, paradoxalmente condutoras a maiores distorções e desigualdade.

 

O que interessa, segundo aquele Tribunal europeu, é que o critério adotado seja mais preciso do que o resultante do método supletivo do pro rata (geral), considerando as especificidades do sujeito passivo[12], o que acontece se a utilização dos bens e serviços for sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos contratos, interpretação que o Supremo Tribunal Administrativo entende também dever ser extraída das disposições nacionais que procedem à transposição da norma da Diretiva IVA, nos termos da jurisprudência antes citada.

 

De acordo com a fundamentação que consta do Ofício-Circulado n.º 30108 (ponto 8), o método do pro rata é suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, podendo conduzir a distorções significativas na tributação. Asserção que é válida do ponto de vista material, atento o facto de a consideração dos valores de volume de negócios de operações, tributadas e isentas, efetuada pela fração de cálculo do artigo 23.º, n.º 4 do Código do IVA, no caso de atividades financeiras (em sentido lato) que incluam a locação e a concessão de crédito, encerrar a comparação de realidades não equiparáveis, o que representa, a priori, de facto uma distorção.

 

Na verdade, do ponto de vista económico, quer a locação financeira, quer a concessão de crédito, implicam que o locador/mutuante, cedam uma quantia para adquirir o bem (no caso da locação) ou para emprestar (no caso de financiamento), sendo essa cedência remunerada (do ponto de vista económico, reitera-se) por uma taxa de juro em ambas as situações.

 

Na primeira [locação] esse juro está incluído na renda debitada (em regra com periodicidade mensal) que contém também uma outra parte que representa a amortização (devolução) do capital despendido para a aquisição do bem dado em locação[13].  Na segunda situação [financiamento], o juro é debitado de forma separada do reembolso da componente do capital mutuado. Porém, apesar dos distintos procedimentos de redébito (em conjunto ou separado), em substância estamos, em ambos os casos, perante cedências de fundos remuneradas por juros[14].

 

Tanto assim é que o tratamento contabilístico conferido às locações, nos termos da IFRS 16[15], é equiparado ao das operações de financiamento ou concessão de crédito, não sendo refletidos nas contas de rendimentos/ganhos do locador os valores do capital cedido ou usado para a compra dos bens locados, mas tão-só o montante da remuneração daquele capital (juros auferidos). E em consequência também o é o tratamento fiscal para efeitos de IRC.

 

Assim, para se comparar a remuneração dos dois tipos de operações, as variáveis de referência/comparadas apenas serão congruentes se, de duas uma:

  • Compararmos os “juros” da locação com os “juros” das operações de financiamento, como resulta do coeficiente de imputação específico; ou
  • Compararmos a totalidade das operações, incluindo capital e juros.

 

Porém, dada a conformação da locação financeira para efeitos de IVA, que suscita a incidência do imposto sobre a totalidade da renda (contraprestação), a fórmula de cálculo do método supletivo do pro rata implica que esta renda seja comparada apenas com a componente de juro isenta (contraprestação) das operações de financiamento. A componente de capital no financiamento, não caindo no âmbito de sujeição a IVA (pois está “fora do campo”), é, por razões técnicas de definição do valor tributável das operações, excluída da referida fórmula de cálculo. Por esta razão, resulta desvirtuada a usual presunção (subjacente ao pro rata) de que a comparação dos valores de contraprestação das operações traduz, em princípio, uma aproximação razoável do consumo de recursos mistos pelas diversas tipologias de operações.

 

Com efeito, na situação sub iudicio, pelos motivos descritos, na fórmula de cálculo do pro rata geral prevista na lei (artigo 23.º, n.º 4 do Código do IVA) deparamo-nos com termos de comparação não equivalentes, nem equiparáveis do ponto de vista económico, suscitando o incremento da percentagem de dedução para níveis presumivelmente superiores aos do consumo dos recursos mistos por parte da atividade de locação.

 

Por outro lado, importa reforçar que o valor da renda tributada em IVA relativo à parte do reembolso do capital usado para a aquisição dos veículos (ou amortização financeira) não é ignorado, uma vez que contribui diretamente para a dedução integral do IVA incorrido na aquisição desses veículos (na qualidade de recursos específicos e exclusivos da locação).

 

Com efeito, ao IVA liquidado na renda pelo locador, aqui Requerente, é totalmente subtraído o IVA incorrido com a aquisição das viaturas, pelo que, sendo o contrato de locação executado até ao seu termo, o IVA liquidado na componente da amortização financeira da renda é totalmente absorvido e compensado pelo IVA deduzido com a aquisição dos bens locados.

 

A parte sobrante [juros e outros encargos] da renda é aquela que visa remunerar os gastos gerais da atividade de locação. Pelo que é a componente da renda remanescente ao capital (este exclusivamente afeto ao input da viatura adquirida para locação) que há-de refletir a ponderação por parte do sujeito passivo dos gastos (inputs) que este estima incorrer na operação e da sua margem financeira. É esta componente dos juros e outros encargos que representa a (única) remuneração económica dos gastos da atividade de leasing e ALD, como aliás resulta das regras contabilísticas e da tributação do imposto sobre o rendimento.

 

Em síntese, do ponto de vista da adequação, em abstrato, do método de determinação da dedutibilidade dos gastos mistos, a comparação entre as diversas contraprestações da atividade da Requerente apenas será proporcional e equilibrada se tiver em conta a componente de juros e outros encargos e já não a do capital, que, à partida, não apresenta conexão com esses gastos mistos e apenas com o input de aquisição do veículo, cujo IVA é deduzido integralmente pelo método da imputação direta[16].

 

Não obstante o Ofício-Circulado não conter uma explicação com o nível de detalhe desejável, o mesmo não é omisso, pois indica as razões do método preconizado, referindo expressamente a falta de coerência das variáveis de cálculo do pro rata (geral), e aponta a suscetibilidade de vantagens ou prejuízos injustificados daí derivados, com distorções significativas na tributação.

 

Pelo que se conclui que, no plano abstrato ou “pararegulamentar”, a AT defendeu e justificou, ainda que de forma sucinta, que a aplicação do método de imputação específica assenta num critério mais objetivo e adequado, por ser mais aproximativo da realidade, do que a aplicação do pro rata geral, dadas as variáveis tidas em conta no cálculo deste último provenientes da fórmula imperativa do artigo 23.º, n.º 4 do Código do IVA.

 

Conclusão que está em sintonia com o acórdão do Tribunal de Justiça no processo Banco Mais ao sancionar o entendimento de que o método do coeficiente de imputação específica é “conforme com os princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade”. Nestes moldes, “a validade do método da Administração Tributária não depende do facto de ser ajustável totalmente à atividade do sujeito passivo (o que, de qualquer modo, teria que ser analisado em concreto); depende, tão só, do facto de ser o mais ajustado. O que acontece neste tipo de atividade se a utilização de bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de eletricidade ou certos serviços transversais, for sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos contratos.” – v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 0101/19.1BALSB, de 20 de janeiro de 2021.

 

No plano concreto, em relação à alegada falta de demonstração, por parte da AT, dos pressupostos factuais que subjazem à aplicação do coeficiente de imputação específico, coloca-se a questão de saber se, à luz das regras que estabelecem o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos dos direitos a que as partes se arrogam (v. artigo 74.º da LGT), a AT teria que “invocar e demonstrar no procedimento ou nos autos a factualidade que permitisse formular um juízo (de facto) sobre se a utilização dos bens ou serviços é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos” como resulta do acórdão Banco Mais – v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 0101/19.1BALSB, de 20 de janeiro de 2021.

 

Ora, a este propósito também se pronuncia a jurisprudência constante do Supremo Tribunal Administrativo no sentido de que, quando o ato de liquidação adicional de IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo sujeito passivo, cabe a este a prova dos factos constitutivos do direito à dedução. Assim sendo, é ao sujeito passivo – a Requerente – que compete alegar e demonstrar que, no seu caso concreto, a utilização dos bens ou serviços mistos não foi sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos. “Solução que reputamos adequada também porque o sujeito passivo, dada a sua proximidade com a fonte produtora, está mais bem posicionado para expor as especificidades do seu negócio.” – v., por todos, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 0101/19.1BALSB, de 20 de janeiro de 2021.

 

Soçobra, pois, o argumento de invalidade da liquidação por falta de comprovação concreta da AT.

 

Improcedem, de igual forma, as questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Requerente. Desde logo, porque a aplicação do método da afetação real tem assento em normas legais, quer de fonte europeia, quer internas, sendo o coeficiente de imputação específica enquadrável no escopo do artigo 23.º, n.º 2 do Código do IVA. Não se constata, por essa razão, a arguida violação do princípio da legalidade, o qual não se opõe à aplicação tipificante de conceitos que tenham base legal por regulamento administrativo[17].

 

Existindo suporte legal para a aplicação do método da afetação real, materializado no coeficiente de imputação específico, não ocorre também violação do princípio de separação de poderes, pois o âmbito do IVA é definido pela lei – in casu, pelo artigo 23.º, n.ºs 2 e 3 do Código do IVA (em transposição da Diretiva IVA) – e não, como defende a Requerente, por “mera instrução administrativa”, limitando-se esta última a concretizar a previsão legal[18].

 

Por fim, em relação ao princípio da igualdade, que no IVA se manifesta no conceito de neutralidade, é o próprio Tribunal de Justiça, secundado pelo Supremo Tribunal Administrativo, que reconhece que a solução do coeficiente de imputação específico se conforma aos princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade, pois representa um método de dedução mais preciso, conquanto a utilização dos bens ou serviços mistos seja sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos (pontos 30, 31 e 34 do acórdão Banco Mais). É a maior aproximação à realidade do consumo dos recursos trazida pela afetação real que permite alcançar de forma otimizada o princípio da igualdade, em oposição ao que a Requerente defende.

 

Acresce ser errada a afirmação da Requerente de que este método de dedução [coeficiente de imputação específico] implica que baste uma única operação de concessão de crédito a par de milhares de operações de locação financeira para o direito à dedução relativo aos custos gerais passar de total a insignificante. A medida de dedução dependerá do peso relativo da componente de “juro” das operações com direito à dedução face ao total das operações realizadas, e apenas será insignificante se insignificante for o volume de operações de locação por comparação ao crédito. 

 

Não se compreende também a invocação de que a Requerente não seria abrangida pelo Ofício-Circulado por ser uma sociedade financeira e não um banco, quando a própria denominação social daquela contém o termo “banco” (em francês) e o Ofício-Circulado não restringe o seu âmbito subjetivo a bancos, fazendo referência a “instituições de crédito”, categoria classificatória na qual se integra a Requerente, como a própria invoca no artigo 7.º do seu pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Sobre os Pressupostos de Facto

 

Como acima se referiu acerca da adequação concreta do coeficiente de imputação específico, cabe ao sujeito passivo alegar e demonstrar que, apesar de ser uma instituição de crédito que realiza operações de locação automóvel utilizando bens e serviços de utilização mista, no seu caso, essa utilização não é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos, antes pela disponibilização dos veículos locados.

 

A Requerente afirma ser o seu caso, invocando que o consumo de recursos mistos onerados com IVA é essencialmente determinado pela realização de contratos de locação e pela disponibilização dos veículos aos clientes.

 

Todavia, da prova realizada nos autos, constata-se que a maioria expressiva dos exemplos que a Requerente identifica como representativos de gastos comuns implicados essencialmente pela atividade de locação (leasing e ALD) não consubstanciam recursos de utilização mista, mas recursos específicos e exclusivos dos contratos de locação, claramente identificados e quantificáveis. Aliás, é a própria Requerente que assinala que esses gastos, inerentes à propriedade dos veículos, não seriam incorridos se se dedicasse apenas à atividade de financiamento (concessão de crédito).

 

Os gastos referidos estão perfeitamente identificados em faturas de prestadores que a Requerente subcontrata, nomeadamente para tratamento da documentação dos veículos junto da Conservatória do Registo Automóvel e pagamento do IUC (sem IVA); para recuperação de dívida dos clientes incumpridores e de recuperação das viaturas (com IVA); de consultoria fiscal do processo de reclamação de IUC junto da AT e do CAAD (com IVA); e de recolha, reboque, parqueamento e gestão de viaturas recuperadas (com IVA). Tais serviços adquiridos pela Requerente respeitam unicamente aos contratos de locação, com exceção dos relativos à recuperação de dívida, sendo que, mesmo nestes, os mapas discriminativos dos serviços prestados permitem segregar e autonomizar os serviços (e valores) de recuperação de dívida reportados a contratos de crédito, daqueles relativos às locações, pelo que não há uma utilização indistinta que careça de um critério de repartição, que é a função do artigo 23.º do Código do IVA.

 

Ora, a dedução do IVA nas aquisições de bens e serviços afetas às operações de uma única categoria, seja ela tributada ou isenta, é regida pelo artigo 20.º do Código deste imposto, não caindo no âmbito do artigo 23.º do mesmo Código, sendo a aplicação deste último – aferição da dedução em recursos de utilização mista – a única questão suscitada nos autos. Por esta razão, a matéria de facto referente aos gastos específicos e exclusivos não é pertinente para alcançar a solução que a Requerente pretende, respeitante aos recursos indistintamente utilizados, quer nos contratos de locação, quer nos contratos de financiamento. 

 

            Nos restantes exemplos, estes já efectivamente de recursos comuns, que, na tese da Requerente, foram alegadamente consumidos de forma preponderante pela locação (como sejam comunicações, eletricidade, impressões, correio, rendas), aquela não conseguiu indicar um critério de afetação real, nem demonstrar que essa utilização não foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos, antes pela disponibilização dos veículos locados. Com efeito:

  1. Tal demonstração não se logrou, por não terem sido carreados elementos de prova que permitissem concluir nesse sentido, nem a respetiva medida (por exemplo, com indicação dos IUC pagos anualmente, ou a percentagem média anual de contratos de locação e de crédito incumpridos). Acresce que os serviços de informação comercial dos clientes relativos a insolvências e processos especiais de recuperação se afiguram necessários em todos os tipos de contratos, não se alcançando o fundamento para que a Requerente os sinalize como essencialmente associados à locação;
  2. Esses recursos não respeitam, em geral, à disponibilização de viaturas;
  3. O invocado maior consumo de recursos humanos no registo e inserção no sistema informático dos dados referentes aos veículos locados, incluindo os recuperados para venda, não se reporta a operações/aquisições oneradas com IVA (o trabalho dependente está excluído do âmbito do IVA, nos termos do artigo 2.º, n.º 1 do Código). 

 

Não ressalta da matéria de facto que ocorra um consumo mais expressivo de recursos mistos por parte da área de locação e que a utilização destes não seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos e o seja pela disponibilização dos veículos locados. De notar que a maior parte dos exemplos de recursos de utilização mista nomeados pela Requerente ocorrem no decurso da execução dos contratos de locação – incumprimento/contencioso, pagamento de IUC, recuperação de veículos – e não em relação à fase de disponibilização do bem locado.

 

 

 

Sobre o entendimento do Tribunal de Justiça no acórdão proferido em 18 de outubro de 2018, no processo C-153/17, Volkswagen FS, que determina que os Estados-Membros não podem aplicar um critério de repartição do IVA dedutível nos recursos mistos que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, do mesmo não se retira a desconformidade do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado, sendo incorreta a interpretação que do mesmo faz a Requerente.

 

No caso Volkswagen FS a situação fática apreciada é distinta da aqui em causa, pois “o direito do Reino Unido obriga à desagregação do leasing em duas operações: a disponibilização do veículo e o seu financiamento. […] Para efeitos de IVA, as duas operações são tratadas de forma distinta também. A disponibilização do veículo constitui uma operação tributada; ao passo que o financiamento é tido como uma operação de concessão de crédito isenta.” – v. Sérgio Vasques, “IVA, Pro rata e Locação Financeira”, Cadernos IVA 2020, p. 523.

 

Acresce que as conclusões do Tribunal de Justiça nesse processo C-153/17 foram ditadas pelo facto de o tribunal nacional de reenvio ter previamente determinado que, no caso concreto, os custos gerais tinham uma relação direta e imediata com a totalidade das atividades do sujeito passivo e, assim, também com a disponibilização dos veículos, aí tratada como operação autónoma. Na situação vertente, para tal, a Requerente teria de demonstrar que os recursos de utilização mista foram sobretudo determinados pela disponibilização dos veículos locados, o que, como se viu, não se verificou.

 

Veja-se a posição do Supremo Tribunal Administrativo acerca da questão:

 

“Como decorre do seu parágrafo 56, o Tribunal de Justiça da União Europeia não pretendeu ali reformular o entendimento firmado no acórdão “Banco-Mais”, mas sublinhar que aquela jurisprudência não podia ser aplicada de maneira geral, abrangendo todos os tipos de operações de locação financeira para o setor automóvel.

Incluindo aquelas em que a aplicação de um método de repartição que não tenha em conta o valor do veículo aquando na sua entrega não seja adequada a garantir uma repartição mais precisa do que a baseada no volume de negócios.

O que sucedia naquele caso específico porque havia uma afetação real e significativa dos custos gerais a operações que conferiam o direito à dedução (§ 57). Porque esses custos eram efetuados tendo em vista a disponibilização de veículos (§ 44) e eram, apesar disso, imputados aos próprios custos de financiamento, em vez de serem imputados ao valor inicial do veículo aquando da sua entrega (§ 13).

Em lado algum se conclui que, no caso dos autos, também havia uma afetação significativa dos custos gerais à disponibilização dos veículos […].

Pelo que a invocação da jurisprudência firmada no acórdão C-153/17 não se nos afigura pertinente nem acrescenta nada ao juízo ali fornecido sobre a legalidade da liquidação.” – v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 0101/19.1BALSB, de 20 de janeiro de 2021.

 

            À face do acima exposto, não pode deixar de improceder este argumento, pelo que à Requerente não assiste razão. 

 

  1. Restituição das Importâncias Pagas e Juros Indemnizatórios

 

A Requerente peticiona o reembolso da quantia autoliquidada em excesso, que quantifica em € 425.110,73, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT. Contudo, a autoliquidação de IVA parcialmente impugnada não padece dos vícios invalidantes que lhe foram imputados pela Requerente, mantendo-se válida, pelo que improcede, por falta de preenchimento dos respetivos pressupostos constitutivos, o pedido de restituição de imposto e, bem assim, dos juros indemnizatórios àquele respeitantes.

 

  1. Desnecessidade de Reenvio Prejudicial

                          

As questões discutidas nos autos estão clarificadas pelo Tribunal de Justiça conforme a jurisprudência que foi atrás referenciada.

 

Neste contexto, de acordo com o entendimento do Tribunal de Justiça, a partir do acórdão Cilfit[19], a obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação pode ser dispensada quando:

  1. A questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal; ou
  2. O Tribunal de Justiça já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar, ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma; ou
  3. O juiz nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente.  

 

No caso sub judice, verifica-se o preenchimento dos requisitos previstos nas alíneas b) e c), podendo afirmar-se que o “ato” em questão está devidamente aclarado pela jurisprudência consolidada do Tribunal de Justiça que se pronunciou sobre a matéria, pelo que não há fundamento para suscitar o reenvio prejudicial.

 

* * *

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, nos termos do disposto nos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

 

  1. Decisão

 

            Atento o exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar improcedente a ação arbitral, incluindo o pedido de juros indemnizatórios, com a consequente manutenção da autoliquidação de IVA, referente ao período de dezembro de 2017, e da decisão do Pedido de Revisão Oficiosa que sobre a mesma recaiu.

 

 

  1. Valor do Processo

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 425.110,73, indicado pela Requerente, respeitante ao montante de IVA autoliquidado e juros compensatórios cuja anulação pretende, e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

            Lisboa, 10 de abril de 2023

Os árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins

 

 

Clotilde Celorico Palma

(vencida nos termos da declaração de voto em anexo)

 

 

Sofia Ricardo Borges

 

 

 

Voto de Vencida

 

  1. Nota Prévia

 

Não obstante o devido respeito pela Senhora Presidente relatora da presente decisão, que é muito, não nos podemos rever nos fundamentos base em que tal decisão se encontra alicerçada, pressupostos estes que, em nosso entendimento, viciam, inevitavelmente, as conclusões.

Vejamos pois.

Está em causa essencialmente apurar se a AT, através do Ofício-Circulado da Área de Gestão Tributária do IVA n.º 30108, de 30 Janeiro de 2009, pode vir “impor condições especiais” para a determinação do direito à dedução do IVA suportado pelas instituições financeiras em recursos indistintamente utilizados na realização de operações que conferem e que não conferem o direito à dedução (“recursos comuns”), quando estas desenvolvam simultaneamente actividades de Leasing ou de ALD, situação que se verifica no caso em apreço.

No aludido Ofício-Circulado refere a AT que, “No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente atividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23.º do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.” (cfr. n.º 5 do Ofício-Circulado).

É neste contexto que conclui que, “…considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a «distorções significativas na tributação», os sujeitos passivos que no âmbito de atividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º 2 do artigo 23.º do CIVA, a afetação real com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das atividades.” (cfr. n.º 8 do Ofício-Circulado).

Importa, pois, apurar se efectivamente a AT pode, nos termos referidos, tributar toda a renda, como determina o disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, e de expurgar, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fracção, a parte da renda correspondente à amortização.

Com efeito, se concluirmos em sentido contrário, inútil será o exercício subsequente de apurarmos se efectivamente a utilização pela Requerente do método do pro rata, previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, decorre da sua própria estrutura empresarial, dado as operações de locação financeira em causa implicarem a utilização de recursos comuns, quer para a gestão dos contratos de financiamento, quer para a disponibilização e gestão dos bens locados, os quais são determinados pelo facto de ser a proprietária dos referidos bens.

Isto é, sendo a questão de apurar se a referida propriedade implica um consumo significativo de recursos comuns, que não se verificaria numa situação em que apenas concedesse financiamento aos seus clientes e estes, por sua vez, adquirissem directamente os bens em causa, uma questão subsequente, importa então, prima facie, analisar até que ponto será legal o aludido entendimento sufragado pela AT.

Em suma, estão em causa fundamentalmente dois aspectos:

- Analisar se o artigo 23.º, n.º 2 do CIVA, ao permitir que a Administração Tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução prevista no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, correspondente à alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro, actual Directiva IVA, quando determina que, “todavia, os Estados-membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços.”

- Apurar se os custos os em que incorre a Requerente com os contratos de locação financeira são sobretudo determinados pelos inputs decorrentes dos actos de financiamento e gestão dos ditos contratos.

 

  1. Dos vícios legais da interpretação da AT

 

Começa o presente Acórdão na parte de Direito por enfatizar que “….as dúvidas suscitadas sobre a conformidade do mencionado Ofício ao direito da União Europeia (Diretiva IVA) foram aclaradas pelo Tribunal de Justiça no processo C-183/13, Banco Mais, com acórdão datado de 10 de julho de 2014.

Ora, é nosso entendimento que tal não se verifica.

Não se nos afigura, distintamente do afirmado, que o aludido Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA, se configure como “… um regulamento de execução, desprovido de caráter inovatório e enquadrado nessa norma (legal) habilitante.”

Não podemos concordar com tais asserções.

Com efeito, entendemos que o normativo constante do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA (conjugado com o respectivo n.º 3) não representa uma transposição para o direito interno da regra da determinação do direito à dedução acolhida no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, que se configura como uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º 1, desta Directiva.

Termos em que, entendemos que a interpretação do artigo 23.º, n.º2, do CIVA, levada a cabo pela AT, entendida por esta como norma como habilitante a aplicar ou a impor à Requerente um coeficiente de dedução diverso do método pro rata, através da imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108, é material e formalmente inconstitucional, por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (103.º, n.º 2 da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República (165.º, n.º 1, alínea I) da CRP, não tendo o legislador feito uso da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e no denominador da aludida fracção.

Neste contexto e para os efeitos tidos por convenientes, reproduzimos, no essencial, a parte de direito do Acórdão 259/2022-T, 6 de Janeiro de 2023, do qual da qual fomos relatora, fazendo-se desde já notar que, por opção de clarificação, mantemos as respectivas notas de rodapé:

A AT invoca que a questão ora em análise foi já apreciada pelo TJUE, no Acórdão proferido no Caso Banco Mais, Proc. C-183/13, de 10 de Julho de 2014, alegando que este veio a confirmar a posição da AT nesta matéria, invocando ainda o Acórdão do STA, de 4 de Março de 2020, proferido no âmbito do recurso n.º 052/19.

Ora, entendemos desde logo que a interpretação levada a cabo pela AT não tem apoio directo nos textos legais, uma vez que o legislador não fez uso da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e no denominador da aludida fração.

Com efeito, não se nos afigura que o normativo constante do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA (conjugado com o n.º 3) represente uma transposição para o direito interno da regra da determinação do direito à dedução acolhida no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, que se configura como uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º 1, de tal Diretiva.

E deve notar-se que a jurisprudência do TJUE, no denominado Caso Banco Mais, não pode colher no sentido invocado pela AT, porquanto, analisado o mesmo, conclui-se que parte de uma premissa que não está correta, dado assumir uma interpretação, sem na realidade verificar se a lei portuguesa (o disposto no artigo 23.º do Código do IVA) prevê ou não mecanismos que permitam à AT impor outros métodos de dedução de IVA para bens e serviços de utilização mista.

Vejamos.

É nosso entendimento que uma interpretação segundo a qual os n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA permitem à AT através de circular interna definir e restringir o direito à dedução do IVA dos contribuintes, com carácter geral e abstrato, através de uma diferente modelação do método pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA (excluindo, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fração a parte da renda correspondente à amortização), é material e formalmente inconstitucional por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (artigo 103.º, n.º 2, da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República (artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP).

Não tendo tal solução sido prevista legislativamente, não pode a Autoridade Tributária e Aduaneira aplicá-la, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua atuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, pelo que uma interpretação segundo a qual o n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA lhe confere, à AT, tal possibilidade, também é violadora do princípio da legalidade da atuação da AT (artigos 266.º, n.º 2, da CRP).

Termos em que se conclui que o IVA a liquidar deve incidir sobre a totalidade da renda, sem distinção entre juro e capital, pois o valor tributável do imposto, nas operações de locação financeira é, segundo a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, “o valor da renda recebida ou a receber do locatário”; sendo igualmente claro que o numerador da fração que exprime a percentagem a dedução é constituído pelo “montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar à dedução”, ou seja pelo valor das operações que foram tributadas, e que o respectivo denominador é o “montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo…”, o que obviamente inclui as primeiras.

Como é sabido, a força vinculativa das circulares e outras resoluções da AT de natureza geral e abstrata, publicitadas circunscreve-se à esfera administrativa, resultando apenas e da autoridade hierárquica dos agentes de onde provêm e dos deveres de acatamento dos subordinados aos quais se dirigem. Por isso, as orientações genéricas da AT, nomeadamente quanto à interpretação da lei fiscal, apenas vinculam os funcionários sobre quem o emissor tem posição superior na hierarquia, não vinculando os particulares, cidadãos ou contribuintes, nem os tribunais.

Neste contexto importa relembrar que, como nos ensina Saldanha Sanches: “Estas orientações administrativas, sob a forma de circulares ou sob outras formas, são uma interpretação da lei fiscal e um instrumento unificador das decisões (…) da administração.

(…).

Com a estrutura formal duma norma jurídica – uma vez que não são a aplicação do Direito a um caso concreto, mas têm antes um carácter geral e abstracto -, as circulares valem o que valer a interpretação que fazem da lei. Como se afirmou sem ambiguidades num acórdão do STA que analisa uma determinada orientação administrativa, “o valor da doutrina dessa circular será apenas o da sua valia intrínseca. Contém uma doutrina que será boa ou má, válida ou inválida, como qualquer outra doutrina”. Estar contida numa decisão administrativa não amplia nem reduz a sua força convincente, nem cria uma presunção de legalidade ou ilegalidade.” [20]

Assim, como bem notam os Professores Doutores Guilherme Xavier de Basto e António Martins analisando o designado Caso Banco Mais julgado pelo TJUE[21], “O Acórdão parece fundamentar a sua decisão final – no sentido de que o direito comunitário não se opõe a que um Estado membro obrigue um banco que exerce, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, que corresponde aos juros (com exclusão, portanto, daquela outra parte que corresponde a “amortização financeira”) – no que é hoje o artigo 173º, nº 2 alínea c) da directiva (citando o artigo 17º, nº 5, terceiro parágrafo, alínea c) da 6ª directiva, aplicável aos factos tributários controvertidos no processo).

Ora, nessa disposição, atrás transcrita, do que se trata é de autorizar os Estados a, afastando-se da regra mais geral da percentagem de dedução, efectuar a dedução “com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”. O método dito da afectação real é uma alternativa ao método da percentagem de dedução ou do pro rata, mas não consiste em alteração do algoritmo de cálculo dessa percentagem, o qual está estabelecido no artigo 174º da directiva e envolve a construção de uma fracção em que no numerador se inclui “o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução” (alínea a) do nº 1) e no denominador “o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução” (alínea b) do mesmo nº).

Deve porém analisar-se se essa faculdade, que o TJUE admite que os Estados membros exerçam, foi efectivamente tomada pelo legislador português. A resposta, a nosso ver, é negativa e a imposição da AT de operar com um pro rata diferente do definido no nº 4 do artigo 23º do CIVA afigura-se sem fundamento legal no direito nacional. Não é obviamente um ofício-circulado, que não é mais que um regulamento interno que apenas obriga os serviços, mas não tem eficácia externa, que pode substituir-se à lei, impondo aos sujeitos passivos aquilo que a lei não prevê.[22]

Neste contexto, salientam que, “As distorções de tributação que o legislador nacional previu que poderiam existir na modulação do direito à dedução são, na nossa lei, resolvidas através da imposição ao sujeito passivo do método da afectação real (nº 3, alínea b) do artigo 23º, ou, quando elas resultam de o sujeito passivo ter optado por esse método, da imposição de o abandonar (parte final do nº 2 do mesmo artigo). Também é certo que a lei consente que, no caso de opção pelo método da afectação real, a administração possa impor ao sujeito passivo “condições especiais”, que a lei não define, mas que não consistem em alteração do pro rata de dedução.”

Igualmente neste sentido, José Maria Montenegro[23] conclui, adequadamente em nosso entendimento, que o legislador nacional não usou da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e no denominador da fracção do pro rata de dedução, pelo que o que é permitido pelo artigo 23.º, n.º 3, do CIVA, não estando em causa uma alteração ao modo como o sujeito passivo apurou o seu pro rata, tratando-se sim, nos termos legais, de uma alteração do método de dedução. Assim, como nota o autor, no Caso Banco Mais o direito nacional não terá sido analisado com o rigor e a profundidade desejável, sendo que a pertinência da resposta do Tribunal dependia de ser verdadeiro o pressuposto de que a lei portuguesa concede poderes à AT, através de uma decisão administrativa, de alterar a composição do pro rata de dedução. Ora, não dando a nossa lei esses poderes, as respostas do Tribunal não contribuem para legitimar a interpretação que a AT tem vindo a querer impor.

Note-se que, tal como alega a Requerente, no Caso VW Financial Services[24], veio o TJUE acrescentar, que “não se pode deduzir do raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça a propósito das operações de locação financeira em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 10 de julho de 2014, Banco Mais (C‑183/13, EU:C:2014:2056), que o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA permite aos Estados‑Membros, de maneira geral, aplicarem a todos os tipos de operações semelhantes para o setor automóvel, como as operações de locação financeira em causa no processo principal, um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega” (cfr. n. 56).

Aditando que ainda que, “sempre que as modalidades de cálculo da dedução não tenham em conta uma afetação real e significativa de uma parte dos custos gerais a operações que confiram direito à dedução, não se pode considerar que tais modalidades reflitam objetivamente a parte real das despesas efetuadas com a aquisição dos bens e dos serviços de utilização mista que pode ser imputada a essas operações. Por conseguinte, tais modalidades não são suscetíveis de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.” (cfr. n. 57).

Neste contexto conclui o TJUE que, “(…) os artigos 168.º e 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que, por um lado, mesmo quando os custos gerais relativos às operações de locação financeira de bens móveis, como as que estão em causa no processo principal, não sejam repercutidos no montante devido pelo cliente pela disponibilização do bem em causa, ou seja, na parte tributável da operação, mas no montante dos juros devidos a título da parte «financiamento» da operação, ou seja, na parte isenta da operação, esses custos gerais devem ser considerados, para efeitos do IVA, como um elemento constitutivo do preço dessa disponibilização e, por outro lado, que os Estados membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.” (cfr. n. 59).

No mesmo sentido, como já antes referimos, vão a maioria das decisões do Tribunal Arbitral.

Assim, na Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 309/2017, de 20 de Novembro de 2017, conclui-se que, “(…) embora a Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA. E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo. (…).

Por isso, não tendo suporte legal a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30.01.2009, é ilegal a imposição da sua utilização pela Requerente.

(,,,)

Pelo exposto, conclui-se que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade (…).”

Também na Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 339/2018, de 25 de Março de 2019, se conclui que, “A Requerente sustenta, todavia, que o artigo 23.º, n.º 2, do Código do IVA não transpõe para o direito interno a disposição do artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Diretiva baseando-se essencialmente no seguinte argumento: enquanto a Directiva permitia que os Estados-membros autorizassem ou obrigassem o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens ou serviços, o legislador nacional não conferiu à Administração essa prerrogativa, limitando-se a permitir o controlo dos critérios objectivos que o sujeito passivo tenha utilizado quando opte pelo mecanismo da afectação real.”

Veja-se igualmente a Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 498/2018, de 28 de Maio de 2019, nos termos da qual se decide que, “Assim, ter-se-á de concluir que a faculdade concedida à Autoridade Tributária pelo n.º 3 do artigo 23.º não inclui a faculdade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução que, assim, só pode ser utilizada nas situações em que está prevista directamente na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4 do mesmo artigo. Embora à luz da referida Jurisprudência, se possa admitir que a Directiva IVA permitia ao legislador interno «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», a verdade é que este não usou tal prerrogativa, pelo que não pode a mesma ser aplicada internamente por ausência de base legal”.

Na Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 581/2018, de 17 de Junho de 2019, conclui-se no mesmo sentido que, “Pelo que a imposição da AT de operar com um pro rata diferente do definido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA afigura-se sem fundamento legal no direito nacional. Não é um Ofício-Circulado, que não é mais que uma instrução interna que apenas obriga aos serviços, mas que não tem eficácia externa, que pode substituir-se à lei, impondo aos sujeitos passivos aquilo que a lei não prevê.”

Acresce que importa atender que, como se faz notar na Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 769/2019, de 2 de Abril de 2020, “Mas, mesmo que o método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado assegurasse mais eficazmente os referidos princípios, a falta da sua previsão em diploma de natureza legislativo nacional, em matéria em que não é directamente aplicável qualquer norma de direito da União Europeia, sempre seria um obstáculo intransponível à sua aplicação, por força do princípio da legalidade, em que se insere o da hierarquia das fontes de direito, à face do qual não é constitucionalmente admissível que seja reconhecido a actos de natureza não legislativa «o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos» (artigo 112.º, n.º 5, da CRP), para mais em matéria sujeita ao princípio da legalidade fiscal…”

Atente-se no voto de vencida no âmbito do Processo n.º 887/2019, de 12 de Outubro de 2020, que, no tocante ao Caso Banco Mais, conclui que, “neste caso o TJUE considerou que a Sexta Diretiva do IVA não se opõe a que os Estados membros apliquem, numa determinada operação, um método ou critério diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução mais precisa do que a resultante daquele outro método. Ora, analisado o Acórdão (…), conclui-se que parte de uma premissa que não está correta, dado assumir uma interpretação, sem na realidade verificar se a lei portuguesa (o disposto no artigo 23.º do Código do IVA) prevê ou não mecanismos que permitam à AT impor outros métodos de dedução de IVA para bens e serviços de utilização mista.”

Por seu turno, como se conclui na Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 335/2018, de 14 de Dezembro de 2020, “(…) tem de se concluir que o poder concedido à Administração Fiscal pelo n.º 3 do artigo 23.º, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem dedução. (…) Por isso, embora a Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA. E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo. Este último diploma, definindo tal princípio, estabelece que «Os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins».” “Por isso, não tendo suporte legal a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30.01.2009, é ilegal a imposição da sua utilização pela Requerente.” “Pelo exposto, conclui-se que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade, pelo que procede o pedido de pronúncia arbitral.”

Veja-se ainda a Decisão proferida no Processo n.º 58/2020-T, de 21 de Janeiro de 2021, em conformidade com a qual se deve recusar a aplicação do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA “na interpretação subjacente ao Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, segundo a qual, a Administração Tributária poderia impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não legislativa, condições especiais limitadoras do direito à dedução, de que resulta os sujeitos passivos terem de suportar imposto que não suportariam se elas não existissem.”

Igualmente no Processo n.º 58/2020-T, se salienta que, “em face da jurisprudência do TJUE e do Supremo Tribunal Administrativo, a possibilidade de impor o método de cálculo do pro rata de dedução quanto a recursos de utilização mista previsto no n.º 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, no que concerne aos contratos de locação financeira efetuados por bancos, não é admitida generalizadamente, antes «tal situação será excecional», dependendo de se verificar, casuisticamente, que a utilização dos «bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos» (processo C-183/13, Banco Mais, e acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2017, processo n.º 0485/17, e de 04-03-2015, processos n.ºs 081/13 e 01017/12, e de 04-03-2020, processos n.ºs 7/19.4BALSB e 052/19.0BALSB, entre muitos outros).”

Note-se que, no contexto deste Processo, o Tribunal Arbitral, a propósito do Acórdão do TJUE no âmbito do Caso VW Financial Services, vem concluir que, “na linha desta jurisprudência, tendo em conta que a obrigatoriedade da jurisprudência do TJUE implicará o acatamento da mais recente quando ela se modifica, tem de entender-se que o método previsto no ponto 9. do Ofício-Circulado n.º 30108, que não tem em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, tem de considerar-se não suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios, pelo que, também sob esta perspetiva, é incompatível com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Diretiva n.º 2006/112/CE” (cfr. página 75 da referida decisão do Tribunal Arbitral).

De entre esta extensa panóplia de Decisões cumpre ainda salientar a proferida no Processo n.º 576/2021-T, de 14 de Fevereiro de 2022.

Nesta Decisão, inicia o Tribunal Arbitral por analisar a decisão proferida no referido Caso VW Financial Services, nos seguintes termos: “Assim, neste acórdão do processo C-153/17, apesar de ficar demonstrado que os custos gerais eram imputados à parte das rendas referentes aos juros e a parte das rendas correspondente ao capital não era tributada (por ser isenta à face da lei inglesa), entendeu-se que esta última não podia ser completamente excluída do cálculo do pro rata, pelo que esta jurisprudência não pode deixar  de ser aplicável à face da lei portuguesa, em que toda a atividade de leasing é tributada e, por isso, trata-se na totalidade de operações que dão direito à dedução, à face do artigo 20.º, n.º 1, e para efeitos do artigo 23.º, n.º 4, do CIVA.

Na verdade, se o TJUE entendeu que, mesmo nos casos de a parte das rendas correspondente às amortizações não ser tributada (como sucede na lei inglesa) esse montante não podia ser excluído completamente do numerador da fração, por maioria de razão valerá este entendimento quanto este montante também é tributado em IVA (como sucede na lei portuguesa) e, por isso, se está perante operação que confere operações que conferem direito a dedução, relativamente à qual resulta explicitamente da lei a sua inclusão no numerador da fração (artigo 23.º, n.º 4, do CIVA).

De qualquer forma, no citado acórdão 10-07-2014, proferido no processo n.º C-183/13 (Banco Mais), não se admitiu generalizadamente que um Estado-Membro possa obrigar um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, mas apenas admitiu tal possibilidade «quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar»”.

Termos em que se conclui que, “Como resulta desta parte final, na perspectiva do TJUE, não é compaginável com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE a imposição aos contribuintes de uma percentagem de dedução especial de forma genérica, independentemente da comprovação da utilização real dos bens e serviços, pelo que a imposição dessa percentagem especial pelo Ofício-Circulado n.º 30108 e na decisão da reclamação graciosa, sem qualquer indagação da utilização real dos recursos de utilização mista, enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito.”

De salientar em particular que veio ainda nessa Decisão reiterar-se o entendimento de que é necessário fazer um “apuramento casuístico” da utilização real dos bens e serviços de uso misto, em concreto, se é ou não sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos.

Termos de acordo com os quais o Tribunal Arbitral considerou expressamente que a autoliquidação então sindicada enfermava de erro sobre os pressupostos de direito, ao ter subjacente o entendimento de que a imposição do método que consta do ponto 9. do Ofício-Circulado n.º 30108, pode ser efectuada pela AT, de forma genérica, “sem apreciação casuística da questão de saber se a concreta utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Requerente relacionados com os contratos de locação financeira foi ou não sobretudo determinada pela atividade de disponibilização dos veículos e não pelo financiamento e gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes.”

O Tribunal chega mesmo a considerar que o método previsto no referido n.º 9 do Ofício-Circulado, por não ter “em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, em situação que se comprova uma afetação real e significativa de uma parte dos custos gerais à disponibilização dos veículos”, não tem potencialidade para “garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios, pelo que, também sob esta perspectiva, é incompatível com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE, como entendeu o TJUE no processo C-153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd.”

Mas importa salientar que o Tribunal entende que, entre nós, a imposição daquele método apenas poderia ser feita por via de diploma legislativo e não de circular administrativa, pelo que a sua imposição “viola os princípios constitucionais da legalidade e da hierarquia das normas e o princípio administrativo da legalidade [artigos 103.º, n.º2, e 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP e 55.º da LGT]”. Acrescendo que o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, é materialmente inconstitucional na interpretação de que permite à AT “impor um método de determinação da matéria tributável por via de Circular, à face dos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.”

Assim como, conclui, por violação do princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º da CRP, “se interpretadas como a aplicação do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108”.

No tocante à invocada decisão do STA, importa salientar que, distintamente do invocado pela AT, admite claramente antever a possibilidade de realização da prova sobre a utilização dos recursos mistos, designadamente por parte do sujeito passivo, de forma a apurar a adequação do critério e da taxa do pro rata por si utilizada – ou, neste caso, da taxa de dedução que pretende ver aplicada, por oposição ao previsto no Ofício-Circulado n.º 30108.

Face ao exposto, concluímos que a Requerente tem razão ao invocar que, atenta a jurisprudência comunitária e nacional neste âmbito, há que retirar as seguintes conclusões:

“ - A utilização de um critério de dedução de IVA dos recursos comuns como o defendido pela AT através do Ofício-Circulado não tem fundamento legal no Código do IVA, pelo que qualquer tentativa de aplicação do mesmo é ilegal;

- Ainda que tal critério possa ser admissível para o TJUE, à luz da interpretação das normas relevantes da Diretiva do IVA, o mesmo apenas é de aplicar caso se verifique que os recursos comuns são maioritariamente determinados pelo financiamento e gestão dos contratos; e,

- Para determinação do IVA dedutível, não se pode aplicar um método de repartição que não tenha em conta a situação concreta de cada contribuinte e as especificidades da sua atividade;

- Além disso, aquele método terá que ter igualmente em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.”

Idêntico entendimento foi, nomeadamente, veiculado no contexto do Proc. n.º 76/2022- T, de 22 de Fevereiro de 2023

Termos de acordo com os quais procedem, em nosso entendimento, os vícios invocados pela Requerente.

 

  1. Da prova da utilização dos recursos

 

Uma nota para salientarmos que, ainda que se concluísse, erroneamente, que o entendimento da AT estava correcto, o certo é que, efectivamente, não sendo utilizados critérios objectivos de repartição dos recursos comuns, apenas é admissível a utilização do critério defendido pela AT no caso de os referidos recursos serem sobretudo determinados pelo financiamento e gestão dos contratos de locação.

Ora, em nosso entendimento não resulta provado de forma cristalina e inequívoca da documentação junta aos autos e da prova testemunhal que tal é o caso da Requerente.

Não se nos afigura que tenha ficado demonstrado que o método do pro rata previsto no artigo 23.º, n.º 4, do CIVA, provocou “distorções significativas da tributação”, não se tendo verificado no caso controvertido o pressuposto no qual o Ofício-Circulado n.º 30108 assenta a imposição da aplicação do coeficiente de imputação específico previsto no seu n.º 9.

De qualquer forma, em último caso, sempre teríamos de concluir estarmos, pelo menos, perante uma situação de “fundada dúvida”, que, como é sabido, deve ser processualmente valorada a favor da Requerente e não contra ela, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, que se consubstancia como uma regra especial para situações em que esse tipo de dúvida subsiste, em processos jurisdicionais.

            

  1. Do reenvio prejudicial

 

Resulta do exposto que, não obstante em nosso entendimento as questões discutidas nos autos se encontrarem clarificadas pelo Tribunal de Justiça conforme a jurisprudência mencionada, o certo é que o percurso relatado demonstra que as divergências existentes, quer ao nível da doutrina quer da jurisprudência nacional, demonstram que, a final, existem dúvidas fundadas sobre o sentido e alcance das regras em apreço.

Termos em que, entendemos que, aqui chegados, seria recomendável proceder a reenvio prejudicial.

 

 

Lisboa, 10 de Abril de 2023

 

 

A Árbitra

 

 

(Clotilde Celorico Palma)



[1] Diretiva 2006/112/CE, de 28 de novembro de 2006.

[2] Em conjugação com o n.º 3 do mesmo artigo.

[3] Também designada por locação financeira.

[4] Os recursos exclusivos são deduzidos, ou não, nos termos do artigo 20.º do Código do IVA, enquadramento que não está em discussão no caso dos autos.

[5] Trata-se da Diretiva 77/388/CEE, de 17 de maio de 1977, que foi revogada e substituída pela Diretiva 2006/112/CE, de 28 de novembro de 2006, mantendo-se praticamente inalterado o sentido e teor da primeira.

[6] E, ao “decidir que o método proposto pela Administração Tributária do Estado português se conformava com a lei comunitária, [o Tribunal de Justiça] também permitiu que se concluísse que se conformava com aquele segmento do dispositivo nacional [artigo 23.º, n.º 3 do Código do IVA] sem necessidade de considerandos adicionais. Precisamente porque essa parte do dispositivo nacional constituía a transposição para o direito interno da disposição comunitária.” – v. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20 de janeiro de 2021, processo n.º 0101/19.1BALSB.

[7] V. “Desfazendo mal-entendidos em matéria do direito à dedução”, Revista das Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 1, número 1, p. 50.

[8] Doravante segue-se, por todos, o acórdão proferido no processo n.º 0101/19.1BALSB.

[9] E demais jurisprudência constante desse Supremo Tribunal sobre o tema em apreciação.

[10] Sérgio Vasques vai mais além e conclui mesmo que “aquilo que, no contexto do sistema IVA, consubstancia o método da afetação real, é questão que não está na disponibilidade dos tribunais nacionais determinar.” – v. “IVA, Pro rata e Locação Financeira”, Cadernos IVA 2020, p. 523.

[11] Neste sentido, v. a título ilustrativo as decisões nos processos arbitrais, no âmbito do CAAD, sob os n.ºs 709/2019-T, 383/2019-T e 887-2019-T, este último com voto de vencido da Prof. Doutora Clotilde Celorico Palma.

[12] N.º 34 do acórdão Banco Mais (C-183/13).

[13] Ou seja, quando a quantia do capital é paga pelo locatário, via rendas, não constitui a remuneração da atividade do locador, mas o pagamento parcelar do custo de aquisição do bem locado, in casu, viaturas automóveis que, findo o contrato, e se este se executar e desenvolver dentro da normalidade, passarão para a esfera jurídica do locatário mediante o exercício da opção de compra e o pagamento do valor residual constante do contrato. Só a componente de juro incluída nas rendas constitui verdadeiramente a remuneração do locador.

[14] A manutenção da propriedade do bem adquirido na esfera do locador constitui uma forma de garantia acrescida do cumprimento das obrigações, um “colateral” reforçado, tal como o é a reserva de propriedade.

[15] V. Regulamento (CE) N.º 1126/2008 da Comissão, de 3 de novembro de 2008, com as alterações subsequentes, designadamente a do Regulamento (UE) 2017/1986 da Comissão, de 31 de outubro de 2017. Note-se que este tratamento contabilístico determina o regime fiscal, para efeitos de IRC, pois dada a dependência (parcial) da fiscalidade em relação à contabilidade, somente concorre para a formação do lucro/rendimento tributável o valor dos juros e já não do reembolso de capital, como não podia deixar de ser, pois este último não representa qualquer acréscimo patrimonial na esfera do locador.

[16] Neste sentido, veja-se a fundamentação da decisão proferida no processo arbitral n.º 278/2020-T, de 13 de abril de 2021.

[17] V. sobre esta questão Ana Paula Dourado, O Princípio da Legalidade Fiscal: Tipicidade, Conceitos Jurídicos Indeterminados e Margem de Livre Apreciação, Almedina Teses, 2015.

[18] Configurando um regulamento de execução.

[19] Acórdão de 6 de outubro de 1982, processo n.º 283/81.   

[20] Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª Ed., 2007, pp.125-126.

[21] “A determinação da parcela de IVA dedutível contida nos inputs “promíscuos” dos operadores de locação financeira – as consequências do Acórdão do TJUE no caso Banco Mais, de 10 de Julho de 2014 (Proc. C-183/13)”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Coimbra, a.10n.1(Primavera2017), pp. 27-56.

[22] O bold é nosso.

[23] Veja-se José Maria Montenegro, “Comentário ao acórdão «Fazenda Pública contra Banco Mais, SA» de 10 de Julho de 2014, Proc. C- 183/13”, em Anuário de Direito Internacional, 2014/2015, pp. 313-323.

[24] Decisão proferida no âmbito do Proc. C-153/17, de 18 de Outubro de 2018.